Tradutor / Translator


English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

Sobre Francisco e as uniões homoafetivas II


A inverdade é sempre ruim, seja por parte daqueles que acusam injustamente, seja por parte dos que defendem também injustamente. A devoção ao Papa tem sido atualmente vista por boa parte dos católicos como uma espécie de servilismo ingênuo que tende a divinizar até mesmo os espirros do pontífice. Os membros da Igreja ficam temerosos de aceitar aquilo que eles mesmos percebem estarrecidos e terminam optando por um fideísmo que é estranho ao catolicismo, um dogmatismo não nas posições da Igreja, mas na pessoa daquele que ocupa o cargo mais alto na hierarquia visível. A atitude correta, ao contrário, deve ser, ainda que com respeito, um tanto mais prudente. O próprio Pontífice deve estar, ele mesmo, a serviço de algo muito mais alto: a verdade. Neste sentido, ele não tem a mínima autoridade de mudar o ensino bimilenar católico. Este ensino versa sobre duas áreas: a da Doutrina e a da Moral.

Eu escrevi um texto sobre os supostos recentes ditos de Francisco numa entrevista de maio de 2019 onde ele parecia contradizer o ensino católico de sempre no que diz respeito Às uniões entre pessoas homossexuais. Assistindo ao vídeo inteiro, notei que a parte mais polêmica não se encontrava na película original que foi disponibilizada. Um recente documentário que gerou essa polêmica mais recente trazia um excerto daquela entrevista seguida de uma parte adicional, estranha àquela fonte, mas disponibilizada como se nela tivesse a sua origem. Como, vendo a entrevista inteira, eu não achei a dita parte, atribuí o acréscimo a uma outra fonte e, provavelmente, a um outro assunto. A edição, assim, teria tido o intento de provocar uma impressão falsa, atribuindo à fala de Francisco um sentido que ela não teria. É aquilo de que se queixa o próprio entrevistado na versão que se encontra no youtube.

Porém, eu também havia notado que o fundo amarelo e o ângulo da câmera da parte adicionada pareciam coincidir com a anterior. À noite, eu soube de um vídeo do Bernardo Küster sobre o mesmo tema. Nele, Küster notava que a parte polêmica não estava no vídeo original, mas ele atribuía isto ao fato de ela ter sido cortada, dado o seu conteúdo dissonante com o ensino católico, talvez a pedido dos próprios membros que acompanham o Pontífice. É uma possibilidade bastante lógica. Se este for o caso, então teríamos de admitir que Francisco, ainda que só como opinante pessoal, abraça uma tese frontalmente anticatólica, algo totalmente estranho para alguém que é tido como Vigário de Cristo.

Existem, ainda, outros indícios de que talvez seja disso que se trata, mesmo. A expressão usada por Francisco foi "lei de convivência civil". Parece que se trata aí de um termo técnico equivalente ao nosso "união civil" e referente ao reconhecimento legal das relações homoafetivas. Este é um ponto.

Outro ponto é o seguinte: como a polêmica explodiu pelo mundo, esperava-se que Francisco ou algum órgão de imprensa do Vaticano se pronunciasse a respeito, esclarecendo o real sentido do que ele teria dito ou pelo menos denunciando a edição que teria criado uma falsa impressão. Até agora, porém, parece que isto não foi feito, o que também é bastante estranho. Se houvesse um cuidado com a opinião frágil dos fiéis, isto era o mínimo que se deveria esperar.

Há ainda um terceiro ponto: conforme li no Fratres in Unum, o Vatican News noticiou o seguinte: "o Papa Francisco recebeu em audiência privada o diretor nomeado ao Oscar, Evgeny Afineesky, no dia do seu aniversário, e o acolheu com um bolo e velas. O diretor está em Roma para apresentar o seu documentário 'Francisco'". Rui assim a tese de que este diretor estaria tentando perverter as palavras do Pontífice. Na verdade, o clima entre eles é de harmonia, e o documentário foi ou está para ser apresentado em Roma, sob o olhar complacente e aprovador do bispo de Roma. Houvesse aí algum equívoco, a Igreja se pronunciaria imediata e contundentemente. Mas não é o caso.

Enfim... esperemos os próximos passos deste imbróglio. Mas, ao contrário do que eu tentava dizer no outro texto, parece que o que se temia é que é real. Não obstante, seja qual for a posição pessoal de Francisco, o certo é que a posição da Igreja permanece fixa e imutável. Neste sentido, os católicos não têm o que temer.

Papa Francisco defende a união civil entre homossexuais?


Todo mundo sabe que eu não morro de amores por Francisco, embora este seja um assunto de que eu não costumo tratar em lugar algum. Mas já tratei bastante em tempos idos. Em todo caso, dada essa última polêmica de agora, sempre há quem me pergunte a minha posição ou me peça para desfazer a confusão. Geralmente eu digo que não me surpreendo, mas, se é de se esperar alguma ambiguidade nos pronunciamentos do atual bispo de Roma, isso de que agora lhe acusam seria inequivocamente um absurdo por contrariar frontalmente a arquiconhecida posição católica sobre o tema. Mas vamos aos fatos.
 
Eu dei-me ao trabalho de ver inteira a entrevista que serviu de fonte para a parte que foi divulgada neste documentário. É a que se encontra aqui. Pelo que eu vi, há uma parte que de fato se encontra lá, mas outra que não. Quem teve acesso ao trecho do documentário que causou a polêmica verá que há um corte, uma perda de continuidade, um salto. Numa parte, Francisco fala que os homossexuais têm direito a ter família, e essa afirmação, tirada do contexto, pode fazer pensar que ele está a defender o conúbio entre eles e a chamar isso de família. Mas não é o caso. Quem viu a entrevista - e eu reitero que vi -, percebe que Francisco está falando dos pais do homossexual que devem acolhê-lo, e não dispensá-lo do seu convívio e dos seus direitos.
 
Quanto à parte em que ele fala de um reconhecimento civil, eu não achei isso na entrevista em questão. Que ele falou isso em algum lugar é um fato, pois está lá o pedaço de vídeo, mas não se especifica nesta parte adicionada sobre o que exatamente ele está falando. Deduz-se, pelo vídeo editado, que fosse do dito casamento gay, já que era sobre isso que se falava no momento imediatamente anterior. Mas agora, sabendo que pegaram este trecho de outro lugar, não se pode afirmar categoricamente que era sobre o mesmo assunto. Podemos concluir ainda o seguinte: se a edição teve o claro intuito de provocar a aparência de aprovação de Francisco às uniões civis homoafetivas, é claro que eles poriam mais referências a isso, sobretudo na parte adicionada, se elas existissem. Como não há uma referência clara a este tema naquela parte, então talvez se possa deduzir que não era disso que ele falava ali.
Aos que perguntam a posição da Igreja sobre este assunto, ela é contra não apenas o "casamento" gay, que não existe, mas também ao simples reconhecimento civil da união de duas pessoas do mesmo sexo. Discorde-se da Igreja o quanto se quiser, ela permanece tendo o direito de ter a sua posição, e não obriga ninguém a adotá-la. Para terminar, na mesma entrevista fonte, Francisco chega a dizer que "a lei de matrimônio homossexual é uma incongruência". Na sua famosa e polêmica encíclica Amoris Laetitia, ele discorre sobre este ponto pugnando também pelo direito das crianças de terem um pai e uma mãe. Afirma ainda que "não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família. É inaceitável que as Igrejas locais sofram pressões nesta matéria e que os organismos internacionais condicionem a ajuda financeira aos países pobres à introdução de leis que instituam o 'matrimônio' entre pessoas do mesmo sexo." Vejam que ele fala aí no final de "leis que instituam", isto é, ao tal reconhecimento civil.
 
Que isto tudo, por fim, nos sirva de lição para:
 
1- Nos inteirarmos do fato completo antes de sairmos afirmando alguma coisa, sobretudo num assunto de tal grandeza;
 
2- Reconhecer na mídia secular a sua sanha manipuladora, principalmente em temas polêmicos como este;
 
3- Também não se reduza os que criticaram Francisco a um grupo de meninos que se divertem com essas agitações. Há gente boa dos dois lados, e há meninos birrentos também dos dois lados. Infelizmente, Francisco deixou muito a desejar em várias das suas entrevistas e dos seus pronunciamentos. Isso gera um clima de desconfiança. Quando surge então uma bomba dessas, mesmo que falsa, a coisa pode soar para alguns como uma conclusão que se segue das premissas. O ânimo irritadiço, então, já latente, encontra aí ocasião de se manifestar. É, de fato, uma época muito estranha a que vivemos, mas graças a Deus ainda não chegamos ao nível de absurdo aí pretendido.

De que modo os acidentes permanecem na Eucaristia


 Em segundo lugar, o acidente pode ser miraculosamente separado da substância e permanecer sem suporte algum, sustentado pela virtude divina, visto que o efeito depende muito mais da causa primeira do que da sua causa segunda. A influência da causa primeira, porque ela é mais universal e mais eficaz, pode manter o efeito quando desaparece a causa segunda. Quando um governo deixa de existir, todos os poderes subalternos, que estavam subordinados à sua autoridade, deixam de existir com ele;; mas, se no mesmo instante do desaparecimento uma melhor e mais forte autoridade substitui a que desaparece e penetra nos mesmos poderes subalternos, de fato eles não continuam as suas funções e representações? É isto que acontece no sacramento do altar. Deve-se concluir, pois, sem hesitação alguma, acrescenta Sto Tomás, que Deus pode fazer existir o acidente sem suporte algum.

HUGON, Padre Édouard, O. P. Os princípios da Filosofia de São Tomás de Aquino: as vinte e quatro teses fundamentais. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. p. 75-76

Oração para amar mais a Virgem Maria


Direi com São Boaventura: Ó Senhora, que com o amor e os favores que aos vossos servos demonstrais, arrebatais os seus corações, arrebatai-vos também o meu miserável coração, que deseja muito amar-vos. Vós, minha mãe, com a vossa beleza enamorastes um Deus e O arrastastes do céu ao vosso seio; ora, viverei eu sem amar-vos? Não; digo-vos com outro filho amante vosso, João Berchmans, da Companhia de Jesus: jamais descansarei enquanto não estiver certo de ter obtido o amor, mas um amor constante e tenro, para vós, mãe minha que com tanta ternura me amastes, mesmo quando eu vos era ingrato. E o que seria agora de mim, se vós, ó Maria, não me houvésseis amado e obtido para mim tantas misericórdias? Se, pois, me amastes tanto quando eu não vos amava, quanto mais devo esperar da vossa bondade agora que vos amo? Eu vos amo, ó minha mãe, e queria um coração que os amasse no lugar de todos aqueles infelizes que não vos amam. Queria uma língua capaz de louvar-vos no lugar de mil línguas, a fim de fazer a todos conhecer vossa grandeza, a vossa santidade, a vossa misericórdia, e o amor com que amais os que vos amam. Tivesse eu riquezas, empregá-las-ia todas em vossa honra. Tivesse eu súditos, torná-los-ia todos vossos amantes. Daria enfim por vós e pela glória vossa a própria vida, se fosse necessário.

Amo-vos, pois, ó minha mãe, mas ao mesmo tempo temo que vos não ame; pois ouço falar que o amor torna similares os amantes aos amados: o amor ou encontra semelhantes, ou os faz. Logo se eu me vejo assim de vós dessemelhante, é sinal de que não vos amo. Vós assim tão humilde, eu assim tão soberbo! Vós assim tão santa, eu assim tão iníquo! Mas isto é o que haveis de fazer, ó Maria: já que me amais, tornai-me semelhante a vós. Já tendes vós pleno poder de mudar os corações; tomai-vos portanto o meu e mudai-o. Fazei ver ao mundo quanto podeis em favor daqueles que amais. Fazei-me santo, fazei-me um digno filho vosso. Assim espero, assim seja.

Santo Afonso de Ligório, Glórias de Maria

A Virgem Santíssima, esperança dos pecadores


Narra-se na vida da irmã Catarina de S. Agostinho que no lugar onde estava essa serva do Senhor havia uma senhora chamada Maria, que na juventude fora pecadora e, chegada à velhice, seguia obstinadamente sendo perversa, a tal ponto que escorraçada pelos cidadãos e confinada a viver numa gruta fora do seu vilarejo, ali meio apodrecida, abandonada por todos e sem sacramentos, foi por isso sepultada no campo como um animal. E a irmã Catarina, que costumava com grande afeto encomendar a Deus todas as almas daqueles que faziam a travessia à outra vida, depois de saber da morte desgraçada dessa pobre velha, não pensou em orar por ela, julgando-a, como a julgavam todos, como condenada.

Passados quatro anos, eis que um dia se apresentou diante dela uma alma do purgatório, que assim lhe disse: "Irmã Catarina, que má sorte é esta minha? Tu encomendas a Deus as almas de todos que morrem, e apenas da minha alma não tiveste piedade?"; "E quem sois vós?", disse a serva de Deus. "Eu", respondeu "sou aquela pobre Maria que morreu na gruta". "Mas como, estás salva?", replicou a irmã Catarina. "Sim, estou salva", disse, "por misericórdia da Virgem Maria". "Mas como?". Quando me vi próxima de morrer, vendo-me tão cheia de pecados e por todos abandonada, voltei-me à Mãe de Deus, e lhe disse: 'Senhora, vós sois o refúgio dos abandonados; eis que nesta altura estou eu por todos abandonada; sois vós a minha única esperança vós apenas podeis ajudar-me,tende piedade de mim'. A Santa Virgem obteve para mim um ato de contrição, morri, e fui salva; e ela, a minha Rainha, ainda obteve para mim a graça de que minha pena fosse abreviada, fazendo-me sofrer intensamente aquilo que haveria de purgar por muitos anos mais; necessitam-se de apenas algumas missas para livrar-me do purgatório. Rogo-te que as faças rezar que eu te prometo que sempre rogarei a Deus e a Maria por ti".

A irmã Catarina imediatamente lhe fez celebrar as missas; e eis que novamente lhe apareceu aquela alma, dentro de poucos dias, mais luminosa que o sol, e lhe disse: "Agradeço-te, Catarina: eis que já me vou ao paraíso para catar as misericórdias do meu Deus e rogar por ti".

Santo Afonso de Ligório, Glórias de Maria.

É o Cristianismo apenas um sistema moral?



Para o público em geral, a religião cristã, e em especial a protestante, é essencialmente um meio de moralidade. Seu único objetivo é induzir os homens a praticarem boas ações e a evitarem as más. Dogmas, sacramentos e formas de culto são de utilidade enquanto contribuem para o aumento da moralidade, mas são em geral acréscimos tardios à "religião simples de Jesus", que era em essência a nova lei moral proclamada no Sermão da Montanha. Assim quando o sistema de moralidade atribuído a Jesus pelos membros da Igreja é posto em questão, toda a estrutura do cristianismo institucional cai em descrédito.

É completamente errado dizer-se que o Cristianismo é simples e primordialmente um sistema de moralidade e que Jesus era principalmente um mestre de moral; serão necessárias centenas de anos para desfazer essa impressão. Os homens da Igreja reforçaram esse erro com a pregação e o ensino persistente da moralidade e com a exclusão da doutrina, da adoração e da vida interior. Como, entretanto, o público em geral identifica o cristianismo simplesmente e apenas com um certo tipo de moralidade, a influência da Igreja no mundo depende, em grande parte, das atitudes morais dos cristãos. E como o ideal moral cristão é, em si mesmo, dotado de tremenda força, as deturpações do ideal possuem forte influência negativa. Faz-se, portanto, absolutamente necessário que compreendamos a moral cristã à luz da dádiva da união com Deus e da visão mais profunda da Sua natureza que a realização daquela dádiva proporciona e a maturidade espiritual possibilita.

Uma coisa, entretanto, deve ficar clara desde o início: o próprio Deus e não a moral é o fim e o objetivo da religião cristã. A moralidade é apenas um subproduto da união com Deus, e seu propósito consiste no gozo cada vez mais profundo, ou contemplação, dessa união por nós mesmos e pelos outros.

"Todas as outras atividades humanas parecem ter isso como seu fim, pois a contemplação perfeita exige que o corpo esteja totalmente livre, e para esse fim estão voltados todos os produtos da arte que são necessários à vida. Ela precisa, além disso, de estar livre dos distúrbios provocados pelas paixões, o que é conseguido através das virtudes morais e da prudência; e livre dos distúrbios externos, com os quais toda a vida civil está vinculada. Assim, se considerarmos a matéria corretamente, veremos que todas as ocupações humanas parecem servir àqueles que contemplam a verdade.. A felicidade essencial do homem consiste unicamente na contemplação de Deus (Sto Tomás de Aquino, Contra Ventiles, II, XXXVII).

Os cristãos alimentam os famintos, tratam os doentes, vestem os desnudos e se disciplinam para que todos possam compartilhar e desfrutar do maior de todos os bens - o próprio Deus. E, como Deus é amor, amar uma outra pessoa é dar-lhe Deus.

Alan Watts. A vida contemplativa. Rio de Janeiro: Record, 1971. p.210-212.

O Magnificat e a pobreza da riqueza deste mundo


Existem planos e aspectos da realidade que não se percebem a olho nu, mas apenas com o auxílio de uma luz especial: ou com os raios infravermelhos ou com os raios ultravioletas. A imagem obtida com esta luz especial é muito diferente e surpreendente para quem está habituado a ver este mesmo panorama à luz natural. A Igreja possui, graças à Palavra de Deus, uma imagem diversa da realidade do mundo, a única definitiva, porque obtida com a luz de Deus e porque é aquela mesma que Deus tem. Ela não pode ocultar tal imagem. Deve antes difundi-la, sem jamais se cansar, torná-la conhecida aos homens, porque dela depende o seu destino eterno.

É a imagem que no final ficará quando tiver passado "o esquema deste mundo". Torná-la conhecida, às vezes, com palavras simples, diretas e proféticas, como aquelas de Maria, como são ditas as coisas de que se está íntima e tranquilamente convicto. E isto mesmo à custa de parecer ingênua e fora do mundo, defronte à opinião dominante e ao espírito do tempo.

O Apocalipse nos á um exemplo desta linguagem profética, direta e corajosa, na qual, à opinião humana, vem contraposta a verdade divina: "Tu dizes (e este 'tu' pode ser a pessoa individual, como pode ser uma sociedade toda): 'Sou rico, me enriqueci; não tenho necessidade de nada!', mas não sabes que és um infeliz, um miserável, um pobre, cego e nu (Ap 3,17)".

Numa célebre fábula, fala-se de um rei a quem se fez crer, por embrulhões que existe um tecido maravilhoso que tinha o privilégio de tornar, quem o vestisse, invisível aos tolos e aos ineptos, e visível apenas aos sábios. Ele, por primeiro, naturalmente não o vê, mas tem medo de dizê-lo, por temor de passar por um dos tolos, e assim fazem todos os seus ministros, e todo o povo. O rei desfila pelas estradas sem nada em cima, mas todos, para não se trair, fingem admirar o belíssimo vestido, até se ouvir a vozinha de uma criança que grita entre a multidão: 'Mas o rei está nu', rompendo o encantamento, e todos finalmente têm a coragem de admitir que aquele famoso vestido não existe.

A Igreja deve ser como a vozinha de uma criança, a qual, a certo mundo todo enfatuado das próprias riquezas e que induz a considerar louco e tolo quem mostra não acreditar nelas, repete, com as palavras do Apocalipse: 'Tu não sabes que estás nu!'. Aqui se vê positivamente como Maria, no Magnificat, 'fala profeticamente pela Igreja': ela, por primeiro, partindo de Deus, pôs a nu a grande pobreza da riqueza deste mundo.

Todavia seria desvirtuar completamente esta parte do Magnificat que fala dos soberbos e dos humildes, dos ricos e dos famintos, se a limitássemos apenas ao âmbito das coisas que a Igreja e o crente devem pregar ao mundo. Aqui não se trata de algo que se deve somente pregar, mas algo que se deve antes de tudo praticar. Maria pode proclamar a bem-aventurança dos humildes e dos pobres porque ela própria está entre os humildes e os pobres. A reviravolta por ela prevista deve acontecer primeiro no íntimo de quem repete o Magnificat e reza com ele. Deus - diz Maria - abateu os soberbos "nos pensamentos do seu coração". De súbito, o discurso é levado de fora para dentro; das discussões teológicas, em que todos têm razão, aos pensamentos do coração, no qual todos temos errado. O homem que vive "para si mesmo", do qual Deus não é o Senhor, mas o próprio "eu", é um homem que se construiu um trono e no qual se assenta ditando lei aos outros. Ora Deus - diz Maria - derruba estes tais do seu trono; põe a nu a sua não-verdade e injustiça. Há um mundo interior, feito de pensamentos, vontade, desejos e paixões, do qual - diz São Tiago - provêm as guerras e os litígios, as injustiças e injúrias que estão em meio a nós (cf Tg 4,1) e até que alguém comece a sanar esta raiz, nada muda verdadeiramente no mundo, e se alguma coisa muda é para reproduzir, dali a pouco, a mesma situação de antes.

Como o cântico de Maria nos atinge de perto, como nos questiona a fundo e como põe de verdade " o machado na raiz"! Que loucura e incoerência seria a minha se cada dia, às Vésperas, repetisse com Maria que Deus "derrubou os poderosos dos tronos" e, no entanto, continuasse a cobiçar o poder, um posto mais alto, uma promoção humana uma promoção de carreira e perdesse a paz se isso demora a chegar; se cada dia proclamasse, com Maria, que Deus "mandou os ricos de mãos vazias" e, no entanto, aspirasse sem descanso enriquecer e possuir sempre mais coisas e coisas sempre mais refinadas; se preferisse estar de mãos vazias diante de Deus, antes que de mãos vazias diante do mundo, vazias dos bens de Deus, mais que vazias dos bens deste mundo. Que loucura seria a minha se continuasse a repetir com Maria que Deus "olha para os humildes", que se avizinha deles, enquanto mantém à distância os soberbos e os ricos de tudo, e depois fosse daqueles que fazem exatamente o contrário.. 

"Todos os dias - escreveu Lutero comentando o Magnificat - devemos constatar que cada ujm se esforça por elevar-se além de si, para uma posição de honra, de poder, de riqueza, de domínio, para uma vida abastada e para tudo que é grande e soberbo. E cada um quer estar com tais pessoas, corre atrás delas, serve-as voluntariamente, cada um quer participar da sua grandeza... Ninguém quer olhar para baixo, onde existe pobreza, ignomínia, necessidade, aflição e angústia, antes, todos afastam o olhar de uma tal situação. Todos evitam as pessoas assim provadas, as afastam, deixam-nas sozinhas, ninguém pensa em ajudá-las, em assisti-las e em fazer com que elas tornem-se também alguém: devem permanecer embaixo e ser desprezadas". 

Deus - diz Maria - faz o oposto disto: tem à distância os soberbos e eleva até a si os humildes e os pequenos; está mais prazerosamente com os necessitados e os famintos que o atormentam com súplicas e com pedidos, do que com os ricos e saciados que não têm necessidade dele e não lhe pedem nada. Assim fazendo, Maria nos exorta, com ternura materna, a imitar Deus, fazer nossa a sua escolha. Ensina-nos os caminhos de Deus.

O Magnificat é na verdade uma maravilhosa escola de sabedoria evangélica. Uma escola de conversão contínua. Como toda a Escritura, ele é um espelho (cf. Tg 1,23) e sabemos que do espelho podem-se fazer dois usos muito diversos. Pode-se usá-lo para o exterior, para os outros, como espelho ustório, projetando a luz do sol para um ponto distante até incendiá-lo, como fez Arquimedes com as naves romanas, ou pode-se usá-lo tendo-o voltado para si, para ver nele a própria imagem e corrigir-lhe os defeitos e as sujeiras. São Tiago nos exorta a usá-lo sobretudo deste segundo modo, para pôr "em evidência" nós mesmos, antes que os outros.

A Escritura - dizia São Gregório Magno - "cresce por força de ser lida" (Mor. 20,1; PL 76,135). O mesmo acontece com o Magnificat, as suas palavras são enriquecidas, não consumidas, pelo uso. Antes de nós, multidões de santos ou de simples fiéis oraram com estas palavras, saborearam-lhe a verdade, puseram em prática seu conteúdo. "ora, aconteceu - escreveu um deles - que no dia de Natal assistia às Vésperas em Notre-Dame e, escutando o Magnificat, tive a revelação de um Deus que me estendia os braços" (P. Claudel, Corrispondenza, cit., p.33).

Pela comunhão dos santos no corpo místico, todo este imenso patrimônio se adere agora ao Magnificat. É bom rezá-lo assim, em coro, com todos os orantes da Igreja. Deus o escuta assim. Para entrar neste coro que atravessa os séculos, basta que pretendamos reapresentar a Deus os sentimentos e o entusiasmo de Maria que por primeira o entoou "em nome da Igreja", dos doutores que o comentaram, dos artistas que o musicaram com fé, dos piedosos e dos humildes de coração que o viveram. Graças a este maravilhoso cântico, Maria continua a engrandecer o Senhor por todas as gerações; a sua voz, como aquela de uma solista, sustenta e arrasta a Igreja. Um orante do saltério convida todos a unir-se a ele, dizendo: "Glorificai o Senhor comigo, exaltemos em uníssono o seu nome" (Sl 34,4). Maria repete aos seus filhos as mesmas palavras: Glorificai o Senhor comigo! "Vinde, filhos, escutai-me, ensinar-vos-ei o temor do Senhor" (ib.). Maria, a Mãe do Senhor, a figura da Santa Igreja, arrasta atrás de si a Igreja ao louvor de Deus, ao júbilo da salvação; a arrasta para Deus. E nós dizemos: Sim, Maria, nós glorificamos o Senhor contigo e por ti, pelas granes coisas que fez em ti o Onipotente e pelas grandes coisas que fez também a nós. Desde sempre e para sempre.

Pe Raniero Cantalamessa. O mistério do Natal. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p.30-34.

Natal ou Páscoa?



Natal ou Páscoa? Qual dos dois momentos deve reinar no coração dos cristãos? Como frequentemente acontece, os católicos são instados a escolher entre duas alternativas; e escolhem ambas.

Ao longo da história, os santos notaram que os eventos estão misteriosamente ligados. Nas cenas do Natal, os cristãos sempre encontraram prenúncios do mistério pascal.

Jesus começou a sua vida numa caverna usada como estábulo. Seu berço era um nicho escavado numa parede de pedra que servia de manjedoura aos animais. No dia de sua morte, seu corpo também foi posto num nicho de pedra dentro de um túmulo.

Já aqueles que imaginam uma manjedoura feita de madeira observam que Ele foi posto sobre esse material tanto no nascimento como na crucifixão.

Em seu nascimento e em sua morte, Jesus foi envolvido em faixas. (cf. Lc 2,7 e Jo 19,40).

Tanto o seu nascimento como a sua ressurreição foram anunciados pelos Anjos.

Já traçamos a conexão entre Belém - que significa "casa do pão" - e a Última Ceia, quando Jesus dá o seu corpo como Pão da Vida. Ao ser posto na manjedoura, o Menino Jesus já se apresentava como "a comida que dura até a vida eterna" (cf. Jo 6,27.55).

Já falamos sobre a sua circuncisão, que antecipa o sangue que seria derramado na sua execução. Ela prefigura também a sua ressurreição, por representar um desprendimento em relação ao corpo mortal (cf. Col 2,11).

O Natal, portanto, não ameaça a importância da Páscoa. Pelo contrário, ambas as celebrações estão relacionadas por serem expressões do mesmo amor divino, ordenadas uma à outra pela mesma Divina Providência.

Scott Hahn. A alegria do mundo: como a vinda de Cristo mudou tudo (e continua mudando). Trad. Diego Fagundes. São Paulo: Quadrante, 2018. p.166-167.

O que eu tenho contra a RCC?


Olá, caros. Há quanto tempo! Faz séculos que não escrevo aqui, mas chegou mais uma ocasião. O caso agora se deve a uma discussão - no bom sentido - recente que tive num dos grupos do whatsapp de que participo. A coisa gravitou em torno da RCC, e eu então me propus a fazer um resumão sobre os problemas essenciais que julgo ver neste movimento. Aqui, na forma de um texto, a coisa fica melhor dita. E uma coisa melhor dita é uma coisa bendita.

Antes de começar, convém explicar umas coisas. Eu fui carismático durante sete anos, como eu já falei noutros textos. Há, de fato, muitos artigos aqui no blog sobre este tema, e basta clicar na tag "rcc" no fim deste post ou do lado direito. Dê um "ctrl f" e procure aí. O fato de eu ter sido da RCC por vários anos me dá algum respaldo para falar do movimento. Eu não tratarei, porém, dos abusos específicos que se deveram à imprudência de certos membros, mas aos problemas essenciais, isto é, que fazem parte da própria essência do movimento. Assim, os problemas que eu descrever aqui referem-se à RCC em qualquer lugar e em qualquer tempo.

Ao contrário do que se pode pensar, porém, eu não tenho nada contra pessoas carismáticas. Alguns amigos são deste movimento, e vez ou outra me encontro com eles, e participo de momentos em comum, às vezes até tocando, inclusive com a famosa oração em línguas e as visualizações tão típicas. Claro que eu não adiro nem a uma nem a outra, mas não cismo, não saio criticando e nem faço cara feia. Não tenho qualquer animosidade pessoal em relação a isso, mas tenho ideias a respeito, já que já me propus estudar o fenômeno do carismatismo.

Antes de passar aos problemas, deixa eu começar fazendo o elogio. A RCC foi, logo após o Concílio Vaticano II, a alternativa que tínhamos à Teologia da Libertação, que nem cristianismo é. Os movimentos mais tradicionais não eram tão difundidos. Então, ao lado de um discurso puramente político, a RCC guardou e manteve a ênfase no caráter espiritual. Ela preservou e desenvolveu em nós o amor à Eucaristia, o zelo pelo estado de graça, o amor ao terço e a prática da adoração ao Santíssimo, pelos cercos de Jericó e as vigílias. Fez-nos, além disso, conhecer muitos amigos, viajar, e pensar continuamente no Céu e na vida dos santos. Desenvolveu em nós os dons de falar em público, de cantar, de tocar, de lidar com pessoas, etc. A RCC, graças a Deus, nos auxiliou bastante em tudo isso, e por isso eu e tantos outros somos gratos a ela. Isso, contudo, não a isenta dos seus problemas, alguns dos quais também nos prejudicaram, e às vezes não pouco.

Sigo, então, descrevendo os supostos equívocos que eu julgo ver neste movimento. Resumão:

1- Origem Protestante

 Os próprios carismáticos admitem sua origem protestante. E qual o problema disso? O problema é que o próprio nome "renovação" sugere a ideia de que algo envelheceu ou se perdeu na Igreja e que, tchan tchan tchan tchan, teria sido devolvido ou renovado no protestantismo! Mas que coisa interessante... Considerando que os carismas seriam algo dado pelo próprio Deus como uma espécie de participação íntima e sensível de Si mesmo, é curioso que a Igreja não os tivesse, o que vai contra o dogma da indefectibilidade da Igreja, e que os tivesse recebido dos protestantes, que negam pontos essenciais da Doutrina Católica. Além deste problema evidente, há outro: o Código de Direito Canônico da época proibia que católicos participassem de cultos em comum com protestantes, e os primeiros fenômenos do carismatismo entre católicos se deram justamente a partir dessas reuniões em que pessoas de toda e qualquer denominação cristã participavam e partilhavam as mesmas experiências. Ora, a se considerar o fenômeno carismático como verdadeiro, conclui-se que a desobediência não somente não é punida, mas é premiada por Deus. Como diz o Kiko, "que coisa, não?"

2- Doutrina em segundo plano

Isso nos leva ao segundo ponto: se Deus dá suas graças a cada um que professe qualquer coisa, então aquilo que se professa não é tão importante. Se o próprio Deus faz vista grossa em relação ao que cada um crê, a Doutrina é apenas um acessório, que pode-se ter ou não, mas com o qual não se pode ser muito exigente. Conclusão: a) tanto faz ser católico ou protestante; b) A Igreja Católica, em ser tão exigente com a Doutrina e inclusive excomungar os que não professam integralmente o "Depósito da Fé", erra. Porém, o próprio Paulo foi quem disse: "Se alguém vos pregar um Evangelho diferente daquele que vos temos anunciado, seja anátema". Diz-se que hoje os carismáticos são mais estudiosos em relação à Doutrina, leem o Catecismo, etc. Ótimo! Porém, segue sendo verdade que ter uma origem protestante tem como implicações o que eu falei: Deus daria suas graças independente do que cada um crê. Logo, o que cada um crê seria algo secundário.

3- Fenomenologia dos carismas

Não somente a origem é protestante, mas o fenômeno, mesmo hoje, segue sendo igual cá e lá. Basta ir numa Assembleia de Deus, numa Batista renovada, numa Quadrangular, para se notar que o mesmo fenômeno acontece entre elas e entre os grupos de oração carismático. A coisa pode variar em grau, pois algumas correntes são mais enfáticas que outras, mas essa variação também ocorre entre grupo e grupo na RCC. Há sempre aquele pregador "ungido", "de fogo", cuja vinda "promete". Mas a fenomenologia dos ditos carismas, o modo de compreendê-los, é sempre igual. Conclusão: se são iguais, então ou são verdadeiros cá e lá, ou são falsos cá e lá. Se são verdadeiros cá e lá, seguem os mesmos problemas do ponto 2. Se são falsos, então...

4- Oração em línguas

Este talvez seja o coração do carismatismo. Diz-se, é verdade, do "batismo no Espírito Santo" como traço mais essencial da RCC, expressão infeliz que a Igreja já pediu para ser evitada, mas que segue sendo usada. Porém, o sinal visível deste "batismo", segundo os carismáticos, é o fenômeno da glossolalia, ou oração em línguas, ou língua dos anjos.

O evento bíblico que dá o fundamento desta prática seria a vinda do Espírito Santo em Pentecostes. Porém, em Pentecostes os Apóstolos e discípulos do Senhor não ficam falando coisas ininteligíveis. Não são línguas estranhas, aí, mas línguas estrangeiras, tanto que os residentes de outros países, que ali estavam, escutam-nos falar em sua própria língua. Trata-se do fenômeno da xenoglossia. Portanto, isso aí não tem nada a ver com o que se vê nos grupos de oração carismáticos. A referência "faiô".

Além disso, sendo um dom, ele deveria ser recebido, e não aprendido. Porém, os carismáticos ensinam a enrolar a língua e cada um termina praticando o "dom" de um modo bem próprio. Às vezes, a variação dos fonemas é de três ou quatro sílabas, quando não de duas. E a própria entonação é repetida. Como se não bastasse, o próprio "dom" é adaptável, e é comum ver seus praticantes imitando o jeito de alguém "ungido". Alguns rezam, outros cantam, sendo que quem reza pode cantar em línguas, e quem canta pode simplesmente rezar. É um "dom", supostamente extraordinário, que está sempre acessível, e a todos, como eles gostam de dizer, e é totalmente administrável. Não se sabe, então, em que sentido se diz que é extraordinário.

"Ah, mas São Paulo diz que quem fala em línguas não fala aos homens, que não entendem, mas a Deus". E tem a questão dos gemidos inefáveis, também. Vejamos: na tradição católica, os santos falam de dois modos de oração "em línguas": a xenoglossia, já referida, a que ocorre em Pentecostes; e uma outra forma que consiste em falar coisas misteriosas, mas não numa linguagem ininteligível. Quando cantamos o Ofício da Imaculada, por exemplo, há muitas expressões lá cujo sentido escapa à maioria de nós, o que não nos impede de cantá-lo, porém. Segundo a Tradição Católica, é disso o que se trata, então. E não de algo que sequer sentido faz. Por isso, a fala em línguas, que Paulo recomenda que seja feito por dois ou três, sempre foi aplicado à Liturgia, onde, depois de duas ou três leituras, o Padre as interpreta na homilia. Os "gemidos inefáveis" não são a repetição ininterrupta de chiados, mas os arroubos interiores, inexprimíveis, de amor do próprio Deus em nós. O gemido é sempre uma expressão da intensidade do que se sente: seja amor, seja dor. A oração em línguas, porém, pode ser praticada - e é, por vezes - mecanicamente. O contexto em que se fala dos gemidos inefáveis do Espírito Santo, porém, trata, nuns versículos antes, dos gemidos humanos pelo sofrimento no mundo. Diz-se, então, que todas as criaturas gemem e que nós também gememos dentro de nós. Assim, o Apóstolo afirma, então, que o próprio Deus também geme misteriosamente, como que participando de nossas dores e dando eficácia e substância à nossa oração.

Por fim, a tal oração em línguas também começou no protestantismo e permanece por lá, igualzinha. Seguem os mesmos problemas já elencados. Poderia ainda ser feita a seguinte questão: uma vez que a pessoa aprende a imitar aquele som característico, todas as vezes em que uma pessoa o fizer, ela está rezando? Há pessoas que sabem reproduzi-lo só que com a intenção de fazer troça. O Espírito Santo permitiria tal coisa? E, se essa troça acontece, neste caso é ainda o dom ou não? Se não é o dom, então não seria possível distinguir, através da prática, quando ele se manifesta realmente e quando é somente uma encenação.

Por fim, se Deus se manifesta dessa forma, porque não é tão frequente que ele permita o sinal que ocorreu em Pentecostes, de um italiano falar japonês sem nunca ter estudado, ou de um brasileiro falar alemão, etc?

5- O Repouso no Espírito

Este fenômeno é um dos mais chamativos do carismatismo. Lembro-me que ir a um retiro fechado e não passar por isso era decepcionante. Todos ficavam na expectativa do famoso "repouso". Em alguns encontros, os organizadores inclusive distribuem colchões e almofadas no ambiente para favorecerem o conforto durante as quedas. Quem já experimentou ou presenciou este fenômeno há de convir que é pelo menos curioso. As pessoas caem de várias formas esquisitas e não se machucam. Isto seria, talvez, a evidência de que se trata de algo sobrenatural... Mas não. O que aí se chama "repouso", e no protestantismo, "queda no Espírito Santo", nada mais é do que o famoso "toque de Charcot", da hipnose. Observe o leitor esse vídeo e reconheça o mesmo fenômeno nos olhos.

  

Quem "repousa" fica com os olhos dessa mesma forma, batendo rapidinho. Eu já vivi isso aí diversas vezes, e já vi acontecer com inúmeras outras pessoas, e eu mesmo já provoquei o fenômeno em outros. É muito fácil reproduzir esses efeitos hipnóticos: basta uma pessoa sugestionável, receptiva, uma voz ou prática que demonstre persuasão, e um ambiente propício: o ambiente carismático possui diversos elementos que criam a atmosfera requerida: música emotiva, balanço, às vezes controle da luz, linguagem sugestiva, expectativa criada nas pessoas de que algo está prestes a acontecer, o que favorece a sua "entrega". Pronto. É só isso.

6- Visualizações

Em todo grupo carismático há sempre um momento de oração pessoal, espontânea, no qual cada pessoa fala individualmente com Deus. Depois da oração espontânea, geralmente vem a oração em línguas. E, depois disso, ou durante isso, as pessoas começam a ter visualizações que, se forem de Deus - como dizem -, vão-se confirmando umas às outras. Este é um dos pontos mais frágeis dos carismáticos e dos pentecostais em geral. Vejam só: toda oração tem um tema: agradecimento, petição, adoração, arrependimento, etc. Além disso, o pregador ou condutor da oração está geralmente com a sua voz exaltada, conduzindo os demais. O significado do que ele diz, e o teor da oração que a própria pessoa está fazendo, vão naturalmente estimular a imaginação de todos que, então, passará a formar um sem fim de imagens. A coisa fica ainda mais intensa porque os orantes ficam procurando sinais e vozes interiores de Deus. Resultado: qualquer coisa que a imaginação formar será, então, entendida como uma mensagem divina. Se considerarmos, com Sta Teresa D'Avila, que a imaginação é a louca da casa, já podemos imaginar o que pode vir disso aí. Eu mesmo já presenciei verdadeiros absurdos, como quando um grupo, sob orientação do coordenador, queimou seus casacos porque Deus teria lhe dito para fazerem isso. A ideia de fundo, pelo que me recordo, era que, depois de um processo de purificação e da famosa renúncia, as sujeiras espirituais teriam migrado de suas almas para suas roupas, donde a conveniência da fogueira santa aplicada aos coitados dos tecidos. Noutras duas vezes, eu mesmo fui o objeto de uma suposta comunicação divina que, pelo menos, a mim não chegou. Uma mulher conduzia um momento exaltado de oração enquanto eu tocava. A mulher, então, declarou firmemente que Deus inspiraria alguém ali a profetizar em línguas. Pouco depois, ela começou a olhar pra mim e dar sinais. O favorecido seria eu. Imaginem a cena, hahaha. Quieto estava, quieto fiquei. Noutra vez, uma mocinha rezava por mim durante um filme e pediu a Deus pra que Ele me falasse. Segundo ela, Deus lhe garantiu que me falaria e que Ele de fato me falou. Porém, meu wifi acho que estava fraco, rs. Esses são pequenos exemplos de como alguém pode ficar totalmente convencido do que diz a sua imaginação, mesmo que a mensagem em questão seja baboseira pura e simples. Como fazer, então, para distinguir quando uma mensagem é criação nossa, quando é de Deus ou, até, quando vem do demônio? As pessoas em geral não têm quaisquer ferramentas para fazer essa distinção. Naturalmente, cada uma vai acreditar em si mesma, mas esse é o pior critério possível. É, aliás, o que distingue os malucos.

7- Subjetivismo

Se você explica todas essas coisas para um carismático, o que ele diz? "Ah, meu irmão, é porque você não experimentou. Mas eu sei que o que eu vivi foi de Deus", etc. Ele nunca possui critérios objetivos, mas sempre baseia-se na própria experiência. Eu sei disso por dois motivos: a) tenho anos de prática de discussão com carismáticos; antigamente, nos idos tempos do Orkut, eu adorava fazer isso; b) eu mesmo usava esses "argumentos". Primeira coisa: estar muito satisfeito consigo mesmo, como se sua vida provasse a veracidade do que crê, já é um mau sinal. A autocomplacência não é boa, e pressupõe uma cegueira fundamental. Essa cegueira jamais vai ser um efeito real de alguma graça provinda de Deus. Ao contrário, o grande efeito que segue qualquer toque divino é a profunda humildade que ele deixa, efeito do autoconhecimento que é, aí, aprofundado, revelando para a própria pessoa a sua própria miséria. Disto resulta uma espécie de angústia, um sofrimento íntimo por ver-se agraciado justamente quando a pessoa se percebe mais indigna e ingrata. Isto a deixa profundamente constrangida. Tanto São João da Cruz quanto Sta Teresa D'Avila sempre dizem que um dos sinais mais característicos de que uma graça vem de Deus é o medo que fica de a pessoa estar errada. Sta Teresa, já depois de ter entrado nas quartas moradas, tinha algumas graças místicas bastante altas, mas sofria profundamente, depois, sem saber se o que havia vivido vinha de Deus ou do demônio. E ela perturbou-se com isso não pouco tempo. Somente São Pedro de Alcântara pôde convencê-la da origem divina de suas graças. Agora, imagine um carismático comum - supondo que a maioria de nós não chegou às quintas moradas - todo seguro de que o arrepiozinho que experimentou, a catarse pela qual passou é, sim, de Deus. Não é fácil distinguir a origem de uma experiência assim, motivo pelo qual os santos sempre recomendam que não se as deseje. Nós não temos os meios adequados para fazer a distinção. O próprio demônio é mestre em imitar, motivo pelo qual é conhecido como o macaco de Deus (simia dei). O próprio Paulo diz que ele pode se disfarçar de anjo de luz. Isso não é difícil pra ele. E quando encontra alguém desejoso dessas experiências, ele pode ir "brincar" com a pessoa. São João da Cruz diz que muitas almas perderam-se dessa forma. O justo deve viver pela fé, isto é, sem desejar nenhum sinal misterioso ou místico. É verdade que Deus às vezes os dá, mas não é comum e isso nunca ocorre no começo, e nunca é dado porque a pessoa os quis. Deus pode permitir consolações sensíveis, que não são graças sobrenaturais, ainda, e mesmo assim Ele não quer que uma pessoa fique apegada a elas, motivo pelo qual Ele mesmo fará questão de as tirar, depois.

Além disso, a essência do carismatismo é a busca por experiências. O próprio nome "renovação carismática" indica a tentativa de reviver aqueles sinais sensíveis que Deus dava no começo da Igreja, para a difusão da fé e para a credibilidade do discurso dos Apóstolos. A este respeito, leia-se a Pascendi Dominici Gregis, de São Pio X, contra o Modernismo. Neste texto, entre outras coisas, o Sumo Pontífice condena a tese de que é possível experimentar Deus. A sensibilidade humana lida com coisas materiais e pode ser estimulada dessa forma. Deus é puro espírito e, como tal, não pode ser alcançado pela sensibilidade humana. É por isso que São João da Cruz a este respeito dizia: "tanto mais uma graça é sensível, tanto menos certa que é de Deus"; e ainda: "Os sentidos humanos são tão experientes das coisas espirituais como um jumento o é das coisas racionais". Dessa forma, São João da Cruz condenava qualquer tipo de espiritualidade que buscasse experimentar Deus sensivelmente.

Daí alguém poderia objetar: mas se a pessoa em questão possui uma vida reta, de oração, jejum, abstinência, mortificação, observância dos mandamentos, etc., é possível que esteja assim enganada?

Uma pessoa pode estar tão autossugestionada que, crendo piamente no que professa, viva como se aquilo fosse verdade quando não é. É por isso que há sempre gente muito devota entre protestantes, budistas, muçulmanos, etc. São pessoas moralmente boas, ainda que aquilo que professam não seja inteiramente correto. São João da Cruz, especialista nesses casos, era frequentemente chamado para dar sua posição sobre a santidade de alguns irmãos consagrados que na sua época ficavam famosos pelas supostas graças espirituais que recebiam e que enlevavam até seus superiores. Em grande parte dos casos, o santo dizia que não havia ali nenhuma comunicação divina, e que a própria pessoa, ainda que com boa intenção, enganava-se a si mesma. Isso demonstra como essas coisas são tão sutis. Não é tão fácil distinguir, como querem alguns, uma comunicação real de Deus de algo criado por si mesmo, ou até mesmo sugerido pelo demônio. É por isso que quando aparece, por exemplo, um vidente, a Igreja não se pronuncia a respeito senão depois de uma profunda e demorada análise. E é ocioso dizer que a grande maioria dos casos é rejeitada. Convenhamos ainda que uma visão é muito mais convincente do que uma visualização, espécie de visão apenas na imaginação. E mesmo com toda a força de uma visão, é possível que aquilo seja falso.

Pode acontecer, no entanto, que, vendo a boa intenção dos carismáticos, e a sua recorrência aos meios legítimos da Graça de Deus, que são os Sacramentos e a oração pessoal, a submissão à Virgem Maria e a imitação dos santos, as mortificações e práticas de piedade, Deus agracie a pessoa, a despeito de seus equívocos. Mas é sempre melhor não ter erros na compreensão do que os ter.

Enfim, o objetivo aqui não é condenar os irmãos carismáticos, a quem tenho por irmãos, de fato, mas apenas esclarecê-los desses pontos, que são os mais gerais e básicos. Haveria, como se nota, muitas outras sutilezas a discutir, mas penso que estas são o suficiente para fazer pensar. Basta a pessoa ter disposição de realmente querer analisar isso aí. São pontos objetivos. Qualquer tentativa de refutação deve percorrer ponto a ponto, com uma linguagem igualmente objetiva, sem rodeios. Agradeço aos que pretenderem responder esses pontos, e termino desejando que a graça de Deus esteja sobre todos nós.

Se o siri canta lá na praia, chama lá Maria, tenha calma, que a raiva não é de Deus, e vamos louvar juntos ao bom Senhor que criou todas as coisas.

Fábio.

A Cabana e o Inferno


Está ainda em cartaz a película "A Cabana", baseada no livro de mesmo nome, obra de William P. Young, que fascinou muita gente logo quando foi lançado. O filme agora traz uma nova onda de encanto e está a espalhá-la, pois um livro tem um alcance sempre mais restrito que a sua tradução em vídeo.

Eu li o livro deve fazer uns cinco anos, e me causou vivíssima impressão, na época. Devorei-o, praticamente, durante três dias. Cheguei mesmo a sonhar com "Papai", "Jesus" e "Sarayu". É um livro bonito, poético, muito inteligente - e que não tem nada de espírita, como alguns dizem. Contudo, alguns católicos cismaram com a estória, sendo que eu mesmo fiz críticas a ela, na época. Claro: o autor sequer é católico. Então, não faz muito sentido esperar que a obra reflita integralmente o ensino católico. Há coisas inexatas, de fato. Mas isso não é motivo para rechaçá-la. Desde que se saiba que não é um tratado de dogmática, nem a transcrição de um evento real, mas apenas uma obra de ficção que, embora pretenda transmitir idéias sobre Deus, não deseja ser outra coisa, o trabalho é sim muito apreciável. Essa posição asséptica, que rejeita o que contenha o menor traço de imprecisão, vai muito longe de uma atitude sadiamente católica. E o filme, que já assisti duas vezes, está belíssimo, de modo que fica aqui a minha recomendação.

Depois dos elogios, vem agora uma pequena crítica. O autor desenvolve uma conversa muito interessante entre Mackenzie e a mulher que ele põe como a Sabedoria divina. Mack, que costumava julgar as pessoas e situações, é convidado a assumir o lugar de Deus e, dentre outras coisas, deve escolher um dos seus filhos para ir para o Céu enquanto os demais deveriam ir ao inferno. Tratava-se na verdade de um teste para que ele sentisse o peso e a dificuldade desta função. Diante do dilema de a quem mandar ao inferno, premido pelo amor que lhes devotava, Mack só vê uma saída: opta em ele mesmo condenar-se no lugar dos seus filhos. No livro, esse diálogo tem mais peso. Recordo-me de a Sabedoria dizer algo assim: "Agora você começou a pensar como Deus". O que ela queria dizer era que, diante da alternativa de condenar qualquer dos homens, Deus decidiu assumir a condenação por nós, o que ocorreu exatamente na Cruz. 

A Sabedoria... Coisa linda é a Sabedoria...

Neste momento, Mack também assiste um pouco do que está por trás do comportamento imoral das pessoas: sofrimentos, carências, etc. Tudo isso tendia a minorar a culpa pessoal e, desse modo, o filme deixa a sugestão de fundo - ao menos eu tive essa impressão - de que ninguém se condenaria. É uma idéia bonita e verdadeira em parte. De fato, os nossos pecados não raro são manifestações distorcidas de carências de fundo, de desejos inconscientes, de impulsos da natureza que, considerados em si mesmos, são bons. Haveria muito a falar disso, mas, para não caminharmos para longe do que propusemos, voltemos a essa idéia básica: de que modo Deus, sendo amor e conhecendo-nos a fundo, pode condenar alguém ao inferno? O inferno existiria de fato? Como conciliar a sua existência com o amor divino? Seria possível que Mack, um personagem criado pela imaginação humana, amasse mais os seus filhos do que Deus ama os d'Ele?

A primeira coisa a considerar é que, conforme a obra enfatiza bastante, nós somos livres de fato. Defender a liberdade humana é afirmar que, por mais complexos que sejam os processos subconscientes que influenciam as nossas ações, eles não são determinantes. O ser humano age livremente, e até o próprio Deus respeita essa liberdade, pois, conforme diz a Mack logo no começo do filme, Ele não está interessado em escravos.

Sarayu se comove ao lamentar com Mack o fato de que cada pessoa no mundo eleja para si mesma - seja livre para isso - o bem e o mal, o que gera um imenso desacordo. A Sabedoria também afirma que, enquanto houver uma vontade livre capaz de dizer não a "Papai", poderá haver mal no mundo. Então, embora o filme tente dizer que há sempre um elemento a ser considerado por trás das más ações, ele mantém que nós somos livres. E o somos, de fato, ainda que a nossa liberdade não seja absoluta, o que é outro fato.

Sarayu, a colecionadora de lágrimas... Ou Espírito Santo, se preferir.

O filme sugere que os seres humanos pecam ou por fraqueza ou por ignorância. Mack estava a ponto de perder a família e de talvez condenar o futuro da própria filha sobrevivente justamente porque não sabia o que fazer, não sabia a verdade sobre Deus, e era ignorante dos próprios complexos de culpa que acometiam Kate, que se sentia responsável pelo que havia acontecido a Missy.

É verdade que duas grandes causas possíveis do pecado são essas: fraqueza e ignorância. A depender da intensidade de ambas, é possível que um pecado até deixe de sê-lo. Contudo, há um terceiro motivo possível para o pecado: a malícia, que é o mero desejo direto de fazer o mal, mesmo. E há malícia no mundo.

Considerem agora o seguinte: o ser humano é livre, e algumas pessoas são maliciosas. Há um chamado de Deus para o homem, que é o da Salvação. Este chamado, crêem os cristãos, se dá até o momento da morte. Depois disso já não há mais possibilidade de redenção. Mas consideremos que, sendo a ignorância a causa de uma vida desregrada, a morte resolva esse problema, já que a pessoa será exposta ao juízo divino. Suponhamos que então ela reconheça que a Fé era verdadeira e que possa, enfim, converter-se. Ainda assim, resta a possibilidade, em virtude mesmo da liberdade humana - e da malícia, que é possível que haja -, de que a pessoa não queira Deus. E se a pessoa não O quiser? Ele a obrigará mesmo assim? Obviamente que não, pois Deus não força ninguém. Uma pergunta melhor a ser feita é: será possível a alguém não querer Deus depois de ter a certeza de que Ele existe?

Respondemos: é claro que sim. Os próprios demônios nunca duvidaram de que Ele existisse, mas ainda assim não O quiseram e nem O querem. É verdade que quando Deus expõe alguém à visão da Sua Face, que é o que caracteriza o Céu, a pessoa perde a possibilidade de rejeitá-Lo, pois a vontade humana, que é naturalmente inclinada ao que lhe aparece como bem, aderirá ao Bem em Si mesmo de modo irretornável. Este é o motivo pelo qual Deus não Se revela desde já: não haveria mérito nenhum em amá-Lo assim. Por isso, precisamos amá-Lo antes de vê-Lo, o que significa que mesmo o juízo que se segue logo após a morte ainda não é visão d'Ele. Logo, a pessoa poderia recusá-lo, ainda, mesmo que a morte já não tivesse engessado a sua vontade na última disposição que possuiu em vida, que é o que acontece.

Fica, assim, resguardada a possibilidade de que algumas pessoas rejeitem a Deus. Vimos que já existem pessoas condenadas de certeza: os demônios. Dentre os humanos, embora não possamos objetivamente apontar nenhum (talvez Judas, mas isso é controverso), é certo que haja já vários condenados, visto que a liberdade humana permite, como vemos todo dia, a rejeição a Deus. 

Considerando, também, que os atos humanos não são totalmente explicados pelo contexto em que a pessoa vive, mas que são atos livres, isto é, soltos, ao menos em algum grau, surge disto a necessidade de que as pessoas sejam responsabilizadas, pois uma liberdade que não pagasse pelo que faz não seria liberdade de fato. Se uma pessoa livremente rejeita a Deus, livremente ela terá de viver longe d'Ele.

Diante de tudo isso, o inferno surge como uma necessidade lógica. Ele não é exatamente uma espécie de tortura à qual Deus submete os que O desagradam, mas o estado de alma dos que O rejeitam, pois, sendo Deus a fonte de todo o bem, uma vida que seja recusa d'Ele não pode ter qualquer espécie de felicidade ou realização. O inferno é um Não perpetuado por uma vontade em relação a Deus. E Deus, sendo amor que respeita Seus filhos profundamente, aceita o que eles decidirem. Logo, a única possibilidade de uma apocatástase, isto é, de uma salvação universal, seria a de que Deus coagisse os humanos e anjos a conhecerem-No e a amarem-No. Ele poderia fazê-lo, se quisesse, mas, como o filme diz, Ele não está interessado em escravos. E como Deus mais de uma vez diz a Mack, este é livre para sair quando quiser.

O filme, assim, não é muito exato na sugestão de que não haveria inferno, já que Deus não condenaria nenhum de Seus filhos. Mas ao mesmo tempo tem o mérito de aprofundar a visão comum que tende a reduzir os atos humanos sempre às intenções conscientes. Há outros problemitas aqui e ali na obra. Mas nada que, ao meu ver, me faça querer retirar a recomendação. Assistam, reflitam e divulguem, porque ficou muito bonito e eu gostei especialmente desse filme aí.

Que punições há no Inferno?


Existe fogo? Sim, existe o fogo do remorso. Fogo material não, pois demônios nem estão em nenhum lugar, nem nenhum castigo corporal lhes pode causar dano. Esse remorso que nada pode apagar, que arde no interior de cada espírito condenado, que atormenta espiritualmente os espíritos é o fogo que não se apaga (Mc 9,48), o fogo eterno (Mt 25,41), o forno de fogo (Mt 13,42), o fogo ardente (Hb 10,27), o lago de fogo sulfuroso (Ap 19,20), a geena de fogo (Mt 5,22), o lume que atormenta (Lc 16,25). O verme que nunca morre de que se fala em Marcos 9,48 é igualmente o verme do arrependimento, que atravessa a consciência ve ou outra durante a eternidade. As trevas exteriores (Mt 8,12) são as trevas e escuridão do afastamento de Deus. As penas do Inferno não sao outras que o ódio, a tristeza, a ira, a solidão, a melancolia, o arrependimento e o sofrimento que produz a própria deformação do espírito; isto é a deformação de todos os pecados que contêm cada anjo caído. Se analisarmos os termos que usa a Bíblia ao falar da condenação, veremos termos de afastamento, do fogo do arrependimento, mas nunca termos de tortura que seja aplicada por parte do Juiz. Ao falar da condenação, a Bíblia nunca apresenta Deus como o torturador. Usa termos impessoais, como fogo, trevas ou lago sulfuroso. A condenação, portanto, é o afastamento de Deus e é a tortura que cada espírito aplica a si mesmo pela própria deformação do espírito. Deus não criou os sofrimentos infernais; o Inferno é fruto da deformação de cada espírito.

Pe José Fortea, Svmma Daemoniaca, p.119.

O que é a morte eterna


Um espírito (como uma alma) é indestrutível, não sofre rupturas, não sofre desgastes, não pode ser dividido. O espírito não pode morrer. Continua existindo independentemente dos pecados que cometa, e, por mais que queira morrer, a vida permanecerá com ele. Porém, o que queremos dizer com "pecado mortal", "morte eterna" e outras expressões similares é que a vida sobrenatural de uma alma ou espírito pode, sim, morrer. O pecado mortal acaba com a vida sobrenatural. O espírito segue existindo, mas com uma vida meramente natural. A vontade e a inteligência com todas as suas potências seguem operando. Mas não há mais a vida da graça. O espírito, enquanto estiver sem a graça, estará como um cadáver. Essa expressão pode parecer hiperbólica, mas é exata. O espírito que peca mortalmente é como um cadáver inanimado, inanimado pela graça santificante. Desde esse momento, só vive para a natureza e por sua natureza. Seu espírito está desprovido de sobrenatureza.

Desde o momento em que a graça deixa de vivificar um espírito, como o que sucede com um corpo que já não está vivificado por uma alma, começa a corrupção. Assim como um corpo começa a transformar-se em corrupção, assim o espírito começa a corromper-se, à medida que sua vontade vai cedendo.

São muitos os homens que vivem só para a natureza de seu ser, esquecendo-se completamente a sobrenatureza que Deus lhes daria de bom grado. O nível de corrupção varia muito segundo a pessoa. Mas se pudéssemos nos aproximar de alguns desses espíritos, veríamos que são verdadeiros cadáveres, que expelem um mau cheiro com aqueles em avançado estado de decomposição.

Pe José Fortea, Svmma Daemoniaca, Questão 27, p.48.

Por que os protestantes rejeitam 7 livros da bíblia - uma resposta curta


Gary Michuta é um especialista no cânon da Escritura, especialmente no que se refere aos livros deuterocanônicos, que os protestantes chamam de apócrifos.Você pode ler o seu livro "Por que as bíblias católicas são maiores" (Why catholics bibles ar bigger) para ver o que eu quero dizer.

Recentemente um amigo pediu a Gary uma resposta curta para responder por que os protestantes removeram sete livros da Bíblia. Aqui está a sua muito útil resposta:

Por que protestantes rejeitam os livros deuterocanônicos - resposta curta

Por Gary Michuta

A resposta curta é esta: quando Lutero foi encurralado no debate sobre o Purgatório, seu oponente, Johann Eck citou 2 Macabeus contra a posição de Lutero. Lutero foi forçado a dizer que 2 Macabeus não podia ser aceito no debate porque ele não era canônico. Mais tarde, Lutero apelou para São Jerônimo na rejeição de Macabeus (os concílios de Cartago, Hipona e Florença todos incluíram Macabeus como escritura canônica).

Apelando para São Jerônimo, ele também rejeitou os outros livros que Jerônimo havia rejeitado (Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, Tobias, Judite, primeiro e segundo Macabeus, Daniel 13, e seções de Ester).

Daí em diante, Lutero (e todos os protestantes) têm tentado justificar sua remoção. Lutero em 1534 achava que Baruque era pequeno demais e não elevado o suficiente para ser da escrita de Jeremias. Ele também teve problemas com certos elementos históricos em Baruque. Mas, a longo prazo, a rejeição de Jerônimo realmente veio abaixo.

Como uma nota lateral, Jerônimo os rejeitou porque ele pensou que uma tradição manuscrita dos hebreus, conhecida como o "Masoteric Text", era idêntica à origem inspirada e que todas as outras cópias haviam sido feitas deste texto. Como os Deuteros não eram parte do MT, ele os rejeitou como não sendo da Escritura canônica.

O que Jerônimo não poderia ter sabido era que havia muitos manuscritos hebreus em circulação durante o primeiro século e que a Septuaginta Grega, uma tradução feita por judeus cerca de 200 a.C., ao menos em partes, parece ser uma tradução muito literal de uma tradição textual hebraica mais antiga que está agora perdida.

Isto significa que a idéia de Jerônimo da "Verdade Hebraica" (I.e., só aquilo que se encontra no MT hebraico é verdadeiro) foi demonstrado ser um erro. Com a posição de Jerônimo não mais sendo defensável, o Protestantismo realmente não tem uma perna histórica para se apoiar no que se refere ao seu Cânon do Antigo Testamento.

Tradução minha. Original em Catholic-Convert.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...