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Ainda sobre as excomunhões


Vi aqui e ali alguns sugerirem que eu estaria "julgando" ou "excomungando" as pessoas, quando mais não faço do que repetir o ensino da Igreja. Tratemos das duas idéias, começando pela última.

A Excomunhão de que se trata é automática e está vinculada à defesa e promoção do aborto e do socialismo. Outro modo de excomunhão automática é a filiação à maçonaria, por exemplo. 

A Excomunhão automática dispensa que alguém o declare, pois é, exatamente como o nome diz, "automática". Ocorre junto com o ato proibido. Se, depois disso, alguém comunica à pessoa que ela excluiu-se da comunhão da Igreja, não é esta pessoa quem a está excomungando; ela está apenas lhe esclarecendo sobre o efeito dos atos cometidos. Não há nisso aí qualquer erro ou falta de compaixão. Muito pelo contrário. Está-se apenas a dizer o que se deu na ordem dos fatos! O mesmo se fez com o ocorrido em Alagoinha, Pernambuco, onde o arcebispo Cardoso Sobrinho apenas comunicou a excomunhão efetuada sobre os que provocaram o aborto na menina que estava grávida. Não foi o bispo quem os excomungou; ele apenas os deixou consciente do que já havia ocorrido.

Quanto ao segundo ponto, o de que estamos julgando as pessoas, aqui convém dizer o seguinte: o julgamento que há aqui é o julgamento dos fatos que consiste em dizer o que ocorreu ou o que deixou de ocorrer e sobre a moralidade do ocorrido - e não sobre as intenções. Ninguém está clamando fogo do céu - como alguém sugeriu que estivéssemos fazendo -, mas, muito pelo contrário, tivemos o interesse de escrever um texto esclarecendo quais os passos que deveriam ser dados para o restabelecimento da comunhão com a Igreja. Talvez fomos o únicos a fazê-lo porque estávamos de fato movidos por compaixão. Queremos ver os que erraram reconciliados com Deus. E, por querê-lo, somos julgados por alguns sujeitos como aqueles que querem excomungar os outros. Não deixa de ser irônico: sermos julgados por quem nos acusa de estar julgando. Não nos pronunciamos sobre as intenções de ninguém, e, no entanto, os críticos apreciam supor as mais diversas intenções nas nossas entranhas. A falta de compreensão do ocorrido, o não entendimento do objetivo dos nossos textos e ainda a suposição nada generosa sobre quais sejam as nossas intenções apenas demonstra o estado lamentável dessas almas. E isso é apenas outro fato constatado, pois o agir segue o ser.

Mais uma vez recomendamos aos que foram excomungados automaticamente que se conscientizem da sua condição e cumpram os passos necessários para a plena volta à Igreja. Lembramos também que a excomunhão só ocorre se os sujeitos conheciam as causas do desaprovo da Igreja e a punição que lhe seria imputada no caso do voto.

"Aos novos excomungados" ou "aos ex-católicos que votaram no PT"


Senhores e senhoras, concluídas as eleições, tivemos de assistir com não pouco pesar a vitória do assim chamado "Partido dos Trabalhadores", embora as coisas ainda estejam a correr. 

Se os senhores, até ontem, eram católicos e mesmo assim optaram por este partido, quero comunicar-lhes que, se estavam conscientes das razões pelas quais a Igreja execra certos objetos de defesa desse grupo, e, mesmo assim, obstinaram-se em votar nele, fazendo pouco caso das advertências, os senhores foram devidamente excomungados. Os motivos para isso, eu os descrevo neste artigo: (Por que um católico não pode votar no PT).

E aqui nós temos duas possibilidades. 

A primeira, que é relativamente a mais provável, é que os senhores ignorem essas verdades e sigam a sua vida como "católicos". Contudo, a vida católica é exatamente isto: uma vida. É preciso ter um princípio vital interno e espiritual animando o católico e do qual ele não é a causa direta. Do contrário, ele será um cadáver que se move. O fato de frequentar as missas e demais reuniões religiosas, ou de até exercer algum cargo ou função, não é suficiente para fazer de alguém católico. E cada vez que comungarem, estarão cometendo Sacrilégio. O Catecismo explica o que é isso:

"O Sacrilégio consiste em profanar ou tratar indignamente os sacramentos e as outras ações litúrgicas, bem como as pessoas, as coisas e os lugares consagrados a Deus. O sacrilégio é um pecado grave, sobretudo quando cometido contra a Eucaristia, pois neste sacramento o próprio Corpo de Cristo se nos torna substancialmente presente." (2120)

Não é por estar junto ao corpo que um ente se faz membro do corpo. Um relógio, por mais que esteja estreitado ao braço, nem por isso torna-se parte do corpo. Não possui vida. Uma pessoa excomungada foi excluída da comunhão dos santos. Ela não é católica, pois renegou a sua Fé. Os efeitos disso não se notam sensível ou psicologicamente. Os senhores podem ter toda a convicção do mundo de que estão em boas relações com Deus. No entanto, se a Igreja católica está correta, na verdade os senhores cortaram radicalmente essas relações. E, se a Igreja não está correta, por que então os senhores insistem em dela se dizerem parte? A vossa incoerência é flagrante.

O tipo de excomunhão de que aqui se fala é o que a Igreja chama de "Latae Sententiae", e que traduz-se comumente por "automática". É um tipo de excomunhão que é concomitante ao ato proibido. Em praticá-lo, portanto, o católico decide livremente excluir-se da comunhão acima referida. Ele não é mais católico, não importa o quanto insista em dizer que é. Ele não pode dar a si mesmo o que não tem. A vida católica não é adquirida ou conquistada pelo grau de convicção da pessoa. Ou ela é recebida ou não existe. No caso dos excomungados, ela lhes foi retirada, mesmo que ninguém mais o saiba. Portanto, o mais correto é que os senhores se adéquem à segunda possibilidade que descrevo abaixo.

Esta segunda possibilidade é a de que os senhores, devidamente arrependidos, procurem a Igreja e busquem a reconciliação com ela. No entanto, aqui residem outras dificuldades.

Primeiro que o arrependimento não pode ser meramente forçado. Ele deve vir de uma convicção real e sincera de que se errou. Para isto, é preciso informar-se. Endereço novamente os senhores ao artigo que escrevi anteriormente e a este outro, que informa a estratégia do Foro de São Paulo de dominar ditatorialmente a América Latina. Confiram também o twitter do Ditador Venezuelano Nicolas Maduro e vejam como ele comemora a vitória de quem ele considera uma companheira no processo de instauração da "Grande Pátria".

É preciso informar-se. O arrependimento virá da consciência clara de que se errou. Se os senhores ainda pensam ser o socialismo algo defensável, tal ingenuidade os equipara aos débeis. Informem-se melhor a respeito de todos os regimes ditatoriais socialistas que aconteceram na história.

O arrependimento sincero também inclui duas coisas: detestar o erro que se cometeu e se propor a não mais cometê-lo. Isto significa que não há sentido confessar-se e prosseguir sendo simpático à idéia socialista. Isso dificulta algumas coisas, pois, como se vê, ou o arrependimento é sincero e nasce no íntimo, numa atitude profundamente livre, ou ele não é real. Por isso, os senhores, se se encontram nesta dificuldade, devem estudar os motivos pelos quais a Igreja condena esta teoria e devem também pedir a Deus a graça da contrição.

Considerando a possibilidade de que se arrependam devidamente, nos deparamos com um outro problema. Para voltar a ter comunhão com a Igreja, isto é, para voltar a ser católico, é preciso confessar-se com um bispo ou com um padre especialmente autorizado por ele. É o que diz o Catecismo da Igreja Católica:

"Neste caso, a absolvição não pode ser dada, segundo o direito da Igreja, a não ser pelo Papa, pelo Bispo local ou por presbíteros autorizados por eles." Em caso de perigo de morte, qualquer sacerdote, mesmo privado da faculdade de ouvir confissões, pode absolver de qualquer pecado e de qualquer excomunhão." (1463)

Além da relativa dificuldade de acesso aos senhores bispos, um certo contingente deles provavelmente desconsiderará o caso, julgando-o desnecessário e alarmante sem motivo, isso quando o bispo não for abertamente favorável ao socialismo. Por isso, é preciso que o que pretende retomar comunhão com a Igreja procure bispos tradicionais, e não qualquer um. Somente assim poderá restituir o que perdeu.

Tudo isto é muito sério, mas, se ainda assim, os senhores quiserem fazer troça, fiquem com a sua risadagem e recebam, desde agora, a recompensa por sua pretensão: esse senso equívoco de segurança e superioridade. No entanto, depois desta vida, que passa voando, a surpresa que terão não será muito agradável. De algum modo, julgarão ter sido jogados, de súbito, em algum desses regimes socialistas de cujas notícias a história nos faz conhecedores. E então verão, maximamente concretizado, o seu anseio. O inferno talvez pudesse ser definido como o lugar onde o comunismo reina sem impedimentos. Se é o que vocês querem, começaram muito bem. Se não, sigam o nosso conselho, que é dado como um ato de compaixão pela sua sandice, e restaurem a sua comunhão com a Santa Igreja.

Saborear a cruz - S. Rafael Arnaiz Baron, monge trapista

A cruz de Cristo! Que mais posso dizer? Não sei orar, não sei o que é ser bom, não tenho espírito religioso, pois estou cheio do mundo. Só sei uma coisa, uma coisa que enche a minha alma de alegria, apesar de me ver tão pobre de virtudes e tão rico em misérias; sei apenas que tenho um tesouro que não trocaria por nada nem por ninguém: a minha cruz, a cruz de Jesus, essa cruz que é o meu único repouso. Como explicar isto? Quem não experimentou, não pode sequer suspeitar do que se trata.

Ah, se todos os homens amassem a cruz de Cristo! Se o mundo soubesse o que é abraçar plenamente, verdadeiramente, sem reservas, em loucura de amor, a cruz de Cristo! Tanto tempo perdido em conversas, devoções e exercícios que são santos e bons, mas que não são a cruz de Jesus, não são o que há de melhor.

Pobre homem que não prestas para nada, que não serves para nada, que arrastas a tua vida, seguindo como podes as austeridades da regra, contentando-te em esconder no silêncio os teus ardores: ama até à loucura o que o mundo despreza por não conhecer, adora em silêncio essa cruz, que é o teu tesouro, sem que ninguém se aperceba. Medita em silêncio diante dela nas grandezas de Deus, nas maravilhas de Maria, nas misérias do homem. Prossegue a tua vida sempre em silêncio, amando, adorando e unindo-te à cruz. Que queres mais? Saboreia a cruz, como disse hoje de manhã o senhor bispo. Saborear a cruz!

in Escritos espirituais, 03/IV/1938

Fonte: Senza Pagare

A Sola Scriptura é suicida.

Procurando onde tem a Sola Scriptura na Bíblia

O argumento da Sola Scriptura é: só o que está na Bíblia deve ser aderido.

Logo, quaisquer doutrinas ou costumes que não sejam explicitamente bíblicos devem ser rejeitados.

O problema é: a idéia da Sola Scriptura é extrabíblica. Assim, para sermos coerentes, a Sola Scriptura não deve ser aderida.

O princípio da Sola Scriptura é suicida, pois, alguém que o professe deve, ao mesmo tempo, rejeitá-lo. A Sola Scriptura exige que a Sola Scriptura seja renegada, pois não há fundamento para ela na Bíblia.

Sendo retirada de fora da Bíblia, a única possibilidade de ela ser mantida é aceitando que há verdades aderíveis fora da Bíblia. Assim, enquanto se crê que idéias extrabíblicas podem servir de fundamento, crê-se ao mesmo tempo que idéias extrabíblicas não podem servir de fundamento. É um exemplo radical de duplipensar, ato de pensamento que consiste em adotar idéias contraditórias ao mesmo tempo. Portanto, ou a Sola Scriptura é renegada de todo, ou cai-se em uma contradição evidente.

Inferno - Destruição ou Tormento Eterno?


A Escritura fala claramente sobre o Inferno. Mas, não obstante esta clareza, as posições divergem sobre o que seja ele seja. Há, de fato, muitas posições: se o inferno existe ou não existe, se é lugar ou estado, ou ambos, se é eterno ou provisório. Não iremos abordar todos estes problemas, pois isso levaria muito tempo. Queremos aqui apenas resolver essa última díade de questões: o inferno seria uma realidade em que sofrem eternamente os condenados, ou seria, antes, um lugar onde eles são destruídos e cessam de existir?
Notemos que esse problema está intimamente relacionado à querela sobre a imortalidade da alma, que é um assunto de que trataremos futuramente.

Vamos primeiramente a alguns argumentos contrários à perenidade do inferno:

1- Seria contrário à bondade de Deus, pois alguém ficar queimando eternamente é uma realidade imensamente cruel. Deus é amor. Logo, não permitiria isso.

2- Em Isa 33,11, se fala, numa passagem meio enigmática, de restolho, e Deus diz que um fogo o consumirá.

3- A palavra "inferno" vem de "inferii", que dá a idéia de um lugar inferior tão somente, e não de um lugar espiritual de tormento eterno. O sinônimo grego seria "hades", que pode indicar simplesmente a sepultura. O equivalente hebraico é "geena" que, antigamente relacionado aos sacrifícios aos ídolos, era, já na época de Jesus, um lugar onde eram colocados os lixos e os cadáveres de animais e, de tempo em tempo, esses restos eram queimados; talvez daí também a associação do inferno com o fogo. Outro termo usado era "sheol", também hebraico, mas mais relacionado à sepultura.

Bem estes são os principais argumentos, pelo que eu sei. Tentemos resolvê-los.

Quanto ao 1, é preciso saber primeiramente o que é o homem. No domínio da criação, há a dimensão espiritual e a dimensão material. O ser humano é um ser de transição: dotado de um corpo físico, possui uma alma espiritual. Esta alma é a sede da inteligência e da vontade, faculdades que APENAS seres espirituais possuem (Deus, os anjos e os homens). É próprio do espírito não ser corruptível, isto é, não destruir-se. Logo, a despeito da finitude dos corpos, a alma humana é imortal. Deus poderia destruir-nos, se quisesse. Mas Ele não renega as Suas criaturas. Se assim fosse, seria muito mais sábio e prático ter destruído o demônio tão logo ele tivesse se rebelado, já que Deus previa tudo o que viria em resultado daquela revolta. Talvez devêssemos ainda dizer que Deus deveria até ter se abstido de criá-lo, pois sabia o que ele viria a tornar-se. A criação e a permissão da vida do demônio apenas ganham sentido quando se percebe esta verdade: Deus não renega as suas criaturas.

Se somos imortais - e o somos -, isto não nos isenta de tomarmos uma decisão em favor ou contra Deus. No caso de vivermos em amizade com Ele, nos salvamos. Do contrário, Deus respeita a nossa escolha e nos permite passar a eternidade ausentes d'Ele. Veja aqui o ponto: não é Deus Quem condena, mas é a própria pessoa que decide ficar longe d'Ele. Ora, se Deus é a fonte de todo o bem, isto significa que não há bem fora d'Ele. Portanto, uma existência longe de Deus seria uma existência ausente de todo o bem. E isso, precisamente, é o inferno. O fogo, então, pode apenas simbolizar esse estado de sofrimento interno profundo em que vivem os réprobos.

Quanto ao 2, a passagem, como dito, é enigmática e o "fogo" é um símbolo de Deus, como se depreende do versículo 14: "Quem de nós poderá permanecer perto deste fogo devorador? Quem de nós poderá permanecer perto das chamas eternas?". O escritor fala de não conseguir permanecer perto. Ora, estas chamas são o próprio Deus. Quem não consegue ficar perto, afasta-se. À mesma pergunta, Isaías responde: "Aquele que procede bem e diz a verdade, que não quer um benefício extorquido, que não quer tocar um presente corruptor, que fecha os ouvidos aos propósitos sanguinários e cerra os olhos para não ver o mal. Semelhante homem habitará nas alturas." (33,15-16) Logo, este homem, o Justo, suportará aquelas "chamas eternas", pois o amor de Deus é como um fogo. (Dt 3,24; Hb 12,29)

Sobre o "restolho", ele não simboliza as pessoas, mas as ações das pessoas, o que faz lembrar de perto a passagem de 1Cor 3,11-15, e que os católicos associam ao Purgatório. Portanto, não dá pra provar muita coisa por aí.

Quanto ao 3, os termos usados para referir-se à realidade celeste são sempre emprestados do comum dos ouvintes. O céu é como um fermento, é como um tesouro escondido, é como uma mulher que encontra uma moeda perdida, é como uma água que sacia para sempre, é como uma festa, etc. Portanto, é óbvio que, para referir-se ao inferno, Nosso Senhor teria de usar termos conhecidos. Quando, por exemplo, queremos nos referir ao céu, para que lado olhamos? Para baixo? Para o lado? Não. Para cima, não é? E, no entanto, o Céu não está geograficamente lá em cima. Falar das "coisas do alto", ou Jesus dizer que Ele é "de cima", indicam que estas coisas ou a procedência de Jesus são elevados. Mas errará quem imaginar isso no sentido literal. Portanto, em chamar o estado de condenação de inferno, quer-se dizer que este estado é inferior. Cada nome é um símbolo: geena porque eles são atormentados como que pelo fogo, e sheol porque, comparados ao estado dos bem aventurados, os réprobos vivem uma contínua morte. Lembremos ainda que o grego Hades não tinha a conotação de inconsciência. Basta ler os gregos clássicos para notar que eles criam em consciência póstuma. Essa era, inclusive, uma das esperanças de Sócrates.

Vamos agora às evidências de que os condenados estão bem acordados.

Primeiro, lembremos: não há nenhuma necessidade de restringir o campo da discussão a querelas escriturísticas, pois não professamos a Sola Scriptura que, segundo já escrevemos vez e outra (aqui), não tem sentido. Mas, como a idéia é convencer os que a professam, fiquemos neste âmbito.

Primeiramente, lembremos da parábola do Rico Epulão e do pobre Lázaro, em Lc 16. 19-31. Seguindo a idéia que expusemos acima, Jesus não iria criar uma estória sem qualquer relação com a realidade. Ele falava de idéias já comuns aos judeus, e é óbvio que Ele não se ia dar ao luxo de inventar um contexto para a história que fosse de todo falso. É óbvio. Em todas as parábolas, o contexto é real. Também nessa ele o é. E, como vemos, o rico, depois da morte, está sendo atormentado de modo que pede para que Lázaro venha refrescar-lhe a boca com o dedo molhado. Ora, há atividade consciente nele. Há pedidos, há percepção, há dor.

Isso se coaduna infinitamente melhor com a descrição que o próprio Jesus faz das "trevas exteriores": "ali haverá choro e ranger de dentes" (Mt 8,12; Mt 22,13, Mt 25,30, Lc 13,28). Primeiro, pensemos no que significa a expressão "trevas exteriores". Como se sabe, as trevas não possuem uma natureza objetiva. Pelo contrário, elas são a ausência da luz. E o termo exterior é um termo puramente relacional que só faz sentido enquanto contrastado com a expressão interior. Exterior é o que está fora ou não participa de algo. Note que o modo de referir-se ao inferno é sempre como realidade negativa, isto é, como dimensão à qual faltam as características do céu. Ele é ausência de Deus e é exclusão da vida beatífica.

As trevas não significam, portanto, inexistência, mas inimizade com Deus, ausência de Deus. Cf. Col 1,13; 1Pe 2,9; 1Jo 1,6.

Lembremos das virgens imprudentes que, por não terem óleo, não são destruídas, mas somente excluídas do convívio com o Noivo. (Mt 25,1-13)

Judas é ainda mais claro. Depois de falar dos que seguiram o caminho de Caim, e dizer que estes estão duas vezes mortos, ele escreve: "estrelas errantes, para as quais está reservada a escuridão das trevas para toda a eternidade!" Analisemos. O que é uma estrela errante? É um astro que transita pela imensidade do universo, longe da luz do sol. É uma analogia belíssima. Ora, ainda que longe, o astro segue existindo. E quanto tempo dura essa existência nas trevas? Judas responde sem rodeios: "para toda a eternidade!". (13) Interessante ainda notar que ninguém pode ser destruído pelas trevas, rs..

Observemos também Judas falar dos "duas vezes mortos". Em geral, os aniquilacionistas pensam que a segunda morte será a destruição depois da Ressurreição. No entanto, Judas fala de pessoas que já são duas vezes mortas e, não obstante, seguem como "estrelas errantes".

Em segundo lugar, se há "choro e ranger de dentes" é porque há consciência e existência. Quem chora, chora por algo. O choro implica a consciência do motivo. E assim como o choro implica o "chorante", o ranger de dentes implica o rangedor e, também, o motivo. Note que o sofrimento é simultâneo à consciência.

Um outro argumento comumente usado contra os mortalistas se baseia na idéia de que é justo dar a diferentes crimes diferentes punições. Ora, os que defendem a segunda morte como uma destruição defendem que a mesma pena deverá ser dada a todos, o que, obviamente, é injusto. Depois de mortos, eles seriam ressuscitados e, então, depois de tomarem consciência dos motivos pelos quais iam ser mortos de novo, viria a destruição. Façamos um teste mental:

Imagine uma pessoa que tem o péssimo hábito de furtar pequenos pertences dos seus amigos. Ele vai na casa de um, e pega um carregador de celular; vai na casa de outro, e rouba uma estatueta; vai num terceiro, e lhe some 10 reais. Vai ainda num quarto, e lhe diminui um livro, etc. Essa pessoa, se não se ajeitar, não poderá salvar-se, correto?

Agora pensemos num daqueles soldados do ISIS, o Estado Islâmico, que matam de forma cruel - metralhando e decapitando com requintes de crueldade - todos os que encontram pela frente que não sejam muçulmanos.

Agora pense que, no fim do mundo, essas duas pessoas irão ressuscitar e, depois de uma breve conscientização do motivo pelo qual morrerão uma segunda vez, eles sejam destruídos igualmente. Isso, de fato, tem algum sentido? Isso é justo? Se encontrar dificuldades em resolver o problema ou em encontrar algum problema, faça a mesma pergunta a uma pessoa não religiosa.

É óbvio que existem diferentes graus de crimes, e, portanto, diferentes penas. É nessa intuição básica que se fundamenta inclusive o direito humano.

E para não nos alongarmos demasiado - pois estas e outras referências constarão no artigo sobre a imortalidade da alma que sairá em breve -, vamos a um argumento que eu penso ser definitivo.

Em Apocalipse 20,10, lemos: "o Demônio, sedutor delas (das nações dos quatro cantos da terra), foi lançado num lago de fogo e de enxofre, onde já estavam a Fera e o falso profeta, e onde serão atormentados, dia e noite, pelo século dos séculos."

Trechos assim não deveriam deixar dúvidas. Mas vamos lá. Os aniquilacionistas afirmam que este lago é um lago de destruição, espécie de matadouro. No entanto, há, só neste trechinho, pelo menos duas evidências para que não se pense dessa forma. Primeiro, que o próprio João especifica que eles serão atormentados - e não destruídos - dia e noite, pelo século dos séculos. Ora, a expressão "dia e noite, pelo século dos séculos" quer dizer, absolutamente, que isso não terá fim. Não existem possibilidades de interpretação alternativa a não ser descambando para um argumento desonesto. A coisa foi especificada assim porque ela é assim mesmo! Outro trecho fala de "desprezo eterno" (Dn 12,2), onde fica claro que há sofrimento e vergonha, e não destruição. O outro ponto é que, quando o Demônio é lançado no lago de fogo, a Fera e o falso profeta lá já estavam, ou seja, não haviam sido destruídos, mas estavam padecendo. E quando foi que a Fera e o falso profeta foram lançados lá?

Em Ap 19, 20: "Mas a Fera foi presa, e com ela o falso profeta, que realizara prodígios sob o seu controle, com os quais seduzira aqueles que tinham recebido o sinal da Fera e se tinham prostrado diante de sua imagem. Ambos foram lançados vivos no lago de fogo sulfuroso."

Depois disso, o Demônio é preso por mil anos (Ap 20,2). No versículo 7, depois de mil anos, Satanás é solto. E aí, depois de mil anos é que ele é lançado no lago onde já estão a Fera e o falso profeta. Mil anos e eles não haviam sido destruídos? Ora, é óbvio então que o lago de fogo não pretende destruí-los mas simplesmente atormentá-los, exatamente como é dito.

Fábio.

De novo: Batismo por imersão, por efusão e infantil. Evidências.

Imagem supostamente milagrosa onde a água do batismo toma a forma de um terço

Já escrevemos sobre o assunto aqui, mostrando a diferença fundamental entre o batismo de João Batista e o batismo inaugurado pelos Apóstolos, que é o batismo cristão. Logo, não há porque regrar um pelo outro. Mas, pressupondo aquele texto, que sugerimos que o leitor veja antes deste, eu gostaria de trazer essas evidências de batismo cristão sem ser por imersão já nos primeiros séculos, bem antes de Constantino.

A primeira evidência, já descrita no outro texto, se refere ao episódio imediatamente posterior a Pentecostes. Pedro toma a palavra e converte cerca de três mil pessoas. Eles estavam em Jerusalém. Logo depois da pregação, os que os ouviam perguntaram: "Que devemos fazer, irmãos?" (At 2,37), ao que Pedro responde: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para vós, para os vossos filhos e para todos os que ouvirem de longe o apelo do Senhor, nosso Deus." (At 2,38-39) O episódio é concluído assim: "Os que receberam a sua palavra foram batizados. E naquele dia elevou-se a mais ou menos três mil o número de adeptos."

Antes de falar propriamente do batismo por efusão, notemos algumas coisas neste texto:

- É Pedro quem fala em nome da Igreja - Pedro é o Papa;

- O batismo dá o dom do Espírito Santo; portanto, não é meramente simbólico. Nele, ocorre algo real, concreto, ontológico: a doação do Espírito Santo. É a realização do que disse Jesus a Nicodemos: quem não renascer da água e do Espírito não pode herdar o Reino dos Céus; portanto, diferente do que dizem os protestantes, que afirmam ser o batismo uma simples ordenança, ele tem ligação necessária com a salvação (Cf. 1Pe 3,21);

- O batismo causa a remissão dos pecados. Existem dois tipos de pecado: os que cometemos e os que herdamos de Adão. Logo, embora a criança não tenha os primeiros, possui o segundo, que é suficiente para vedá-la o acesso a Deus, e que foi a razão da Redenção. Logo, também as crianças devem batizadas para que lhe seja perdoado o pecado original e possa, recebendo o Espírito Santo, que é o Espírito de filiação, salvar-se;

- A idéia do batismo infantil é reforçada em Pedro dizer que a promessa não é apenas para os pais, mas também para os filhos; portanto, o batismo não faz acepção de idade;

- A mesma idéia é sugerida ainda por vários outros textos em que os apóstolos aparecem batizando "toda a casa"; logo, também as crianças;

- Os adeptos são ditos tais depois do batismo. Portanto, o batismo deve estar no início da vida cristã, e não no meio.


Repetimos agora o que dissemos no outro artigo: em Jerusalém não havia rios. Portanto, não é possível que aquelas três mil pessoas tenham andado 43 quilômetros até o Jordão para serem batizadas. Eles o foram ali mesmos. Não havendo rios, o batismo não foi, obviamente, por imersão.

A Didaché, escrito do século I, traz igualmente a possibilidade de o batismo ser por efusão:

"Na falta de uma (água corrente) ou outra (água parada) [para imersão], derrame três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Did. VII, 3)."

Lembramos que a Didaché é um escrito cristão cuja autenticidade é reconhecida por quaisquer estudiosos, católicos ou não. É fora de dúvida que é autêntico. Portanto, isso prova irrefutavelmente que os cristãos, já no século I, admitiam outras formas de batismo.

Uma outra evidência para isto vem de uma imagem da Catacumba de Domitila, do final do Séc. III, isto é, entre 250 e 300 d.C. Reforçamos que isto é anterior a Constantino, que é o Imperador que os protestantes gostam de dizer, sem nenhum fundamento, que foi o responsável pela suposta corrupção da cristandade - que obviamente nunca ocorreu. Lembremos: as catacumbas eram os lugares onde os cristãos se escondiam das perseguições. Elas hoje nos dão variadíssimas informações sobre a vida e a Fé dos primeiros; sobre as imagens que eles produziam e sobre costumes que eram comuns entre eles. Abaixo, ponho a imagem de uma Pia Batismal encontrada na referida Catacumba:

A imagem ao fundo é um poço, e a da direita embaixo é uma pia batismal.

Se percebe claramente que ninguém pode mergulhar nisso aí, a menos que seja bem infante. E, se fosse o caso, estaria provado o batismo infantil.

Ah, e por falar nisso, ainda no século III, encontramos também a gravura de um batismo infantil na Catacumba de São Calisto. Confira:


De onde tirei a imagem e a datação: Fonte 1, Fonte 2, Fonte 3, Fonte 4, Fonte 5

Note que a imagem acima serve pra provar duas coisas: que o batismo infantil ocorria e que não precisava ser por imersão. Não deixa de ser engraçado, então, que sites protestantes, ironicamente ostentando o título de "compromisso com a verdade", mintam descaradamente, dentre outras coisas, datando, de modo totalmente arbitrário, o início do batismo infantil no ano 416, século V, quando todas as evidências, históricas e teológicas, mostram que o batismo infantil data do início da Igreja.

Veja o que diz Sto Irineu de Lião, já no Séc. II:

"Jesus veio salvar todos por meio d'Ele mesmo, quer dizer, os que através d'Ele nasceram de novo de Deus: os recém-nascidos, os meninos, os jovens e os velhos" (Adversus Haereses, 2,22.4)

Em inglês

"For He came to save all through means of Himself-all, I say, who through Him are born again to God -infants, and children, and boys, and youths, and old men." Fonte: Early christian writings

Já Orígenes, também no Séc. II e início do III, escreve:

"A Igreja recebeu dos Apóstolos a tradição de dar batismo também aos recém-nascidos. Pois eles a quem os segredos dos divinos mistérios foram comprometidos estavam conscientes de que em todo mundo estava a contaminação inata do pecado, que precisava ser lavada através da água e do Espírito." (Comentário sobre a Epístola aos Romanos, Livro 5, 9, 11)

Em inglês

"The Church has received the tradition from the apostles to give baptism even to little children. For they to whom the secrets of the divine mysteries were commited were aware that in everyone was sin's innate defilement, which needed to be washed away through water and the Spirit." (Commentary on the Epistle to the Romans, Book 5, 9, 11)

São Cipriano, no século III, diz:

"Não se o deve proibir (o batismo) à criança, que, ainda recém nascida, em nada pecou, a não ser na medida em que, nascida de Adão segundo a carne, contraiu o contágio da morte antiga pelo primeiro nascimento, e que por isso mesmo mais facilmente se aproxima da remissão dos pecados porque lhe são perdoados não os pecados próprios, mas os alheios" (Carta a Fido)

Interessante notar essa relação que Cipriano explicitamente faz do batismo e da graça conferida por meio dele. Isso prova que, desde o início, a compreensão do batismo é bem católica.

Observe agora esta outra imagem - que não dá pra discernir se é criança ou adulto pelo desgaste da figura ao lado. Mas, como o braço, e não só a mão, está na altura da cabeça, ao invés de vir de baixo pra cima, como ocorreria se fosse um adulto o batizado, pode-se supor com algum grau de probabilidade que o batizante é bem maior que o batizado, o que sugere a possibilidade de este ser uma criança - retirada das Catacumbas de São Marcelino e São Pedro, também do terceiro século:



Fonte da Imagem, Fonte 2, Fonte 3

Perceba que ele também não é feito por imersão.

O Dicionário da Bíblia Oxford diz o seguinte:
"Evidências arqueológicas dos primeiros séculos mostram que o batismo era às vezes administrado por submersão ou imersão... mas também por efusão de um vaso quando água era derramada na cabeça do candidato..."

A História do Cristianismo edições Cambridge afirma que esse costume de derramar água três vezes na cabeça do batizando era um costume comum:

"A Didache (...) assume que a imersão era normal, mas ela permite que se água suficiente para imersão não está à disposição, a água pode ser derramada três vezes sobre a cabeça." e ainda "Este último deve ter sido um arranjo frequente, pois corresponde à maioria das representações do batismo dos artistas dos primeiros séculos. As primeiras casas de encontros cristãos conhecidas por nós, em Dura Europos, no Eufrates, datando do início do século III, contêm uma bacia muito rasa para imersão." (p.160-161)
Mas não se pense que o batismo por imersão não é praticado pela Igreja. Abaixo, imagem de batismo por imersão na Igreja Católica:



Inclusive, a coisa é tanta o reverendo W. A. McKay, talvez pelas evidências históricas de batismos por efusão, escreveu um trabalho acusando a Igreja Católica Apostólica Romana de ter inventado o batismo por imersão! Cada um com suas maluquices, não é? Mas ele se baseia num argumento curioso. Escreve ele, nesse livro que traz o longo nome de "Imersão provada não ser um modo de batismo da Escritura mas uma invenção romana e imersionistas mostram desconsiderar a autoridade divina em recusarem o batismo aos filhos infantes dos crentes", referindo-se ao batismo do Eunuco realizado por Felipe em At 8,38-39, único testemunho bíblico mais explícito do batismo de cristãos:

"Onde está a evidência de que o eunuco foi mergulhado? 'Porque', grita o Batista, "ele desceu com Felipe à água e depois saíram de novo. Mas não é tal insignificância razoável com o senso comum? Milhares não descem à água e saem de novo sem mergulharem na água? Isto não está dizendo que Felipe desceu à água e saiu tanto quanto o eunuco? Eles 'ambos' foram. Se então eles provam que o eunuco foi imergido, eles provam que também Felipe foi imerso." (Immersion proved to be not a scriptural mode of baptism but a romish invention and immersionists shewn to be disregarding divine authority in refusing baptism to the infant children of believers, p. 47)

Interessante que enquanto uns acusam a Igreja de ter inventado o batismo por efusão, outros a acusam de ter inventado o batismo por imersão, rs. Mas, enfim, depois de tudo isso, a conclusão inelutável é a seguinte: o batismo pode ocorrer tanto por imersão quanto por efusão, e os primeiros cristãos batizavam sim crianças.

Quem é a "Mulher" do Gênesis e do Apocalipse?


Os nossos irmãos protestantes, já que em sua maioria não partilham do amor devocional à Virgem Santíssima, tendem a não enxergar na Bíblia referências a ela a não ser que estas sejam feitas de modo explícito e inequívoco. Do contrário, estarão sempre procurando interpretações alternativas. É o que ocorre, por exemplo, com expressões usadas no livro do Gênesis e do Apocalipse.

Primeiramente, vamos aos trechos:

Logo após a Queda, Deus promete aos nossos pais, numa primeira referência ao Cristo, que se chamará "Protoevangelho", que Ele enviará Alguém que esmagará a Serpente, símbolo do Diabo. Vejamos:

"Então o Senhor Deus disse à serpente: 'Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais e feras dos campos; andarás de rastos sobre o teu ventre e comerás o pó todos os dias de tua vida. Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar." (Gn 3,14-15)

Vamos agora ao Apocalipse:

"Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava em dores, sentindo as angústias de dar à luz. Depois apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete coroas. Varria com sua cauda uma terça parte das estrelas do céu, e as atirou à terra. Esse Dragão deteve-se diante da Mulher que estava para dar à luz, a fim de que, quando ela desse à luz, lhe devorasse o filho. Ela deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro." (Apo 12,1-5).

Primeiramente, observemos as relações entre os textos:

a) Os livros são respectivamente o primeiro e o último da Bíblia, o que dá uma idéia de que essa relação aí narrada atravessa toda a história;
b) Nos dois trechos, aparece a figura da Mulher e a da serpente ou dragão;
c) Nos dois trechos, há inimizade entre as duas figuras;
d) Nos dois trechos, faz-se referência à descendência da Mulher;
e) Tanto Gênesis quanto Apocalipse prenunciam a vitória contra a serpente.

Os protestantes costumam ver nessa mulher a figura da Igreja. Os católicos também o fazem, mas não exclusivamente. Quanto ao Gênesis, de fato, a Igreja será considerada a Nova Eva, nascida do lado aberto do Novo Adão, o Cristo, pendente na Cruz. Quanto ao Apocalipse, a Mulher aí referida simboliza, também, a Igreja, a Jerusalém Celeste, vestida do Sol, que é o próprio Jesus. No entanto, há uma outra característica que está em ambas as imagens e que geralmente os protestantes tendem a não colocar muita atenção: A mulher é mãe do Cristo. Ora, a Igreja não é Mãe de Cristo. Ela costuma ser chamada de Corpo Místico (Efe 5,23; 30; Rm 12,4-5; 1Cor 12,12-27); , ou de Noiva (Efe 5,25; Apo 21,2; 9; 22-27), mas nunca de Mãe.

E que ela é Mãe do Cristo, se percebe nos dois textos:

No do Gênesis, depois de Deus afirmar que poria inimizade entre a serpente e a Mulher, entre a descendência da primeira e a descendência da segunda, Ele diz que esta lhe esmagará a cabeça. Vamos pensar: quem é que vai esmagar a cabeça? O pronome "esta", próprio da Nova Vulgata (Ipsum), é um termo neutro referente ao substantivo neutro "descendência". Na Vulgata de São Jerônimo, o pronome usado era "ela" e parecia indicar, não a descendência, mas a Mulher. A tradução correta é a primeira, o que é evidenciado quando se confere o original hebraico hu' (הוּא), que é um pronome masculino referente ao substantivo masculino hebraico para "descendência",  zareah' (זַרְעָהּ), regido também por um verbo masculino. Isso pode ainda sugerir que a descendência da Mulher seria um homem. Também o grego da Septuaginta traz o pronome masculino "este" (αὐτός), o que deixa claro que a referência literal não é à Mulher. Mas este que irá esmagar a cabeça da serpente, que é o Cristo, é de fato filho da Mulher. Logo, a Mulher deve necessariamente ser Maria, já que a Igreja não é Mãe do Cristo.

O Apocalipse confirma a identidade masculina da descendência: "Ela deu à luz um Filho" e dá os sinais para que discirnamos a Sua identidade: Ele é "Aquele que deve reger todas as nações com cetro de ferro". Mais à frente, o mesmo livro afirma que este Rei traz escrito em Seu manto e em Sua coxa a inscrição: "Rei dos reis e Senhor dos senhores" (Ap 19,15). Logo, trata-se mesmo de Jesus. De novo, a figura da Mulher deve simbolizar, e neste aspecto exclusivamente, a Virgem Maria, pois é Ela a única Mãe deste Rei. Interessante notar um outro ponto do texto: o dragão se detém diante da Mulher. O objetivo é devorar o Filho tão logo ele nasça. No entanto, se pensarmos bem, o dragão, diante de uma mulher qualquer, poderia tê-Lo matado ainda no ventre, ou até devorado a mãe junto. Aqui, mais uma vez, nota-se qualquer tipo de "autoridade" da Mulher com relação ao dragão, de modo que ele não avança sobre ela. Já no primeiro texto - o de Gênesis - fica patente que o próprio Deus colocou uma inimizade entre a Serpente e Maria. 


A Virgem Santíssima surge assim, para a cristandade, e mesmo para toda a história humana, como a grande inimiga do demônio. Foi sobre Ela que escreveu Salomão: "Quem é esta que desponta como a aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol, terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas?" (Ct 6,10), esclarecendo o seu ofício fundamental nesta guerra contra o mal. Ela gerará Aquele que esmagará a cabeça do diabo. Logo, a missão da Virgem é eminente, e pode-se dizer que ela toma parte nesse "esmagamento".

Foi por ter consciência desta missão de Maria tão íntima à do Cristo, e, de algum modo, até anterior à d'Ele, embora d'Ele efeito antecipado, como a aurora em relação ao sol, que a Vulgata Latina trazia, ao invés de um pronome masculino, o feminino "ipsa", referente à Mulher. Maria é Aquela diante da qual o demônio se detém. É aquela que o venceu desde o início.

É inclusive por isso que Jesus usa uma expressão aparentemente tão fria como "Mulher" quando a ela se refere. Se observarmos, todos os escritores bíblicos, quando tratam dela, sempre a chamam de "a mãe de Jesus". Isabel chega a chamá-la de "Mãe do meu Senhor". Em chamá-la "Mulher", Cristo, o mesmo que inspirou os escritores bíblicos, não pretende minimizar o seu papel, mas, antes, identificá-la como aquela Mulher referida desde o início, a inimiga natural do demônio, aquela que o venceu e diante da qual ele se detém.

Isto contudo, não impede a Satanás de guerrear contra a ela. O próprio apocalipse narra que, lançado à terra, perseguiu-a, e o livro do Gênesis mostra que ele chegaria a lhe ferir o calcanhar. No entanto, o dano que lhe causa é indireto, na medida em que fere aquilo pelo que Ela se importa: o restante da sua descendência (Cf. 12,17). Este restante somos nós, assumidos que fomos como seus filhos desde a Cruz. Participando da filiação do Cristo com relação à Virgem, somos associados a ela, de modo que nos tornamos, igualmente, inimigos do demônio. Nós somos o calcanhar da Virgem, a sua parte frágil. Mas, associados ao Cristo, o Rei forte que governa com cetro de ferro, haveremos de, com Ele, esmagar a cabeça deste inimigo.

Por que o católico não pode votar no PT? Ou vote e ganhe de brinde duas excomunhões.


Estamos numa época intensa de disputa eleitoral. O país todo veste suas camisas, faz seus apelos; debates vivos surgem aqui e ali. No entanto, dado o atual estado de coisas, o católico só pode ter uma opção: não votar no PT.

Tenho visto amigos em dúvida. Outros declaram abertamente adesão ao Partido dos Trabalhadores. Até padres revelam intenção de votar na senhora Dilma. E, não obstante, há sérios impedimentos que vedam ao católico esta possibilidade. Entendamos quais são eles:

Primeiramente, o PT é um partido abortista. Isso se vê de vários modos. Mas, apenas para ficar em um ou outro, voltemos ao ocorrido em 2009, quando o PT puniu dois dos seus deputados - Luiz Bassuma e Henrique Afonso - pelo crime nefando de se declararem contrários à descriminalização do aborto. Veja aqui.

Isso está de acordo com o Estatuto do PT, onde se esclarece que um integrante do partido deve estar "previamente de acordo com as normas e resoluções do Partido, em relação tanto à campanha como ao exercício do mandato", e, ainda, que um candidato que desobedecer alguma dessas normas ou resoluções "será passível de punição, que poderá ir da simples advertência até o desligamento do Partido com renúncia obrigatória ao mandato" (Estatuto do PT, art. 140, §1 e 2Leia o Estatuto na íntegra aqui. O citado está na página 34.

Dentre as resoluções que vinculam obrigatoriamente os candidatos do Partido, há uma, aprovada no 3º Congresso do PT, ocorrido em agosto e setembro de 2007, onde se propugna a "defesa da autodeterminação das mulheres, da descriminalização do aborto e regulamentação do atendimento à [sic] todos os casos no serviço público" dando às mulheres o direito de "assim optarem", tornando o aborto factível a partir de uma simples deliberação. As resoluções deste Congresso podem ser vistas aqui, sendo que o referido se encontra na página 82.

Além disso, é digno de nota o lamento feito pelo PT pelo fato de, já no corrente ano, terem-se elegido muitos parlamentares conservadores, aos quais o PT chama de "extrema-direita" - tudo o que não concorde com eles é extrema-direita. E o grande motivo disso é que tal estrutura "jurássica" do Congresso dificultará discussões sobre as uniões homoafetivas, a legalização da maconha, e o aborto. Veja aqui.

Se se quiser, ainda, comprovar a sanha abortista e imoral desse partido, com o qual um católico não pode, em situação alguma, coadunar, leia-se o Plano Nacional de Direitos Humanos 3, o PNHD-3, defendido pelo PT, onde, dentre outras coisas, se diz:

- "Considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde" e, mais abaixo, "recomenda-se ao Poder Legislativo a adequação do Código Penal para a descriminalização do aborto; (Diretriz 9, Objetivo Estratégico III, letra G)

- "Implementar mecanismos de monitoramento dos serviços de atendimento ao aborto legalmente autorizado, garantindo seu cumprimento e facilidade de acesso." (Diretriz 17, Objetivo Estratégico II, letra G)

Leia o PNHD-3 na íntegra aqui.

Veja ainda aqui o Dr. Yves Gandra falando a respeito desse Plano, já antecipando um pouco o segundo motivo pelo qual um católico não pode votar no PT: a tentativa de comunistizar o Brasil.



O aborto é um crime absurdo onde se mata o infante indefeso que está sendo gestado. Essas políticas de descriminalização tentam realizar uma revolução semântica em termos como "direitos reprodutivos", "violência sexual" ou "planejamento familiar", a fim de que tais expressões, ao mesmo tempo em que se isentam de causar reações adversas nas pessoas, incluam realidades como o suposto direito ao aborto. O Pe. Sanahuja explica: "mudar o significado e o conteúdo das palavras é uma estratégia para que a reengenharia social seja aceita por todos, sem protestar." E ainda: 


"Estamos em meio a uma batalha da qual uma das frentes mais importantes é a semântica. Por exemplo, temos visto que o termo paternidade responsável, na boca de um político, segundo os códigos universalizados pelas Nações Unidas, não terá o mesmo significado contido nos documentos da Igreja. No linguajar de alguns parlamentares poderia significar, segundo as circunstâncias, desde a distribuição maciça de contraceptivos até mesmo a intenção oculta de promover o aborto. O mesmo se poderia dizer da expressão violência contra a mulher ou mesmo do termo tortura, palavras que o comum das pessoas nem imagina que possam esconder uma referência ao suposto direito ao aborto e outras aberrações." (Mons. Claudio Sanahuja, Poder global e religião universal, São Paulo, Ecclesiae, 2012. p.15.)

Bento XVI, por sua vez, se pronunciou numa Audiência Geral, nos seguintes termos:

"Onde Deus é excluído, a lei da organização criminal toma seu lugar, não importa se de forma descarada ou sutil. Isto começa a tornar-se evidente ali onde a eliminação organizada de pessoas inocentes - ainda não nascidas - se reveste de uma aparência de direito, por ter a seu favor a proteção do interesse da maioria" (Bento XVI, Audiência Geral, 07-10-09)

Um católico não pode defender isso sob pena de excomunhão. De todos os direitos possíveis ao ser humano, o mais importante deles é o direito à vida, sem o qual todos os demais não têm sentido algum e o qual todos estes outros direitos pressupõem necessariamente. Defender a vida desde a sua concepção até o seu fim natural é um dever inescusável de todo católico.

A CNBB inclusive escreveu um texto aos católicos, fazendo uma busca retroativa dos passos do PT e da ex-candidata Marina Silva em favor da prática deste crime que clama aos céus. O texto conclui citando o bispo de Guarulhos, Dom Edmilson Amador Caetano, que, no final do seu artigo "Fé e Política", escreve: "se um candidato…escolheu um partido que tem posições contrárias à defesa da vida, desde a sua concepção até à morte natural, e vincula e obriga os seus membros a esta posição, seria imoral para o cristão fazer tal opção política.” Recomendamos vivamente a leitura deste texto, que pode ser lido aqui.

Leia ainda o pronunciamento do Papa Bento XVI, em 2010, onde, dentre outras coisas, ele diz:

"Quando (...) os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas. (...) Seria totalmente falsa e ilusória qualquer defesa dos direitos humanos políticos, econômicos e sociais que não compreendesse a enérgica defesa do direito à vida desde a concepção até a morte natural. Além disso, no quadro do empenho pelos mais fracos e os mais indefesos, quem é mais inerme que um nascituro (...)? Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto (...), o ideal democrático - que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana - é atraiçoado nas suas bases. Portanto, caros irmãos (...), ao defender a vida, não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambiguidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo." (Discurso aos bispos do Regional Nordeste V, em visita Ad Limina.)
Veja o discurso inteiro aqui.

Votar em um partido que defende e promove a prática do aborto significa tornar-se cúmplice moral de tal crime. Portanto, pune-se o católico que o fizer com a excomunhão automática, chamada Latae Sententiae, porque há como uma excomunhão latente no próprio ato de promoção do aborto. Assim, ainda que ninguém o saiba nem o declare, a excomunhão ocorre.

Assista ao Pe. Paulo Ricardo explicando isso:



A outra razão para que o católico não possa votar no PT é que ele integra o Foro de São Paulo. Este Foro, desconhecido pela maioria das pessoas, é uma organização supranacional, fundada em 1990, por Lula e Fidel - Cruz Credo! - e que tem por objetivo a instauração de um governo socialista em toda a América Latina.

Se alguém quiser observar por si mesmo como o PT faz parte do Foro, veja aqui.

Chamo a atenção, ainda, para os seguintes vídeos:





E aí, ganham sentido todos esses namoricos que o governo brasileiro tem com Cuba, Venezuela, Argentina, etc., e o próprio fato de o PNDH-3, que o PT quer implantar no Brasil, ser tão semelhante ao modelo venezuelano. Esses atos nada mais são senão um esforço de integração dos governos socialistas para que se acelere o processo de comunização do Brasil.

Sobre os gastos com o Porto de Mariel, em Cuba, assista:



Veja ainda esses vídeos




No que se refere ao Socialismo, a Igreja também é tão oposta que chega a declarar, também, excomungado quem de algum modo o promove. Leia o Decreto contra o Comunismo, datado de 1949, escrito pelo Papa Pio XII, aqui. Este Decreto não passa a excomungar o católico a partir de então. Pelo contrário, ele apenas positiva o que já era, desde há muito, a posição da Igreja. Já Pio XI, em 1931, na Quadragesimo Anno, uma Encíclica que celebrava os quarenta anos da grande Rerum Novarum, explicitava: "Socialismo religioso, socialismo católico são termos contraditórios : ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista." Quanto aos católicos que passavam a defender o Socialismo, escreve o Papa: "Nós com paterna solicitude ansiosamente vamos considerando e indagando como foi possível que chegassem a tal aberração", e ainda:
"Porém nem a injúria Nos ofende, nem a magna desalenta o Nosso coração paterno a ponto de repelirmos para longe de Nós estes filhos tristemente enganados e saídos do caminho da verdade e da salvação; ao contrário com toda a possível solicitude os convidamos, a que voltem ao seio da Santa Madre Igreja. Oxalá que dêem ouvidos à Nossa voz! Oxalá que voltem à casa paterna donde saíram e aí permaneçam na seu posto, nas fileiras daqueles que, fieis às directivas promulgadas por Leão XIII e por Nós hoje solenemente renovadas, procuram reformar a sociedade segundo o espírito da Igreja, fazendo reflorescer a justiça e a caridade sociais."

Leia-a inteira aqui.

Portanto, há pelo menos duas excomunhões escondidas no voto ao PT, e isso deveria ser para o católico um motivo mais que suficiente para que ele entendesse que há razões graves para não fazê-lo. Um católico que faz tal escolha declara, através de sua livre atitude, que não se importa e não defende a moral da Igreja em pontos gravíssimos, tais como são a defesa da vida desde a concepção e a discordância intrínseca a quaisquer formas de socialismo, um regime que, no decorrer da história, foi o responsável por não menos que cem milhões de mortos. Desse modo, por sua própria escolha, exclui-se da comunhão católica.

Fábio.

"De amor está se abrasando o que nasceu tiritando"


Nos dias que correm, temos o péssimo hábito de reduzir o existente ao percebido. Isso decorre de certas filosofias modernas que não convém trazer, aqui, à tona. Contudo, embora o homem comum, não versado nesses assuntos, tenda a concordar com a idéia, ela não resiste a um exame mais detido. Quando uma pessoa diz, por exemplo, que não acredita em Ets porque nunca os viu, ela está usando um argumento que, se levado a sério, a faria descrer de Deus. E, no mais comum das vezes, a pessoa que faz esses juízos é teísta.

Essas teorias, ainda quando não venham à margem da consciência, costumam influenciar o nosso modo de ver as coisas. Quem de nós nunca supôs adivinhar a disposição divina para conosco a partir do estado atual da nossa consciência e daquilo que percebemos em nós? Às vezes, uma pessoa angustiada porque errou tende a projetar essa auto-imagem que ela tem em Deus, e, então, supõe, a partir da sua autoconsciência, que Deus está tendo o mesmo tipo de atitude que ela tem consigo mesma. O contrário também ocorre: se fazemos atos bons, segundo os nossos critérios, a nossa tendência é supor que Deus também os considera tais. Contudo, isso tudo é muitíssimo frágil. Por que razão Deus adotaria a mesma reação que nós? Que tipos de garantia disso nós temos? Nenhuma... Se duas consciências humanas tendem a discordar na avaliação de fatos simples, imagine o que não acontece com duas consciências totalmente distintas como o são a nossa e a de Deus? Ele mesmo disse: "os meus pensamentos estão tão acima dos vosso pensamentos como o céu dista da terra."

A nossa percepção do mundo e até de nós mesmos é geralmente muito limitada. Há coisas que se passam no íntimo da nossa alma e que nos escapam mais ou menos completamente. É possível ir tomando consciência desses conteúdos, mas isso não se faz senão a partir de esforços, angústias e disciplina. Quando tratamos de Deus, então, ficamos sem muito apoio além daquilo que Ele mesmo revelou de Si. Como Deus é onisciente, é natural que as reações divinas sejam absolutamente não previsíveis por seres como nós que não conhecem quase nada. São João da Cruz, neste sentido, afirmava que não temos a mais mínima condição de saber se Deus está contente com a nossa ação. É claro que, se vivemos em pecados, podemos supor que Deus esteja desagradado de nós. No entanto, não saberemos a intensidade disso. Se, pelo contrário, julgamos estar vivendo bem, nem por isso podemos supor que Deus esteja feliz, pois vaidades, orgulho, auto-suficiência e outras realidades similares costumam esconder-se por trás das nossas ações e auto-imagem. Uma pessoa, por exemplo, que diz que não costuma pecar demonstra não possuir um grau mínimo de autoconsciência. Alguém que julgue que o Céu já lhe está devido, também não se entende sequer superficialmente. Esta inconsciência de si deve ser retirada aos poucos a partir da introspecção, orações e exercícios espirituais. Do contrário, quando ela for retirada bruscamente, por ocasião da morte, o estado mais provável do sujeito será o desespero, que é a causa de condenação de muitos, segundo o que Deus revelou a Santa Catarina de Sena.

As consequências do que foi dito até aqui são as de que nós podemos julgar Deus distante e acontecer de, na verdade, ele estar mais perto do que nunca. O contrário também pode ocorrer: afirmamos até sentir o toque divino e, na realidade, pode ser que não estejamos fazendo mais do que uma autoludibriação, enquanto Deus mantém-se "distante". Lembremos daqueles sujeitos que se surpreendem ao verem-se condenados: "Mas, Senhor, nós pregamos em teu nome e até expulsamos demônios!", isto é, "julgamos que estivesses felizes conosco e que nos fosses favorável". Contudo, a realidade foi bem outra: "afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade".

As realidades divinas, assim, não devem ser julgadas segundo critérios subjetivos. Não é o bem estar psicológico que será o sinal da que estamos concordes com Deus. 

Dito isto, podemos entrar no assunto específico deste texto. A frase que o encabeça procede de Sta Teresa D'Avila, e tentarei aqui fornecer alguma luz para compreendê-la. Comecemos pelo final:

Tiritar é um verbo que significa "tremer de frio". Naturalmente, este é um estado anormal para uma pessoa e que pede remediação. Teresa nos diz, no entanto, que esse sujeito de que ela fala nasceu tiritando, isto é, veio ao mundo já desprovido do seu estado de normalidade. O "nascer" aqui significa "vir à existência". O "tiritar" indica a ausência de um calor espiritual, que é a Graça santificante. Todos nós nascemos no estado de Pecado Mortal que, desde Adão, é-nos transmitido por herança. Assim como os primeiros pais viram-se nus depois da desobediência, todos nós nascemos neste estado de nudez, pelo que trememos de frio.

Ao mesmo tempo, Teresa indica a natureza deste frio: oposto ao abrasamento do amor, o frio é, naturalmente, a falta do amor. Sabemos que os seres humanos nascem com a capacidade de amar. Ainda que reduzida por este frio, que nos limita a expansão, esta faculdade nos está preservada. O amor, então, de que se fala não pode ser o mero amor natural. Na verdade, este fogo é o amor sobrenatural de Deus através do qual nos tornamos um só com Ele. A este amor sobrenatural a Igreja chama "virtude teologal da caridade", que nos vem junto com a Graça santificante. É este amor que nos une a Deus. Sem Ele, portanto, estamos afastados do Cristo - O frio também indica o estado de solidão, de não estarmos numa relação amorosa com Deus -. Este afastamento não será objeto claro da consciência; dito de outro modo, o frio ou o calor de que aqui se fala não são precisamente perceptíveis, pelo menos não no seu estado inicial, ainda que, a depender da intensidade dessas realidades, algo delas irrompa no nível da consciência.

Este amor, nós recebemos depois do nascimento, pelo batismo. É então que somos abrasados e rompemos as distâncias entre nós e Deus. Este abrasamento perseverará enquanto não houver pecado mortal, que só se torna possível já na idade da razão. Desse modo, uma criança batizada e que seja educada nos sacramentos terá tempo e ocasião de permitir crescer nela, de modo bastante considerável, a realidade da Graça. Gosto de comparar esta realidade a um Sol que é posto na alma. Não é uma mera disposição psicológica, mas uma realidade concreta. Este fogo celeste, assim como o fogo natural, possui duas propriedades: iluminar e aquecer. A primeira delas diz respeito à inteligência, e facilita a compreensão da verdade como um todo e, de modo particular, das verdades da Fé; a segunda propriedade se dirige à vontade, e torna-a capaz de amar com mais largueza, força e constância, pois é participação no amor de Deus.

Reiteramos: estas realidades escapam às distinções da percepção humana. Ninguém vai, a princípio, flagrar a Graça dentro de si. Mesmo nas confissões sacramentais, onde a mudança que ocorre, de tão brusca, excede a criação do universo material, em geral há pouca ou nenhuma consciência da mudança na alma, e, quando há, isto pode ser meramente o alívio psicológico natural de ter partilhado a notícia de "crimes" pessoais com o sacerdote. A Graça pode intensificar este alívio psicológico; no entanto, não é possível, em geral, ter uma precisão muito clara dos efeitos naturais e sobrenaturais, aí. E isto deve ser assim, pois usar critérios sensíveis para a mensuração daquilo que, em essência, não é sensível já é, por si só, algo carecente de sentido.

"Os sentidos humanos são tão experientes das coisas espirituais como um jumento o é das coisas racionais." São João da Cruz

Quando a Graça se estabelece na alma, ela começa a irradiar e comunicar uma qualidade divina a todos os atos de intelecção e de vontade, de modo que o ser humano, sobrenaturalizado, operando de certo modo a nível divino, pois participa da natureza de Deus, vai sendo, mais e mais, transformado em Deus, ou deificado. Vai abrasando-se naquele fogo infinito do amor de Deus e tornando-se mais e mais incandescente. Conforme a força do amor cresça, então o caráter sobrenatural deste ímpeto vai dando-se a perceber. E, como Deus é amor infinito, o ser humano que progrida no estado de santidade não terá limites na sua capacidade de amar, de modo que é possível que o amor, quando muito crescido, se torne uma aflição para o estado humano atual. Nestes casos, costumam acontecer as estigmatizações ou transverberações. No entanto, ninguém se engane em pensar que chegará aí do dia para a noite. Para abrasar-se a este nível, é necessário muita coragem e doação de si; os sofrimentos interiores são imensíssimos e o autoconhecimento deverá ser, permitam-me, "profundamente aprofundado". No entanto, desde o batismo e, aos já crescidos, desde a última confissão e enquanto não houver pecado mortal, estaremos abrasados neste amor. Não há frio na alma, pois arde nela, com divinas chispas, o Sol do amor absoluto.

Dia de São Francisco de Assis, nosso Pai Seráfico.


Hoje, 4 de outubro de 2014, é dia de São Francisco de Assis, e, nesta época de crise generalizada, mesmo as grandes figuras da Igreja terminam sendo distorcidas e instrumentalizadas para fins ideológicos. Dentre estes, o que mais sofreu com deformações foi sem dúvida o Poverello.

Se o leitor é um católico comum, que aprende religião nos meios ordinários de catequeses e homilias, é quase que certo que você tem uma idéia equivocada de Francisco. Na verdade, ele não é um hippie. Também não é verdade que ele se opôs à dita pompa da Igreja. A oração comumente atribuída a ele - Senhor, fazei-me instrumento... - tampouco é dele. Também não tem muito sentido dizer que Francisco tinha preocupações ecológicas. O lobo de Gubbio também é um conto mítico, embora seja de fato belo, etc, etc.

Como se pode ver, Francisco não foi o que se conta. Essa imagem natureba e hiponga que fizeram dele é, na verdade, um constructo tão real quanto o Goku. Quem foi São Francisco, então?

Ele era mais duro do que se pensa, embora também fosse profundamento terno. Extremamente rigoroso com relação às regras e materiais litúrgicos; rigoroso também nas suas palavras e nos seus hábitos. Francisco acostumou-se a uma mortificação extrema, ao ponto de raramente comer algo que fosse considerado de fato aproveitável por uma pessoa moderna. Quando a comida era fresca e boa, ele costumava misturar-lhe cinzas. As duras mortificações de Francisco, os seus olhos fundos de chorar, etc., não seriam qualidades apreciadas pelos católicos paz e amor de hoje, acostumados com padres galãs e cantores. Francisco, se vivesse entre nós, seria antes confundido com um desses intolerantes dogmáticos, pois, de fato, ele era assim.

Francisco não pode também ser aclamado com padroeiro dos coelhos, formigas e cogumelos. Na verdade, ele é o santo do Crucificado. Esta era a única coisa que ele dizia saber: Cristo crucificado. Inimigo do politicamente correto, dizia querer encher a boca do demônio de fezes, e pedia para lhe pisarem - a ele mesmo - na boca, acusando-o de falta de humildade.

Suas orações, jejuns e rigores, no entanto, não lhe impediam a alegria, é verdade; antes, eram causas dela, de uma alegria verdadeira e tão extasiante que fazia eco daquela promessa: "que a Minha alegria esteja em vós, e que seja plena"; mas esta alegria não era isenta de gravidade. 

Que Francisco tenha sido um mistério, ele mesmo o diz: "infeliz o homem que não tem segredos com o seu Senhor." O pouco que sabemos sobre suas orações vem de irmãos "espiões" que, sem permissão, iam olhá-lo nos seus momentos de intimidade com Deus e não raro viam-no levitar, ou comunicar-se com estranhas luzes, ou ainda estar acompanhado de multidões de santos e anjos.

Sua identificação com o Cristo foi tanta que ele recebeu, literalmente, as marcas da Paixão. Seu despojamento foi tanto que ele quis morrer nu, no chão. Seu amor a Deus foi tão violento que ele chamou a morte de irmã, e pediu perdão ao irmão corpo por ter sido tão duro com ele; até hoje sentimos a força daquele amor que abalou o mundo e fez São João Paulo II dizer: "Francisco, o mundo tem saudades de ti".

Que São Francisco de Assis, esposo fidelíssimo da Dama Pobreza, imitador perfeito do Cristo Crucificado, interceda por nós nestes tempos tão difíceis, e nos conceda de Deus a graça de o imitarmos com o coração decidido e o espírito resoluto.

Francisco de Assis, rogai por nós.
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