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Não há mal absoluto e só o bem pode ser desejável


Mas é importante precisar que não é toda e qualquer negação de ser que tem a determinação do mal: somente tem este direito a negação ou, mais exatamente, a privação de uma modalidade de ser que deveria se encontrar em um sujeito. Em consequência, não poderá haver mal absoluto; supondo-se, com efeito, um certo sujeito, todo mal repousa sobre algo de positivo que não pode ser senão algo de bom. Enfim, o mal jamais pode ser desejado por si mesmo; um apetite somente pode se referir a um bem. Se, portanto, um apetite parece relacionado a algum mal, isto não é mais do que uma aparência; ele se refere em realidade a um bem que lhe é conexo. Só, em definitivo, o bem pode ser desejável; solum bonum habet rationem appetibilis.

H.D. Gardeil, Iniciação à Filosofia de Tomás de Aquino, Parte IV - Metafísica

A TL levanta a cabeça peçonhenta


A Teologia da Libertação (TL) parece que tem vivido uma espécie de ascensão. Não que tivesse abandonado o campo de atuação, mas parecia ter se revestido de uma espécie de discrição - estratégica, claro -, embora não tenha logrado ocultar sua perniciosa presença aos olhos dos atentos. O negócio é que a TL foca as massas que, verdade seja dita, é constituída de incautos, como ovelhas indefesas diante destes sofismas filosóficos e teológicos. Os pastores, em grande parte, capitularam da Fé e passaram a labutar ao lado dos inimigos. Neste terreno, é muito fácil tornar-se lobo também.

No último folheto litúrgico da Paulus, aquele que a gente usa na Santa Missa, o Pe. J.B. Libâneo nos saudou, de novo, com a cantilena marxista, só que de um modo menos tímido. O nome de Boff até apareceu no texto como um representante do que este padre sem siso chama de "teólogos sérios". O artigo ainda elogiava safadamente a secularização em oposição à fé tradicional e cantava loas aos militantes ateus em sua heróica dedicação por uma sociedade "mais justa". Leia sobre isso aqui e aqui. Mas que porcaria, Pe. Libâneo! Só não lhe digo umas boas porque o senhor, a contragosto, é padre. Mas o senhor merecia uns bons gritos, no mínimo! E, como bem detalha o Frei Rojão, o texto traz no roda-pé a aprovação da CNBB, que estou quase a chamar "CNB do B", como já o fazem alguns.

Além disto, o Brasil, em outubro de 2012, sediará um Congresso Internacional sobre a Teologia da Libertação, e que contará com presenças ilustres como o já supra-citado ex-frei Boff, o Pe. Gutierrez e outros gurus da esquerda [anti]católica. O evento pretenderá celebrar os 50 anos do Concílio Vaticano II e os 40 anos do livro "Teologia da Libertação. Perspectivas" do Pe. Gutierrez.  Leia aqui.

Com este contexto, não espantaria se o mundo acabasse mesmo no ano que vem. ^^

Já não me espanta mais que a CNBB viva a promover esses eventos. Mas é importante que os fiéis entendam que a CNBB realmente - e demorei pra me convencer disso - luta, conscientemente, CONTRA a Fé Católica, perseverando obstinadamente numa insubmissão ao Papa, numa revolta mesmo, reduzindo toda a Fé Católica a um instrumental a ser usado em prol dos pressupostos socialistas. E isto quando a Igreja já se pronunciou diversas vezes contra a Teologia da Libertação. Ou seja! Não é ignorância da CNBB e desses outros! É rebeldia pura e simples! É o "non serviam" da antiga serpente e a que esse povo anda, já, tão habituado. 

A minha dúvida é saber porque o Papa não condena, de vez e dogmaticamente, esse erro infernal. Alguns vão dizer que isto contraria o modo do CVII, mas afirmá-lo é contrapor este concílio a toda a história da Igreja. Se há, de fato, uma hermenêutica da continuidade, nada impediria de levantar uma anátema neste caso, pois é muito conhecido o prejuízo que este erro luciferino - a TL - tem causado, já há longo tempo, na Igreja.

Alguns dizem que o agonizante, próximo à morte, costuma ter uma súbita melhora, como se a saúde o visitasse uma última vez. Me agradaria se esse fosse o caso dessa heresia. Que a Virgem Santíssima se encarregue de esmagar de vez esse mal.

Que São Miguel Arcanjo combata por nós.

Fábio

Firmai-vos n'Ele e estareis firmes - Sto Agostinho


Se te agradam os corpos, louva nele a Deus e retribui o teu amor ao divino Artista para Lhe não desagradares nas coisas que te agradam.

Se te agradam as almas, ama-as em Deus porque são também mudáveis, e só fixas n'Ele encontram estabilidade. De outro modo passariam e morreriam. Ama-as portanto n'Ele, arrebata-Lhe contigo todas as que puderes e dize-lhes: "Amemo-Lo". Ele, que não está longe, foi o criador destas coisas. Não as fez para depois s deixar, mas d'Ele vêm e n'Ele estão. Ele está onde se saboreia a Verdade. Está no íntimo do coração, mas o coração errou longe d'Ele.

"Voltai, ó pecadores, ao coração", e ligai-vos Àquele que vos criou. Firmai-vos n'Ele e estareis firmes. Descansai n'Ele e descansareis. Para onde ides por caminhos escabrosos? Para onde ides? O bem que amais d'Ele procede. Mas só é bom e suave quando para Ele é dirigido. Pelo contrário, será justamente amargo, se se ama injustamente o que d'Ele provém, abandonando a Deus.

Por que andar de contínuo por caminhos difíceis e trabalhosos? Não há descanso onde o procurais. Procurais a vida feliz na região da morte; não está lá. Como encontrar vida feliz onde nem sequer vida existe?

Ele, a nossa vida, desceu até nós. Suportou a nossa morte e matou-a pela abundância da nossa vida. Com voz de trovão veio a nós, descendo primeiro ao seio da Virgem onde se desposou com Ele a natureza humana, a carne mortal, para não ficar eternamente mortal. E de lá, "como um esposo que sai do tálamo, deu saltos como um gigante para percorrer o seu caminho". Não se deteve, mas correu clamando com palavras, com obras, com a própria morte, com a vida, com a descida (ao Limbo), com a Ascensão, clamando sempre que a Ele voltássemos.

Fugiu dos nossos olhos para que entremos no coração e aí O encontremos. Sim, separou-se de nós, com relutância, mais ei-Lo aqui. Não quis estar conosco muito tempo, mas não nos abandonou. Arrancou-se de onde nunca se retirou, porque "o mundo foi por Ele criado" e "estava neste mundo e veio a este mundo salvar os pecadores".

A Ele se confessa minha alma, a Ele, seu Médico, pois contra Ele pecou. "Filhos dos homens, até quando sereis duros de coração?" Será possível que, depois da descida da vida, não queirais subir e viver? Mas para onde subis quando vos levantais e "abris a vossa boa contra o céu?" Descei para subirdes, para subirdes até Deus, pois precipitastes-vos pensando elevar-vos contra Deus.

Alma, dize-lhes isto para que chorem neste vale de pranto, e, assim, os arrebates contigo para Deus, pois é o seu Espírito que te inspira estas palavras, se as disseres, ardendo no fogo da caridade.

Sto Agostinho, Confissões, Livro IV, Cap. 12

Não sejas vã, ó minha alma - Sto Agostinho


Não sejas vã, ó minha alma, nem ensurdeças o ouvido do coração com o tumulto da tua vaidade. Ouve também: o mesmo Verbo clama que voltes. O lugar do descanso imperturbável está onde o Amor não é abandonado, a não ser que o Amor nos abandone primeiro. Eis como estas coisas passam, para outras lhes sucederem, e assim se formar de todas as partes este mundo, cá embaixo. "Afasto-me eu, porventura, para outro lugar?", diz o Verbo de Deus. Fixa aqui, ó alma, a tua mansão. Retribui-lhe tudo o que dele alcançaste, já que estás cansada de tantos enganos.

Entrega à Verdade tudo o que tens recebido da Verdade, e não só não perderás nada, mas ainda a tua podridão reflorescerá, as tuas fraquezas serão curadas, as tuas frouxidões serão reformadas, rejuvenescidas e estreitamente unidas a ti, sem te colocarem na ladeira por onde descem, mas ficando contigo e permanecendo junto do Deus sempre estável e eterno.

Por que é que tu, perversa, segues a tua concupiscência? Que ela te siga a ti, quando retrocederes. O que por ela sentes constitui partes, e tu ignoras o todo formado por essas partes que ainda te deleitam. Mas se a sensibilidade do teu corpo fosse apta para receber o todo - e se na parte do todo não tivesses recebido, para teu castigo, a justa limitação -, quererias que passasse o que presentemente existe, para que o conjunto mais te deleitasse. Ora, tu ouves pelos mesmos sentidos carnais o que pronunciamos, e certamente não queres que as sílabas parem, mas desejas que voem para outras lhe sucederem, para ouvires o conjunto. Do mesmo modo acontece com as partes que formam um todo sem que haja simultaneidade nas partes de que consta o todo. Deleita mais o todo uno, quando pode ser percebido, do que cada uma das partes. Mas quanto melhor que estas coisas é Aquele que as fez todas, o nosso Deus, que não passa porque nada Lhe sucede.

Sto Agostinho, Confissões, Livro IV, Cap. 11.

A legítima conversão Católica em contraste com o engano luterano e o naturalismo rasteiro - A dimensão da vida da Graça


Pe. Garrigou Lagrange

A conversão faz passar a alma do estado de pecado mortal ou da dissipação e da indiferença com relação a Deus, ao estado de graça, no qual ela já ama a Deus mais do que a si e acima de tudo, pelo menos com um amor de estima, senão ainda com um amor verdadeiramente generoso e vitorioso sobre todo egoísmo.

O primeiro estado era um estado de morte espiritual, no qual, mais ou menos conscientemente, o pecador refere tudo a si, querendo fazer-se centro de tudo e ficando escravo de tudo: de suas paixões, do espírito do mundo e do espírito do mal.

O segundo estado é um estado de vida, no qual começamos seriamente a superar a nós mesmos, a referir tudo a Deus, amado por nós mais do que a nós mesmos. É a entrada no reino de Deus, onde a alma dócil começa a reinar com Ele sobre as paixões, sobre o espírito do mundo e sobre o espírito do mal.

Compreende-se então que Santo Tomás tenha escrito: "O bem da graça de um só homem é maior que o bem natural de todo o universo" (I-II, q. 113, a.9. ad 2m): O menor grau de graça santificante que houver em uma alma, por exemplo na de uma criança depois de batizada, vale mais que o bem natural de todo o universo. Esta graça única vale mais do que todas as naturezas criadas tomadas em conjunto, incluindo as naturezas angélicas, pois os anjos necessitaram não de redenção, mas do dom gratuito da graça, para tenderem à bem-aventurança sobrenatural à qual Deus os chamara. Santo Agostinho diz que Deus, criando a natureza angélica, deu-lhes o dom da graça: "Ao mesmo tempo que lhes criava a natureza lhes dava a graça" e sustenta que "a justificação do ímpio é coisa maior do que a criação do céu e da terra", até maior que a criação das naturezas angélicas.

Santo Tomás acrescenta: "A justificação de um pecador é proporcionalmente mais preciosa do que a glorificação de um justo, pois o dom da graça supera mais o estado do ímpio, que era digno de castigo, do que o dom da glória o estado do justo que, pelo fato de sua justificação, é digno deste dom". Há muito maior distância entre a natureza do homem e até a do anjo mais elevado e a graça, do que entre a graça e a glória. A mais alta natureza criada não é absolutamente o germe da graça, enquanto que a graça é justamente o germe da vida eterna, semen gloriae. Passa-se, pois, no confessionário, no momento da absolvição do pecador, algo maior proporcialmente do que a entrada de um justo na glória.

Tal a doutrina que Pascal exprime dizendo, em uma das mais belas páginas de Pensées, que neste ponto resume o ensinamento de Santo Agostinho e de Santo Tomás: "A distância infinita entre os corpos e os espíritos retrata a distância infinitamente superior entre os espíritos e a caridade, porque é sobrenatural. Todos os corpos, o firmamento, as estrelas, a terra e os seus reinos, não valem o menor dos espíritos, pois o espírito conhece tudo isto e a si mesmo, ao passo que os corpos nada conhecem. Todos os corpos reunidos, e todos os espíritos em conjunto e todas as suas produções não valem o menor movimento de caridade, que está numa ordem infinitamente mais elevada. De todos os corpos juntos ninguém alcançará um pensamento, por menor que seja, pois isto é impossível por ser de outra ordem. De todos os corpos e espíritos conjuntamente não seria possível conseguir um movimento de verdadeira caridade, pois isto é impossível, dado que de outra ordem, de uma ordem sobrenatural".

Vê-se daí como foi grande o erro de Lutero sobre a justificação, querendo explicá-la não pela infusão da graça e da caridade que redime os pecados, mas apenas pela fé em Cristo, sem as obras, sem o amor, isto é, pela simples imputação exterior dos méritos de Cristo, imputação que cobriria os pecados sem apagá-los, deixando assim o pecador na sua mancha e corrupção. Deste modo, a vontade não seria regenerada pelo amor sobrenatural de Deus e das almas em Deus. A fé nos méritos de Cristo e a imputação exterior de sua justiça manifestamente não bastam para que o pecador seja justificado ou convertido; é necessário ainda que queira observar os preceitos, sobretudo os dois grandes preceitos do amor a Deus e ao próximo. "Se alguém me ama, guardará minha palavra e meu Pai o amará e nós viremos e faremos nele a nossa morada" (Jo 14,23). "Quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele" (1 Jo 4,16).

Estamos aqui em um plano muito superior ao da honestidade natural, e esta também não pode ser realizada sem a graça, necessária ao homem decaído a fim de amar eficazmente, e mais do que a si mesmo, o Soberano Bem, Deus autor de nossa natureza. Nossa razão, por suas próprias forças, concebe facilmente que devemos amar assim o Autor de nossa natureza, mas nossa vontade, no estado de decadência, não pode chegar até aí. Com mais forte razão ela não pode, apenas por suas forças naturais, amar a Deus, Autor da graça, visto como este amor é de ordem essencialmente sobrenatural, tanto para os anjos quanto para nós. Vemos, assim, qual é a elevação da vida sobrenatural que recebemos no batismo, e por conseguinte, qual deve ser nossa vida interior.

Pe. Réginald Garrigou-Lagrange, As Três Vias e as Três Conversões

A Vida Interior é o Único Necessário


Pe. Garrigou Lagrange

A vida interior é para cada um de nós o único necessário. Ela deveria desenvolver-se constantemente em nossa alma, muito mais do que aquilo que chamamos de vida intelectual, científica, artística ou literária. Ela é a vida profunda da alma, do homem inteiro e não apenas de uma ou outra de suas faculdades. A própria intelectualidade ganharia muito se, em lugar de querer suplantar a espiritualidade, reconhecesse sua necessidade, sua grandeza e se beneficiasse da sua influência, que é a das virtudes teologais e dos dons do Espírito Santo. Como é grave e profundo este assunto, que é expresso por estas duas palavras: Intelectualidade e Espiritualidade! Também é bastante evidente que sem uma vida interior séria não há como manter-se uma influência social verdadeiramente profunda e durável.

A urgência premente de nos lembrarmos do único necessário se faz sentir particularmente neste tempo de mal-estar e de confusão geral em que tantos homens, e até povos, perdendo de vista nosso verdadeiro fim último, colocam-no nos bens terrenos, esquecendo o quanto estes diferem dos bens espirituais e eternos.

No entanto, é claro, como disse Santo Agostinho: "que estes mesmos bens materiais, ao contrário dos bens espirituais, não podem ao mesmo tempo pertencer integralmente a muitos". A mesma casa, o mesmo terreno, não podem simultaneamente pertencer de modo integral a muitos homens, nem o mesmo território a muitos povos. Daí vem o terrível conflito de interesses, quando se põe febrilmente o próprio fim último nestes bens inferiores.

Ao contrário, Santo Agostinho se compraz em insistir que os mesmos bens espirituais podem pertencer simultânea e integralmente a todos e a cada um, sem que ninguém perturbe a paz a outrem. Até, a todos e a cada um, sem que ninguém perturbe a paz a outrem. Até, por sinal, nós os possuiremos tanto melhor quanto mais numerosos formos em gozar deles conjuntamente. Podemos, pois, deste modo gozar todos simultaneamente, sem de modo algum nos prejudicarmos uns aos outros, a mesma verdade, a mesma virtude, o mesmo Deus. Estes bens espirituais são bastante ricos e universais para pertencerem ao mesmo tempo a todos e para satisfazerem a cada um de nós. Mais ainda, não possuímos plenamente uma verdade, se não a ensinarmos a outros, se não os fizermos participar de nossa contemplação.

Não amamos realmente uma virtude se não a quisermos ver amada pelos outros. Não amamos sinceramente a Deus se não o quisermos fazer amado. Enquanto se perde o dinheiro que se dá ou que se gasta, não se perde a Deus dando-o aos outros, antes ficamos possuindo-o melhor. Nós o perderíamos se, pelo contrário, por ressentimento permitíssemos que sequer uma alma ficasse sem Ele; se quiséssemos excluir uma alma do nosso amor, mesmo aquela que nos perseguisse e caluniasse.

Há nesta verdade simplíssima e altíssima, tão querida de Santo Agostinho, uma grande luz. Se os bens materiais dividem os homens, principalmente quando são procurados por si mesmos, os bens espirituais unem os homens com uma profundidade que só cresce na medida em que amamos tais bens.

Este grande princípio é um daqueles que fazem melhor sentir a necessidade da vida interior. Contém virtualmente a solução da questão social e da crise econômica mundial que grassa em nossos dias. É ele expresso com simplicidade no Evangelho: "Procurai primeiro o reino de Deus e tudo o mais vos será dado em acréscimo" (Mt 6,33; Lc 12,31). O mundo está agonizante justamente por esquecer esta verdade fundamental que é, no entanto, elementar para qualquer cristão.

As verdades mais profundas e vitais são, de fato, precisamente verdades elementares longamente meditadas, aprofundadas e assim tornadas para nós verdades de vida, isto é, objeto de nossa contemplação habitual.

O Senhor mostra aos homens, na hora presente, como eles se enganam querendo passar sem Ele, pondo o próprio fim último no gozo terrestre, invertendo a escala de valores ou, como se dizia outrora, a subordinação dos fins. Querem então produzir o máximo possível na ordem material do prazer. Pensam compensar assim, pelo número, a pobreza dos bens terrestres. Constroem máquinas cada vez mais aperfeiçoadas para sempre produzirem mais e melhor, tirando assim o maior proveito. Eis o fim último deles. O que se segue disto? Esta superprodução não pode ser escoada. Torna-se inútil e nos conduz ao desemprego atual, em que o operário sem trabalho está na indigência, enquanto outros morrem de indigestão. Dizem que é uma crise, mas na realidade é mais do que uma crise, é um estado geral que deveria ser revelador se tivéssemos olhos para ver, como diz o Evangelho. Puseram o fim último da atividade humana onde ele não está, não em Deus, mas nos prazeres terrestres.

Querem encontrar a felicidade na abundância dos bens materiais, que são incapazes de dá-la. Longe de unir os homens, estes bens os dividem, e isto tanto mais quanto estes são procurados como fim último e mais encarniçadamente. A distribuição ou a socialização de tais bens nunca será remédio suficiente e dará felicidade, enquanto tais bens terrestres conservarem sua natureza e a alma humana, que os supera, conservar também a sua. Daí a necessidade, para cada um de nós, de pensar no único necessário e de pedir ao Senhor pessoas santas que não vivam senão com este pensamento e que sejam grandes animadoras, das quais tem o mundo tanta necessidade. Nos períodos mais perturbados, como na época dos Albigenses e mais tarde, na eclosão do Protestantismo, o Senhor enviou uma plêiade de santos. A necessidade deles não é menos sentida nos tempos atuais.

Pe. Réginald Garrigou-Lagrange, As Três Vias e As Três Conversões

A cultura moderna e a "insuportável presença" de Jesus


"Não suportaram, outrora, judeus e pagãos, o convívio com Deus vivo e verdadeiro. Deram-lhe morte, e morte de cruz. Da mesma "insuportável presença" quer também livrar-se a moderna cultura. A seu reino é anteposta a promessa de um paraíso terrestre gerado pela revolução, pelo desenvolvimentismo e pela tecnocracia. Não disse estar Ele em sua Igreja, presente nela e até a consumação dos séculos? Pretendem pois aniquilá-la, querendo-a infiel e idólatra: no mundo e do mundo; e, como supremo, final, satânico objetivo atingir pelo "cristianismo secularizado" o que chamam a "morte de Deus"".

Hélio Drago Romano, A Gnose e a "Morte de Deus"

A Virtude Cardeal da Temperança, por Michael Voris

Recomendação e Download de Livro sobre o Tomismo


Ando meio adoentado e por isso reduzi um pouco o ritmo das postagens. Mas, jajá eu fico bom, e vou pondo outras coisas por aqui. Passo tão somente para fazer uma recomendação e disponibilizar o link de uma obra importante. 

Como é bem conhecido, Pio XI, certa vez, escreveu o seguinte: "A todos quantos agora sentem sede da verdade, dizemos-lhes: ide a Tomás de Aquino". Os grandes apologistas, isto é, defensores da Fé Católica, seguem esta linha. A Filosofia tomista é importantíssima, não só para compreender melhor a doutrina católica e defendê-la, mas para aperfeiçoar a inteligência como um todo, perceber mais facilmente os problemas de outras filosofias e, enfim, para reconhecer a verdade onde quer que ela se dê.

Há quem pense que os católicos têm uma sobre-estima com Sto Tomás, uma espécie de admiração exagerada e forçada. Contra essa crítica, não é preciso resposta alguma, além da escreveu Pio XI: "Ide a Tomás". Quem a ele se dirigir, haverá de ver a sua evidente superioridade e total singularidade. Eu sou um peixinho muito pequeno, ainda, nesse mundo, mas faço faculdade de Filosofia e já entendo um pouco a diferença monumental entre o Tomismo e outras correntes filosóficas, sobretudo as modernas.

Bem, meu intuito aqui é recomendar o estudo do Tomismo aos que não o conhecem ou que apenas começam a se debruçar sobre ele. Há inúmeros sites e blogs que trazem, na estrutura dos seus textos, os traços dessa Filosofia. No entanto, para possibilitar um começo mais sistemático, deixo o link de um trabalho de introdução ao pensamento de Sto Tomás - O nome da obra é "Iniciação à Filosofia de Tomás de Aquino" do H. D. Gardeil, que é dividido em quatro partes: Introdução Geral e Lógica, Cosmologia, Psicologia e Metafísica. Cada parte dessas é um livro. Abaixo, vão os quatro. 

Termino, enfim, recomendando que não se importem tanto em terminar a leitura, mas em entendê-la. Embora sejam livros de introdução, isso não quer dizer que sua linguagem seja simples, rs... Bem, façam o download e peçam a Deus a graça de estudá-los seriamente. Cliquem na figura abaixo. Abraço.


A Intolerância Dogmática é a verdade pugnando por seus direitos contra o erro


Pe. Cauly

Por tolerância dogmática, entende-se a doutrina que ensina a indiferença religiosa na qual cada um é livre de praticar o culto que quiser, como se todas as religiões fossem igualmente boas ou pelo menos indiferentes.  Esta tolerância, ou antes, esta indiferença religiosa, que se chama Igualmente indiferentismo, encerra um princípio ímpio, absurdo e funesto nas suas consequências. É ímpio, porque declara que Deus é tão perfeitamente honrado por aquele que o blasfema como por aquele que o adora, e o selvagem que mata o cristão em ódio da fé é tão agradável a Deus como o mártir que morre pela sua religião. É absurdo, porque coloca em pé de igualdade o erro e a verdade, de maneira que o culto católico, o protestante, o judaico e o maometano, que se contradizem, são igualmente bons e honram do mesmo modo a divindade. Enfim, este princípio leva às mais tristes consequências; com efeito, de que serve procurar a verdade e a virtude, se as religiões em que o erro e o vício estão honrados, merecem tanta estima e conduzem aos mesmos resultados que as contrárias?

Na verdade, semelhante doutrina não pode ser chamada senão um escárnio de Deus e seu culto; é uma negação implícita de todas as verdades religiosas. Por conseguinte, a tolerância religiosa é desarrazoada, falsa, ímpia.

Ora, a intolerância dogmática, que ensina a obrigação de uma só religião verdadeira, é justamente o contrário dessa doutrina. Seu princípio pode ser assim enunciado: Do mesmo modo que há um só Deus e uma só verdade, não há mais do que uma só verdadeira religião para honrá-lo e esta religião, - quando pode ser conhecida, - é obrigatória para toda a humanidade.

Isso é, com efeito, ensinado pela Igreja Católica, e ela formulou esta doutrina na máxima: Fora da Igreja não há salvação. Será censurável esta doutrina? Evidentemente, se a Igreja for verdadeira, não se pode censurar tal sentença; ora, é verdadeira, absolutamente verdadeira; a Igreja possui a verdade, conserva a doutrina de Jesus Cristo, seu legislador, pelo qual foi promulgada esta lei universal: "Quem entrar na minha Igreja pela fé e pelo batismo, será salvo; quem a isso recusar, será condenado." A Igreja não faz mais do que proclamar essa lei divina; eis aí toda a sua intolerância.

Portanto: 1º a intolerância dogmática da Igreja é a intolerância da verdade, que, imutável na sua natureza, segura de si mesma, não admite nenhuma aliança, nenhuma transação com o erro, e repele essencialmente a mentira; 2º a intolerância da Igreja é a intolerância de Deus mesmo ou, em outros termos, é a fidelidade da Igreja à sua missão, é a recusa absoluta de ser infiel ao seu mandato, pactuando com o erro.

Importa todavia entender no seu verdadeiro sentido a máxima: Fora da Igreja não há salvação. Não significa: "Todo aquele que não é católico será condenado"; mas quer dizer que a Religião Católica, sendo obrigatória para a universalidade dos homens, aquele que, de caso pensado, de propósito, recusa tomar conhecimento dela, ou abraçá-la quando lhe é suficientemente conhecida, torna-se gravemente culpado para com Deus, incorre na reprovação eterna, e não será salvo. Em outros termos, se ficar, por sua culpa, fora da Igreja ou da verdade, para ele não haverá salvação. Mas se, de boa fé, permanecer no erro que ele julga ser a verdade; se observar, tanto quanto os conhece, a lei de Deus e os deveres apontados por sua religião e por sua consciência, ainda que fosse herético ou pagão, poderá salvar-se; porque, neste caso, por seu desejo e por sua boa vontade, pertence à alma da Igreja sem ser membro de seu corpo, e, mediante a fé em um só Deus remunerador e redentor, há de alcançar a salvação.

A intolerância dogmática, tal qual acaba de ser explicada, é pois justíssima, muito razoável e perfeitamente aceitável; é a verdade pugnando por seus direitos contra o erro. Em lugar de censurar, os indiferentistas deveriam, segundo o raciocínio atribuído a Henrique IV, rei de França, no momento de sua conversão, abraçar como ele o partido mais certo e entrar no seio da Igreja que possui a verdade.

Pe. Cauly, Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV, Apologética Cristã, Parte Histórica, Cap. I, pp.359-362

Grupo de Resgate Anjos de Adoração - GRAA

Essa é uma primeira tentativa de fazer alguma coisa nesse formato de video. rsrs... Ficou mais ou menos ^^

Atrevei-vos a ser santos!


Quando me ponho a ver algo desses videos e o que o papa tem dito a nós, jovens, a minha alma reverbera e gostaria de encará-lo nos olhos e jurar-lhe, como Doce Sombra de Cristo que é, fidelidade por toda a vida. Amo o Papa. Que Deus lhe conceda muitos anos de vida ainda! 

Amo a Santa Igreja. Sem Ela, eu não sou nada. Viva à Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Nela quero viver e morrer. Glória a Cristo Rei!

"Queridos jovens, escutai verdadeiramente as palavras do Senhor, para que sejam em vós «espírito e vida» (Jo 6, 63), raízes que alimentam o vosso ser, linhas de conduta que nos assemelham à pessoa de Cristo, sendo pobres de espírito, famintos de justiça, misericordiosos, puros de coração, amantes da paz. Escutai-as frequentemente cada dia, como se faz com o único Amigo que não engana e com o qual queremos partilhar o caminho da vida." (Discurso do Santo Padre na Praça de Cibeles, 11 de Agosto de 2011)

Noite de São Bartolomeu IV e Final - Do número das vítimas


I. Divergências dos historiadores.
II. Número verossímil das vítimas em toda a França.
III. Questão acessória: É verdade que Carlos IX tenha atirado contra os protestantes?
Conclusão.

I. Seria pretensioso querer determinar, mesmo aproximadamente, o número das vítimas da São Bartolomeu, quer em Paris, quer nas províncias. Entre os diversos historiadores, a diferença é por demas sensível e suas divergências se explicam. Uns e outros são levados a aumentar ou a diminuir o número, segundo seu interesse ou partido. É de notar também que os autores acham complacência em aumentar tanto mais o número das vítimas, quanto mais afastados se acham do tempo de que escrevem.

O calvinista La Popelinière o avalia em mais de dois mil por toda a França, e em mil só em Paris; Tavannes em dois mil só na capital. Papyre-Masson, contemporâneo protestante, mais tarde convertido, conta dez mil vítimas; o Martirológio protestante, impresso em 1582, dez anos só depois dos acontecimentos, quinze mil; de Thou, apologista dos protestantes, fala em trinta mil; Davila, pagem de Catarina de Medicis, e mais tarde historiador das guerras de religião na França, elevou o número a quarenta mil; Sully, apegado aos erros dos calvinistas, a setenta mil; e Péréfixe, bispo de Rodez, preceptor de Luiz XIV, cujo fim era inspirar horror por aquela tragédia, chega até cem mil.

II. Apesar das buscas dos eruditos e dos documentos históricos publicados, seria temerário adotar um número exato, e o mais prudente é ainda, como no tempo em que o padre Caveirac publicava sua Dissertação sobre a São Bartolomeu (1758), tomar por base os cálculos do próprio Martirológio dos calvinistas.

Eis o seu quadro.


Cidades
Número Geral
das Vítimas
Número daquelas que são nomeadas
Paris
Em geral, 10.000, detalhadamente 468
152
Orléans
1.850
156
Meaux
225
30
Troyes
37
37
Burges
23
23
La Charité
20
10
Lyão
1.800
144
Saumur et Angers
26
8
Romans
7
7
Ruão
600
212
Tolosa
306
0
Bordéus
274
7
Total
15.168
786



O autor desse Martirológio, contemporâneo dos fatos, calvinista de religião, encarregado de modo quase oficial desse trabalho, não julgou poder levar além de 15.168 o número das vítimas; pois deve ser ele considerado como um total máximo. Ainda, oferece lugar a justas observações.

1º O total, dado pelo Martirológio, não será sensivelmente exagerado? Há muitos motivos para o acreditar. Em primeiro lugar, não é de admirar que, depois de ter indicado em geral 15.168 vítimas, o autor não possa designar pelo nome mais do que 786. Dir-se-á talvez que citou só as mais ilustres. Mas não é isso, pois que nessa enumeração há nomes de pessoas desconhecidas e de nenhuma importância social. Deve-se então concluir que na realidade, não houve mais que as 786 vítimas nominalmente designadas? Tal não pretendemos; sabe-se, com efeito, o que acontece nos tumultos populares. Contudo, há de se convir que, entre a generalidade e os pormenores, a diferença é por demais sensível.

2º O autor dá em Paris o número total de 10.000 vítimas e detalhadamente só acha 468, e de todos aqueles infelizes mortos nas ruas de Paris, nominalmente designa apenas 152. Segundo o Martirológio, a maior parte dos cadáveres foi lançada no Sena. Ora, um documento autêntico, uma conta da casa da câmara municipal, dá o número exato dos cadáveres retirados do Sena e sepultados nos arredores de Saint-Cloud, Auteuil e Chaillot: 1.100 corpos recolhidos foram enterrados. As avaliações dos contemporâneos menos suspeitos, ficam pouco abaixo ou acima desse número, e demonstram que o total de 2.000, dado por Papyre-Masson, nem foi alcançado, e que La Popelinière é mais chegado à verdade quando fixa em mil as vítimas na capital.

Reduzindo na mesma proporção os números indicados pelo Martirológio calvinista para as outras cidades, chega-se a esta apreciação geral, que o total das vítimas, em toda a França foi apenas de 2.000: é certamente demais; mas vai longe disso as exagerações dos protestantes e dos ímpios.

III. Agora que se há de pensar desta asserção que o próprio Carlos IX, na manhã de São Bartolomeu, de uma janela do Luvre, tenha atirado contra os protestantes? Essa afirmação é de Brantôme e acrescenta ele ainda que o mosquete do rei não podia alcançar o alvo. D'Aubigné, de Thou, o duque de Anjú na sua narrativa a Miron, em suma, nenhum dos contemporâneos fala desse pormenor. O testemunho de Bratôme é consideravelmente infirmado: 1º pelo fato, por ele próprio confessado, que se achava a mais de cem léguas de Paris; 2º por este trecho de um panfleto protestante de 1579, Le tocsin contra les massacreurs: "Nesta circunstância, o rei não poupava sua pessoa; não que ele próprio manchasse as mãos com o sangue, mas porque ordenava que lhe trouxessem os nomes dos mortos e dos presos"; 3º a janela do Luvre, em que a comuna de Paris (1793) decretou que seria colocado um cartaz infamante, em memória de Carlos IX atirando contra o povo, não existia no tempo desse rei: aquela parte do Luvre foi construída só no fim do reinado de Henrique IV.

Eis portanto, reduzido às proporções da verdade histórica, o que foi o massacre da São Bartolomeu. 

1º Fica pois provado e é do domínio da história que nem o papado, nem o partido religioso, que compreendia então a maior parte da nação, não podem ser em nada responsáveis de um acontecimento que não prepararam e ao qual não foram associados senão por atos isolados, individuais, de alguns católicos ardentes que conservam a responsabilidade pessoal do que fizeram.

2º A questão de premeditação, tantas vezes invocada, não pode ser admitida por um espírito sério e leal: seria incriminar as intenções, por meio de suposições e conjecturas perfeitamente gratuitas.

3º É demonstrado que o Martirológio mesmo é suspeito de erro em muitos pontos, exagerou o total das vítimas, e, aos números extravagantes citados por historiadores levados pelo preconceito, é permitido opôr cálculos mais equitativos que reduzem as vítimas a dois ou três mil. Certamente este número, por restrito que seja, é ainda muito grande e permanece como uma mancha sangrenta na história francesa, estigmatizando a fronte de Catarina de Médicis e de Carlos IX com um ferrete tanto mais odioso que o atentado foi decidido em conselho de governo.

Contudo, é permitido concluir com um escritor protestante da Inglaterra: "Não se deixem ofuscar os leitores atentos, diz Cobbet, pelas declamações filantrópicas e filosóficas, nas quais a palavra São Bartolomeu produz sempre um tão admirável efeito. Lembrem-se que na época de que falamos, Isabel, chegada ao décimo quarto ano de seu reinado, fez assassinar um número de seus súditos, por terem permanecido fiéis à fé de seus pais, muito maior do que o total de protestantes que sucumbiram no tumulto da São Bartolomeu(1)"


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(1) Cartas sobre a Reforma, carta X.
Nestes últimos tempos , apareceram numerosos e sérios trabalhos sobre esta importante questão histórica. Entre os autores mais conhecidos, citemos: na Inglaterra, Henrique White; na Alemanha, Leopoldo Ranke, Raumer e Soldan; na Itália, Eugênio Albert ou o P. Theiner; na França, Henrique Martin, Alfredo Maury, Boutaric, o visconde de Meaux; todos unâniomes, sem ter entrado em acordo, demonstram que o crime da São Bartolomeu, reprovado igualmente por todos, tinha pelo menos a desculpa de não ter sido premeditado. Capefigue no seu livro, La Réforme et la Ligue, prova a mesma verdade; de Falloux (Correspondant, 1886 a 1885) mostrou que aquele deplorável acontecimento pertence exclusivamente à política e não à Religião; enfim Carné, na Revue des Deux-Mondes (1845); Jorge Gandy, num primeiro estudosobre a São Bartholomeu, suas origens e seu verdadeiro caráter (nºs de julho e outubro de 1866 na Revue des questions historiques, t. I), e numa apreciação do livro do senhor de la Ferrière sobre a mesma questão (Revue des questions historiques, t. XLI, abril de 1892); e G. Baguenault de Puchesse (mesma Revista, t. XXVII, janeiro de 1880), livraram igualmente da censura de premeditação e cilada Catarina de Médicis e Carlos IX. Aos olhos da sã crítica, pode-s dizer que a luz está feita sobre este triste acontecimento do século XVI. Achar-se-á a questão longamente tratada no livro do padre Lefortier, la Saint-Barthélemy et les premières guerres de religion en France (1879), e um excelente resumo na brochura de Henrique Hello, la Saint-Barthélemy (1899).

Pe. Cauly, Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV, Apologética Cristã, Parte Histórica, Cap. III, pp.413-417.

Artigo III - A São Bartolomeu foi um ato de proscrição política

Catharina de Médicis e Carlos IX

I. Culpabilidade pessoal de Coligny
II. O massacre não foi premeditado
III. Massacres nas províncias

I. As virtudes guerreiras de Coligny, a apologia que Voltaire fez deste personagem, e o culto que lhe dedicaram os protestantes, fizeram por demais esquecer suas ofensas contra o rei, contra a pátria e contra a Religião. Pegando em armas contra o Estado, Coligny tornara-se criminoso de lesa-majestade. A prova de sua rebelião não interrupta acha-se no Diário de suas receitas e despesas, por onde se vê que esbulhou os súditos do rei para mover guerra contra o monarca; nos papéis do almirante, onde se podem ler suas conspirações; nas Memórias de Villeroy, de Brantôme, de Tavannes e de Montluc. Percorrendo-as, ficar-se-á facilmente persuadido que Coligny se tornara insuportável a Carlos IX e a Catarina de Medicis, ao mesmo tempo que se declarava o inimigo encarniçado dos Guises, o cúmplice e o instigador de Poltrot, assassino do duque, cuja morte tanta alegria lhe causara... Por certo, depois de tantos motivos de queixa, não é necessário procurar na Religião um pretexto para esta proscrição inteiramente política.(1)

Julgamos suficiente porém lembrar as últimas circunstâncias que precipitaram o desfecho de uma crise tão longa.

"Durante os reinados de Francisco II e de Carlos IX (1560-1574), Catarina de Medicis, - que de fato governava o reino, - introduziu, na direção dos negócios, uma maquiavélico e perigoso sistema de balança, que consistia em enfraquecer uns pelos outros, por meio da astúcia ou da força, tanto os defensores como os inimigos do Catolicismo, sistema impossível e aliás perigosíssimo; impossível, porque, em parte alguma, as idéias de conciliação e tolerância, em matéria de religião, eram aceitas; perigosíssimo, porque a força de poupar ou favorecer os partidos contrários, acabava-se fatalmente por congregá-los contra si próprio, por originar reações violentas, e não ter outro meio de sair da confusão e do caos senão as catástrofes (2)."

Esta política de partido intermediário manifestara-se no colóquio de Poissy (1561). Inspirou o edito de janeiro de 1562 que assegurava aos reformados o livre exercício de seu culto, permitindo-lhes as predicas fora das cidade. Fiel a esta mesma política, a rainha mãe, assina, em 1570, a paz de São Germano, que concedia tais vantagens aos protestantes que os católicos, logo em seguida às suas vitórias de Jarnac e de Mocontour, se julgaram traídos. Quatro cidades fortificadas estavam entregues aos protestantes por dois anos; ficavam admitidos a todos os empregos, de modo que se pôde dizer que "a realiza capitulou como um vencido".

O almirante Coligny triunfava com todas aquelas concessões; o rei o temia e era influenciado por ele, a tal ponto que Catarina de Medicis ficara apavorada com o ascendente do almirante. É então que a situação veio a complicar-se com um projeto de guerra contra a Espanha, guerra por cuja realização muito se empenhava Coligny. A ela, porém, se opunha a rainha mãe. Desesperada esta por ver que o almirante era mais rei do que o rei, armou o braço de um assassino.

A 22 de agosto de 1572, ao voltar do conselho, Coligny recebeu um tiro de bacamarte. O almirante foi somente ferido, Carlos IX o visita, consola, jura vingá-lo. Por outro lado, os protestantes ficam furiosos e vomitam ameaças. Catarina de Medicis resolve uma vingança mais completa. No conselho efetuado no dia seguinte, com o duque de Anjú e alguns chefes católicos, foi decidida a morte do almirante e de seus principais aderentes.  Depois, tomada esta decisão, a rainha mãe foi ter com Carlos IX e mostrou-lhe o perigo iminente a que ia ficar exposto se não fizesse matar Coligny e os chefes do partido protestante. Assustado, exasperado, o rei declara que quer a morte não só de alguns protestantes, mas de todos. É assim que o massacre geral foi exigido e ordenado pelo rei. É verdade que no dia seguinte, 24 de agosto, quando, às duas horas da madrugada, o dobre do sino deu o sinal, o rei, por uma contra-ordem, proibiu o massacre geral e até a morte de Coligny. Mas já era tarde; o sangue e a morte corriam pelas ruas da capital, onde a carnificina durou três dias. (3)

II. Muito se discutiu a questão de saber se o massacre fora premeditado, ou se fora resolvido subitamente. Os autores protestantes, para pintar a perseguição com cores mais negras, não deixaram de afirmar que a matança era preparada desde muito tempo. Os panfletos contemporâneos fazem mesmo remontar a decisão até a entrevista de Bayonna, em 1565; alguns escritores, à paz de São Germano, 8 de agosto de 1570 (4).

Outros autores, - e partilhamos sua opinião, - querem que a resolução não tenha sido tomada, senão no dia precedente, de tarde. Estes têm a seu favor: 1º o testemunho da rainha Margarida, esposa do rei da Navarra (mais tarde, Henrique IV); o 2º de Tavanes que, nas suas Memórias, afirma que se lançou mão dessa medida só em consequência dos receios que inspiravam os chefes dos protestantes, depois da ferida de Coligny (22 de agosto de 1572); 3º o do duque de Anjú, irmão de Carlos IX (e seu sucessor, sob o nome de Henrique III), relatado por seu médico Miron. Este descreve o conselho reunido a 23 de agosto, no qual a rainha Catarina de Medicis fez prevalecer o seu desígnio de matar Coligny, e o rei, numa grande cólera, propôs o massacre de todos os protestantes de França. 4º Esta opinião tem a seu favor a autoridade de Brantôme, de la Popelinière e de Mathieu, autores contemporâneos. 5º Enfim a crítica moderna, após estudo dos diversos documentos históricos, apega-se de preferência ao mesmo parecer. "Todas essas atestações, escreveu Baguenault de Puchesse, são concordantes e naturais, enquanto é preciso recorrer a suposições muito improváveis para sustentar a tese da dificílima preparação de um acontecimento no qual o acaso tem um papel muito mais preponderante do que o cálculo (5)."

Resumindo os testemunhos dos embaixadores da época, Cavalli, Walsingham, o núncio Salviati, Cuniga, outro sábio crítico, Jorge Gandy, conclui assim: "Chega; a falta de premeditação que esses testemunhos e muitos outros afirmam, é provada até a evidência (6)"

Acrescentamos quão pouco verossímil é que essa resolução tenha ficado secreta durante sete anos, como o querem os protestantes que a fazem remontar à entrevista de Bayonna, e, pelo contrário, quanto se harmoniza melhor o conjunto dos fatos com a opinião de uma determinação súbita, que deixa tudo na conta do imprevisto e do furor das paixões populares.

III. Massacres se deram também nas províncias, em diversas cidades, e em épocas diferentes; em Meaux, a 25 de agosto; em la Charité, a 26; em Orléans, a 27; em Augers e Saumur, a 29; Lyã, a 30; em Troyes, a 4 de setembro; em Burges, a 15; em Ruão, a 17; em Romans, a 20; em Tolosa, a 23; em Bordéus, somente a 3 de outubro; e em Poitiers, a 27.

A respeito desses massacres, apresenta-se logo esta questão: pelo rei terão sido dadas ordens para estender às províncias as sangrentas execuções que se realizaram na capital? - Os historiadores não estão de acordo. Segundo certos, a palavra escapada a Carlos IX, num momento de cólera, deve ser tomada ao pé da letra, e suas ordens secretas foram mandadas aos governadores das províncias, pedindo-lhes uma proscrição geral dos hereges. É a opinião dos protestantes Papyre-Masson, Davila, Maimbourg, acompanhados pelos adversários do Catolicismo. As Memórias do Estado de França afirmam que ordens neste sentido foram igualmente expedidas aos governadores das cidades.

Durante certo tempo foi de uso, entre os defensores da Igreja, negar essas asserções. Mas hoje seria difícil pretender que Carlos IX não tenha enviado ordem alguma. Sua correspondência, já publicada, insere à data de 27, 30 e 31 de agosto, cartas em que se diz que retira mandatos verbais que o receio de sinistros acontecimentos pudera decidir a transmitir ao governador de Lyão, assim como a outros governadores e tenentes regionais.

Depois disso, não é muito possível duvidar da existência de certas ordens verbais expedidas nas províncias, quer pelo próprio rei, quer em nome dele pelos cortesãos.

Agora, vêm a propósito outras perguntas: em que momento foram dads aquelas ordens? Estendiam-se a todo reino? Qual era o seu teor? Pode-se atribuir-lhes os massacres dos protestantes efetuados nas províncias? Aqui também diferem as respostas com os autores.

1º Os historiadores que pretendem que a São Bartolomeu foi uma coisa preparada desde muito tempo, foram obrigados, para ser consequentes, a sustentar que aquelas comunicações foram mandadas antes dos massacres de Paris. Para os partidários da opinião mais acreditada e mais verossímil, que não houve premeditação, é claro que não pôde haver ordens dadas muito tempo antes da execução. A resolução do massacre tendo sido tomada só na tarde de 23 de agosto, é nesse mesmo dia e a uma hora bastante avançada, que o rei esteve no caso de dar suas instruções de viva voz a alguns fidalgos que estavam presentes.

2º As ordens verbais não foram expedidas a todos os governadores das províncias. O autor pouco suspeito das Memórias do Estado de França o atesta, dizendo ele mesmo que essas ordens "foram despachadas aos governadores das cidades notáveis onde havia numerosas pessoas da religião." 

3º  Eram as ordens despidas de toda a compaixão, prescrevendo a morte de todos os hereges, como o querem os escritores partidários de uma carnificina universal? A primeira vista, seria para estranhar que Carlos IX, que, em Paris, não queria tirar a vida senão aos principais chefes, tenha ordenado nas províncias um massacre geral. Mais, a deposição de Tavannes e a do Martirológio dos protestantes concordam neste ponto que o rei queria ferir só "os chefes dos facciosos". Se, numa efervescência popular, as execuções foram além, devem-se responsabilizar as paixões superexcitadas e aquele furor brutal que se manifesta em todas as arruaças.

4º Enfim, a verdade histórica obriga a reconhecer que aquelas ordens orais, de qualquer natureza que tenham sido, foram revogadas quase logo que foram dadas. Desde o dia 24 de agosto, Carlos IX se apressou em escrever a todos os governadores das províncias para lhes transmitir novas instruções. Nelas lê-se textualmente: "Tanto mais que é grandemente para recear que semelhante execução levante meus súditos uns contra outros e se façam grandes matanças em meu reino, de que eu teria extremo pesar, rogo-vos fazer publicar por todos os lugares de vosso governo que cada um tenha que ficar sossegado e em segurança na sua própria casa, e veja a não pegar em armas e a não ofender a ninguém, sob pena da vida (7)"

Portanto, se o sangue correu em diversos pontos do reino, é preciso concluir que foi anterior ou contrariamente às instruções escritas e positivas do rei.

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(1) Para mais amplas informações, consultar a obra do padre Lefortier, la Saint-Barthélemy. - O estudo desta questão, por Jorge Gandy, na Revue des questions historiques, t. I. 1866.
(2) Ver a obra de Carlos Buet. l'Amiral de Coligny et les guerres de religion au XVIº siècle, um Estudo sobre o Caractère de Coligny, por D. d'Aussy, Revue des questions historiques, t. XXXVIII, julho de 1885, e o bem documentado trabalho do barão Kervin de Letenhove, les hugnenots et les Guerres, 6 vol. publicados de 1883 a 1885.
(3) Revue des questions historiques, loc. cit., 1866.
(4) A narrativa que damos é o resumo muito breve do extenso trabalho publicado na Revue des questions historiques, t. I.
(5) Henrique Bordier, no seu livro la Saint-Barthélemy et la critique moderne (1879), esforça-se por fazer prevalecer esta opinião, aliás pouco fundada; porque a paz de São Germano oferecia demasiadas garantias ao partido protestante para não parecer uma verdadeira conciliação. - Heitor de la Ferrière, no seu livro la Saint-Barthélemy; la veille, le jour, le lendemain (1892), refere diversos testemunhos favoráveis a uma premeditação.
(6) Baguenault de Puchesse, la Saint-Barthélemy, questions controversées (2ª série), publicadas pela Sociedade bibliográfica.
(7) Jorge Gandy, la Saint-Barthélemy, segundo a recente obra de Heitor de la Ferrière; Revue des questions historiques, t. XLI (fascículo de abril de 1892).

Pe. Cauly, Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV, Apologética Cristã, Parte Histórica, Cap. III. pp.406-413.

O Homem que foi Quinta-Feira - Chesterton. Ótimo Video.



O video foi disponibilizado pelo Blog do Prof. Angueth e legendado pelo Wendy, um dos seus leitores.

Noite de São Bartolomeu II - A Religião Católica não teve parte alguma


1º A Religião não estava diretamente interessada na questão;
2º Nem a Santa Sé interveio, nem eclesiástico algum fazia parte do conselho real;
3º No massacre, não aparece participação alguma da Igreja;
4º A Igreja não aprovou a São Bartolomeu.

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É preciso não ter mais sentimento algum de justiça para acusar a Religião católica dos males sofridos pelos franceses durante as infelizes guerras que assolaram a França nos reinados dos três irmãos, Francisco II, Carlos IX e Henrique III, e ainda mais para lhe atribuir a resolução de Carlos IX.

Por certo, não queremos pretender que a Igreja se desinteressou da grande questão religiosa que agitou a França no século XVI, nem que ela ficou espectadora indiferente na luta que se travava debaixo de seus olhos.

Naquela época, a Religião católica era a religião do Estado na França. Guarda do direito dos reis e dos povos, protetora nata da fé e da moral cristã, tinha por missão e dever de opôr-se à Reforma e às suas intrigas, e assim o fez energicamente. E pois que a heresia protestante atacava com as armas na mão, a Igreja podia, por sua vez, invocar contra ela a força do braço secular. Ninguém pode lhe imputar a crime sua intervenção nas lutas religiosas daquela época agitada.

Mas importa muito determinar de que modo interveio. Será verdade, como pretenderam seus adversários, que a  Igreja seja responsável da São Bartolomeu? Será verdade que por conselhos, manejos, tenha escandalosamente triunfado? - Não, ela não interveio neste fato, nem como motivo, nem como conselho, nem como agente.

1º Antes de tudo, notemos que o verdadeiro motivo do massacre não foi a religião. Se, no princípio da Reforma na França, a crença contribuíra por alguma coisa na luta entre a Liga e os calvinistas, a questão, em 1572, era mais política do que religiosa. Não se tratava mais de dogmas, porém de rebelião. Três revoltas anteriores, muitas cidades subtraídas à obediência real, cercos sustentados, tropas estrangeiras introduzidas no reino, quatro batalhas travadas contra o exército do rei, o duque de Guise assassinado: tais eram os motivos de queixa do rei e de sua mãe. Por isso, Carlos IX, depois da São Bartolomeu, escrevia a Schomberg, seu embaixador na Alemanha, falando dos protestantes: "Não me era mais possível aturá-los."

Em parte alguma é invocado o motivo religioso, e vê-se, pelo contrário, que os editos reais recomendavam de não molestar de modo algum os membros da religião reformada. O martirológio dos protestantes refere que os matadores diziam aos transeuntes, ao mostrar os cadáveres: "São eles que nos quiseram constranger para matar o rei!"

2º Mas será possível admitir-se que a Santa Sé excitou o rei da França ao exterminar os protestantes, sob o pretexto de conservar ao catolicismo sua supremacia religiosa? Interveio a Igreja como conselho? Voltaire, naturalmente copiado por numerosos historiadores, acusa disto São Pio V, um papa, um dominicano, portanto um inquisidor, e enfim um santo. Que há de verdadeiro nesta afirmação?

Carlos IX reinava em França havia já seis anos, quando subiu ao trono de São Pedro um papa de grande virtude, São Pio V. Teve este dois grandes fins: deter os progressos sempre crescentes da Reforma na Europa, e alistar os príncipes cristãos numa cruzada contra os Turcos. - Para alcançar estes fins, compreendia muito bem a necessidade que tinha do concurso da França, e por isso multiplicou os avisos e conselhos a Carlos IX, em vista de reduzir a heresia e assegurar ao rei socorros e alianças.

Desses conselhos faz fé a correspondência pontifical. De conselhos sanguinários, porém, de maquinações pérfidas, de conluios urdidos na sombra, não há vestígio, nem prova (1). Além disso, sabe-se como a corte de França não fez caso dos conselhos do Papa e assinou a paz de São Germano (1570), que fazia dos protestantes um poder político no Estado.

Pio V morreu três meses antes do massacre da São Bartolomeu, Gregório XIII lhe sucedeu a 13 de maio de 1572, e seguiu a mesma norma de conduta que seu predecessor, procurando aproximar a Espanha da França, afim de de alcançar uma pacificação religiosa que permitiria dirigir os esforços comuns contra a ambição da Turquia. O historiador francês, H. Martin, que não se pode suspeitar de parcialidade em favor da Igreja, reconhece que Gregório XIII, "não só não favoreceu as intriga que precederam a São Bartolomeu, mas nem delas teve conhecimento (2)"

Pois do lado de Roma, nenhum conselho de perseguição ou de represálias sangrentas. Mas o rei de França neste ponto teria sido influenciado pelo clero católico?

Nos conselhos reais, segundo a narrativa do doque de Anjú (mais tarde Henrique III), intervieram o rei, a rainha, a senhora de Nemours, o marechal de Tavannes, o duque de Nevers, Birague, de Retz, etc., porém nenhum cardeal, nenhum bispo, nenhum sacerdote. Os essais sur l'Histoire générale andam errados julgando que se trata dos cardeais de Birague e de Retz: são os marechais desses nomes que são designados. O cardeal de Biragues revestiu a púrpura só em 1578, e de Retz em 1587.

3º A Religião católica que não interviera em nada nos conselhos, nem tampouco aparece como agente no massacre. Falou-se em sacerdotes, em frades, de uma milícia inteira de burel, que teria andado de envolta com os matadores e que, como diz Voltaire, como contam os romancistas, imolava suas vítimas com a espada numa das mãos e o crucifixo na outra. Falou-se daquelas famosas cruzes brancas que adornavam os chapéus dos assassinos, daqueles punhais bentos pelo cardeal de Lorena...

Onde está a verdade? Em Paris, por uma especial proteção da Providência, não se vê nenhum sacerdote no massacre, a não ser João Rouillard, cônego da catedral e conselheiro no parlamento, que foi arrastado no lugar  do massacre para dele ser vítima. Os escritores protestantes, na verdade, citam os nomes de alguns sacerdotes que tomaram parte nos massacres das províncias. Mas a ser isto verdade, a conduta repreensível deles, em fim de contas, não pode ser imputada à Igreja.

Eis o que a imparcial e verídica história pode afirmar: o clero católico, durante os massacres, desempenhou o papel que lhe competia. Em lugar de matar ou ferir, salva. Basta lembrar o nobre procedimento do bispo de Lisieux, Hennuyer, que, por sua energia, salvou todos os protestantes de sua diocese.

O martirológio dos protestantes, em que não se pode lançar a suspeita de querer fazer o elogio dos católicos, cita muitos fatos como o precedente. "Em Tolosa, diz ele, os conventos serviram de asilo aos calvinistas; em Burges, católicos pacíficos salvaram alguns; em Romans, de sessenta que foram presos, conseguiram soltar quarenta, e dos mais só pereceram sete; em Troyes, em Bordéus, muitos foram igualmente salvos por sacerdotes."

Em Paris, os huguenotes perseguidos acharam também protetores católicos, e em Nimes, esquecendo-se da Miguelada, houve corações assaz generosos para defender os calvinistas de uma carnificina demais autorizada pelo exemplo, mas de nenhum modo permitida pela Religião.

Como, depois disso, acusar a Igreja e seus ministros de terem banhado as mãos no sangue dos hereges? Quanto às cruzes brancas, não passavam elas de um emblema, de um sinal. Além disso, o cardeal Carlos de Lorena achava-se em Roma desde três meses antes do massacre. Como poderia então benzer os punhais destindados a um massacre que foi improvisado? Portanto, a cena introduzida por Chénier no seu Carlos IX, e por Scribe nos Huguenotes, merece ser desterrada entre as fábulas.

4º Mas, objetar-se-á, se a Igreja não preparou a São Bartolomeu, se o papa não foi dela nem conselheiro, nem cúmplice, não se pode negar que Gregório XIII a tenha altamente aprovado e dela se tenha regozijado. É certo que em Roma, ao receber a notícia desse nefando golpe de Estado, renderam-se a Deus solenes ações de graças; Gregório XIII foi em procissão da igreja São Marcos à de São Luis, indicou um jubileu, mandou cunhar medalhas comemorativas, e encomendou ao pintor Vasari, para o Vaticano, frescos destinados a perpetuar a lembrança de um acontecimento de que a corte romana concebia uma grande alegria.

Que esses fatos materiais sejam verdadeiros, não o discutimos. Mas, para conhecer-lhes o verdadeiro caráter e julgar-lhes a significação, é necessário e justo lembrar suas circunstâncias e explicar seus motivos.

Depois de ter recebido a notícia dos acontecimentos de Paris, o sumo Pontífice foi procissionalmente da igreja São Marcos à igreja São Luis dos Franceses; aí mandou cantar um Te Deum de ação de graças, ordenou procissões, marcou um jubileu, mandou ou deixou cunhar uma medalha comemorativa do massacre. É ainda verdade que o pregador Muret fez um elogio público na presença do papa, e o pintor Vasari representou as diversas cenas desse fato em três quadros que ainda adornam uma das salas do Vaticano. - Mas que pretendia celebrar a corte de Roma com essas demonstrações? Aquilo que lhe tinham revelado as notícias recebidas. Ora, continham o que se publicara por toda a parte na França e fora dela; que o rei e a família real acabavam de escapar ao maior perigo, sufocando uma nova conspiração tramada pelos huguenotes.

Neste ponto, não há dúvida possível; Carlos IX, numa carta dirigida, em 24 de agosto, ao senhor de Ferralz, seu embaixador em Roma, contava resumidamente o fato, deixando ao senhor de Beauvillé, portador da missiva, o cuidado de dar mais pormenores ao embaixador e ao papa Gregório XIII. Os pormenores eram os que tinham sido mandados aos governadores das províncias.

A correspondência oficial de Salvaiati, núncio do papa em Paris, mostra que ele ignorava completamente os projetos da corte. Nos seus relatórios particulares, endereçados ao conselho de Estado, fala da rebelião geral dos protestantes que obrigou a corte de França a lançar mão de uma resolução extrema para se pôr a salvo do perigo. Um curiosíssimo documento, conservado no Vaticano, veio recentemente confirmar todas essas afirmações. E o resumo manuscrito(3), em latim, de um leito de justiça realizado no parlamento de Paris. Encontra-se aí um trecho que explica de um modo, que se poderia dizer definitivo, o massacre da São Bartolomeu. Eis a tradução: "Nesta augusta assembléia, o rei Carlos declarou que, graças a Deus, descobrira as ciladas que o almirante Gaspard de Coligny armava ao governo do rei, chegando ao ponto de ameaçar toda a família real com uma catástrofe e com a morte, e que tendo tratado a ela e a seus cúmplices como o mereciam, queria que, no futuro, não se imputasse este fato a crime àqueles que foram os fiéis ministros de uma tão justa vingança, visto que tinham procedido só por vontade, mandato e ordem do rei".

Este mesmo documento relata que as execuções feitas a 24 de agosto não foram mais do que justas represálias contra as conspirações da facção protestante que devia, duas horas mais tarde, matar os membros da família real. Demonstra em segundo lugar que as execuções, ordenadas por Carlos IX, só assumiram o caráter de massacre pela intervenção do povo de Paris, irritado contra as facções. Menciona enfim a proibição expressa feita pelo rei ao mesmo povo de Paris, "de homicídios, combates, pilhagem e saque dos bens dos huguenotes", sem a intervenção do parlamento e dos magistrados públicos.

Tais foram as notificações feitas ao Papa, donde resulta que Roma entendeu celebrar não o assassinato dos hereges, mas a exterminação dos rebeldes, a libertação do reino, e, sem dúvida, como consequência ulterior, o fim de uma horrorosa guerra civil. O próprio Muret, na sua famosa prática pronunciada a 23 de dezembro seguinte, não celebrava outra coisa.

As medalhas comemorativas, cunhadas em 1572, tendo a legenda: Ugonotorum strages, com a imagem de um anjo exterminador, armado de uma espada e perseguindo guerreiros, significavam a repressão de hereges rebeldes. As pinturas de Vasari não tinham outro sentido e deviam simplesmente transmitir à posteridade a memória de um fato que, aos olhos da corte de Roma, assumia um caráter providencial: a salvação da vida e do trono de Carlos IX, a vitória sobre a heresia, o fim das dissensões intestinas que desolavam a França.

Brantôme conta que, mais tarde, Gregorio XIII, melhor informado sobre os massacres de Paris e das províncias, chorou amargamente: "Lamento, dizia ele, a morte de tantos inocentes que não deixaram de pereceer de envolta com os culpados; é possível que a muitos deles Deus tenha concedido a graça de se arrependerem (4)"

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(1) Sobre esta questão pode-se consultar com fruto o Padre Lefortier, la Saint-Barthélemy, cap. v.
(2) H. Martin, Histoire de France, t. IV.
(3) Manuscrito nº 8041 da biblioteca Vaticana, p. 198. - Estudo pelo Padre Davin, Un nouveau document sur la Saint-Barthélemy (Univers, 24 de agost de 1885).
(4) Para mais amplas informações, consultar a obra do Padre Lefortier, la Saint-Barthélemy - O estudo desta questão, por Joge Gandy, na Revue des questions historiques, t. I, 1866.

Pe. Cauly, Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV, Apologética Cristã, Parte Histórica, Cap. III, pp. 399-406
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