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Os Elementos da Música



Pe. Bertrand Labouche

A palavra mousike, mousiké, designava o conjunto de artes inspiradas pelas musas: a poesia, a música e a dança. Depois, mais particularmente, foi aplicada à arte dos sons. As possibilidades de ordenação dos sons são inúmeras, mas é possível definir os princípios que regem essas possibilidades. Esses princípios se aplicam universalmente em qualquer época, para qualquer instrumento, para qualquer gênero musical. Podemos encontrar três elementos comuns a toda forma musical, seja romântica, medieval, barroca, clássica, folclórica, sinfônica, polifônica, de câmara, sacra ou uma ópera. São eles:

Melodia - Harmonia – Ritmo

A Melodia

É a ária que se assovia, é o tema de uma sinfonia, de uma cantiga popular: identifica uma peça musical e a diferencia de outra. A melodia é a sucessão de sons cuja escrita linear constitui uma forma, é o arranjo particular das notas musicais. Além de ser uma série de sons organizados e agradáveis ao ouvido, a melodia produz também um efeito sobre a alma humana: ela exprime sentimentos, paixões; traduz um pensamento, expressa uma realidade ou um ideal; com algumas notas, a melodia evoca um ser querido, uma estação, ou o curso de um riacho. Desenvolve-se “horizontalmente” como um relato; cada uma das notas engendra outra nota. Pode fazer-nos rir ou chorar, amar ou odiar, crer ou desesperar, sonhar ou dançar. A melodia é a alma da música. Ela revela a genialidade ou manifesta a pobreza de um compositor.

“A paciência ou o estudo bastam para reunir sons agradáveis, mas a composição de uma bela melodia é obra de gênio. A verdade é que uma melodia bonita não necessita de ornamentações nem de acompanhamentos para agradar. Para saber se é realmente bonita, temos de cantar a melodia sem acompanhamento”, afirmava Joseph Haydn, cujas sinfonias transbordam grande riqueza melódica.

A melodia se dirige ao que o ser humano tem de superior: a inteligência, a nobreza da alma, o desejo de infinito, de felicidade como bem mostra Tolstoi[1]:

“Depois do jantar, Natacha, às instâncias do príncipe André, pô-se ao cravo e cantou. Enquanto conversava com as senhoras num vão de janela, Bolkonski a escutava. Calou-se bruscamente no meio duma frase, sentindo que lágrimas lhe subiam à garganta, coisa de que não se julgava capaz. Com os olhos fixos na cantora, experimentava uma emoção desconhecida, uma felicidade misturada de tristeza. Sem ter motivo algum para chorar, estava prestes a derramar lágrimas. Chorar o quê? O seu primeiro amor? A sua princesinha? As suas desilusões? As suas esperanças? Sim e não. Aquela vontade de chorar provinha sobretudo duma revelação que se fazia nela: a espantosa contradição entre o que sentia de infinitamente grande e de indeterminado no fundo de seu ser e o indivíduo estreito e corpóreo que ele próprio era – e que ela também era – acabava de surgir-lhe ao espírito. Eis o que causava ao mesmo tempo seu tormento e sua alegria enquanto Natacha cantava”.

A música é a arte que exerce maior impressão sobre o ser humano: ela sustém o soldado pronto a sacrificar a vida, eleva a Deus – o canto dos salmos, essencialmente melódico, fazia chorar Santo Agostinho– consola os aflitos, equilibra os temperamentos ou os abala violentamente. A música pode ser constituída por uma simples melodia: é o caso do canto gregoriano, de uma partita para violino de Bach, ou o toque de um clarim.

Em si, a melodia não necessita de um acompanhamento. Este acompanhamento poderá valorizá-la e enriquecê-la, mas nunca substituí-la.

Para introduzir a noção de harmonia tomemos como exemplo o primeiro prelúdio em Dó Maior do Cravo bem temperado de Johann Sebastian Bach: está constituído por uma série de acordes admiravelmente dispostos. Escutem em seguida o mesmo prelúdio utilizado como acompanhamento à Ave Maria composta por Gounod. Vocês poderão comprovar que a harmonia de Bach cede lugar à melodia de Gounod. Temos aqui algumas belas melodias de que nosso caro leitor pode tirar grande proveito:
 
- A Aria (da Suite para orquestra nº 3) de Bach;

- A Serenata D 957 nº4, de Schubert;
- O Kyrie gregoriano nº IV;
- O intróito “Resurrexi” da missa gregoriana de Páscoa;
- O Moteto “Laudate Dominum” de Mozart;
- O Adágio, dito de Albinoni.

A Harmonia

É o conjunto de princípios sobre os quais se baseia o emprego de sons simultâneos, a combinação das partes instrumentais ou das vozes; é a ciência, a teoria dos acordes e da simultaneidade dos sons. Um acorde é um som composto por várias notas: o acorde de Dó Maior, por exemplo, é composto pelas notas dó-mi-sol. Acompanhará a melodia, conformando-se a ela. Pode ser dissonante, de 7a, por exemplo: dó-mi-sib-dó, dando um tom diferente à melodia e nesse caso requer-se um acorde consonante como solução harmônica; um dó cantado sobre um acorde de dó maior não soará como um dó cantado sobre um acorde de dó 7a ou de dó menor. O compositor mudará os acordes em função daquilo que deseja evocar através da melodia.

O canto polifônico (Palestrina, Vittoria, de Lassus...), o contraponto, a arte da Fuga (J.S.Bach), a orquestração sinfônica (Beethoven, Mahler...) supõem um perfeito conhecimento das leis da harmonia. Ela oferece menos liberdade do que a melodia, da qual é serva. Se a harmonia emancipa-se e é exacerbada, a pureza melódica ficará prejudicada. Isso não significa que a harmonia seja algo elementar. Ao contrário, pode ser muito complexa, mas em si não é absolutamente necessária à melodia: o canto gregoriano, tão apreciado pelos grandes músicos[2], é cantado em princípio a capella, isto é, sem acompanhamento do órgão.

A harmonia toca o homem em suas sensações, seus sentimentos, sua sensibilidade, seu coração.

Une-se à melodia, eleva-a, deixa-a mais precisa, dá-lhe nuances como o brilho de um diamante ou a neve no cume de altas montanhas. Um acorde Maior dá à melodia um tom, um clima particular, e um acorde menor pinta-a de outra cor, cada um deles atuando de modo distinto sobre os sentimentos. O primeiro, manifestando plenitude, o outro, certa melancolia... É a vestimenta, a decoração da melodia.

Etimologicamente, harmonia vem de uma palavra grega que significa “conjunto”, “junção simultânea”: a harmonia é arte de juntar, de combinar sons, em função de uma linha melódica. É possível que um compositor escreva uma sucessão harmônica com uma linha melódica em 2º plano: é o caso da polifonia e de composições de estudo ou de exercício, como o 1o prelúdio do “Cravo bem temperado” que Bach compôs para seus alunos. Gounod, como dissemos acima, utilizou o prelúdio como acompanhamento para sua “Ave Maria”: a melodia e a harmonia se enriquecem reciprocamente, mas a primeira domina e a segunda se apaga. A harmonia será tão melhor quanto menos se impor, ocupando seu lugar de modo preciso e discreto.

Um orador que faça uso da arte do discurso apenas para fazer-se notar e não para expressar idéias, torna-se pedante, seu discurso é vazio. Ele canta mais do que fala, e faz de si mesmo o fim do discurso. Da mesma forma, uma harmonia desmedida que queira atrair excessivamente a atenção sobre si, transforma a música num sentimentalismo vão ou uma fanfarronice. Uma harmonia pobre e repetitiva também reduz a música numa série enjoativa de acordes que “giram em círculo”.

Nada mais desagradável, por exemplo, do que um organista que utiliza uma composição gregoriana para fazer ouvir seu próprio acompanhamento; é um contra-senso musical: a melodia não ocupa mais o 1o lugar, é traída pela harmonia que deveria servi-la. Os sentimentos do organista, insuflados por suas pretensões musicais, asfixiam a pureza melódica e tiram dela seu conteúdo.

É esse mesmo erro que caracteriza as músicas da moda, cujas melodias, contrariamente ao exemplo precedente, são de extrema pobreza. Para compensar tal pobreza, o acompanhamento dessas melodias é sobrecarregado de todo tipo de efeitos, não só harmônicos, como também vocais, instrumentais, rítmicos considerados “legalzões” comercialmente, sem dúvida, musicalmente, não. A maior parte dos êxitos de Johnny Hallyday, por exemplo, ilustram isto.

Além do mais, é sintomático que esses sucessos da moda sejam passageiros, enquanto que as grandes obras musicais atravessam os séculos, imutáveis.

O tempo é também, a posteriori, um critério de beleza.

Eis aqui algumas obras de grande beleza harmônica:

- A “Missa em si menor” de J.S.Bach;
- O “Miserere” de Allegri;
- A “Fantasia em sol maior” para órgão de J.S.Bach;
- O 2º movimento da “Sinfonia inacabada” de Schubert.

O ritmo
 
O ritmo dá uma estrutura à melodia. A frase melódica se desenvolveu segundo a cadência imposta pelo compositor. A Für Elise de Beethoven ou um Noturno de Chopin, interpretados a ritmo de valsa ou de bolero tornam-se praticamente irreconhecíveis. Consideraremos aqui o ritmo compassado regular, em dois tempos (marcha), três tempos (valsa), quatro tempos, etc.
 
O caso do canto gregoriano, em que o ritmo não é cadenciado, tem de ser considerado à parte: suas linhas melódicas se desenvolvem por sucessões de “arsis” (impulsos) e de “tesis” (descansos), em função do sentido do texto e do acento da palavra em latim. Esse ritmo particular, que nenhum metrônomo pode medir, é a imagem da oração, “a elevação da alma a Deus[3] seguida de seu descanso em Deus; a quironomia[4] do canto gregoriano, sendo tão precisa como a regência clássica, não é menos “imaterial e flexível”[5].
 
Mas, seja neste caso ou no da música clássica em amplo sentido, aplica-se a afirmação de ritmo dada por Platão, “ordem do movimento[7].
 
Evidentemente, o ritmo em si não é uma coisa má! Certamente, o quadro rítmico constitui um limite imposto à linha melódica; mas esse limite não é uma camisa de força, é um contexto no qual a música pode desenvolver-se em infinitas possibilidades. A escolha de ritmos é abundante: eis aqui apenas as danças mais conhecidas que inspiraram numerosos músicos: chacona bourrée, allemande, zarabanda, gavota siciliana, minueto, polaca, mazurca, valsa, polca, etc.
 
A natureza que nos cerca está cheia de ritmos: as estações, as batidas do coração, o golpe dos cavalos, o canto dos pássaros, as ondas do mar, o sussurro do vento, a órbita dos planetas no espaço... obedecem a ritmos presentes na criação. Embora esses ritmos não sejam estritamente periódicos, mesmo quando muitos são de uma impressionante regularidade como as batidas do coração (graças a Deus!), inscrevem-se, quaisquer que sejam, na imensa “ordem dos movimentos” da qual o Criador é o 1º Motor. Constituem um elemento importante na ordem e beleza da Criação.
 
Os ritmos da música participam de certa maneira dos da Criação, assim como as cores das harmonias refletem sua beleza. A melodia, ainda mais elevada, nasceu analogicamente do músico como a Criação nasceu do pensamento de Deus. É o traço de um desenho, a linha de uma escultura.
 
O artista recebeu do criador o dom de produzir “beleza”.
 
Em música, o ritmo, assim como a harmonia, acompanha, estrutura a melodia. Mas, diferentemente da harmonia, o ritmo dirige-se ao homem em sua parte inferior, na parte corporal de seu ser. Seu corpo é movido pelo ritmo que o faz dançar, aplaudir, marchar, vibrar ou ao menos mexer os pés compassadamente. Utilizado além da medida o ritmo afogará a melodia e a harmonia. Se for violento, destruirá a melodia e a harmonia. Beethoven, em sua sonata “Appassionata”, ou em sua 5ª sinfonia, imprime tal poder ao ritmo que, de certo modo, às vezes, se apropria da melodia. O ritmo passa de estrutura subjacente a princípio ativo. O gênio de Beethoven, nessa luta que é a expressão de seu próprio combate interior, soube fazer triunfar a grandeza de sua melodia e de seus jogos harmônicos sobre um ritmo devastador. Esse combate íntimo de Beethoven não é o mesmo combate que opõe a ordem do Antigo Regime aos princípios da Revolução Francesa? A vida desse grande músico, precursor do romantismo, situa-se entre dois mundos: a ordem moral e social de acordo com o plano de Deus e a sublevação dessa ordem pela revolução.
 
Uma pequena nota: nossos jovens que solicitam o ritmo e que não vão buscá-lo no que há de melhor, deveriam ouvir Beethoven, ou o Bolero de Ravel, ou Tchaikovsky, Rimsky Korsakov, Liszt, e uma simples peça como “A dança do sabre” de Khatchaturian... Eles não ficariam decepcionados”!
 
Outros compositores como Vivaldi, Bach (ouvir sua “Aria”, da suíte para orquestra nº 3), Haendel, Pergolesi, Albinoni (ouvir o famoso “Adagio” a ele atribuido), Mozart (ouvir seu moteto “Laudate Dominum”) em que o ritmo permanece em seu lugar como uma simples e discreta estrutura da melodia, sem chegar às explosões de Beethoven. A melodia e a harmonia dominam a tal ponto que nos fazem esquecer o tempo. Como o filósofo ou o poeta que, passeando pelo campo, tão absorto em suas reflexões, não percebe o tempo que passa ou a distância percorrida. Na boa música, o ouvinte se sente pacificado precisamente porque esses três elementos – melodia, harmonia, ritmo – ocupam cada um seu devido lugar em perfeita conformidade com a natureza humana: alma (inteligência e vontade), coração (sensibilidade), corpo.
 
Assim, realiza-se o adágio: “A música suaviza os costumes”, eleva a alma, enobrece os sentimentos e ordena as paixões.
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1 “Guerra e Paz”, Livro II, cap. 19
2 Mozart teria modificado toda sua obra pela honra de ter composto o canto do prefácio da Missa. Beethoven escreveu: “Para escrever uma verdadeira música religiosa, estudem os antigos salmos e cantos católicos em sua verdadeira prosódia”. Gounod explicitou em seu testamento sua vontade de ter somente canto gregoriano em suas exéquias.
3 “Elevatio mentis a Deum” – Santo Tomás de Aquino, In psalmos, proemium.
4 A arte de dirigir um coro com as manos (“kiros”, em grego: mão)
5 J. Coudray –“ Méthode de Chant Grégorien d’aprés les principes de Solesmes”, pág 164.
6 “Das Leis”, II, 1.

LABOUCHE, Pe. Bertrand. Bach e Pink Floyd.
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