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Feliz Natal e Feliz Ano Novo.


Eu sempre costumo escrever algo na véspera de ano novo e, em geral, os meus artigos sobre isso não são muito animadores. Vamos ver como sai esse.

Bem, o ano vindouro é novo em que sentido? No sentido de que nunca ocorreu.. Ora, mas se assim é, a hora vindoura também é nova, assim como o minuto, ou o segundo, e nem por isso estamos a todo instante comemorando ou celebrando a novidade. E não sei se deveríamos fazê-lo ou não. Penso um pouco que sim. Contudo, ao lermos o livro do Eclesiastes, parece que as nossas expectativas de uma novidade radical vão pro espaço, pois ele nos brinda, dentre outras coisas, com a seguinte afirmação: "não há nada novo debaixo do sol". Com isto, ele quer dizer que o paradoxo da vida terrena é que, ao mesmo tempo em que ela é contínua abertura ao futuro e, por isso, ela é plena recepção da novidade, esta novidade é também incapaz de provocar uma ruptura completa com aquilo que é velho e termina se adequando a este velho. Bem, parece que há uma exceção: o momento da morte rompe com toda a lógica anterior e nos insere numa nova, absolutamente não prevista. Neste sentido, talvez só devêssemos comemorar como passagem para uma absoluta novidade o dia da nossa morte. Lembro-me agora das palavras do Chesterton: "eu nunca sorrirei tanto quanto naquele dia." No entanto, é precisamente o contrário que fazemos, o que nos mostra que a nossa vontade de um "novo", embora exista, é sempre moderada, pois somos medrosos.

Mas até lá, essas comemorações, se possuem algo de legítimo, são também algo supersticiosas. Talvez a legitimidade delas consista em ser prefiguração da novidade real que está mais adiante - a eternidade. A superstição está em esperar que o mero movimento translacional da terra - combinado com a cor da roupa - possa produzir qualquer coisa de novo. É muita tolice..

Na verdade, a única novidade, segundo Salomão, está acima do Sol, onde não há vaidade. Quem quiser experimentar a novidade real, há de tornar-se íntimo das realidades celestes, habitando nelas, e vencer a própria vaidade. E é por isso que o melhor modo de "romper" o ano é participando da Santa Missa, pois aí temos, por um lado, a plena comunicação com o Céu - a Missa é como um céu aberto onde a nossa relação com Deus é garantida e efetivada. - e, por outro, temos a humilhação gloriosa do filho de Deus que renova seu Sacrifício misticamente, vencendo-nos a vaidade e o orgulho. Encarnar a Liturgia na própria vida é plantar o alicerce para que uma real novidade surja. Sem isso, tudo é ilusão e engano.

Portanto, mais tarde, quando estivermos celebrando a passagem para 2014, não adianta pular ondas nem levar flores a entidades, mas, antes, pensar em Deus, colocar o nosso coração ao alto e comungá-Lo à medida em que o permitam as nossas disposições interiores.

Só assim poderemos de fato desejar um Feliz Ano Novo que tenha alguma substância e que não seja mera flatus vocis, isto é, vazio vocal. Mas, antes de tudo, é preciso desejar feliz natal! Ainda não acabou.. E, diante do Natal, o Ano Novo é pardo, é sem graça. O Natal é uma verdadeira novidade; é a entrada da novidade - da Boa Notícia, dAquele que está acima do sol - no nosso mundo sem graça. Ele é, em verdade, o doador da Graça. Acolhamos esta novidade e permitamos que ela faça o que quiser conosco.

Que a Virgem Maria nos auxilie.

Fábio.

Pedido de Oração

Caríssimos amigos e irmãos, escrevo este post apenas para pedir-vos orações pelo amigo Jorge Ferraz, dono do blog Deus Lo Vult e que recentemente foi diagnosticado com um linfoma folicular, um tipo de câncer. Que as nossas orações se elevem ao Altíssimo com o nome desse nosso irmão na Fé, conscientes de que vivemos, já, na comunhão dos santos.

Que a Virgem Maria cuide do corpo e da alma do Jorge para que, além de obter uma completa recuperação segundo a vontade de Deus, o Jorge saia disso tudo amadurecido, purificado, com o coração firme em Deus. Rezemos...  Ave Maria †... 

Ex campeão do aborto se converte após sonho com Santo Tomás


Madrid, Espanha, (CNA) -. O jornal espanhol “La Razón” publicou um artigo sobre a conversão ao movimento pró-vida de um ex-”campeão do aborto.” Stojan Adasevic, que realizou 48,000 abortos, às vezes chegando ao número de até 35 abortos por dia, é agora o mais importante líder pró-vida na Sérvia, após 26 anos como o médico mais renomado do aborto no país.
Segundo Adasevic “Os manuais de medicina do regime Comunista diziam que o aborto era apenas a remoção de uma mancha de tecido”, e “a chegada dos aparelhos de ultra-som que permitiam a visão da vida fetal chegaram apenas depois dos anos 80, mas mesmo depois eles se recusaram a mudar aquela opinião histórica. Contudo, eu comecei a ter pesadelos”.
Ao descrever sua conversão histórica,o artigo relata o sonho de Adasevic:
“Sonhei com um belo campo cheio de crianças e jovens que estavam brincando e rindo, de 4 a 24 anos de idade, mas que fugiam de mim com medo. Foi então quando um homem vestido com um hábito preto e branco começou a olhar pra mim, em silêncio. Este sonho foi se repetindo a cada noite, ao que eu acordava suando frio. Uma noite, eu perguntei ao homem de preto e branco quem ele era. “Meu nome é Tomás de Aquino”.
Adasevic, educado em escolas comunistas, nunca tinha ouvido falar do santo e gênio Dominicano. “Eu não reconheci o nome”.
“Por que você não me pergunta quem são essas crianças?”, questionou o santo a Adasevic em seu sonho.
“Eles são aqueles que você matou com seus abortamentos”, São Tomás afirmou a ele.
“Então Adasevic acordou impressionado e decidiu não realizar abortos nunca mais”.
“Naquele mesmo dia um primo veio até o hospital com sua namorada, grávida de 4 meses, que gostaria de realizar nela o seu nono aborto – um hábito bem frequente nos países do bloco soviético. O médico concordou. Ao invés de remover o feto pedaço por pedaço, ele decidiu desmontá-lo e removê-lo como uma massa única. Contudo, no momento em que o feto foi totalmente destruído e retirado, seu coração pequeno ainda batia. Adasevic percebeu isso, e se deu conta de que tinha acabado de matar um ser humano”.
Após essa experiência, Adasevic “disse ao hospital que ele deixaria de fazer abortos. Nunca antes um médico na Iugoslávia comunista havia se recusado a fazer abortos. Então eles cortaram seu salário pela metade, demitiram sua filha de seu emprego, e impediram seu filho de ingressar na universidade”.
Depois de anos de pressão e sofrimento, e quase a ponto de voltar ao antigo hábito de fazer abortos, ele teve um outro sonho com Santo Tomás.
“Você é um bom amigo, não desista”, lhe disse o homem de preto e branco. Adasevic buscou se envolver com o movimento pró-vida e por fim acabou conseguindo o feito de exibir na TV da Iugoslávia o filme “O Grito Silencioso” do Dr. Bernard Nathanson, duas vezes.
Adasevic já contou a sua história em diversos jornais e revistas do leste europeu. Ele voltou a fé ortodoxa, que viveu durante sua infância, voltou sua atenção aos escritos de São Tomás de Aquino.
“Influenciado por Aristóteles,e devido o pouco conhecimento científico da época, Tomás chegou a acreditar que a vida humana começava quarenta dias após a fertilização”, escreveu Adasevic em um artigo. O jornal La Razon comentou que Adasevic “sugere que talvez o santo lhe apareceu em sonho porque queria fazer as pazes para esse equívoco.” Hoje o médico sérvio continua a lutar pela vida dos nascituros.
Fonte: ocampones.com

Justino dá uma descrição geral sobre como a Santa Missa era celebrada na metade do Século II


Para a época que seguiu à morte dos Apóstolos, um dos documentos mais antigos e mais interessantes é uma apologia dos cristãos escrita por São Justino, que morreu em 165. Entre 150 e 155 dirigiu ele ao imperador Romano Antonino sua primeira apologia na qual descreve o que se pratica nas assembléias cristãs, a fim de mostrar que as atrocidades que lhes são atribuídas pelos pagãos são pura calúnias. Nele refere-se duas vezes às celebrações eucarísticas. Não nos transmite um texto completo da liturgia nem fórmulas de orações ou de exortações, mas a sequência detalhada dos atos praticados nestas assembléias e a maneira como era celebrada a Eucaristia em Roma e nos países onde ele viveu, a Palestina (onde nasceu) e o Egito.

Eis sua descrição de uma reunião dominical:

1. No dia dito do sol (domingo) reúnem-se em um mesmo lugar todos os cristãos, os que residem nas cidades e os que residem no campo.

2. O leitor lê trechos tirados das memórias dos Apóstolos (Novo Testamento) e dos livros dos Profetas (Antigo Testamento).

3. terminada a leitura, aquele que preside toma a palavra para explicar aos presentes o que foi lido e exortá-los a pôr em prática tão belos ensinamentos (homilia).

4. Em seguida, levantamo-nos todos e dirigimos a Deus orações e súplicas (súplica insistente ou ecteni, após o Evangelho).

5. Suspendendo as orações, abraçamo-nos uns aos outros (Ósculo da paz).

6. Depois levam àquele que preside a reunião dos irmãos em Cristo, pão e um cálice contendo vinho, misturado com água (Procissão do ofertório).

7. O Presidente toma o pão e o cálice, louva e glorifica o Pai do universo em nome de seu Filho e Espírito Santo; dirige-lhe abundantes ações de graças por ter-se dignado dar-nos estes dons (Anáfora).

8. Terminada esta ação de graças (Eucaristia) todos os presentes exclamam: Amém.

9. Depois os ministros que chamamos diáconos distribuem a todos os presentes o pão da Eucaristia e o vinho misturado com água (Comunhão). Estes mesmos diáconos levam aos ausentes sua parte do pão e do vinho eucarísticos. 

10. Por fim, os ricos socorrem os indigentes (Coletas).

A partir do século III as alusões à Eucaristia são mais numerosas mas menos precisas por causa da disciplina do "Arcano" ou segredo, que foi adotada pela Igreja e que proibia falar da Eucaristia aos não-cristãos.

Monsenhor Pedro Arbex. A Divina Liturgia Explicada e Meditada. São Paulo: Editora Santuário, 1998. p.25-26.

História do Sacrifício - Antigo e Novo Testamentos - Mons. Pedro Arbex


Sacrifício e Sacramento

A missa é o ato litúrgico durante o qual renova-se de modo místico e incruento o sacrifício cruento de Cristo na cruz; e administra-se aos fiéis, pela Eucaristia o alimento espiritual para as suas almas. Na missa, portanto, celebra-se não somente um sacramento, o maior dos sacramentos, mas renova-se também um sacrifício, o verdadeiro e perpétuo sacrifício da Nova Aliança.

A Eucaristia é sacrifício, enquanto se oferece; é sacramento, enquanto se recebe.

Sacrifício em geral

O sacrifício é a oferta voluntária de uma coisa sensível que é destruída, se for um ser inanimado, ou imolada, se for um ser animado; feita por um ministro legítimo, a Deus só, para reconhecer seu domínio absoluto e, no caso de pecado, para aplacar sua justiça e obter a reconciliação e a união com ele.

O sacrifício, que é o ato de culto mais característico e mais sublime, deriva da dupla obrigação do homem para com Deus: a nossa dependência absoluta dele, como criaturas; a nossa inimizade com ele, como pecadores.

A necessidade do sacrifício como reconhecimento da nossa dependência de Deus sempre existiu, mesmo no estado de inocência de nossos primeiros pais, no paraíso terrestre, antes da queda: Adão e Eva, mesmo se não tivessem pecado, teriam de oferecer sacrifícios a Deus, em sinal de submissão e de gratidão.

Quando, porém, o pecado abriu um abismo entre Deus e o homem, o sacrifício assumiu uma segunda finalidade, tornando-se o meio de reconciliação. O sacrifício, enquanto expiação do pecado, tem o caráter de representação ou substituição.

1. A essência do sacrifício é a destruição de uma coisa sensível ou a imolação de um ser vivo. A melhor maneira para o homem exprimir sua dependência e a dependência das outras criaturas é, evidentemente, a morte voluntária, isto é, o fato de entregar livremente sua vida àquele de quem a recebeu. Foi isto que Deus quis fazer entender aos homens quando ordenou a Abraão que lhe imolasse seu filho único, Isaac. Mas, quando logo depois, satisfeito pela obediência cega de seu servo, substituiu Isaac por um carneiro, desaprovou ao mesmo tempo os sacrifícios humanos, aos quais tinha direito, e indicou o modo de substituí-los.

2. O ministro do sacrifício deve ser legítimo. O sacrifício é um ato de culto público. Ninguém pode cumpri-lo se não tiver títulos para falar ou agir em nome da sociedade. Na lei evangélica como na lei mosaica (e até entre os pagãos) somente os sacerdotes são delegados para esta missão.

3. O fim, o escopo do sacrifício, é reconhecer o absoluto domínio de Deus e aplacar sua justiça, se o ofendemos.

Pela criação existe entre o Criador e sua criatura um laço que os liga um ao outro: laço de soberania da parte do primeiro, e laço de dependência da parte do segundo. O sacrifício é o ato pelo qual exprimimos esta relação e proclamamos, de um lado, a infinita grandeza de Deus, e, de outro, o nosso nada, a nossa pequenez; e no caso de natureza decaída, nossa ingratidão e nosso arrependimento.

A coisa essencial num sacrifício  é dar ou renunciar a um objeto de valor (valor em si ou para quem dá), por amor de Deus. Para dar a esta oferta todo o seu significado, os homens costumavam destruir o objeto sensível: esta destruição impedia que se pudesse voltar a possuir aquele objeto e com isto se exprimia a verdade seguinte: que não somos nada diante de Deus.

A dádiva oferecida ocupava o lugar do homem. Por isso aquele que fazia a oferta colocava, muitas vezes, a mão sobre o animal sacrificado, e fazia-se aspergir com o sangue ainda quente e fumegante da vítima. Assim fizeram Abel, Caim, Noé. Abel imolou e queimou as primícias dos seus rebanhos; Caim, seu irmão, queimou os frutos da terra; Noé matou e queimou animais à saída da arca.

Sacrifícios sangrentos e não sangrentos

Todos os povos e todas as religiões tiveram seus sacrifícios. Aparecem já praticados pelos filhos dos nossos primeiros pais. Caim e Abel (Gn 4), e achamo-los em todas as épocas entre os pagãos e os judeus. Egípcios, Caldeus, Assírios, Persas, Gregos, Romanos, etc. ofereciam sacrifícios a seus deuses para aplacá-los ou para implorar seu auxílio. Chegaram até a imolar seres humanos. Sabemos, pela Sagrada Escritura, que o rei dos Moabitas, para escapar ao cerco do rei de Israel, imolou seu filho primogênito.

Os Fenícios e outros povos da Ásia sacrificavam, todos os anos, crianças a Moloc, o deus do fogo com cabeça de touro. "O que os pagãos imolam, escrevia São Paulo aos Coríntios, imolam-no aos demônios e não a Deus" (1Cor 10,20). A humanidade, mesmo envolta nas trevas da ignorância e da perversão, sempre sentiu a necessidade de oferecer sacrifícios à divindade, ainda que confundindo o verdadeiro Deus com os falsos ídolos. Em Atenas, no tempo de São Paulo, não havia entre os inúmeros altares um altar ao "Deus desconhecido"?

Havia sacrifícios cruentos e sacrifícios incruentos (sangrentos e não sangrentos). Os primeiros consistiam na imolação, no derramamento do sangue de uma vítima escolhida no reino animal (bezerros, carneiros, ovelhas, cabras, rolas e até seres humanos). Nos segundos, em que não se derramava sangue, as ofertas eram escolhidas no reino vegetal e podiam ser objetos sólidos (trigo, farinha, pão, frutos da terra, etc.), ou líquidos (vinho, azeite). Os sólidos eram queimados e os líquidos derramados ao pé do altar. Oferecia-se também incenso.

Sacrifícios do Antigo Testamento ou da Lei Mosaica

Os sacrifícios dos pagãos não eram senão tentativas para chegar ao verdadeiro sacrifício de expiação ou de ação de graças à divindade: ofereciam animais sem defeitos físicos, crianças inocentes ou produtos escolhidos da terra, para serem vítimas perfeitamente imaculadas e, portanto, agradáveis aos deuses.

Quando Deus escolheu para si, nos descendentes de Abraão, um povo eleito, do meio do qual ia nascer o Salvador do gênero humano, ele próprio fez a Moisés, após a saída do Egito, numerosas prescrições sobre os sacrifícios que lhe deviam ser oferecidos, enquanto durava a Antiga Aliança.

"No Antigo Testamento tudo era coberto de sangue como figura do sangue de Jesus Cristo que nos devia purificar" (Bossuet).

Pela Bíblia sabemos que os judeus tinham três tipos de sacrifícios: os holocaustos, os sacrifícios de expiação e os sacrifícios pacíficos.

1. No holocausto (gr.: ólos, inteiro; e caústos, queimado), chamado também "sacrifício perfeito", a vítima era imolada e inteiramente consumida pelo fogo sobre o altar. Demonstrava-se assim o domínio absoluto de Deus sobre suas criaturas, representadas pela vítima.

No Templo de Jerusalém, único lugar onde se podiam oferecer sacrifícios, todo dia ao nascer do sol e à tarde imolava-se um cordeiro que devia ser queimado por completo; e aos sábados, em vez de um, sacrificavam-se dois cordeiros pela manhã e dois à tarde. Ao mesmo tempo, no altar dos perfumes, um outro sacerdote queimava incenso sobre o braseiro que ali se encontrava. É esta última função que desempenhava Zacarias, quando lhe apareceu o anjo para lhe anunciar que teria um filho, "a quem porá o nome de João" (Lc 1).

2. Os sacrifícios expiatórios destinavam-se a aplacar a cólera do céu, a expiar os pecados do povo, e a purificá-lo das suas iniquidades.

Destas vítimas, uma parte era queimada sobre o altar e outra ficava reservada para o sustento dos sacerdotes.

Cada ano os judeus celebravam a festa da expiação (Yom Kippur). Neste dia o sumo sacerdote oferecia em holocausto um touro para a expiação de seus próprios pecados e dos pecados da sua família; e um bode oferecido pelo povo, para a expiação dos pecados da comunidade. Em seguida, pondo suas mãos sobre a cabeça de um segundo bode vivo oferecido também pelo povo, carregava-o de todos os pecados da nação e o expulsava para o deserto, levando assim simbolicamente para longe de Deus as iniquidades de seu povo (bode expiatório).

No dia da sua purificação, isto é, 40 dias após o nascimento de Jesus, Maria e José, em obediência à lei, "levaram o menino a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, e para oferecerem em sacrifício (de expiação) um par de rolas ou dois pombinhos" (Lc 2,22-24).

3. Os sacrifícios pacíficos tinham por finalidade dar graças a Deus pelos bens e dons recebidos, pedir-lhe uma graça ou cumprir uma promessa: após a imolação da vítima, uma parte dela era queimada no altar; uma outra reservada aos sacerdotes e uma terceira consumida, num convívio sagrado, pela pessoa que mandou oferecer o sacrifício e pelos membros de sua família. Esta refeição figurava a Eucaristia.

Além dessas três espécies de sacrifícios sangrentos, havia os sacrifícios não sangrentos, ou oblações, que acompanhavam obrigatoriamente os holocaustos e os sacrifícios pacíficos, ou podiam ser feitos isoladamente.

A matéria oferecida era uma substância, sólida ou líquida, mais frequentemente incenso, farinha (misturada com sal e azeite), ou vinho.

Todos estes sacrifícios não eram senão figura do verdadeiro sacrifício da Nova Aliança selada pelo sangue de Cristo. Por isso cessaram, conforme os profetas o tinham anunciado, depois do Sacrifício do Calvário: o símbolo deve ceder o lugar à realidade, como a noite à luz.

São Paulo, na sua Epístola aos Hebreus, (9,11), diz a esse respeito: "Cristo veio como Pontífice dos bens futuros; e passando por um tabernáculo mais excelente e perfeito, não feito por mão do homem, quer dizer: 'não deste mundo', entrou no santuário não pelo sangue de bodes ou de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, e de uma vez para sempre, porque alcançou a redenção eterna. Ora, se o sangue dos cabritos e dos touros e a aspersão da cinza duma novilha santifica os impuros pela purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito Santo, se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!"

Sacrifício da Nova Aliança

Na Nova Aliança, há um só sacrifício: o sacrifício que Jesus Cristo instituiu na última Ceia, consumou no dia seguinte sobre a Cruz e que a Missa renova todos os dias.

Jesus, Sacrificador e Vítima

Nos sacrifícios antigos o sacerdote era distinto da vítima. Escolhiam como vítima, nos sacrifícios cruentos, considerados os mais perfeitos, um ser vivo, de preferência um animal doméstico, que, por pertencer ao homem, podia legitimamente substituí-lo.

Ofertavam-no a Deus, separando-o de todo uso profano, para consagrá-lo ao serviço e à honra da divindade. Imolavam-no em seguida, a fim de mostrar que o pecador, tendo ofendido a Deus, não tinha mais o direito de viver, que merecia a morte.

Em certos sacrifícios , após ter queimado uma parte da vítima, comiam a outra parte, para comungar assim à vítima e, por meio dela, à divindade. Porque, após a glorificação de Deus, a união com ele, quebrada pelo pecado, era o fim para o qual tendia o sacrifício.

Portanto, três atos principais constituíam o sacrifício: o oferecimento, a imolação e a comunhão que se chamava também consumação. Tudo isto não eram senão figuras ou símbolos que preparavam o sacrifício verdadeiro, o sacrifício que devia oferecer o Homem-Deus, o Sumo Sacerdote da nova Lei, para glorificar a Deus e salvar seus irmãos. Ora, Deus tem direito a homenagens infinitas; para render-lhe tais homenagens e reparar a ofensa a ele feita pelo pecado, era necessário um sacrifício de valor moral infinito. E, para que assim seja, Jesus, nosso Sumo Sacerdote, quis ser não somente o sacrificador, mas também a vítima. Só deste modo, sob este duplo aspecto, o sacrifício oferecido por ele teria verdadeiramente um valor infinito, pois a dignidade de um sacrifício depende da dignidade da pessoa que o oferece e da vítima oferecida. Ora, Jesus, sacerdote e vítima, não é outro senão o Homem-Deus, isto é, uma pessoa infinita.

Desde o primeiro instante de sua encarnação no seio virginal de Maria, Cristo se ofereceu a seu pai como vítima para substituir todos os holocaustos. Lemos na Epístola aos Hebreus 10,5-6: "Entrando no mundo, Cristo diz: 'Tu não quiseste sacrifício nem oblação, mas me deste um corpo. Os holocaustos pelo pecado não te agradam. Então eu disse: eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade'".

E toda a sua vida foi uma cruz e um martírio, orientada para a imolação final que constituíra o ato essencial de seu sacrifício. Sua imolação como vítima começa com sua Paixão, no Jardim da Agonia, para terminar no Calvário. Mas, antes de se deixar imolar pelos algozes, Jesus quis de novo oferecer-se como vítima e, desta vez, num verdadeiro sacrifício, acompanhado de ritos misteriosos, o sacrifício da última Ceia. "Tomai e comei, este é o meu Corpo, dado por vós." "Bebei todos, porque este é o meu sangue, o sangue da Nova Aliança, que é derramado por vós para a remissão dos pecados."

No Jardim das Oliveiras, vendo-se carregado dos pecados dos homens, submerso pelas águas turvas de todas as iniquidades humanas e isto diante do Deus de toda santidade, uma tristeza mortal apodera-se de sua alma e um suor de sangue corre-lhe ao longo do corpo. Gostaria de ver longe dele este cálice de amarguras, mas submete-se à vontade de Deus: "Meu Pai, se é possível, permiti que passe de mim este Cálice; faça-se, contudo, não como eu quero, mas como vós quereis" (Mt 26,39).

Traído por Judas, renegado pelo chefe dos doze, abandonado por quase todos os seus discípulos, esbofeteado, injuriado pelos servos do sumo sacerdote, condenado pelo Sinédrio por ter-se proclamado o Filho de Deus, condenado por Pilatos que, no entanto, momentos antes tinha proclamado sua inocência, flagelado, coroado de espinhos e carregando uma pesada Cruz, sobe penosamente o monte Calvário, estende seus membros doloridos, vê seus pés e suas mãos traspassados pelos cravos, ouve os insultos e as zombarias dos chefes de seu povo, Escribas e Fariseus; e em vez de se vingar, como bem poderia fazer, pede a seu Pai que lhes perdoe, porque não sabem o que fazem. Ele é o Bom Pastor que dá sua vida por suas ovelhas, conforme tinha dito: "Eu sou o Bom Pastor; o Bom Pastor dá sua vida por suas ovelhas... Ninguém me tira a minha vida, mas eu a entrego por mim mesmo; tenho o poder de entregá-la e tenho o poder de retomá-la novamente. Este é o mandamento que recebi de meu Pai" (Jo 10).

Cumprido o mandamento, pôde exclamar: "Está tudo consumado". Só lhe falta permitir à morte levar sua vítima voluntária, e o fez oferecendo-se pela última vez a seu Pai como vítima de propiciação.

"Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23,46). Dizendo isto, expirou; e Deus foi glorificado como jamais o tinha sido; e os homens foram salvos.

Os antigos, após a imolação da vítima, desejavam um sinal que comprovasse ter sido a oferta aceita por Deus. Às vezes o Senhor enviava o fogo do céu para consumir a vítima que, então, se elevava ao céu como um sacrifício de agradável odor (ver Elias). Houve algo de análogo após a imolação do Calvário. Em vez de enviar o fogo do céu, para consumir a vítima, Deus ressuscitou seu Filho, conferindo a seu corpo glorioso um poder santificador que se exercerá pela Eucaristia, banquete sagrado pelo qual entramos em comunhão com a vítima e por meio desta com Deus a quem foi oferecida.

Quarenta dias após sua ressurreição, Cristo subiu glorioso ao céu, de corpo e alma, para assentar-se à direita do Pai, onde, continuamente, advoga a nossa causa e intercede por nós.

São Paulo, após ter observado que os sacerdotes da Lei antiga tinham necessidade de sucessores porque eram mortais, acrescenta: "Mas Este (Cristo) como permanece para sempre, possui um sacerdócio eterno. E por isso pode salvar perpetuamente os que por ele chegam a Deus; está sempre vivo para interceder por nós. Tal é, com efeito, o Pontífice que nos convinha: santo, inocente, imaculado, segregado dos pecadores e mais elevado do que os céus; que não precisa, como os outros sacerdotes, oferecer diariamente sacrifícios, em primeiro lugar pelos seus pecados, depois pelos do povo; porque isto o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo" (Hb 7,24-27).

Na noite em que foi entregue, no decorrer da ceia pascal, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de ter dado graças, o abençoou, partiu e deu a seus discípulos, dizendo: “Tomai e comei, isto é meu corpo que é entregue por vós”. Do mesmo modo, tomou o cálice, deu graças e entregou-lhes, dizendo: “Bebei dele todos, porque isto é o meu sangue, sangue da Nova Aliança, que vai ser derramado por vós e por muitos para a remissão dos pecados.” E acrescentou: “Fazei isto em memória de mim”. 

Para que os judeus se recordassem que tinham sido libertados da escravidão do Egito, Deus tinha-lhes ordenado que imolassem e comessem todos os anos, na festa da Páscoa, um Cordeiro sem mácula, na flor da idade. 

Foi depois de ter cumprido este preceito e comido com seus discípulos o Cordeiro pascal, que Cristo transformou o pão em seu corpo e o vinho em seu sangue. Durante a ceia da Antiga Aliança, Cristo selou com seu sangue a Nova Aliança. “Cristo, nosso Cordeiro Pascal, foi imolado”. (1Cor 5,7), diz São Paulo. 

O Cordeiro que os judeus imolavam não era senão o símbolo do verdadeiro Cordeiro de Deus que veio imolar-se para tirar os pecados do mundo. Sem duvida, somente no dia seguinte, este Cordeiro será imolado de modo sangrento na Cruz; mas na ceia ele está já oferecido como vítima destinada com antecedência à morte; Jesus se oferece como vítima aceitando livremente a morte que lhe será imposta, no dia seguinte; oferece de maneira ritual e mística a imolação que, no dia seguinte, será realizada de maneira visível e sangrenta; doravante sua vida não lhe pertence mais, ele a entregou já para a salvação do mundo. 

Assim, o Salvador é sacerdote segundo a ordem e o ritual de Melquisedec; este último ofereceu a Deus em sacrifício pão e vinho; Jesus, na última ceia, ofereceu-se a si próprio, sob as espécies do pão e do vinho, tornando assim realidade o que o salmista tinha predito, há muitos séculos: “O Senhor fez juramento e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 109,4). 

Após ter convertido o pão e o vinho em seu corpo e em seu sangue, Jesus disse a seus discípulos: “Fazei isto em memória de mim”. 

Com estas palavras, deu-lhes o poder de consagrar seu corpo e seu sangue, e impôs-lhes o dever de se lembrarem dele. São Paulo nos explica de que maneira se faz essa lembrança: “Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a morte do Senhor” (1Cor 11,26). 

É, pois, Jesus Crucificado que a Eucaristia nos lembra; é seu corpo partido, seu sangue derramado! A Missa durante a qual a Eucaristia é consagrada é, portanto, um memorial da Paixão de Cristo, de Cristo agonizando, de Cristo morrendo por nós; é também uma representação viva do sacrifício da cruz: o sacerdote é o mesmo, a vítima também. 

O Sumo Sacerdote da Nova lei, ou melhor, o único sacerdote, é Jesus Cristo. E se na Missa ele se oferece pelo ministério dos sacerdotes, é unicamente porque ele assim quis fazer depender sua presença no altar da vontade e da ação de um homem. O sacerdote não é sacerdote senão em dependência de Cristo, e só age como seu representante. Na consagração ele diz: “Isto é meu corpo, isto é meu sangue” e não isto é o Corpo de Cristo, isto é o sangue de Cristo. 

Assim como a última Ceia foi um verdadeiro sacrifício porque oferecia a vítima que ia ser imolada no dia seguinte, assim também a Missa é um verdadeiro sacrifício, porque renova a oferta da vítima já imolada no Calvário. 

Cumprindo a ordem do Senhor: “Fazei isto em memória de mim”, os Apóstolos e depois deles os seus sucessores, os bispos e os sacerdotes, têm sempre oferecido este sacrifício. 

No tempo dos Apóstolos, os cristãos já se reuniam para o que chamavam “a fração do pão” especialmente ao domingo. Nos Atos dos Apóstolos, lemos no capítulo 20: “No primeiro dia da semana, quando nos reunimos para partir o pão...” 

São Paulo diz muitas vezes que benziam e bebiam o cálice e que partiam e comiam o pão: O cálice de bênção, escreve ele aos Coríntios, que consagramos não é, porventura, a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão do Corpo do Senhor?” (1Cor 10,16).

Monsenhor Pedro Arbex, A Divina Liturgia Explicada e Meditada. São Paulo: Editora Santuário, 1998. p. 9-18.

Feliz Natal!


Desde a queda de Adão e Eva, a alma humana foi obscurecida, privada da comunhão com Deus e impossibilitada de realizar seu fim mais essencial: a posse de Deus na eternidade. Todos eventos da vida terrena retiravam seu sentido deste fim último, para ele se ordenando como meios. A alegria da vida humana existia porque hauria seu brilho e calor daquele Sol divino para o qual, porém, os homens estavam agora impossibilitados de ir.

A desordem proveniente do pecado não apenas cavou um fosso intransponível ao homem entre nós e Deus, como ainda inseriu a desordem dentro da nossa alma. Desde então, passamos a buscar fontes alternativas de realização e, como estas inexistiam, fomos obrigados a fundamentar a vida inteira na mentira. A fim de produzirmos, nós mesmos, aquilo que não havia, passamos a forçar a realidade para que se adequasse às nossas fantasias e, neste processo, tornamo-nos violentos e cada vez menos sensíveis à delicadeza do amor. Cada pessoa, assim, ia perdendo a vista da unidade fundamental de toda a criação e se via restrita a um caminho extremamente individual e fragmentado do todo no qual lhe importava sobretudo a satisfação de si mesmo. Sobre isso, escreveu o Profeta Isaías:

"Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho" (Is 53,6)

Era noite na nossa alma e, nessa noite, tateávamos semi-cegos por caminhos que trilhávamos por suposições, isto é, à medida em que nos dispúnhamos afetivamente para eles. Estávamos, rigorosamente, cativos dos nossos interesses e da nossa sensibilidade, ou seja, o nosso horizonte era estreitíssimo e ia somente até onde iam os nossos cálculos interesseiros. É verdade que, pela insistência divina em não nos abandonar e manter contato com os homens, havia, ainda, um quê de saúde no mundo e os homens conduzidos por Deus nos faziam relembrar daqueles tempos áureos em que o homem podia, de fato, ser feliz sem falsificações. Esses homens não apenas nos punham nostálgicos, como também nos anunciavam uma felicidade futura, a qual, no entanto, não tínhamos a menor capacidade de sondar em profundidade. Tivemos a notícia, mas escapava-nos a substância do anúncio. Embora Deus mesmo tivesse conduzido esse pontos luminosos, que chamamos de Profetas, a imensa maioria dos homens permanecia num profundo sono.. Os profetas foram como estrelas num extenso céu escuro... E era noite..

Mas eis o que ocorre:

"O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra da morte resplandeceu uma luz." (Is 9,2)

As duas maiores festas cristãs acontecem de noite para mostrar que Deus intervém, justamente, quando as coisas estão escuras. O nascimento de Jesus se deu não apenas numa noite física, mas também numa noite espiritual. Na alma dos homens, o sol divino estava "escurecido"; não que Deus possa escurecer-se, mas é possível, como escreveu Sta Teresa D'Avila, envolvê-lo com uma espessa camada de modo que sua luz não incida na alma e esta fique em trevas. Isto ocorre no pecado mortal. E foi justamente nesta noite que brilhou uma grande luz: Jesus nasceu. Qual o significado disto?

Primeiramente, notemos que, se a treva é ausência de luz, a noite da alma nos homens era a falta da luz divina. Faltava Deus aos homens e eles não eram capazes de reconstruir o que fora perdido. Estando tal conserto acima das forças humanas, forçoso era que, se ele fosse feito, o fosse pelo próprio Deus. E é isto o que se dá: Deus como que "sai de si", movido pelo imenso amor pelos homens, e vem a nós. Em seguida, Ele une em Si mesmo aquilo que estava separado: Deus e os homens. Com efeito, Jesus será Deus e homem e não é possível que as duas naturezas, antes impedidas de união pelo abismo do pecado, agora, unidas na pessoa do Cristo, cultivem ainda qualquer distância. Jesus, ao assumir a nossa natureza, como que se casou conosco tornando-nos, desse modo, um só com Ele.

Tornou-Se humano para que o homem pudesse tornar-se divino. Com isto, Ele nos restituiu a esperança da felicidade completa, da realização mais plena. Ao vê-Lo, hoje, nascido na gruta de Belém, em tão aparente indigência, nós podemos perceber a grandeza do Seu amor em vir resgatar-nos de tão profunda baixeza. Isto é motivo de uma vertiginosa alegria. Se não sabíamos mais o que fazer, se estávamos desesperados e tínhamos por certo a nossa condenação, agora abriu-se para nós uma porta, uma imensa luz brilhou para nós. Deus nos deu a certeza mais cabal de que somos amados. Agora, nós não precisamos seguir caminhando pelos nossos próprios caminhos, nos quais íamos desgarrados. Agora, surgiu para nós O caminho que não engana e nos leva ao Pai. Todos nós, por Ele, transcendemos a nossa fantasia, os nossos caprichos, os nossos interesses egoístas, e retomamos contato com a mais sólida realidade, com a Verdade. Superamos o mesquinho cálculo dos nossos interesses, e adentramos na dinâmica do amor. Imitando a Ele, que saiu de Si, nós sairemos de nós mesmos e iremos a Ele. Nisto está a nossa Salvação. Eis a Luz que nos permite ver com clareza o que até então era-nos invisível pela densidade da noite. Eis o Sol da Justiça que nos nasce e nos restitui a dignidade perdida pelo pecado. Eis que o divino infante participará do nosso sofrimento, chorando copiosamente na noite de Belém, e nós, que já estávamos acostumados às lágrimas, participaremos da alegria divina e, depois de tanto tempo, voltará à nossa face aquele sorriso que nasce, não do campo superficial das sensações, nas do íntimo da alma, expressão de uma alegria da qual participa a totalidade do ser do homem.

Esta alegria, portanto, não é forjada, não é artificial, e não é, como dizia S. Josemaria Escrivá, uma alegria de animal sadio, que surge da boa constituição física. É algo mais interno, mais profundo e que, ao mesmo tempo em que nos preenche, nos relembra que nós somos mais que animais que seguem seus instintos e seus desejos; somos filhos de Deus, criados à Sua imagem e semelhança. Somos vocacionados à eternidade. Na pobreza de seus trapinhos, o Cristo nos relembrou que nós somos Sacerdotes, Profetas e Reis.

Feliz Natal!

São João da Cruz, Doutor da Igreja - Uma abordagem geral


Hoje é dia do meu santo de devoção: o grande São João da Cruz. Nascido na Espanha, foi co-autor, junto com Sta Teresa D'Avila, da reforma da Ordem Carmelita. Canonizado em 1726, pelo Papa Benedito XIII, foi declarado Doutor da Igreja em 1926, pelo Papa Pio XI. Além destes títulos, ele é conhecido como Doutor Místico, e em 1952 recebeu o título de patrono dos poetas espanhóis.

Mas em que é que São João da Cruz se destaca? Bem, primeiramente, é preciso dizer que pelo mero fato de ele ter sido declarado santo, isto já indica que ele foi um cristão eminente que visceralmente encarnou as virtudes do Evangelho até conformar-se - assumir a forma - de Nosso Senhor. Além disto, ele foi declarado Doutor da Igreja, entrando para o estreitíssimo grupo de 35 doutores que a Igreja obteve em toda a sua história de mais de dois mil anos de existência. Significa dizer que ele é elite da elite. Mas isso ainda não basta para dizer o que ele foi. São João da Cruz é absolutamente único. De todos os santos, ele é o que melhor compreendeu a vida mística e melhor a explicou, tendo alcançado o último grau de santidade possível nesta vida, chamado de "matrimônio místico". Este é um estágio altíssimo ao qual chega só uma pequena minoria dentre os santos. Tendo percorrido o caminho inteiro, São João está em condições de nos conduzir nestas vias tão misteriosas e difíceis.

Com efeito, ele desempenhou esta função como verdadeiro mestre. Ocorria, então, um fenômeno interessante nas ordens religiosas, principalmente contemplativas: religiosos e monges que estavam já há bastante tempo habituados aos modos convencionais de oração, dentre os quais tinha primazia o método inaciano de meditação, de repente se viam mergulhados numa estranha impossibilidade de continuar no mesmo caminho de sempre. Não conseguiam rezar como antes.. Meditar nas verdades do Evangelho e da Fé se tornava difícil e desconfortável. Se, por acaso, eles se forçavam a rezar deste modo - habituados que estavam às mortificações -, também não adiantava muita coisa. Esta sequidão e aparente inércia da alma parecia não ter fim. O que fazer? São João da Cruz então se colocava como um guia seguro a partir deste ponto. Às pessoas desorientadas por terem adentrado nesse estágio, ele servia de luz, de farol; segurava-as pela mão e as conduzia por um caminho do qual elas, até agora, nada conheciam.

Observemos o seguinte: para almas que estavam habituadas há anos a um modo seguro de vida, o fato de verem-se, de repente, privadas deste caminho era algo que lhes provocava profunda angústia interior. E isto também pelo fato de que não supunham haver outro caminho. Na verdade, elas não tinham idéia do que se sucedia e, por mais que buscassem consolos e orientações, nada as tirava daquelas dificuldades. Aquilo parecia um problema sem solução. Ora, se São João da Cruz se dispunha, então, a orientá-las nessas trevas, podemos nos perguntar: Que tipo de densidades sombrias ele não terá passado? E de que modo ele soube como agir? Quem o teria orientado, sendo ele ainda tão jovem? Sta Teresinha de Lisieux, nobre fruto da árvore do Carmelo que São João da Cruz ajudará a reformar, dirá mais tarde: "estou convencida de que só o sofrimento pode gerar almas". Eis o segredo de S. João da Cruz, santo para o qual a insígnia da Cruz sempre foi o maior distintivo. Com efeito, ele sempre advertirá contra os que pretendem fazer do cristianismo um caminho de facilidades. "Não lhes dêem ouvidos", dirá com firmeza, convencido de que a estreiteza do caminho de Cristo é maior do que a que se supõe. Escreve ele:

"Observemos com cuidado as palavras que Nosso Senhor nos dirige por S. Mateus: "Quão apertada é a porta e quão estreito é o caminho que conduz à vida; e poucos são os que acertam com ele" (Mt 7,14). O peso e o encarecimento deste termo "quão" são muito dignos de nota; é como se o Senhor quisesse dizer: em verdade, o caminho é bem estreito e muito mais do que podeis pensar. Ponderemos ainda que o Senhor primeiramente diz ser apertada, para nos mostrar que a alma desejosa de entrar por esta porta de Cristo - que é o começo do caminho - deve antes de tudo reduzir-se e despojar a vontade em todas as coisas sensíveis e temporais, amando a Deus acima de todas elas." (Subida, Livro II, Cap. VII, n.2)

São João enfatizará a necessidade de um intenso despojamento interior. Este despojamento é necessariamente doloroso pois a nossa tendência natural é apegar-nos aos bens. Por este motivo ficavam desorientados os religiosos acima referidos, pois se viam obrigados a abandonar um meio que lhes era pessoalmente confortável. Se Deus queria conduzi-los a níveis mais altos, isso era-lhes doloroso, pois implicava em deixar os modos anteriores. Essas pessoas agiam como Pedro que, temeroso de abandonar a segurança do seu barco, hesitava em obedecer a voz do Mestre que o chamava a andar sobre as águas, já que isto lhe contrariava a experiência pessoal de que tal proeza é impossível.

Diz ainda o santo:

"Entrar, pois, neste caminho, é sair do seu próprio caminho, ou, para melhor dizer, caminhar diretamente para o termo, deixando seu modo limitado a fim de penetrar em Deus que não tem modo. A alma, chegada a esse estado, já não tem modos particulares, nem se apega ou pode apegar-se a eles, isto é, não mais se prende ao próprio modo de entender, gostar e sentir, conquanto tenha em si todos os modos; assim como quem nada tendo possui tudo excelentemente. Tendo tido ânimo para transpor os estreitos limites de sua natureza, tanto no interior como no exterior, entra em limite sobrenatural que não tem modo algum, embora, em substância, encerre todos os modos. Para chegar a isto, é preciso abandonar tudo aquilo, apartar-se daqui e dali e sair para muito longe de si, deixando o baixo para possuir o altíssimo" (Subida, Livro II, Cap. IV, n.5)

Este caminho une duas dificuldades: é desconhecido, isto é, foge em absoluto de quaisquer experiências prévias da alma, e é doloroso na medida em que exige despojamento. Nossa inclinação natural é recusar a ambos. Tendemos a desejar caminhos fáceis e que já nos sejam conhecidos, isto é, que nos pareçam isentos de perigos e ameaças. Na medida em que Deus passa a exigir-nos apagar nossas luzes artificiais, que são as nossas pequenas seguranças, e sair do que já conhecemos, nós como que adentramos num ambiente escuro, noturno. Caminhar de noite será o símbolo por excelência do início da vida espiritual autêntica. Esta noite diz respeito tanto à Fé - que é uma espécie de conhecimento obscuro de verdades que nos estão, por ora, inacessíveis à verificação empírica - quanto ao despojamento interior que se deve adotar. Se isto é difícil sequer de começar, o que não terá São João da Cruz passado, pessoalmente, para poder chegar a este estágio de não apenas conhecer o caminho, mas de poder ensiná-lo? Quais angústias e sofrimentos interiores ele não terá conhecido? Sta Teresa D'Avila, comentando sobre as durezas próprias de certas alturas da vida espiritual, afirma que elas somente podem ser comparadas às penas do inferno. São João da Cruz não teve quem o orientasse, a não ser o próprio Deus. No seu silêncio, no seu recolhimento, S. João enfrentou lutas de gigantes.

Nosso doutor traçará um esquema geral da vida espiritual, e a dividirá em três partes: 1- A noite dos sentidos; 2- A noite do espírito; 3- a via mística ou iluminativa. Cumpre dizer que esta divisão é clássica e se encontra igualmente em S. Tomás de Aquino, em Sta Catarina de Sena e nos demais místicos. S. João da Cruz teve não apenas o conhecimento teórico disso, mas o experienciou até onde é possível fazê-lo. Qualquer pessoa, portanto, que queira seriamente avançar no caminho de Cristo deve seguir por estas vias. Lembro-me do efeito que isto provocou em mim logo quando o conheci. Antes, a vida espiritual me parecia algo muito difuso: cada santo possui idéias pessoais e ênfases particulares. Os tipos de carisma são variadíssimos e cada um parece seguir um caminho distinto do outro. Iniciar um processo de ascensão espiritual ficava, assim, dado a um certo inspiracionismo. Ao conhecer a Mística de São João, eu pude identificar aquele traço que une os santos todos, que está subjacente à multiplicidade de modos, e fora do qual a vida espiritual é só fachada. Ver tudo isso foi como um eureka, pois então eu percebi com clareza a unidade fundamental da vida espiritual. Dizia eu, então: "agora eu sei por onde ir". Pena que entre saber e fazer há uma grande distância.. Mas saber já é alguma coisa.

Tratemos, portanto, de cada uma das vias em separado.. Mas isso será algo para os próximos capítulos. Tenho de viajar já já. Assim que dispuser de tempo, continuo.

São João da Cruz, rogai por nós.

Imaculada Conceição


Hoje é um grande dia: dia da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Para os católicos, é uma importante solenidade, pois marca o início da existência daquela que será a aurora da manhã da graça, a flor que prenunciará o divino fruto. Celebramos a concepção imaculada da Virgem Maria, preservada desde o início de qualquer mancha de pecado..

Tive a graça, hoje, de assistir à Santa Missa presidida pelo caríssimo Pe. Cícero Lenisvaldo, de Maceió-AL, e celebrada de modo impecável. Na ocasião, algumas amigas, além de várias outras pessoas, se consagraram à Virgem Maria pelo método de S. Luís Maria Grignion de Montfort, pelo que se tornaram escravas de Jesus por Maria. Aproveitei a ocasião, é claro, para recitar novamente a fórmula da consagração e renovar os meus propósitos de escravo.

Consagrados à Virgem Maria

O pecado é uma realidade no nosso mundo, e isso não deixa de ser paradoxal, pois, na verdade, o pecado, sendo um mal, provoca, antes, uma falta de realidade.. Ele é uma ilusão, um não-ser que nos soa semelhante ao ser. Deste modo, pelo fato de o mundo estar cheio de pecado, este mundo padece de uma forte crise de irrealidade. A sua rebeldia contra Deus o leva a insurgir-se contra a sua própria existência. O demônio rouba, mata e destrói. Roubamos, matamos e destruímos a nossa vida quando pecamos. O pecado é uma espécie de suicídio gradativo.

Desde que este mundo decaiu e o pecado adentrou nele, trazendo consigo a morte, nenhum dos homens havia conseguido livrar-se deste enfado. Estávamos condenados a contemplar a total ineficiência dos nossos esforços para nos limparmos deste foco de morte. Os céus estavam fechados e a nossa existência, cujo sentido vinha da amizade com Deus, se havia frustrado naquilo que é o seu ponto mais essencial.. Éramos mortos vivos.

Na plenitude dos tempos, porém, quando Deus havia de enviar o Seu Filho e nos salvar, Ele antes preparou as devidas condições para tal. A principal delas foi a existência daquela menina pobre, humilde, silenciosa, discreta: a Virgem Maria. Ela não sabia, mas haveria de ser a Mãe de Deus. Porém, não o seria através de qualquer concurso humano. O fruto seria gerado nela sem que ela houvesse tido qualquer contato com varão. Jesus, portanto, nasceria por obra do Espírito Santo, e sua natureza humana seria inteiramente herdada de Maria. Aqui, porém, há um problema: desde os primeiros pais, o pecado estava se transmitindo por herança a todos os homens. Deste modo, o Verbo de Deus, nascendo de uma humana, tenderia a herdar o pecado original, igualmente. Contudo, tal idéia é absurda: o pecado é a negação de Deus. Jesus é Deus. Portanto, Jesus não pode ter em si mesmo aquilo que O nega. Lembremos que, por ser Deus, Ele não é capaz de sofrer nenhum tipo de decréscimo. Logo, é impossível que ele habite com o mal. Jesus também não poderia ter sido purificado depois da Sua concepção, pois isto implicaria pelo menos um momento de coabitação entre Deus e o pecado. 

A Fé Católica nos ensinará que isto se resolve do seguinte modo: Maria, a mãe de Jesus, foi preservada de qualquer mancha de pecado, de modo que, tendo um filho, poderia transmitir a ele uma natureza totalmente isenta de pecado. Maria foi, portanto, preservada e o foi desde a sua concepção. Deus obstou o pecado de transmitir-se a ela desde o momento em que o espermatozóide de Joaquim e o óvulo de Ana se fundiram para formar um novo ser.

Deste modo, Maria foi a primeira humana, desde Adão e Eva, a estar livre da mancha do pecado. Isto é confirmado por Gabriel, quando a chama de Kecharitomene, que significa "aquela que era e permanece plena da graça".. Ora, como ser pleno da Graça senão sem o pecado? E o Anjo afirma, pelo termo usado, que em Maria a Graça manteve-se constante, isto é, ela não foi dada num dado momento da vida dela. Se esteve com Maria desde sempre, este sempre se refere ao "desde a concepção", já que Maria não é eterna, isto é, ela teve um início em sua existência. Hoje celebramos justamente isto: a concepção imaculada da Virgem Maria.

Porém, aqui há um outro problema: dissemos que ninguém, desde o início, havia conseguido livrar-se do pecado. Como Maria pôde, então, adquirir esta graça? E mais: Maria não poderia ter adquirido esta graça, uma vez que só adquire algo quem já existe. Maria, no entanto, é agraciada desde a concepção, isto é, desde um momento em que não podia agir e adquirir méritos. De que modo, então, pôde estar a salvo do pecado? Se Maria não poderia ter adquirido méritos para isto, é preciso que os seus méritos sejam dados por Outro. Obviamente, aquele que lhe transmite méritos de tal magnitude é, necessariamente, Deus, pois só Deus pode retirar os pecados do mundo, uma vez que o pecado, sendo uma ofensa a Deus, requer uma reparação de igual grandeza, isto é, infinita. A graça será, obviamente, dada por seu Filho, que é Deus. Embora, naquele momento, Ele não existisse ainda enquanto ser humano, já existia, obviamente, enquanto Deus, pois Ele é eterno.

No entanto, há ainda outro problema: por qual motivo Ele poderia apagar os pecados dela, e não os de todo mundo? E apagar pecados assim, sem mais nem menos, não contraria a Sua justiça? Não foi por isso que Jesus teve que morrer? Para pagar nossos pecados? Isto significa que Deus pode escolher dispensar pessoas, a seu bel prazer, da necessidade da Redenção? Não. A Virgem Maria tira todos os méritos que ela possui da Redenção. Embora esta seja um evento posterior na história, por ser ato de um Deus, ela transcende a história e fica, por assim dizer, disponível a Deus, podendo ser aplicada em qualquer época da história. É por isso que Jesus celebra a Santa Ceia antes do fato histórico da Crucificação. E é por isso, também, que Ele pode aplicar a Maria os méritos da Sua Paixão. No início deste texto, dizíamos que Maria é a aurora; essa comparação não é à toa. Era bastante utilizada pelos antigos padres da Igreja. Com efeito, antes de o sol aparecer, nós vemos a aurora. Esta aurora, embora venha antes, tem a sua razão de ser no sol. A aurora é clara por causa do sol e anuncia a sua vinda iminente. Assim é Maria com relação a Nosso Senhor, o Sol da Justiça.

Pois bem. Deus a escolheu para uma missão particularíssima: ser a Mãe de Jesus e, para isso, ela precisaria ser sem pecado a fim de que Jesus nascesse com uma natureza humana perfeita. Depois: o próprio Arcanjo Gabriel dirá: "bendito é o fruto do teu ventre". Ora, convinha que a mulher de cujo ventre nasceria o fruto da Redenção do mundo fosse, como canal da Salvação, inteiramente pura. O próprio Deus não deveria ficar recluso por nove meses num corpo que tivesse parte com o pecado. Por este motivo, S. Luís Maria Grignion de Montfort costumava dizer que Maria é como que o Paraíso particular de Deus; é o jardim celado, fechado, inteiramente consagrado a Deus.

Maria será, portanto, o primeiro efeito da Redenção. Ao ser pura de qualquer mancha de pecado, Maria torna-se uma mulher contrária a todo tipo de ilusão e irrealidade. Ela é a Mãe da Verdade e é por isso que ela esmaga as heresias e o demônio. Sendo assim absolutamente verdadeira, ela pode alegrar-se inteiramente em Deus. Nós tendemos a buscar as ilusões do mundo como meio de distração e alegria, e nisto nos iludimos e esposamos a mentira. Por isso que Maria é tão necessária ao mundo, sobretudo o de hoje: é preciso reabrir os olhos à verdade e reconhecer que a nossa alegria está em Deus. Felizes seremos quando, a exemplo dela, dissermos a Deus com inteireza de coração: "Faça-se em mim segundo a tua vontade.".

Salve Maria!

És católico ou tens aparência de católico?

Católicos tradicionais, esses obsessivos teóricos...


Algumas pessoas dizem que os católicos tradicionais são obsessivos com idéias e esquecem as situações reais. No entanto, as idéias aí referidas são a doutrina católica, que nada mais é do que a formulação lógica de realidades absolutamente concretas, não obstante estas sejam, por ora, impossíveis de constatação empírica. E são estas realidades, cujo conhecimento é irrenunciável, que ressignificam de modo correto as contingências mais imediatas. Essa ressignificação é a condição de possibilidade de uma ação consciente e não alienada. Uma pessoa míope não deve, por causa de seu problema, restringir-se ao pequeno horizonte que enxerga e pensar ser isso a totalidade; pelo contrário, ele compra óculos para que possa ver longe. E é esta visão mais abrangente e mais larga que dá sentido aos seus movimentos mais primeiros. A doutrina não é um capricho. Capricho é descuidar-se dela - às vezes por preguiça ou conveniência pessoal - sob o fraco argumento de que é preciso ater-se ao "mundo real".

Advento, espera do Natal


Iniciamos o Advento, uma época muito bonita na Igreja. Esta beleza tem sua razão de ser na festa que se segue imediatamente ao Advento: o Natal. A espera só tem sentido por causa daquilo que se espera. Espera e chegada formam, assim, uma certa unidade. Advento e Natal possuem uma continuidade. Se já agora nós conseguimos notar um algo de doçura e ternura, que são muito próprios desta época, esta doçura e esta ternura são como reflexos daquela luz que está mais à frente, no tempo. 

No Natal, o Cristo virá até nós. Toda a criação O espera. Os antigos profetas suplicavam que as nuvens O chovessem e há séculos o anúncio da Sua vinda, por Isaías, enchia de esperança e felicidade antecipada todos os homens. O ancião Simeão já não tinha outro motivo para continuar vivendo senão conhecer, com os próprios olhos, aquele que seria o Salvador. Tão logo O teve em seus braços, a sua alma rejubilou-se tão imensamente que se desfez em cantos de alegria e louvor a Deus: "Eis o esperado! Agora, Senhor, teu servo pode descansar em paz." Eis o Cristo que dá sentido até mesmo àquilo que parecia tirar o sentido da vida: a morte. O Cristo é o Lógos que participará da morte humana e, ao fazê-lo, será capaz de inserir sentido até mesmo nela, tornando-a não mais meramente uma punição, mas uma via para a vida mais alta. Participando da nossa morte, Ele nos fará participar da Sua vida.

A simples espera do Cristo já enche de Sua luz todo o caminho da espera. Esta luz aumenta progressivamente à medida que nos aproximamos da Sua vinda. Os antigos israelitas começavam a se alegrar tão logo recebessem o chamado de ir a Jerusalém: "Que alegria quando ouvi que me disseram: 'vamos à casa do Senhor'". Agora, porém, recebemos o chamado não apenas para ir à casa d'Ele, mas para ir até Ele próprio. Quanto maior não deve ser a nossa alegria! O advento, assim, se converte num símbolo de toda a espera dos antigos pela vinda do Messias, como também em símbolo desta nossa vida, uma vez que, quanto mais avançamos no tempo, mais desfazemos a distância entre nós e Ele. A vida cristã, por este motivo, deveria ser uma vida marcada por uma alegria profunda que apenas se adensaria progressivamente até aquele dia em que O veremos face a face.

O caminho, contudo, possui suas distrações. Estas distrações nos fazem perder tempo e ameaçam nos desviar do fim da espera. São, portanto, "anti-lógos" ou "anti-Cristos" na medida em que retiram da nossa espera o sentido mesmo desta espera, nos fazendo pôr os olhos naquilo que não é o essencial. Neste sentido, S. João da Cruz, querendo nos fazer perceber o tipo de resolução interior que temos de ter nesta viagem, escrevia: "não colherei as flores nem temerei as feras, e passarei os fortes e fronteiras", isto é, não perderei tempo com os gozos do caminho, nem me assustarei com os seus perigos e vencerei as dificuldades que me afastam d'Ele. Este tipo de ação é muito própria dos que estão apaixonados, o que demonstra que, neste processo, é o amor que deve ser o nosso guia. Com efeito, diz ainda o mesmo santo: "Eu caminhava sem outra luz nem guia exceto a que no coração me ardia. E esta luz me guiava com mais clareza que a do meio dia". É o amor a Deus que, identificando-O para além do alcance dos sentidos, nos conduz como uma espécie de magnetismo por sobre tudo quanto nos possa distrair d'Ele, do mesmo modo que o amor por uma pessoa em particular nos fará passar desapegadamente por todas as outras que nos possam aparecer no caminho até ela, por mais belas que nos pareçam.

O Advento, portanto, nos relembra da fidelidade a Deus, fruto do amor. A fidelidade não é uma apatia por todas as atrações do caminho; antes, ela consiste num tipo de fortaleza interior que nega energicamente a traição que se daria pela satisfação das inclinações mais imediatas. A fidelidade é uma violência que a pessoa faz a si mesma, esquecendo-se de si mesma por só ter olhos para Aquele a Quem ama. Advento, fidelidade e esperança só fazem sentido, portanto, se munimos nossa alma de amor e desapego, ou, se o quisermos, de amor e pobreza.

Para um cristão católico, o advento deve ser o tempo em que nos preparamos para receber o Cristo. Isto deve fazer com que desprezemos as distrações no caminho e nos esforcemos para manter o nosso coração preparado. Para isto, perfumemo-nos das virtudes e da Graça e banhemo-nos nas águas da Confissão. E então, naquele dia, poderemos estar com Ele e Lhe seremos agradáveis. O advento é o tempo da espera. E, para aqueles que sabem esperar, a esperança não engana.

Recomendação de leitura


Caríssimos, passando para recomendar um excelente artigo escrito pelo amigo Sávio Laet no blog In Guardia. E, claro, por extensão, deixando a recomendação de todo o material veiculado por lá.

Festa de Cristo Rei


Ontem iniciei a escrever este artigo, mas não pude concluí-lo, pois tive de me ausentar para resolver algumas coisas. Mas, enfim, disponibilizo-o hoje. Pax.

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Hoje a Igreja celebra a Festa de Cristo Rei e o encerramento do ano da Fé.

Ao falarmos de Cristo Rei, por estarmos já tão habituados à expressão, é muito fácil que ela se nos passe como um título dentre tantos outros sem que nos apercebamos do seu significado profundo. Além disto, por vivermos numa espécie de demagogia, forma deturpada da democracia - mas que vai tomando ares de totalitarismo disfarçado -, a idéia de um Rei nos aparece como algo totalmente estranho. Alguns associam de tal modo a Monarquia com a Tirania que a estranheza por chamar Jesus de Rei parece ser como que recalcada, impedindo desse modo uma reflexão mais séria a este respeito.

Jesus é Rei, ou seja, o Seu modo de governo é uma Monarquia, o que já nos deveria ser o suficiente para nos fazer entender a bondade intrínseca ao Império. Ao reconhecermos a realeza de Jesus sobre o universo, estamos a dizer que Ele é senhor absoluto de tudo quanto existe. Logo, não há lugares, dimensões, aspectos do mundo e da vida que sejam absolutamente autônomos, isto é, que possam esquivar-se do domínio d'Ele. Jesus é o criador de tudo quanto há e, além de ter criado, Ele sustenta na existência todas as coisas, de modo que se por acaso Ele cedesse aos nossos caprichos e retirasse a sua atividade de certas áreas da existência humana, essas mesmas áreas cessariam no mesmo instante de existir.

Hoje advoga-se que a religião deve restringir-se a foro íntimo e que não deve se meter em política, em ciência, etc. Pois bem. Ao dizê-lo, essas pessoas estão a negar que Nosso Senhor seja Rei do universo. E, além disso, se Ele por acaso "se retirasse" de tais campos, no mesmo instante eles deixariam de fazer sentido, pois o Cristo é o próprio Lógos, isto é, é o sentido de tudo quanto existe.

Se Jesus é Rei do universo, toda essa militância por retirá-lo da sociedade não faz o mínimo sentido. Ele possui autoridade sobre tudo e sobre todos. Portanto, a sua vontade deveria ser observada e obedecida em todo o seu Reino. Porém, quando caminhava conosco em Seu corpo mortal, Ele chegou a dizer que esse mundo estava sob o maligno. Há um princípio de revolta no universo que peleja contra Ele e, na medida em que o faz, instaura a falsidade e a mentira no mundo. Cristo é a própria verdade. Isto significa que tudo quanto se insurja contra Ele só pode ser falso. Cristo é o próprio bem. Isto significa que tudo quanto pretenda opôr-se a Ele será necessariamente ruim. Se Deus criou todas as coisas que existem a partir da Sua vontade, qualquer princípio que atente contra esta vontade é um princípio de não-existência, de frustração do ser, de negação e destruição. De fato, é este o intento do demônio que não veio senão para roubar, matar e destruir. E fazemos o papel deste quando, no auge da nossa insignificância, defendemos a autonomia seja da política, ou da ciência, ou do direito, etc. Divorciando de Deus certos aspectos da vida humana, nós estamos, na mesma medida, enxertando nesta vida camadas de mentira, de irrealidade, de inexistência e de frustração. Uma pessoa que se rebela contra a vontade divina contraria o seu próprio ser, impedindo-se a obtenção de uma unidade interior. Rebela-se, portanto, contra si mesmo. Querendo arbitrar sobre uma realidade já dada, ele opta por uma reinterpretação do que já existe, e forçosamente cairá em mentiras e falsidades. Rebelando-se contra Deus, se rebelará contra a raiz do seu próprio ser, e é importante frisar que o mundo não reconhecerá este nosso falso senhorio, de modo que não é pela projeção de nossa mentira no mundo que o mundo passará a ser como o pensamos. Não é por supor que a satisfação egoísta dos nossos desejos nos trará a felicidade que isso irá ocorrer. Na verdade, quando nos esquivamos à vontade divina, o nosso próprio ser mais profundo se nega a aderir a essa nossa disparatada empresa, pois há em nós um algo que é profundamente verdadeiro e que, ainda que não o alcancemos e nem o percebamos, está lá, intocado e totalmente à prova de quaisquer dissimulações e tentativas de manipulação.

Celebrar, pois, a festa de Cristo Rei é celebrar o fato de que Jesus tem um domínio absoluto sobre tudo e de que a Sua vontade é a condição do bem e da verdade. Por isso Nosso Senhor nos ensinava a pedir: "seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu", pois a vontade divina, se realizada plenamente, significará a realização mais profunda e mais perfeita da felicidade humana e o bem de todas as criaturas.

Porém, fomos feitos criaturas livres e, logo, podemos aceitar ou negar esta vontade. A verdade é que, por mais que a queiramos fazer, há em nós ondas de revolta contra esta vontade. Nosso egocentrismo nos põe em luta contra Deus. Sempre que pecamos estamos justamente a gritar, com os nossos atos, que Deus não reina sobre nós e que não queremos este reinado. E é por isso que o pecado é uma fonte de inferno para nós. Ele é a perpetuação do fracasso na nossa vida e continuamente nos ameaça com a possibilidade de uma frustração eterna. Por isso, se quisermos agir como servos de Cristo Rei, é preciso que nós movamos uma contínua e diligente luta contra os focos de revolta dentro de nós. Identificar tais focos e lutar estratégica e inteligentemente para vencê-los deve ser o grande trabalho dos cristãos, pois, conforme diz a Escritura, "é uma luta a vida do homem sobre a terra", e, por sua vez, diz São Paulo: "Os que são de Jesus Cristo crucificaram a sua carne com suas paixões e concupiscências". São precisamente estas paixões e concupiscências que movem guerra contra Deus.

Quando falamos de reino, naturalmente pensamos em uma organização social, e não estamos errados em fazê-lo. Mas, lembremos que a sociedade se constitui de indivíduos e que os atos destes têm origem no seu interior, como disse Jesus. Portanto, o Reino de Cristo começa na consciência humana. Uma consciência que assente a Ele inteiramente e, nesse assentimento, torna-se livre, pois é a Verdade que liberta, e não o erro. Quando supomos erroneamente que seremos livres quando dermos azo à nossa revolta, estamos fazendo justamente o contrário: optando por prendermo-nos no irreal, e o irreal não liberta. Isso deveria também ser uma lição para os que pensam que a santidade se faz a partir de altas imaginações. Não. A santidade é precisamente um estado de extrema fidelidade à realidade. E a realidade é justamente esta: tudo quanto existe inclui-se dentro do reinado de Cristo; até mesmo o inferno, onde Ele reina por Sua justiça.

Que nós, os cristãos, como súditos de tão Suma Majestade, possamos dedicar a nossa vida a servi-lo e a estender o seu Reino nas consciências. Deste modo, participaremos também do seu Reinado, pois, como diz a Santa Igreja, "servir a Deus é reinar".

A Ele, supremo Rei absoluto de tudo quanto existe, glória e honra eternos! A Ele, amor infinito e gratidão plena. Viva Cristo Rei!

Devemos adiar a Confissão?


É sempre dito que, na vida de um católico praticante, o Sacramento da Penitência ocupa um lugar semi-central. O centro estrito é a Eucaristia; porém, nem sempre estamos aptos a recebê-La, isto é, nem sempre a nossa alma está no estado de Graça. Quando este se perde, a alma se torna obscura e entra num estado de inimizade com Deus. Por causa disso, ela estará impedida de receber Jesus no Sacramento da Eucaristia.

Isso é seríssimo, pois, sendo a Eucaristia o próprio Deus, o católico se verá impossibilitado de receber Aquele que é a razão pela qual ele existe. É óbvio que uma pessoa que não comunga nem por isso está totalmente impossibilitada de Deus. Afinal, nós temos contato com Ele de vários outros modos: oração, meditação, peregrinação, mortificação, estudo, boas obras, etc. Porém, o modo mais perfeito, que deveria ser fonte de todos os outros e para o qual eles ordenam é a Santíssima Eucaristia.

Quando estamos impedidos de comungar devemos retomar o estado de Graça e é pela Confissão que nós o retomamos. Acredito que isto esteja claro. Porém, quando adentramos no campo da prática, então nos deparamos com uma infinidade de questões e pormenores: com qual padre devemos nos confessar? Qualquer um vale? E vou me confessar de novo com o mesmo padre e contar os mesmos pecados? Não seria melhor adiar a confissão e me confessar com aquele outro que, pelo menos, não me conhece? Se for o mesmo padre, o que é que ele vai ficar pensando de mim? E se o padre é meu amigo, então me será ainda mais importante o que ele pensa de mim.. Ainda: se o padre é meu amigo ou camarada, então eu tendo a dar menos credibilidade ao que ele fala. Ah, só há um padre e é justamente aquele que não sabe aconselhar.. Não é melhor esperar pelo outro que mais me agrada e que me fala coisas mais inspiradoras? etc...

Os subtefúrgios que encontramos para postergar a confissão são infinitos, mas eles geralmente têm uma mesma raiz: a proteção do nosso ego. Em geral, nós buscamos que aquilo que deveria consistir numa exposição dolorosa - porque expressão do nosso arrependimento - dos nossos pecados se torne, paradoxalmente, um caminho confortável para a retomada da vida sacramental. Nós como que provocamos dor em Deus, mas queremos retomar a amizade com Ele sem passar por desconfortos ou, pelo menos, minorá-los ao máximo. Que tipo de arrependimento é este que o sujeito só pensa em se preservar?

Muitas vezes, a razão para adiar a confissão pode nos parecer muito justa.. Porém, é importante olhar a sério para nós mesmos e flagrar sem dó se, na verdade, não se trata de mais uma fuga do desconforto. Os santos dizem que o amor próprio é o grande inimigo da vida espiritual, consistindo esta num ataque estratégico e ininterrupto a este amor desordenado de nós mesmos. Se assim é, muito melhor seria confessarmo-nos com um padre que já nos conheça, pois, desse modo, estaríamos muito mais pesarosos e envergonhados, ou seja, o nosso amor próprio receberia um golpe ainda mais duro. E isto dificultaria um tanto mais a nossa recaída. Mas o grande determinante ainda nem é este; o ponto central é que, enquanto estivermos no estado de pecado mortal, estamos mortos e é urgente que retomemos a vida. Por isso, não convém adiar, de modo algum, a confissão. Precisamos enfrentar a situação e a dor, encarando-a como parte da Penitência. Se nós tivemos a coragem e a ousadia de ofender a Deus por nossos pecados, preferindo a nossa satisfação ao amor d'Ele, é preciso que agora façamos o esforço contrário: demonstremos que amamos a Deus muito acima da proteção da nossa própria imagem.

Depois, que importa se alguém não cultiva boa impressão de nós? Para quem vivemos? Para Deus ou para a simpatia dos outros? E este é um ponto importantíssimo: enquanto formos cativos da atenção e simpatia das pessoas, estaremos sempre limitados e tendentes à falsidade, à dissimulação, ao respeito humano. A energia interior da autenticidade e da criatividade, a liberdade mais profunda, em suma, não poderá se manifestar e estaremos fadados à mediocridade. Que Deus nos liberte desta divisão interior que é escravidão.

Por fim, o Olavo fala bastante do "senso das proporções". Pois bem.. Coloquemos as coisas numa balança: há alguma comparação entre a Graça Santificante - que receberemos pela confissão bem feita - e o pequeno desconforto que teremos em contar os nossos pecados e em ouvir, no máximo, algumas reprimendas muito justas? Por uma coisa tão pequena, ganharemos a semelhança com Deus, a amizade com Ele. Ora, estas realidades não têm preço.. Ainda que dedicássemos a vida inteira a boas obras e vivêssemos como mendigos penitentes, ainda assim não teríamos a mínima possibilidade de produzir um só lume da Graça Santificante. E, mesmo assim, ela nos está disponível por meio de tão pequeno esforço. Deus no-la dá por tão pouco. Não enganemos a nós mesmos. Não nos exponhamos à condenação eterna por caprichos disparatados.  O quanto vale a nossa reputação? Não vale nada.. Vale menos que um sonho... E mesmo que valesse, o que adianta ganhar a simpatia de todos se viermos a perder a vida? Quando Deus nos oferece a Sua amizade, maluco é quem não a aceitar. Não nos fechemos à misericórdia.

Fábio.
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