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O que é necessário para voltar à Igreja Católica? - Pe. Paulo Ricardo

Neo-relativismo, neoceticismo e suas consequências


Olavo de Carvalho

À humanidade, como se sabe, nunca faltam amigos e benfeitores. Eles brotam como cogumelos, cada um trazendo um remédio, um alívio, um consolo. É tanta bondade que até faz mal. A sagra mais recente é a dos neo-relativistas e neocéticos, que professam libertar a espécie humana do seu mais temível inimigo: a verdade, ou mais propriamente a ambição de conhecê-la. A esta ambição eles denominam "dogmatismo". No dogmatismo, asseguram, está a raiz de toda violência, de toda tirania, de toda infelicidade. Erradique-se do ser humano essa pretensão insensata, e todos viverão em paz num mundo de dúvidas alegremente indecidíveis.

As fontes que os inspiram são variadas. Alguns beberam em E. M. Cioran. Todo o mal do mundo, diz o autor de Précis de décomposition (Paris, 1949), vem do desejo de provar que uma idéia é melhor que outra. Uma vez admitido que todas as idéias se equivalem, ninguém mais fará ao seu próximo a violência de tentar persuadi-lo. "Que é a Queda, - pergunta ele - senão a busca de uma verdade e a certeza de tê-la encontrado?" Nessa "mistura indecente de banalidade e apocalipse" que é a História, "abundam as certezas: suprimi-as, suprimi sobretudo suas consequências e tereis reconstituído o paraíso."

Outros inscrevem-se na linhagem de Charles S. Peirce, fundador do pragmatismo. É o caso de Richard Rorty, segundo o qual, inexistindo para além das várias correntes filosóficas um tribunal capaz de arbitrar racionalmente suas divergências, todas as questões são indecidíveis. Logo, deve-se transferir o debate do campo da teoria para o da ação política, onde cada partido, desistindo de provar que tem razão, tentará honestamente induzir o outro, por meios irracionais e pela manipulação subliminar, a colaborar na sua própria sem-razão.

A conclusão similar chegamos ao ler Veneno Pirrônico. Ensaios sobre o Ceticismo, de Renato Lessa (Rio, Livraria Francisco Alvez, 1997). Expondo de maneira criteriosa e fidedigna o conjunto de esquemas argumentativos que os céticos, de Pirro a Bayle, criaram para provar a impossibilidade de provar o que quer que seja, o autor conclui que o velho ceticismo ainda tem um papel a cumprir no esforço mental mais característico dos tempos que correm: a desconstrução filosófica. A desconstrução, ao contrário da dialética aristotélica ou da crítica kantiana, não é mera operação preliminar de limpeza para a busca de uma verdade mais sólida: é finalidade em si, não tem outro ideal senão solapar toda pretensão à verdade, até o dia em que, cansados de interrogar, os homens se contentem em repousar na indiferença.

Não é o caso de refutar aqui os argumentos céticos. São tão fracos que raiam a comicidade. O mais característico é aquele que nega o conhecimento pelos sentidos, alegando que um mesmo objeto aparece diferente a várias espécies animais (como se para afirmar isto não fosse preciso fundar-nos no conhecimento sensorial que temos dos animais). Há também aquele que nega a indução, alegando que na maioria das vezes ela falha (o que é precisamente uma indução).

O interessante é observar que relativistas e neocéticos crêem prestar um grande serviço à paz e à democracia mediante a supressão de toda arbitragem racional.

Pois a impossibilidade do julgamento racional não suprime a existência de opiniões, apenas faz com que cada partido se torne, a seus próprios olhos, o único juiz. Juiz de si mesmo e, a fortiori, juiz do adversário. para cada um, o outro não é objetivamente errado nem certo, falso nem veraz: é apenas o inimigo, que não trata de refutar em teoria, mas de vencer na prática.

É precisamente essa situação que define, segundo Carl Schmitt, teorizador do Estado nazista, a essência da política. Uma atividade é política, diz Schmitt, quando o que está em jogo nela não é o certo ou o errado, o verdadeiro ou o falso, o bom ou o mau, o belo ou o feio, o útil ou o nocivo: é simplesmente, "o nosso lado" e "o outro lado": amigo versus inimigo. Quando esta oposição não tem um conteúdo que permita resolvê-la segundo algum desses outros pares, isto é, quando ela está acima de qualquer possibilidade de arbitragem racional, é aí que ela é mais puramente política. O político não precisa de certezas teóricas: precisa apenas de aliados.

A politização de todos os conflitos foi prevista e desejada pela primeira vez, que eu saiba, por Napoleão Bonaparte. Ela vem junto com a intromissão do Estado em todos os assuntos. No século XIX, a politização foi obstada pelo sucesso do liberal-capitalismo - que fazia da economia um recinto à parte, submetido apenas ao cálculo racional do lucro e do prejuízo. No século XX, o advento dos Estados totalitários impôs novamente a hegemonia do critério amigo-inimigo, deixando por saldo mais de cem milhões de mortos e a politização geral da vida. Neste fim de século, a queda do comunismo recoloca o problema: tendo politizado a cultura e a religião, os costumes e a educação, deixaremos que pelo menos a economia permaneça à margem da política, como uma ilha de racionalidade no meio da violência geral de amigos contra inimigos?

Até os adeptos mais radicais do totalitarismo hesitam, hoje, em dar esse último passo. Os neocéticos e relativistas, solapando a fé na possibilidade de toda arbitragem racional, ajudam essas criaturas a livrar-se de seu último resíduo de escrúpulos. Professando servir à democracia, são apóstolos inconscientes do totalitarismo.

Olavo de Carvalho, Jornal da Tarde, São Paulo, 16 de outubro de 1997. Transcrito do livro "O Imbecil Coletivo", do mesmo autor do artigo, datado do ano de 1998.

My Last Day - The Jesus Anime

Conforme vi no Voz da Igreja"É um projeto de Barry Cook, antigo animador da Disney, e do Studio 4C, responsável por episódios dos famosos Animatrix e Gothan Knight (quem aprecia animação sabe do que se trata). A história desse curta é o dia da Crucificação de Cristo vista pelos olhos do criminoso que partilhou da mesma sentença, chamado pela Tradição de São Dimas, o "Bom Ladrão". Vale a pena assistir."

Caso em que S. João da Cruz desmascara falsos sinais de santidade e revelações divinas


No artigo anterior, fiz referência ao episódio em que S. João da Cruz desmascara uma religiosa que apresentava sinais de santidade e a todos fazia crer da veracidade das suas virtudes. Pensei, então, ser conveniente transcrever o episódio inteiro, para que os amigos notem o quanto podem ser sutis estas enganações. Uma mentira facilmente descoberta seria obra de um sujeito inexperiente na arte do engano. Não é o caso do demônio. Isto significa que, quem quer que olhe para essas coisas com olhos benevolentes demais, privando-se de considerar tudo com objetividade e sólidos critérios, terminará por ser enganado. Escrevo pensando nos que facilmente crêem em revelações particulares e não exigem delas nada além de "sentirem-se" bem e de "confirmações pessoais". Estranha inteligência a do demônio se, pretendendo enganar e conseguir adeptos de suas mentiras, ele provocasse, ao invés, um claro mal estar. 

Notem, ainda, que, comparados ao engodo que vai abaixo, certos movimentos fantasiosos de hoje se mostram muito mal orquestrados. Quaisquer semelhanças, além disto, com as "revelações" do Salvai Almas não é mera coincidência. Boa leitura

***

Censura e parecer sobre o Espírito e o modo de proceder na oração de uma carmelita descalça - Provavelmente em Segóvia entre os anos 1588-1589. Chegou até nós, através do seguinte testemunho:

"... A uma religiosa dada à oração, sem base de humildade e animada de desejos curiosos de penetrar grandes segredos do espírito, saiu-lhe o demônio ao encalço simulando efeitos de bom espírito, tanto de suaves sentimentos como de revelações, e isso pelo caminho da fraude, com que costuma ter êxito entre os pouco humildes e nada discretos. E tão cauteloso andava ele em encobrir o deletério embuste, que, falando essa religiosa acerca de seu espírito e oração com vários letrados de diferentes ordens, todos o tiveram por bom. Contudo, o venerável Pe. Fr. Nicolau de Jesus Maria... então prelado superior de todos os descalços..., não acabava de assegurar-se do caminho dessa religiosa...; para examiná-lo com mais cuidado, ordenou-lhe que escrevesse sobre a sua oração e os efeitos que produzia. Entregou depois esse papel ao Pai Fr. João da Cruz, que na ocasião era primeiro definidor da Ordem, pela grande segurança que seu espírito lhe inspirava e por sabê-lo muito esclarecido por Deus em coisas deste gênero; pediu-lhe, então, que lesse atentamente aquela relação e colocasse no rodapé da folha o seu parecer. Lendo nosso venerável Pai o escrito, percebeu logo de que foco procedia aquela luz e deu sua opinião com palavras tão proveitosas e substanciais que bem revelam quão esclarecido estava por Deus para discernir entre a verdadeira e a falsa luz.

E pela luz que tais palavras podem comunicar aos espirituais, pareceu-me bem referi-las aqui em sua pureza, e são as seguintes:
--

No comportamento afetivo desta alma parece-me haver defeitos que impedem um parecer favorável acerca do espírito que a anima.

O primeiro é que se nota nela muita avidez de propriedade, ao passo que o espírito verdadeiro se caracteriza sempre por grande desnudez no apetite.

O segundo, que tem excessiva segurança e pouco receio de errar, interiormente, sendo que o espírito de Deus nunca anda sem ele, para proteger a alma contra o mal, segundo diz o sábio (cf. Pr 15,27).

O terceiro, que parece ter a preocupação de procurar persuadir a todos a que creiam ser muito bom tudo quanto se passa nela, enquanto o verdadeiro espírito procura, ao invés, que todos o tenham em pouco e o depreciem, fazendo ele próprio o mesmo.

O quarto e principal, é que, nesta maneira de agir, não se notam efeitos de humildade; ora, quando as mercês são verdadeiras - consoante ela aqui o afirma - ordinariamente nunca se comunicam à alma sem primeiro desfazê-la e aniquilá-la em abatimento interior de humildade. E, caso houvesse experimentado este efeito, ela não teria deixado de anotá-lo aqui, escrevendo algo e até estendendo-se bastante sobre isso; porque a primeira coisa que ocorre à alma expressar e ter em grande apreço são os efeitos de humildade certamente tão notórios que não é possível dissimulá-los. E ainda que não costumem aparecer tão claramente em todas as apreensões de Deus, nestas, que ela aqui denomina união, estão sempre presentes: A humilhação precede a glória (Pr 18,12), e Foi bom para mim ser humilhado (Sl 118,71).

O quinto, que o estilo e a linguagem empregados não são próprios do espírito que ela pretende aqui significar,  porquanto o mesmo espírito sugere estilo mais simples, desprovido de afetação e de exageros, segundo notamos neste. E tudo quanto declara ter dito a Deus e Deus a ela, parece disparate.

O que eu aconselharia é que não mandem nem permitam escrever coisa alguma a esse respeito, nem o confessor mostre complacência em ouvi-la; ao contrário, procure dar pouco apreço e atalhar tais confidências; além disso, submetam-na à prova no exercício das virtudes, com todo rigor, principalmente no desprezo, humildade e obediência; e no som produzido pelo toque manifestar-se-á a brandura da alma causada por tantas mercês. E as provas hão de ser boas, porque demônio algum deixará de sofrer algo a troco de manter a sua honra." (QUIROGA, p. 281-284).

S. João da Cruz, Pequenos Tratados Espirituais, Obras Completas, Rio de Janeiro: Vozes, 2002. pp. 128-130.

Sobre o "dom de línguas" e os exorcismos - uma tentativa de elucidação

Na foto, o Pe. Fortea

Estes dias, conversando com uma amiga, nos ocorreu uma idéia em comum - algo que eu vinha já pensando nessa semana - e que diz respeito ao modo como compreendemos a dita "Oração em Línguas", típica da RCC e das demais denominações pentecostais.

Todos os amigos já sabem que nos opomos frontalmente a esta prática e, por diversas vezes, já dissemos das razões de assumirmos esta posição. Para que melhor sejam acompanhadas estas nossas reflexões, sugerimos a anterior leitura destes artigos - um, dois, três - onde vão expostos grande parte dos argumentos que sustentamos contra a chamada "Oração em Línguas" tal como entendida e praticada hoje nos movimentos de cunho pentecostal. Além dos referidos artigos, queremos propôr ainda estes outros - um, dois, três - a título de aprofundamento. Sugiro o download, também, deste livro. Havia, ainda, um trabalho de um Monge Eremita que, porém, não consegui encontrar agora. Enfim...

Quando estudamos direito estas coisas, notamos que, definitivamente, esta prática não tem fundamento nem na Escritura nem na Tradição da Igreja. Os santos doutores, sempre que faziam referências aos dons autênticos experienciados no início da Igreja, defendiam o caráter inteligível do dom de línguas. Inúmeros santos que, por sua vez, receberam este dom, atestam que a sua finalidade era, sempre, facilitar a comunicação, isto é, fazer-se entender.

Quando, porém, olhamos para a glossolalia - termo técnico da oração em línguas estranhas - , notamos uma absoluta discrepância entre ela e o que sempre foi ensinado e vivido pela Santa Igreja. A coisa fica ainda mais gritante quando descobrimos que as primeiras manifestações desta prática surgem em ambiente protestante e trazem por base um equívoco de compreensão resultante de um equívoco de tradução bíblica. O termo "estrangeiro" - relativo a outros países - confundido com "estranho" - desconhecido - contribuiu em muito para que a suposta forma de oração viesse a existir.

Se, no início, o dom de línguas cumpria a função de facilitar a pregação dos apóstolos que, enviados a todas as nações, precisavam dar conta de evangelizar sem terem, antes, de aprender os idiomas estrangeiros, nos tempos atuais os receptores do suposto dom sequer se entendem a si mesmos. Sempre foi notado, além disto, a oposição entre o fenômeno de Pentecostes e o ocorrido na Torre de Babel. Enquanto, neste último evento, os homens soberbos foram confundidos em seus idiomas e, daí, não mais se entendiam, no Pentecostes nós contemplamos o oposto: animados pelo Espírito Santo, os Apóstolos são revestidos de humildade, o que desfaz a confusão de Babel e permite que todos os homens passem a se entender, não obstante procedam de diferentes nações. É assim que, hoje, a Igreja, embora esteja estendida em todo o mundo, fala sempre a mesma língua.

O fato de repetir sons ininteligíveis (= não compreensível) e crer que, com isto, está-se a rezar e a abrir-se aos dons de Deus - para os carismáticos, a oração em línguas é a porta para os demais dons - se assemelha muito mais às práticas de cunho gnóstico que, avessas à racionalidade, pregam um tipo de acesso alternativo à verdade, à qual se acredita alcançar não mais por argumentos, mas por meios irracionais - como a dita oração -, pela busca de emoções e sensações exageradas e pela valoração de experiências semelhantes ao devaneio, como as visualizações, os sonhos, etc. Tudo isto, obviamente, somente se encontra num contexto de subjetivismo bem acentuado, muito próprio do protestantismo. A oração em línguas, além disto, se assemelha muito aos ritos iniciáticos, próprios da Gnose, pois, entre os carismáticos, ela é como que um dom inicial a partir do qual o sujeito se inseriu efetivamente na dinâmica pentecostal.

Tudo bem. Tudo isto pode ser entendido por qualquer pessoa que esteja animada de boa vontade. Porém, não faz muito tempo que algo no mínimo curioso surgiu e chamou nossa atenção: alguns exorcistas afirmaram surpreendentemente que a oração em línguas, tal como entendida modernamente, tem eficácia nas sessões de exorcismos. Segundo eles, os demônios manifestariam clara aversão a esta prática.

Entre os exorcistas que o afirmam, está o Pe. José Fortea, o Pe. Elias Vela e o Pe. Gabrielle Amorth, sendo este último o exorcista oficial do Vaticano. Pois bem. O que dizer disto?

Este é um problema que não pode ser ignorado por quem quer que, munido de sinceridade, se interesse pelo assunto. Para nós seria muito fácil e confortável simplesmente ignorar o fato e passar-lhe ao largo. Porém, como é tema recorrente nosso, e como temos sempre contato com carismáticos, considero importante que tentemos pelo menos oferecer algum esboço de resolução da questão. Não sei se há trabalhos semelhantes em fontes confiáveis. Seja como for, submetemos, sempre, tudo quanto escrevermos ao juízo infalível da Mãe e Mestra Igreja.

Duas atitudes, aqui, se revelam problemáticas: a primeira, muito comum entre os carismáticos, seria aquela que, ao ter contato com as afirmações destes sacerdotes, se aferraria a elas num solene desprezo de tudo quanto a teologia e a história afirmam com tanta clareza. Esta recusa voluntária às verdades teológicas em função  de certas experiências individuais é a marca da heresia, que significa justamente isto: escolher um caminho pessoal, diferente do da Igreja.

Outra atitude, também não sincera, seria a de fazer vista grossa aos testemunhos consensuais destes exorcistas, como se não existissem. É possível contestá-los, desde que se o faça a partir de razões, e não por mera abstenção de juízo. Do Pe. Elias eu não sei, mas os outros dois são exorcistas experimentadíssimos e tudo leva a crer que não falariam irresponsavelmente de um assunto como este.

A contradição entre o ensino da Igreja e a afirmação dos padres é evidente (o Pe. Fortea, aliás, embora se diga bastante tradicional, parece proferir certas coisas meio suspeitas no seu video). E, se há esta contradição, forçoso é que um dos lados esteja correto e o outro esteja errado. Se existe uma terceira alternativa que não signifique a relativização de uma das partes, eu não a vejo. Se alguém a percebe, por favor, contribua conosco para a elucidação deste assunto.

Embora o problema tenha sua dificuldade, ele não é insolúvel e, se a contradição que afirmamos é verdadeira, já estará claro ao católico não de todo alheio à Teologia a qual parte deveríamos dar a nossa adesão.

Deixemos tudo claro, portanto. O grande critério da Igreja - de todos os santos, em toda a história - para saber se algo está correto ou não, é o fato de este algo concordar ou destoar da Doutrina Católica. E por que isso? É dogma da Igreja que ela é infalível em termos de Fé e Moral. Obviamente, o assunto dos carismas inclui-se no âmbito da Fé, sendo objeto da Doutrina. Se a Igreja, portanto, é infalível nesta área, isto é, se não é possível que ela erre quanto a isto, segue-se que tudo quanto a contradiga incorre necessariamente em equívoco.

Deveríamos, portanto, aceitar o testemunho dos santos e doutores, particularmente o de Sto Tomás de Aquino, que afirmam o caráter inteligível (=compreensível) - e, portanto, totalmente oposto ao "dom" moderno - do autêntico carisma das línguas. E este não seria o único ponto da glossolalia a ferir o ensino católico; em várias outras partes, há total discrepância. O simples fato de este fenômeno ter tido início em terreno protestante e até hoje ser exercido lá de modo essencialmente semelhante ao que se dá em reuniões carismáticas é um problema grave que contraria frontalmente a Teologia Católica. Sempre foi - até pouco tempo atrás - consenso na Igreja o fato de que Deus não age extraordinariamente fora do Seu Corpo Místico. E, como todos sabemos, este corpo restringe-se à Igreja. Embora esta assertiva exija uma certa explicação, qualquer afirmação diferente dela exclui-se, na mesma medida em que difere, do âmbito católico.

Como ficam, então, os referidos padres? Dir-se-á que não são católicos? De modo nenhum! Nem tampouco se afirmará que mentiram. O que revelaram provém, sem dúvida, de uma constatação empírica: diante desta prática pentecostal, deste suposto carisma, estes padres viram manifestações visíveis de desagrado provindas de pessoas possessas. E o que dizer disso?

Se assumimos que a Igreja não erra em termos de doutrina e se entendemos que a aceitação da glossolalia pentecostal implica vários problemas teológicos, já podemos afirmar que o erro está, claramente, na afirmação dos padres. Desconsiderando a possibilidade - realmente ínfima ou mesmo nula - de terem mentido, é forçoso dizer que se enganaram. Isto é possível?  Dir-se-á que sim, desde que seja com relação a uma pessoa qualquer. Mas, em se tratando de exorcistas, será mesmo crível que tenham caído num tal engodo?

O assunto é muito extenso, e quanto mais avanço a argumentação, mais percebo que muito é o que há por falar a fim de retirar, tanto quanto possível, os equívocos. Além desta dificuldade, inerente ao próprio assunto - pois é tema profundo - resta ainda que seja terreno que naturalmente extrapola o nosso entendimento. Não sabemos muito a respeito e também não é objeto particular de nosso estudo, embora, como já dissemos, seja tema que nos interesse.

Mas, continuemos.

Antes de tudo, é preciso reafirmar o caráter enganador do demônio. Desde o início, ele mostrou ser aquele que ludibria. Não à toa, foi chamado de o "pai da mentira" e S. Paulo escreveu que ele pode se mostrar como "anjo de luz". Todos os mestres da vida espiritual, particularmente aqueles que o enfrentaram mais diretamente, recomendam que ninguém alimente conversas com estes anjos caídos, nem com eles debata. Por que motivo?

Os demônios têm natureza angélica. Portanto, eles têm uma inteligência muito mais profunda que a de qualquer humano. Isto faz com que eles conheçam todos os pontos fracos da nossa natureza. Sabem bastante de cada um de nós e poderiam facilmente apelar para as nossas fraquezas. Eles vivem a fazê-lo quando nos tentam. Lembremos ainda que, não tendo corpos, os demônios são seres intelectuais; portanto, são especialistas em argumentar; são perfeitos sofistas. Que dificuldade teria, então, um demônio em ludibriar um homem? Eles estão continuamente fazendo que a humanidade acredite nas suas armações. Basta olharmos para o mundo e veremos que o ser humano aparece como um sujeito ridículo que sorri e faz festa enquanto é enganado.

Porém, os que se estreitam a Deus adquirem uma maior sutileza de perceber as maquinações demoníacas. E espera-se que este tipo de sabedoria esteja de modo particular num exorcista. Certa vez, o Pe. Gabrielle afirmou que os padres exorcistas devem ser escolhidos entre a fina flor do clero, isto é, entre os mais santos e mais sábios. Como já dito, se assim é, parece-nos cada vez mais improvável que estes sacerdotes de elite tenham se deixado enganar. Além disto, será que os demônios, sob uma sessão de exorcismo, simulariam um desgosto inexistente? É possível.

A história dos santos está cheia de situações que o demonstram. Basta dar uma olhada geral nos combates entre S. Pio de Pietrelcina e os demônios. Estes inimigos das almas são experientíssimos em estratégias de engano. Mas, para ilustrar o assunto, cito apenas um caso que aconteceu no tempo de S. João da Cruz. 

Nos seus Pequenos Tratados Espirituais, lê-se a história de uma religiosa que passou a apresentar sinais de suposta santidade. Avaliada por diversos sacerdotes e letrados, todos eram de parecer favorável à autenticidade de suas virtudes. O Pe. Fr. Nicolau de Jesus, porém, meio desconfiado, ordenou a esta irmã que escrevesse sobre sua oração e suas experiências e enviou o relato a S. João da Cruz, para que avaliasse. Rapidamente, o santo reconheceu a falsidade da sua virtude e acusou a influência demoníaca. Dentre outras coisas, respondeu o seguinte:

"O que eu aconselharia é que não mandem nem permitam escrever coisa alguma a esse respeito, nem o confessor mostre complacência em ouvi-la; ao contrário, procure dar pouco apreço e atalhar tais confidências; além disso, submetam-na à prova no exercício das virtudes, com todo rigor, principalmente no desprezo, humildade e obediência; e no som produzido pelo toque manifestar-se-á a brandura da alma causada por tantas mercês. E as provas hão de ser boas, porque demônio algum deixará de sofrer algo a troco de manter a sua honra."

S. João da Cruz está aqui a dizer que os demônios estão dispostos a sofrer e a serem humilhados, desde que, desse modo, consigam levar a cabo os seus intentos. Para um demônio, portanto, não lhe seria tão custoso simular uma aversão ao dom de línguas, desde que, deste modo, ele mantivesse, nas pessoas, a crença errônea de se tratava de um meio autêntico - e superior - de oração. Do que lhe valeria, ao contrário, rir-se desta prática, se desse modo viria a contribuir para que inúmeras almas, informadas posteriormente pelo padre, desacreditassem de todo deste costume totalmente heterodoxo?

Restam-nos, porém, alguns problemas a resolver. Primeiro, se fosse o caso de ter havido uma dissimulação, como estes padres experientes se deixariam enganar? Segundo, sabe-se que os demônios, durantes os exorcismos, estão sob a autoridade de Cristo e que são obrigados a dizer a verdade.

Sobre o primeiro ponto, vimos que, por mais que um ser humano seja inteligente, ele não iguala a natureza angélica. Esta última lhe é muito superior. Portanto, no que extrapola o âmbito estrito do exorcismo, não me parece tão difícil que, num possível diálogo, os demônios logrem enganar, mesmo padres experientes, a partir de encenações.

A grande dificuldade, porém, se concentra no segundo ponto: como os demônios poderiam mentir e dissimular estando sob a autoridade do exorcista, que é a autoridade de Cristo? É uma pergunta difícil, mas parece que, em se tratando de certos aspectos, isto é possível. Tomemos os próprios relatos dos exorcistas.

Há algum tempo atrás, o Pe. Gabrielle denunciou a existência de clérigos satanistas no Vaticano. Esta revelação surpreendente não tardou, porém, a ser rebatida pelo Pe. Fortea, que afirmou ser isto algo muito grave para se dizer. É interessante notar que o Pe. Gabrielle afirmava que, entre suas fontes, estavam as confissões de alguns demônios durante os exorcismos. Ora, como é possível, então, que o Pe. Fortea, sendo exorcista e conhecendo a autoridade de um padre exorcista sobre os demônios, conteste a afirmação do Pe. Gabrielle? O mesmo Pe. Fortea deixa claro em que se fundamenta a sua desconfiança. Escreve ele:

"Não é preciso dizer que saber quando um demônio diz ou não a verdade é, em muitos casos, impossível e completa "podemos saber com muita segurança quando um demônio diz a verdade na matéria diretamente relacionada com o exorcismo. Quer dizer, número de demônios, nome deles e coisas similares. Mas não podemos ter segurança no campo relativo a notícias concretas relativas a pessoas"

Ora, então é possível que o demônio invente coisas com relação a terceiros sem que o sacerdote possa verificar, de imediato, se o que foi dito procede ou não. O demônio estaria obrigado a dizer a estrita verdade somente com relação a informações imediatamente ligadas ao exorcismo, como sua identidade e número.

Se assim é, se o Pe. Fortea contesta o Pe. Gabrielle utilizando este argumento que, sem dúvida, é verdadeiro, dada a especialidade do padre no assunto, então poderíamos contestar a afirmação do Pe. Fortea a respeito da oração em línguas. 

Além disto, pelo que vimos, o padre não afirmou que o demônio tenha falado algo a respeito. Ele apenas teria reagido com aversão. Ora, quem quer que tenha visto algo de um exorcismo, perceberá que, dentre outras coisas, o demônio faz caretas, dá sorrisos desaforados, diz sarcasmos, etc. Não vejo, portanto, a dificuldade de que possa ter simulado qualquer tipo de "incômodo".

Se formos, porém, ao relato do Pe. Gabrielle, veremos que, enquanto ele realizava um de seus inúmeros exorcismos, alguns carismáticos de uma igreja a uma certa distância de onde estava, rezavam "em línguas". Diz o Pe. Gabrielle que o demônio teria perguntado quem seriam aqueles que rezavam daquele modo, pois que o açoitavam. Aqui o demônio teria sido bem mais expressivo; porém, esta informação refere-se claramente a terceiros e recai, de novo, no caso em que, segundo o Pe. Fortea, é muito difícil, senão impossível, saber se o que foi dito é verdade ou não.

Portanto, meus caros, vemos que é possível - e típico - que o demônio engane quanto a isto. De outro lado, deveria nos ser suficiente o que a Igreja sempre ensinou a respeito dos autênticos carismas e que, como vimos de diversos modos, destoam muito daquilo que presenciamos nas mais diversas reuniões de caráter pentecostal.

Para terminar, lembremos o seguinte: A Igreja é infalível em fé e moral. Os sacerdotes, individualmente, por mais experientes e santos que sejam, não são infalíveis.

Se nestas considerações, eu cometi qualquer equívoco, isto se deveu à minha ignorância, não à má intenção. Finalizo reafirmando que é um assunto dificílimo e para o qual, embora eu possa tecer certos comentários, me vejo despreparado para uma palavra última.

Ad Iesum Per Mariam.

Fábio.

Ainda o "Salvai Almas" - Artigos do Prof. Eder e do Pe. Tenório

Cláudio Heckert "trabalhando"

Ainda sobre o movimento pseudo-profético "Salvai Almas", já refutado ao infinito, quero recomendar o artigo do Prof. Eder Silva, entitulado "Movimento "Salvai Almas" anuncia o fim do mundo e desafia o Filho de Deus", no excelente blog do Pe. Marcelo Tenório. Depois poderão, ainda, ver este gracejo que o padre faz a respeito das referidas profecias.

Espero que este contato contínuo com a verdadeira doutrina da Igreja sirva para retirar as traves dos olhos dos crédulos do Heckert, explorador da ignorância alheia.

Uma verdade meio esquecida...


Dou-vos a Minha paz... Não vo-la dou como o mundo a dá. (Jo 14,27)

Sem Mim, nada podeis fazer... (Jo 15,5)

Senhor, ensina-me a buscar-Te... Sto Anselmo


"Senhor, ensina-me a buscar-Te e revela-Te a mim quando Te procuro. Pois não posso buscar-Te se não me ensinares, nem posso encontrar-Te se não Te revelares. Deixa-me buscar-Te desejando, deixa-me desejar-Te buscando; deixa-me encontrar-Te no amor e amar-Te encontrando.  Senhor, eu Te reconheço e agradeço por me haveres criado à Tua imagem, a fim de que me lembre de Ti, Te conceba e Te ame; mas essa imagem foi por tantas maneiras desgastada e enfraquecida pelos vícios e obscurecida pela fumaça dos malfeitos, que não pode levar a cabo aquilo para que foi feita, a menos que Tu a renoves e a cries de novo. Os olhos da alma estão escurecidos pela sua enfermidade ou deslumbrados pela Tua glória? Estão, ao mesmo tempo, obscurecidos em si e ofuscados por Ti. Senhor, essa é a luz inacessível na qual resides. Na verdade, não a vejo, porque ela é brilhante demais para mim; e, todavia, seja o que for que eu vejo, vejo-o graças a ela, como os olhos fracos vêem o que vêem graças à luz do sol, que não podem contemplar no próprio sol. Ó luz suprema e inabordável, ó verdade santa e abençoada, como estás longe de mim, que estou tão perto de Ti; como estás afastada da minha visão, se bem que eu esteja tão perto da Tua! Em toda parte estás inteiramente presente, e não Te vejo. Em Ti me movo e tenho em Ti o meu ser, e não posso chegar a Ti. Estás dentro e ao redor de mim, e não Te sinto."

Sto Anselmo

O Verdadeiro Dom das Línguas



A virgem Santíssima e o dom das línguas

Questão IV: Se a Virgem recebeu o dom de línguas, chamado por alguns “glossolalia”.

a) “Afirmativamente, porque recebeu este dom com os apóstolos no dia de Pentecostes, e, como disse Santo Alberto Magno: A Virgem estava com eles quando apareceram as línguas repartidas como de fogo, logo recebeu o dom das línguas com eles” (Mariale, q. CXVII); b) Ademais, ainda que não tivesse de ir pregar o Evangelho as diversas nações e gentes, todavia, no principio da Igreja nascente se concedia com freqüência este dom aos fiéis, ainda a aqueles a quem não se havia conferido o ministério de pregar e propagar o Evangelho como consta (At, XIX, 6); c) E assim convinha, porque acudindo Maria muitos fiéis de diversas nações, já por piedade filial, e que buscavam de instruções, devia conhecer seus idiomas para entendê-los e instruí-los plenamente nas coisas da fé. d) Finalmente, Suarez julga provável que ainda antes de Pentecostes, Maria já tivesse usado desta graça, caso a necessidade ou a ocasião tivesse exigido, como quando Cristo foi adorado pelos magos, é de crer que Maria entendeu a sua linguagem, como é também crível que, quando foi ao Egito, entendia e falava a língua dos egípcios. (In 3, disp. XX) – (ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santíssima. Madrid: BAC, 1945, p. 350-351)


Padres da Igreja e o dom das línguas

No séculos II, Santo Irineu (c.115-200) se refere a uma fala extática não-idiomática, do tipo que os pentecostais praticam hoje. Descreve e condena as ações de um certo Marcos que “profetizava”, sob influência “demoníaca”. Marcos compartilhava o seu “dom” e outros também “profetizavam”. Seduzia mulheres e lhes prometia o carisma. Quando a recebiam, falavam algo sem sentido:

“Então ela, de maneira vã, imobilizada e exaltada por estas palavras e grandemente excitada... seu coração começa a bater violentamente, alcança o requisito, cai em audácia e futilidade, tanto quanto pronuncia algo sem sentido, assim como lhe ocorre”. (Contra Heresias I, XIII, 3)

Irineu também se refere ao dom de línguas dos apóstolos e da época em que vivia. Cita II Cor. 2:6, explicando que “os perfeitos” falam em “todos os tipos” as línguas:

“... nós também ouvimos muitos irmãos na Igreja,... e que através do Espírito, falam todos os tipos de línguas, e trazem à luz para o benefício geral as coisas escondidas dos homens, e declaram os mistérios de Deus...”. (Contra Heresias V,VI,1)

Ao informar que falam todos os tipos de língua, Irineu parece se referir a línguas que admitem classificação.

O curioso é que o movimento de herético de Montano (c.150-200) envolveu um êxtase religioso, com elocuções não-idiomáticas, semelhantes à pseudo-glossolalia pentecostal.

De acordo com descrições registradas por Eusébio (c.265-?), Montano entrou em uma espécie de delírio e balbuciava “coisas estranhas”. Ele “encheu” duas mulheres com o “falso espírito”, e elas falaram “extensa, irracional e estranhamente”:

“ficou fora de si e [começou] a estar repentinamente em uma sorte de frenesi e êxtase, ele delirava e começava a balbuciar e pronunciar coisas estranhas, profetizando de um modo contrário ao costume constante da igreja (...) E ele, excitado ao lado de duas mulheres, encheu-as com o falso espírito, tanto que elas falaram extensa, irracional e estranhamente, como a pessoa já mencionada.” (História da Igreja V,XVI:8,9 )

Depreende-se deste texto que o fenômeno lingüístico montanista envolvia:

(a) uma forte expressão emocional, deduzida das menções de “êxtase”, “frenesi” e delírio;

(b) o texto indica uma linguagem não-idiomática, de “balbucios”, e um falar “estranho”, “irracional”. Tomadas em conjunto, estas características assemelham-se à glossolalia pentecostal. A comparação torna-se tão evidente, ao ponto de o montanismo ser apelidado de “protótipo dos pentecostais”.

Sabe-se que a “glossolalia” montanista se tratava de uma reminiscência dos excessos frígios. Sob esta ótica, a glossolalia pentecostal perdeu o apoio da igreja do segundo século e se alinhou com uma religião não-cristã da mesma época.

Orígenes (c.195-254) em sua época, se opôs a um certo Celso, que clamava ser divino, e falava línguas incompreensíveis:

“A estas promessas, são acrescentadas palavras estranhas, fanáticas e completamente ininteligíveis, das quais nenhuma pessoa racional poderia encontrar o significado, porque elas são tão obscuras, que não têm um significado em seu todo.” (Contra Celso, VII:9)

Uma linguagem ininteligível soa “estranha”, “obscura” e “fanática” para Orígenes. Assim como para Irineu e mais tarde foi para Eusébio. Para Orígenes, as palavras “completamente ininteligíveis”, eram mais o subproduto de uma distorção religiosa.

Arquelau, bispo de Carcar no fim do segundo século comenta sobre o dom de línguas no Pentecostes. O contexto indica uma identificação como idiomas naturais. Para Arquelau, Mane era incapaz de conhecer a língua dos gregos porque não possuía o dom de línguas do Espírito, que o capacitaria a entendê-las:

“Ó seu bárbaro persa, você nunca foi capaz de conhecer a língua dos gregos, dos egípcios, ou dos romanos, ou de qualquer nação, (...). Pelo que diz a Escritura? Que cada homem ouvia os apóstolos falarem em sua própria língua através do Espírito, o Parácleto”. (Disputa com Mane, XXXVI)

Na Didaquê Siríaca comenta-se o evento do Pentecostes. Os discípulos estavam preocupados sobre como iriam pregar ao mundo, se eles não conheciam os idiomas. Então, receberam o dom de falar idiomas estrangeiros e foram para os países onde esses idiomas eram falados:
“de acordo com a língua que cada um deles tinha diferentemente recebido, para que a pessoa se preparasse para ir ao país no qual a língua era falada e ouvida”. (Didaquê Síriaca, seção introdutória).

No século IV, Cirilo de Alexandria (c.315-387), Doutor da Igreja em seus Sermões Catequéticos (sermão XVII: 16), interpreta o dom de línguas do Pentecostes como idiomas estrangeiros. Isto indica que, pelo começo do quarto século, a glossolalia apostólica também era tida como um idioma comum. Cita por nome alguns idiomas falados pelos apóstolos:

“O galileu Pedro ou André falavam persa ou medo. João e o resto dos apóstolos falavam todas as línguas para aquela porção de gentios (...) Mas o Santo Espírito os ensinou muitas línguas naquela ocasião, línguas que em toda a vida deles nunca conheceram” (Sermões Catequéticos (sermão XVII: 16)

Para Gregório Nazianzeno (c.330-390), Doutor da Igreja, o dom de línguas em Atos também se referia a idiomas estrangeiros:

“Eles falaram com línguas estranhas, e não aquelas de sua terra nativa; e a maravilha era grande, uma língua falada por aqueles que não as aprenderam”. Gregório ainda argumenta que o dom foi de falarem línguas estrangeiras e não dos ouvintes as entenderem. Segundo ele, se fosse assim, o milagre não seria dos que “falam” em línguas, mas “dos que ouvem”. (Do Pentecostes, oração XLI:16)

Ambrósio (330-397), também Doutor da Igreja, embora não discuta a natureza do dom de línguas, ressalta que cada pessoa recebe dons espirituais diferentes. Para ele,

“todos os dons divinos não podem existir em todos os homens, cada um recebe de acordo com a sua capacidade ao deseja ou merece” (Do Espírito Santo II, XVIII, 149)

Se Ambrósio também quer dizer com isto que o falar em línguas não se manifesta em todos os cristãos, a citação pode se confrontar e divergir completamente com a posição pentecostal de que todos devem ter “o” dom de línguas.

São João Crisóstomo (Doutor da Igreja) (347-406), é o primeiro a interpretar detidamente a glossolalia em I Coríntios. Em sua conhecida retórica de orador, questiona a ausência do dom de línguas: “Por que então eles aconteceram, e agora não mais?”
São João Crisóstomo detalha sua explicação. Ele vê o dom de línguas do N.T. como um fenômeno reverso ao da Torre de Babel. Os discípulos receberam o dom porque deveriam

“ir afora para todos os lugares (...) e o dom era chamado de dom de línguas porque ele poderia falar de uma vez diversas línguas”.

Comentando I Co. 14:10, aplica a passagem à diversidade de idiomas:

“i.e., muitas línguas, muitas vozes de citianos, tracianos, romanos, persas (...) inumeráveis outras nações.”

E sobre I Co. 14:14, São João Crisóstomo sublinha que aquele que fala em línguas não as entende, porque não conhece o idioma em que fala:

“Pois se um homem fala somente em persa ou outra língua estrangeira, e não entende o que ele diz, então é claro que ele será para si, dali em diante, um bárbaro (...) Pois existiam (...) muitos que tinham também o dom da oração, junto com a língua; e eles oravam e a língua falava, orando tanto em persa ou linguagem latina, mas o entendimento deles não sabia o que era falado”.98 (Homilias na Epístola de Paulo aos Coríntios, capítulo XXXV).

Para Agostinho (Doutor da Igreja) (354-430), o dom de línguas concedido aos apóstolos no Pentecostes se tratava da capacidade sobrenatural de falar línguas estrangeiras. Demonstra que, no período apostólico, o Espírito operava...

“sensíveis milagres... para serem credenciais da fé rudimentar” (Contra os Donatistas: Sobre o Batismo, III:16).

Agostinho reforça o dom de línguas como idiomas naturais. Eram línguas que os discípulos“ não tinham aprendido”. E, na pregação posterior,

o... “evangelho corria através de todas as línguas”.100 (Epístola de São João, Homilia VI:10)

"Nos primeiros tempos, o Espírito Santo descia sobre os fiéis e estes falavam em línguas, sem as ter aprendido conforme o Espírito lhes dava a falar. Foram sinais oportuno para esse tempo... o sinal dado passou depois" (Comentário da Primeira Carta de São João, Tratado IV, 10).

Algo a se notar nos Padres da Igreja é a completa ausência do dom de línguas do tipo pentecostal. Percebe-se que na Igreja do tempo dos Padres, o dom de línguas não esboçava qualquer centralidade, ou mesmo relevância como possui hoje em dia para a heresia pentecostal. Caso o dom de línguas como se difunde hoje, fosse fundamental na doutrina apostólica como evidência do batismo do Espírito Santo, teria certamente teria feito parte dos credos e da tradição dos Padres da Igreja.

Logo, num prisma negativo, pseudo-glossolalia pentecostal considerados neste artigo não encontram suporte nos Pais da Igreja:

(1) A glossolalia não-idiomática :

(a) não foi considerada como dom do Espírito;

(b) foi rejeitada pela igreja da época;

(c) revelou origens e feições não-cristãs. Tida como principal manifestação lingüística do pentecostalismo, a glossolalia não-idiomática encontra reprovação no conjunto dos Pais da Igreja.
Nos Pais da Igreja a glossolalia:

(a) não é indicadora da plenitude do Espírito Santo;

(b) não é indicadora indireta da própria salvação do crente; ou

(c) não é um elemento distintivo dos verdadeiros crentes.

Em relação à glossolalia como o dom, os Pais da Igreja têm o falar em línguas como:

(a) não-obrigatório para o cristão;

(b) o dom de línguas na patrística é apenas “um” entre outros.


A doutrina do dom das línguas em Santo Tomás de Aquino

Santo Tomás de Aquino, ao comentar o Capítulo XIV da primeira carta de São Paulo aos Coríntios, escreveu:

“Quanto ao dom de línguas, devemos saber que como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para pregar ao mundo a Fé em Cristo, a fim de que mais facilmente e a muitos se anunciasse a palavra de Deus, o Senhor lhes deu o dom de línguas” (S. Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pag 178.)

Vê-se, portanto, que o dom de línguas foi dado aos primeiros cristãos para que anunciassem a religião verdadeira com mais facilidade. Os Coríntios, por sua vez, desvirtuaram o verdadeiro sentido do dom de línguas:

“Porém, os coríntios, que eram de indiscreta curiosidade, prefeririam esse dom ao dom de profecia. E aqui, por ‘falar em línguas’ o Apóstolo entende que em língua desconhecida e não explicada: como se alguém falasse em língua teutônica a um galês, sem explicá-la; esse tal fala em línguas. E também é falar em línguas o falar de visões tão somente, sem explicá-las, de modo que toda locução não entendia, não explicada, qualquer quer seja, é propriamente falar em língua” (S. Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 178-179.).

Temos aqui uma consideração importante. Para São Tomás, o “falar em línguas” pode ser entendido de duas formas:

a) falar em uma língua desconhecida, mas existente, como no caso de Pentecostes, no qual pessoas de várias línguas compreendiam o que os apóstolos pregavam.

b) a pregação ou oração sobre visões ou símbolos.

E o doutor angélico confirma isso mais adiante:

“ suponhamos que eu vá até vós falando em línguas’ (I Co 14, 6). O qual pode entender-se de duas maneiras, isto é, ou em línguas desconhecidas, ou a letra com qualquer símbolos desconhecidos” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 183.)

Haja vista que a primeira forma de falar em línguas é suficientemente clara – ou seja, que é um milagre pelo qual uma pessoa, que tem por ofício pregar às almas, fala numa língua existente sem nunca a ter estudado – consideremos a segunda forma de manifestação desse dom, segundo São Tomás. Neste caso, falar em línguas é uma simples predicação numa linguagem pouco clara, como, por exemplo, falar sobre símbolos, visões, em parábolas, etc:

“(...) se se fala em línguas, ou seja, sobre visões, sonhos (...)” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 208.).

E ainda:

[lhes falarei] “ ‘Em línguas estranhas’, isto é, lhes falarei obscura e em forma de parábolas” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 200).

“(...) em línguas, isto é, por figuras e com lábios (...)” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 200.)

Para São Tomás, quem assim procede, isto é, usa de símbolos nas práticas espirituais, tem o mérito próprio da prática de um ato de piedade. Caso o indivíduo compreenda racionalmente o que diz, lucra, além do mérito, o fruto intelectual da ação.

Quem reza o Pai-Nosso, por exemplo, mesmo sem compreender perfeitamente o valor de suas petições, tem o mérito próprio da boa ação de rezar. Por outro lado, quem reza o Pai-Nosso com o conhecimento de seu significado mais profundo, lucra, além do mérito, a consolação intelectual da compreensão de uma verdade espiritual. Por esse motivo, São Paulo exorta aos que “falam em línguas” – ou seja, que usam símbolos nos atos de piedade – para que peçam também o dom de “interpretar as línguas”, quer dizer, de compreender o que diz por meio simbólico, afim de que possa ganhar, além do mérito, a compreensão racional do ato.

No que se refere ao uso público do dom de línguas, o Apóstolo determina que ele nunca deve ser usado sem que haja intérprete, ou seja, sem que haja quem explique os símbolos para os que não os compreendem.

Comentado o versículo 27, no qual São Paulo exorta que não falem em línguas mais que dois ou três durante o culto público, diz São Tomas:

“É de notar-se que este costume até agora (...) se conserva na Igreja. Por que as leituras, epístolas e evangelhos temos em lugar das línguas, e por isso na Missa falam dois (...) as coisas que pertencem ao dom de línguas, isto é, a Epístola e o Evangelho” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 208.)


Para São Tomás, a leitura da Epístola e do santo Evangelho, na Missa, são a forma de “falar em línguas” que a Igreja conservou dos tempos apostólicos! Nada mais contrário ao delírio pentecostal carismático!

Ora, no que diz respeito a “interpretação das línguas”, na Missa, depois da Epístola e do Evangelho, o padre faz o sermão, pelo qual explica os símbolos dos textos sagrados que foram lidos. O sermão é, pois, a ‘interpretação das línguas’ (Epístola e Evangelho) que foram faladas na Missa.Fica, portanto, bastante claro o verdadeiro significado do dom de línguas, que nada mais é do que:

1 - o milagre de pregar o Evangelho numa língua sem a ter estudado ou

2 - o simples fato de usar uma linguagem simbólica na vida espiritual, seja na oração particular, seja na oração pública, sendo que nesta última é necessário alguém que “interprete as línguas”, ou seja, que explique o significado dos símbolos ao povo, função dos ministros da Igreja.


Cf. AQUINO, TOMÁS de. COMENTARIO A LA PRIMERA EPÍSTOLA DE SAN PABLO A LOS CORINTIOS. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/es/index3.htm


Santo Antônio e o dom das línguas

“ E todos estiveram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar em diversas línguas, segundo o Espírito Santo lhe dava a falar”. Falavam todas as línguas; ou também falavam sua língua hebréia, e todos os entendiam, como se falassem na língua de cada um dos ouvintes”
(PÁDUA, Santo Antônio de. Sermones, Tomo I. Domingo de Pentecostes (I). Buenos Aires:El mensajero de san Antonio, 1995, p. 333.)

“Sobre todas memorável ficou a pregação, que o santo franciscano fez no dia da Ressurreição. Tinham afluído, como vimos, a Roma gentes das diversas regiões e nacionalidades da terra, como latinos, gregos, alemães, franceses, ingleses e de outras línguas. Pregou também Santo Antônio, segundo a vontade do sumo Pontífice, naquela grande solenidade; e este seu sermão foi um digno remate e coroa aos seus triunfos oratórios. Inflamado pelo Espírito Santo, anunciou a palavra de Deus de um modo tão eficaz, devoto e penetrante, e com tal suavidade, clareza e inteligência, que todos os presentes, apesar da diversidade das línguas, lhe entenderam as palavras, tão clara e distintamente, como se houvesse pregado na língua de cada um” (MARTINS (S.J), Manuel Narciso. Vida de Santo Antônio. Bahia: Duas Américas, 1932, p. 74


São Francisco Xavier e o dom das línguas

O livro Milagros y prodígios de San Francisco Javier, que foi escrito pela historiadora de arte Maria Gabriela Torres Olleta, constitui o sexto e, de momento, último volume da colecção “Biblioteca Javeriana” publicada desde 2004 pela Cátedra San Francisco Javier, Universidade de Navarra, como preparação para o ano jubilar de 2006. O livro conta que quando São Francisco Xavier falava em sua língua própria, no Oriente, cada um que o ouvia o entendia em sua língua materna. O dom das línguas (pp. 45-47), cuja enorme importância se justifica pela atividade missionária de Xavier entre muitos povos e muitas nações diferentes, foi um outro aspecto muito fomentado pela hagiografia de S. Francisco Xavier, tendo sido, por isso, igualmente incluído na bula de canonização. (OLLETA, Maria Gabriela Torres. Milagros y prodígios de San Francisco Javier. Biblioteca Javeriana, 2006, p. 45-47)


São Francisco Solano e o dom das línguas

“São Francisco Solano, cuja festa comemoramos no dia 14, santo genuinamente franciscano, aprendeu milagrosamente em 15 dias o dialeto de uma tribo indígena. Adquiriu também o dom das línguas, falando em castelhano a índios de tribos diferentes, sendo entendido como se estivesse expressando-se no dialeto de cada um. Uma vez, por exemplo, estando em San Miguel del Estero durante as cerimônias da Quinta-Feira Santa, veio uma terrível notícia: milhares de índios de diversas tribos, armados para a guerra, avançavam para atacar a cidade. A balbúrdia foi geral. Só Frei Francisco, calmo, saiu ao encontro dos selvagens. Estes, que o respeitavam, pararam para o ouvir. E cada um o entendeu em sua própria língua. Ficaram tão emocionados, que um número enorme deles pediu o batismo. No dia seguinte, viu-se essa coisa portentosa: ao lado dos espanhóis, esses índios convertidos participavam da procissão da Sexta-feira Santa, flagelando-se por causa de seus pecados.” (Cf. Fr. Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo III, p. 184; Les Petits Bollandistes, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo IX, pp. 8 e ss; Enriqueta Vila, Santos de America, coleção Panoramas de la Historia Universal, Ediciones Moreton, S.A., Bilbao, 1968, pp. 93 e ss. )


O dom das línguas e o Papa Bento XVI


“Diferentemente do que tinha acontecido com a torre de Babel (cf. Jo 11, 1-9), quando os homens, intencionados a construir com as suas mãos um caminho para o céu, tinham acabado por destruir a sua própria capacidade de se compreenderem reciprocamente. No Pentecostes o Espírito, com o dom das línguas, mostra que a sua presença une e transforma a confusão em comunhão. O orgulho e o egoísmo do homem geram sempre divisões, erguem muros de indiferença, de ódio e de violência.O Espírito Santo, ao contrário, torna os corações capazes de compreender as línguas de todos, porque restabelece a ponte da comunicação autêntica entre a Terra e o Céu." Disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2006/documents/hf_ben-xvi_hom_20060604_pentecoste_po.html

Dom Fellay, da FSSPX, sobre Assis e as demais religiões



Vi no blog do Pe. Marcelo Tenório

Aviso ao "Salvai Almas" e demais Heckertianos


From: Anjo Huguinho: "Amém?! Amém?! Amém?!"

Emocionante testemunho de católicos autênticos em favor de um padre fiel à Igreja


Pessoal, recomendo veementemente que os amigos assistam o vídeo disponibilizado pelo Fratres in Unum e que mostra a ofensiva católica motivada pelo afastamento do Pe. Michael Rodriguez, diocese de El Paso, no Texas,  pelo simples motivo de ter sido fiel ao ensino tradicional da Igreja. É emocionante ver como os católicos, uma vez que entram em contato com a autêntica Doutrina, dela se enamoram de tal maneira que já não aceitam mais imitações, misturas e demais manifestações de modernismo.

Outra coisa que se nota é que, quando os católicos começam a ter uma sólida vida sacramental e uma reta formação doutrinária, as virtudes de suas almas se acendem manifestamente e eles se tornam aguerridos. Quase se notam as chispas a pularem de suas almas sem dúvida acesas e inflamadas pela divina caridade. Digo mais uma vez: emocionante, o video. Assistam aqui.

Conclusões dos artigos sobre o dia do Juízo Final.



Pessoal, terminei, enfim, as transcrições deste excelente estudo sobre a Parusia do também excelente e saudoso Dom Estêvão Bettencourt. E o fiz tendo em mente toda esta onda apocalíptica tão em moda nos nossos dias. Creio que a partir da leitura atenta destes artigos, possamos concluir, dentre outras, as seguintes verdades:

1- De todas as vezes que alguém se arvorou em conhecedor da data da vinda de Jesus - seja por meio de cálculos (até interessantes) baseados em trechos da escritura, seja por meio de supostas revelações pessoais - este alguém terminou por errar e o seu erro causou não poucos escândalos no meio dos que lhe davam crédito.

2- Era intenção clara e explícita de Jesus esconder tal data, pois o seu conhecimento seria antes prejudicial que favorável.

3- Jesus e os Apóstolos falaram por diversas vezes que o dia do Senhor virá de repente, sem que saibamos previamente quando será.

4- A Igreja, consciente de que não é possível saber tal data a partir da Escritura, e, além disto, que era intenção clara de Jesus mantê-la oculta - testemunhando as desordens causadas por estas falsas profecias -, proibiu expressamente que futuros supostos videntes, pretendendo-se conhecedores do tempo destes acontecimentos, os divulgassem de qualquer modo que seja.

5- Nenhum dos Apóstolos pretendia conhecer esta data.

6- Depois de a Santa Madre Igreja pronunciar-se tão claramente, não podem deixar de incorrer em grave desobediência os que insistem em crer nestas mensagens e divulgá-las.

7- A gravidade deste tipo de desobediência cresce demasiadamente se se inclui, nestas enganações, a participação de outros sujeitos inocentes, provocando, desse modo, sob máscaras de boas intenções e heroísmo, o rompimento destes ingênuos com a Santa Igreja e a Sua Doutrina.

8- Podemos e devemos ansiar pela vinda de Jesus. Mas, como católicos, devemos admitir que não sabemos quando será.

"Quando se darão essas coisas?" Parte V e Final - O pensamento dos Apóstolos



b) O pensamento dos Apóstolos

a') A última hora do mundo

No epistolário dos Apóstolos encontra-se a menção de que estamos na hora derradeira da História (1 Jo 2,18), nos fins dos séculos (1 Cor 10,11), nos últimos dias (2 Tim 3,17; 2 Pd 3,3; Tg 5,3); afirma-se, por conseguinte, que o Senhor está próximo (Tg 5,8; Fl 4,5; Hb 10,37; Ap 22,7.11s) ou que o fim de todas as coisas se avizinhou (1 Pd 4,7).

Terão os Apóstolos S. Pedro, S. Paulo, S. Tiago e S. João ensinado que em breve se verificaria o fim do mundo?

Esta conclusão, insinuada por uma leitura superficial, não corresponderia à mente dos ditos autores. Os Apóstolos, tendo em vista transmitir um ensinamento religioso, falavam de um fim dos tempos "teológico", não meramente "cronológico" ou "astronômico".

E que significa o fim dos tempos na linguagem teológica?

Após o dom do Espírito Santo no dia de Pentecostes, todos os meios de salvação prometidos desde os primórdios da História já se acham outorgados; não se aguarda mais nenhuma instituição nova para justificar e santificar os homens; a graça habitual que o cristão traz na alma é a semente mesma da glória eterna; o Senhor está próximo, habita, velado, nos seus fiéis. Por conseguinte, a história sagrada entrou na sua fase definitiva; em outros termos: a História chegou à sua última etapa religiosa, teológica, a qual pode, sem dúvida, abranger mais de uma etapa da História profana. O mundo poderia ter acabado no dia seguinte a Pentecostes, voltando então Cristo como Juiz universal, e nada teria faltado dos dons salvíficos que Deus prometeu aos homens. Pode terminar nos nossos tempos, como também poderá continuar por muitos séculos, sem que se mude o caráter definitivo do regime cristão iniciado em Pentecostes; nem revelação dogmática nem sacramento novo são aguardados. Se a História ainda se desenrola, é, unicamente, para que se preencha o número de bem-aventurados que Deus, em Seu plano eterno, há por bem chamar ao reino celeste (cf. Ap 6,9-11).

São estas as idéias que ditaram e que explicam as expressões dos Apóstolos acima referidas. Quando estes aludem ao fim dos tempos no sentido natural ou cósmico, confessam a incerteza da data; haja vista o texto de 1 Tes 5,2-4 já citado [em artigo anterior]. S. Pedro, por sua vez, escreve:

"Há uma coisa, caríssimos, que não deveis ignorar: é que, para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos são como um dia. Não, o Senhor não retarda o cumprimento de Sua promessa, como imaginam alguns, mas usa de paciência para convosco, não querendo que alguém pereça e, sim, que todos façam penitência. Todavia, o dia do Senhor virá como um ladrão." (2 Pd 3,8-10)

S. Pedro repete o princípio do Antigo Testamento: o que pode parecer longo aos homens, deve ser dito breve aos olhos do Eterno (cf. Sl 89,4).

S. João, no Apocalipse, inculca a mesma incerteza:

"Lembra-te, pois, do ensinamento que recebeste e ouviste; guarda-o e arrepende-te. Se não vigiares, irei ter contigo como um ladrão, sem que saibas a que horas irei ter contigo." (3,3.)

b') A esperança de S. Paulo

Em particular, as epístolas paulinas levariam a crer que o Apóstolo se julgava ser daqueles que, ainda em vida, verão o Senhor a voltar na Sua Glória. Com efeito, escreve:

"Eis que vos dizemos conforme a palavra do Senhor: nós, os vivos, os sobreviventes por ocasião da vinda do Senhor, não anteciparemos os que estiverem mortos; pois o Senhor mesmo, ao sinal dado, à voz do Arcanjo, ao toque da trombeta divina, descerá do céu; então os que estiverem mortos no Cristo, ressuscitarão em primeiro lugar; a seguir, nós outros, os sobreviventes, os que tiverem sido deixados, seremos arrebatados com eles nas nuvens ao encontro do Senhor nos ares. E assim estaremos para sempre com o Senhor." (1 Tes 4,15-17).

"Eis que vos digo um mistério: não adormeceremos (morreremos) todos, mas seremos todos transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, ao toque da última trombeta; pois a trombeta soará e os mortos ressuscitarão, incorruptíveis, e nós seremos transformados." (1 Cor 15,51s.)

Como se hão de entender estas afirmações paulinas?

Quem conhece o estilo do Apóstolo, sabe que S. paulo tem a tendência habitual a se incluir no grupo de seus interlocutores ou no grupo das pessoas de quem ele fala; assim é que, em vez de se exprimir propriamente na segunda ou na terceira pessoa do plural, o Apóstolo não raro usa impropriamente do pronome da primeira pessoa ("nós").1 Foi o que se deu nas duas passagens acima: intencionando referir-se aos que estiverem vivos por ocasião da parusia (próxima ou remota...; a época não vinha ao caso), o Apóstolo empregava a expressão "nós". Este pronome, porém, devido, como é, a uma figura de linguagem, de modo nenhum quer ser tomado ao pé da letra, como se o Apóstolo se julgasse futura testemunha do fim do mundo. Esta interpretação é exigida pelo fato de que, as mesmas duas epístolas citadas, S. Paulo conta com a possibilidade (1 Tes) ou com o fato mesmo (1 Cor) de já ter morrido, quando Cristo voltar Haja vista

1 Tes 5,9s: "Deus não nos destinou para a cólera, mas para a aquisição da salvação por Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual morreu por nós, a fim de que, quer estejamos vivos, quer mortos, vivamos juntos com Ele."

Entenda-se o final como se segue: "quer vivos quer mortos" por ocasião da parusia, "vivamos" finalmente na eternidade "juntos com Ele". Donde se vê que o Apóstolo não exclui a possibilidade de morrer antes da parusia.

1 Cor 6,14: "Deus, que ressuscitou a Cristo, ressuscitará também a nós por Seu poder."

2 Cor 4,14: "... sabendo nós que Aquele que ressuscitou a Jesus Cristo ressuscitará também a nós, e nos apresentará a Ele convosco."

Nestas duas passagens, o Apóstolo se inclui no número dos que ressuscitarão, isto é, dos que de fato estarão mortos quando o Senhor reaparecer.

Muito significativo é também o texto de Fl 3,10s, em que o Apóstolo exprime sua esperança de participar, em sua carne, dos sofrimentos, da morte e da ressurreição de Cristo:

"... a fim de O (Cristo) conhecer, a Ele e ao poder da Sua ressurreição, e a fim de participar dos Seus sofrimentos, tornando-me semelhante a Ele em Sua morte, com a esperança de chegar à ressurreição dos mortos."

Seria, portanto, precipitado e injusto afirmar, na base dos dois primeiros textos citados, que S. Paulo ensinava a iminência da parusia. Todavia, bem se pode admitir que tanto Paulo como os demais Apóstolos compartilhavam a expectativa ardente dos primeiros discípulos de Cristo, expectativa de que o Senhor voltaria em breve; com efeito, o "Marana tha (Vinde Senhor!)" é a palavra final tanto de 1 Cor (16,22) como do Apocalipse de S. João (22,20). Note-se, porém, que os Apóstolos, mesmo esperando e desejando a iminente vinda de Cristo, não propunham aos fiéis, como ensinamento dogmático, o objeto deste seu anelo.

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1- Figura de linguagem que em Retórica é dita enallagé (=inversão, em grego) de pessoa. Considerem-se como exemplos particularmente significativos os textos de 1 Tes 5,5.8-10; 1 Cor 4,6; 2 Cor 4,14.

BETTENCOURT, Dom Estêvão. A Vida Que Começa Com a Morte. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Agir. 1963. Pp. 204-207.

"Quando se darão essas coisas?" - Parte IV: O Genuíno Pensamento de Cristo


Alguns textos do Novo Testamento têm sido explorados pela chamada "Escola Escatologista" (os racionalistas Weiss, Schweizer, Loisy e outros) a fim de firmar a tese de que Jesus, na realidade, esperava e ensinava ser iminente a instauração do reino glorioso de Deus. Os argumentos dos escatologistas, ditados, como são, por preconceitos, carecem de valor apodíctico; todavia, já que tal exegese teve certa voga, não será inútil apresentar aqui o sentido autêntico dos textos mal interpretados.

a) O pensamento de Cristo

1- Uma primeira série de textos apresenta o reino de Deus como já presente entre os homens:

"Desde os dias de João Batista até hoje, o reino de Deus é tomado por força, e são os violentos que dele se apoderam." (Mt 11,12; cf. Lc 16,16).

"Se expulso os demônios pelo Espírito de Deus, o reino de Deus veio a vós" (Mt 12,28; cf. Lc 11,20)

"Tendo-Lhe os fariseus perguntado: "Quando virá o reino de Deus?", Jesus respondeu-lhes e disse: "O reino de Deus não vem de maneira a ser observada, de sorte a se poder dizer: Eis que aqui está; ou: Ali está. Com efeito, o reino de Deus está dentro de vós." (Lc 17,20s)

2- Em outro grupo de textos o reino de Deus aparece como realidade que cresce lentamente antes de atingir a sua consumação. É o que indicam as parábolas do grão de mostarda que se torna árvore considerável. (Mt 13,24-30); do fermento que penetra e levanta a massa (Mt 13,33; Lc 13,20s); do trigo e do joio que devem crescer conjuntamente (Mt 13,24-30)

Jesus declara explicitamente que o Evangelho será pregado no mundo inteiro antes do fim do mundo: Mt 24,14; cf. Mt 26,13. 28,19s.

A fundação da Igreja, a entrega do primado a Pedro, a promessa da assistência do próprio Jesus e do Espírito Santo insinuam em Cristo a consciência de que ainda estava distante a consumação da História.

3- Uma terceira categoria de textos inculca que, embora o fim do mundo seja uma realidade inelutável, o seu dia e a sua hora devem, conforme o plano de Deus, ficar velados aos homens; vejam-se as passagens citadas acima sob o título nº 2.

4- Há ainda uma quarta série de textos, que anunciam uma catástrofe iminente e tremenda, a qual terminará com a manifestação do Filho do homem. Assim:

Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo: não tereis percorrido as cidades de Israel antes que venha o Filho do homem." (Mt 10,23)

"Em verdade vos digo: há alguns aqui presentes que não provarão a morte antes de ter visto o Filho do homem vindo em seu reino." (Mt 16,28).

Depois de falar da grande catástrofe, acrescenta Jesus: "Em verdade vos digo: esta geração não passará antes que tudo isto aconteça. O céu e a terra passarão; as minhas palavras, porém, não passarão." (Mc 13,30s; cf. Mt 24,21-35; Lc 21,5,33.)

Ao Sumo Sacerdote que lhe perguntava se era o Filho de Deus Bendito, Jesus respondeu: "Sou-o. E vereis o Filho do homem assentado à direita do Poder (= de Deus) e vindo com as nuvens do céu." (Mc 14,62; cf. Mt 26,64.)

Oras, que dizer destas quatro séries de textos?

As três anteriores se concatenam entre si muito harmoniosamente: a primeira ensina que o reino de Deus já desceu à terra com a vinda do Redentor e se encontra em sua fase inicial, ainda latente no interior das almas; a segunda fala da propagação desse reino no mundo pela pregação dos discípulos; o crescimento será lento e nunca deixará de ser entravado pelos adversários (o joio); a terceira série acena para a consumação gloriosa do reino, fazendo observar, porém, que sua época é imperscrutável aos homens.

A que se referem estes três grupos de predições? Correspondem à realidade histórica do Cristianismo, ou seja, ao desenvolvimento da obra de Cristo nos seus vinte séculos; não há dúvida de que têm por objeto a Igreja Católica enquanto esta é o reino messiânico em desenvolvimento. Quanto à quarta parte, é evidente que não se deixa concatenar com as anteriores; donde se pergunta: terá o mesmo objeto que as três outras? Quem a queira entender como o anúncio de um iminente fim do mundo, fá-la contradizer aos demais vaticínios do Senhor; ora, estaremos habilitados a admitir em Jesus tão flagrante contradição? Tamanha incoerência a respeito de um dos pontos capitais de sua missão insinuaria que Jesus não se diferenciava muito de um mentecapto. Não será talvez a contradição introduzida nos vaticínios de Cristo pelos exegetas modernos, em virtude de errôneo entendimento dos mesmos?

Um exame atento dos textos da quarta série leva a concluir, sim, que a contradição está na mente dos intérpretes escatologistas, não nas palavras de Cristo. O estudo mostra que tais textos não se referem à história da Igreja e à sua consumação, tão bem delineadas nos três primeiros grupos, mas à catástrofe que se deu no ano de 70, quando de fato ainda viviam muitos contemporâneos de Jesus: a tremenda queda de Jerusalém sob os golpes do general romano Tito.

Como se explica, porém, que Jesus se refira a este acontecimento próximo usando de termos que evocam a Sua segunda vinda e o remoto fim do mundo?

Para se entender isto, tenha-se em vista uma particularidade do estilo profético: o Profeta, na Sagrada Escritura, costuma ver e descrever acontecimentos futuros, distantes uns dos outros, como se se fossem realizar todos na mesma época; bastava que os mais próximos fossem tipos dos mais remotos para que o vidente predissesse acontecimentos próximos e remotos no mesmo discurso sem marcar o intervalo que os separaria entre si. O Profeta assemelhava-se destarte a um observador que de longe contempla uma região montanhosa; percebe as cristas das cordilheiras, sabe descrevê-las, mas não distingue os vales que medeiam entre os picos; os muitos planos verticais, próximos e longínquos, lhe parecem coincidir numa única perspectiva. Esta particularidade de estilo já se nota nos textos do Antigo Testamento em que os Profetas descrevem a libertação do exílio babilônico (fins do séc. 6º a.C.) e a libertação messiânica, a Redenção (na era cristã): aquela sendo tipo desta, uma era anunciada com traços literários e históricos que competiam à outra (cf. principalmente Is 40-66)

Ora, foi também o que se deu nos discursos de Jesus: a guerra judaica de 66 a 70, que terminou com a ruína de Jerusalém, constituiria um juízo tremendo proferido sobre os judeus, seria uma eloquente demonstração de que o Filho do homem é, de fato, o Rei e o juiz que os judeus rejeitaram na sua primeira vinda. É o que permitia a Jesus tomar essa próxima catástrofe como tipo de catástrofe final, em que a todos os povos Cristo se manifestará como Juiz universal e Rei triunfante; a ruína próxima de Jerusalém seria o fim de um mundo, da nação judaica, e assim prefigurava o longínquo fim do mundo, das nações. Em consequência, nos Seus vaticínios, o Senhor, adotando o estilo profético, entrelaçava traços do acontecimento "tipo" e do "antítipo", isto é, do juízo próximo, parcial (sobre os judeus), e do juízo remoto, universal; encontram-se, pois, num único discurso frases que apresentam a catástrofe como iminente (cf. 24,32-35) e outras que a põem à distância (cf. Mt 24,14), ou sentenças que se referem à ruína de Jerusalém com expressões atinentes à parusia final (cf. Mt 10,23; 16,28; 26,64). Naturalmente, não é sempre fácil distinguir um e outro acontecimento com seus respectivos traços no quadro único em que Jesus os apresenta; somos, porém, habilitados a procurar fazer esta distinção, pois é certo que

a) Jesus, em Seu sermão escatológico (Mt 24s; Mc 13; Lc... 21,5-36), tinha em vista não somente o fim do mundo, mas a ruína de Jerusalém. Não se pode esquecer que esse discurso é apresentado como resposta à pergunta dos Apóstolos: "Dize-nos: quando essas coisas (a queda da Cidade Santa anteriormente mencionada) acontecerão, e qual o sinal de tua vinda e do fim do mundo?" (Mt 24,3); na resposta de Cristo, o pensamento passa sucessivamente de uma catástrofe à outra; há um vaivém rítmico, bem compassado;

b) no tocante ao fim do mundo, as três séries de textos acima mencionadas ensinam suficientemente que Jesus não o aguardava para breve.

Em conclusão: para quem considera a índole própria do estilo profético, a interpretação dos escatologistas se mostra viciada; confunde perspectivas entre si distintas e só leva em conta uma categoria de vaticínios atinentes ao reino de Deus, negligenciando sistematicamente três outras congêneres.1

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1- De resto, pergunta-se: como poderiam ter as gerações humanas continuado a acreditar em Cristo e na Sua mensagem, desde que tivessem verificado um erro do "Profeta" tão grave como o que Lhe atribui a Escola escatológica?

BETTENCOURT, Dom Estêvão. A Vida Que Começa Com a Morte. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Agir. 1963. Pp. 200-204
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