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O Magnificat e a pobreza da riqueza deste mundo


Existem planos e aspectos da realidade que não se percebem a olho nu, mas apenas com o auxílio de uma luz especial: ou com os raios infravermelhos ou com os raios ultravioletas. A imagem obtida com esta luz especial é muito diferente e surpreendente para quem está habituado a ver este mesmo panorama à luz natural. A Igreja possui, graças à Palavra de Deus, uma imagem diversa da realidade do mundo, a única definitiva, porque obtida com a luz de Deus e porque é aquela mesma que Deus tem. Ela não pode ocultar tal imagem. Deve antes difundi-la, sem jamais se cansar, torná-la conhecida aos homens, porque dela depende o seu destino eterno.

É a imagem que no final ficará quando tiver passado "o esquema deste mundo". Torná-la conhecida, às vezes, com palavras simples, diretas e proféticas, como aquelas de Maria, como são ditas as coisas de que se está íntima e tranquilamente convicto. E isto mesmo à custa de parecer ingênua e fora do mundo, defronte à opinião dominante e ao espírito do tempo.

O Apocalipse nos á um exemplo desta linguagem profética, direta e corajosa, na qual, à opinião humana, vem contraposta a verdade divina: "Tu dizes (e este 'tu' pode ser a pessoa individual, como pode ser uma sociedade toda): 'Sou rico, me enriqueci; não tenho necessidade de nada!', mas não sabes que és um infeliz, um miserável, um pobre, cego e nu (Ap 3,17)".

Numa célebre fábula, fala-se de um rei a quem se fez crer, por embrulhões que existe um tecido maravilhoso que tinha o privilégio de tornar, quem o vestisse, invisível aos tolos e aos ineptos, e visível apenas aos sábios. Ele, por primeiro, naturalmente não o vê, mas tem medo de dizê-lo, por temor de passar por um dos tolos, e assim fazem todos os seus ministros, e todo o povo. O rei desfila pelas estradas sem nada em cima, mas todos, para não se trair, fingem admirar o belíssimo vestido, até se ouvir a vozinha de uma criança que grita entre a multidão: 'Mas o rei está nu', rompendo o encantamento, e todos finalmente têm a coragem de admitir que aquele famoso vestido não existe.

A Igreja deve ser como a vozinha de uma criança, a qual, a certo mundo todo enfatuado das próprias riquezas e que induz a considerar louco e tolo quem mostra não acreditar nelas, repete, com as palavras do Apocalipse: 'Tu não sabes que estás nu!'. Aqui se vê positivamente como Maria, no Magnificat, 'fala profeticamente pela Igreja': ela, por primeiro, partindo de Deus, pôs a nu a grande pobreza da riqueza deste mundo.

Todavia seria desvirtuar completamente esta parte do Magnificat que fala dos soberbos e dos humildes, dos ricos e dos famintos, se a limitássemos apenas ao âmbito das coisas que a Igreja e o crente devem pregar ao mundo. Aqui não se trata de algo que se deve somente pregar, mas algo que se deve antes de tudo praticar. Maria pode proclamar a bem-aventurança dos humildes e dos pobres porque ela própria está entre os humildes e os pobres. A reviravolta por ela prevista deve acontecer primeiro no íntimo de quem repete o Magnificat e reza com ele. Deus - diz Maria - abateu os soberbos "nos pensamentos do seu coração". De súbito, o discurso é levado de fora para dentro; das discussões teológicas, em que todos têm razão, aos pensamentos do coração, no qual todos temos errado. O homem que vive "para si mesmo", do qual Deus não é o Senhor, mas o próprio "eu", é um homem que se construiu um trono e no qual se assenta ditando lei aos outros. Ora Deus - diz Maria - derruba estes tais do seu trono; põe a nu a sua não-verdade e injustiça. Há um mundo interior, feito de pensamentos, vontade, desejos e paixões, do qual - diz São Tiago - provêm as guerras e os litígios, as injustiças e injúrias que estão em meio a nós (cf Tg 4,1) e até que alguém comece a sanar esta raiz, nada muda verdadeiramente no mundo, e se alguma coisa muda é para reproduzir, dali a pouco, a mesma situação de antes.

Como o cântico de Maria nos atinge de perto, como nos questiona a fundo e como põe de verdade " o machado na raiz"! Que loucura e incoerência seria a minha se cada dia, às Vésperas, repetisse com Maria que Deus "derrubou os poderosos dos tronos" e, no entanto, continuasse a cobiçar o poder, um posto mais alto, uma promoção humana uma promoção de carreira e perdesse a paz se isso demora a chegar; se cada dia proclamasse, com Maria, que Deus "mandou os ricos de mãos vazias" e, no entanto, aspirasse sem descanso enriquecer e possuir sempre mais coisas e coisas sempre mais refinadas; se preferisse estar de mãos vazias diante de Deus, antes que de mãos vazias diante do mundo, vazias dos bens de Deus, mais que vazias dos bens deste mundo. Que loucura seria a minha se continuasse a repetir com Maria que Deus "olha para os humildes", que se avizinha deles, enquanto mantém à distância os soberbos e os ricos de tudo, e depois fosse daqueles que fazem exatamente o contrário.. 

"Todos os dias - escreveu Lutero comentando o Magnificat - devemos constatar que cada ujm se esforça por elevar-se além de si, para uma posição de honra, de poder, de riqueza, de domínio, para uma vida abastada e para tudo que é grande e soberbo. E cada um quer estar com tais pessoas, corre atrás delas, serve-as voluntariamente, cada um quer participar da sua grandeza... Ninguém quer olhar para baixo, onde existe pobreza, ignomínia, necessidade, aflição e angústia, antes, todos afastam o olhar de uma tal situação. Todos evitam as pessoas assim provadas, as afastam, deixam-nas sozinhas, ninguém pensa em ajudá-las, em assisti-las e em fazer com que elas tornem-se também alguém: devem permanecer embaixo e ser desprezadas". 

Deus - diz Maria - faz o oposto disto: tem à distância os soberbos e eleva até a si os humildes e os pequenos; está mais prazerosamente com os necessitados e os famintos que o atormentam com súplicas e com pedidos, do que com os ricos e saciados que não têm necessidade dele e não lhe pedem nada. Assim fazendo, Maria nos exorta, com ternura materna, a imitar Deus, fazer nossa a sua escolha. Ensina-nos os caminhos de Deus.

O Magnificat é na verdade uma maravilhosa escola de sabedoria evangélica. Uma escola de conversão contínua. Como toda a Escritura, ele é um espelho (cf. Tg 1,23) e sabemos que do espelho podem-se fazer dois usos muito diversos. Pode-se usá-lo para o exterior, para os outros, como espelho ustório, projetando a luz do sol para um ponto distante até incendiá-lo, como fez Arquimedes com as naves romanas, ou pode-se usá-lo tendo-o voltado para si, para ver nele a própria imagem e corrigir-lhe os defeitos e as sujeiras. São Tiago nos exorta a usá-lo sobretudo deste segundo modo, para pôr "em evidência" nós mesmos, antes que os outros.

A Escritura - dizia São Gregório Magno - "cresce por força de ser lida" (Mor. 20,1; PL 76,135). O mesmo acontece com o Magnificat, as suas palavras são enriquecidas, não consumidas, pelo uso. Antes de nós, multidões de santos ou de simples fiéis oraram com estas palavras, saborearam-lhe a verdade, puseram em prática seu conteúdo. "ora, aconteceu - escreveu um deles - que no dia de Natal assistia às Vésperas em Notre-Dame e, escutando o Magnificat, tive a revelação de um Deus que me estendia os braços" (P. Claudel, Corrispondenza, cit., p.33).

Pela comunhão dos santos no corpo místico, todo este imenso patrimônio se adere agora ao Magnificat. É bom rezá-lo assim, em coro, com todos os orantes da Igreja. Deus o escuta assim. Para entrar neste coro que atravessa os séculos, basta que pretendamos reapresentar a Deus os sentimentos e o entusiasmo de Maria que por primeira o entoou "em nome da Igreja", dos doutores que o comentaram, dos artistas que o musicaram com fé, dos piedosos e dos humildes de coração que o viveram. Graças a este maravilhoso cântico, Maria continua a engrandecer o Senhor por todas as gerações; a sua voz, como aquela de uma solista, sustenta e arrasta a Igreja. Um orante do saltério convida todos a unir-se a ele, dizendo: "Glorificai o Senhor comigo, exaltemos em uníssono o seu nome" (Sl 34,4). Maria repete aos seus filhos as mesmas palavras: Glorificai o Senhor comigo! "Vinde, filhos, escutai-me, ensinar-vos-ei o temor do Senhor" (ib.). Maria, a Mãe do Senhor, a figura da Santa Igreja, arrasta atrás de si a Igreja ao louvor de Deus, ao júbilo da salvação; a arrasta para Deus. E nós dizemos: Sim, Maria, nós glorificamos o Senhor contigo e por ti, pelas granes coisas que fez em ti o Onipotente e pelas grandes coisas que fez também a nós. Desde sempre e para sempre.

Pe Raniero Cantalamessa. O mistério do Natal. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p.30-34.

Natal ou Páscoa?



Natal ou Páscoa? Qual dos dois momentos deve reinar no coração dos cristãos? Como frequentemente acontece, os católicos são instados a escolher entre duas alternativas; e escolhem ambas.

Ao longo da história, os santos notaram que os eventos estão misteriosamente ligados. Nas cenas do Natal, os cristãos sempre encontraram prenúncios do mistério pascal.

Jesus começou a sua vida numa caverna usada como estábulo. Seu berço era um nicho escavado numa parede de pedra que servia de manjedoura aos animais. No dia de sua morte, seu corpo também foi posto num nicho de pedra dentro de um túmulo.

Já aqueles que imaginam uma manjedoura feita de madeira observam que Ele foi posto sobre esse material tanto no nascimento como na crucifixão.

Em seu nascimento e em sua morte, Jesus foi envolvido em faixas. (cf. Lc 2,7 e Jo 19,40).

Tanto o seu nascimento como a sua ressurreição foram anunciados pelos Anjos.

Já traçamos a conexão entre Belém - que significa "casa do pão" - e a Última Ceia, quando Jesus dá o seu corpo como Pão da Vida. Ao ser posto na manjedoura, o Menino Jesus já se apresentava como "a comida que dura até a vida eterna" (cf. Jo 6,27.55).

Já falamos sobre a sua circuncisão, que antecipa o sangue que seria derramado na sua execução. Ela prefigura também a sua ressurreição, por representar um desprendimento em relação ao corpo mortal (cf. Col 2,11).

O Natal, portanto, não ameaça a importância da Páscoa. Pelo contrário, ambas as celebrações estão relacionadas por serem expressões do mesmo amor divino, ordenadas uma à outra pela mesma Divina Providência.

Scott Hahn. A alegria do mundo: como a vinda de Cristo mudou tudo (e continua mudando). Trad. Diego Fagundes. São Paulo: Quadrante, 2018. p.166-167.
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