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Antes de Lutero, a Igreja já havia traduzido a Bíblia para várias línguas


"A Bíblia foi disponibilizada em alemão em 14 diferentes edições antes que Lutero a tivesse traduzido; ela foi disponibilizada em mais de uma dúzia de outras linguagens antes que Lutero tivesse sequer nascido. É um mito que eu ajudei a perpetrar, tirando da Igreja Católica a minha namorada e muitos jovens no ministério da juventude, dizendo que a Bíblia sempre havia sido suprimida pela Igreja Católica, quando na verdade eu descobri que, muito pelo contrário, eles fizeram muito mais traduções que eu sequer soubera. A razão pela qual eles recusaram autorizar certas traduções de Wycliffe e Lutero foi por causa das faltas que eles encontraram nas traduções. Especialmente quando Lutero adicionou palavras tais como "somente" na discussão sobre a Justificação." 

Scott Hahn. Apologia: The Fullness of Christian Truth, Tradução minha.

O Sacramento da Confissão: Sempre existiu? É invenção dos padres?


A Confissão sempre existiu

Em todos os tempos foi preciso, para conseguir o perdão, confessar os pecados. Adão, o primeiro pecador, só foi perdoado depois de ter confessado oralmente, com humildade e arrependimento, aos pés do Filho de Deus - que lhe aparecia revestido de forma humana no paraíso terrestre - a grande falta que acabava de cometer. "Comi do fruto proibido", disse ele; eis a confissão. Eva também se confessa, antes de ser absolvida: "Eu também comi".

Caim não quis se confessar: "Que fizeste de teu irmão?; pergunta-lhe o Senhor, de novo revestido daquela aparência humana, que um dia deveria assumir em realidade. "Meu pecado é grande demais para que Deus me perdoe", responde o miserável. Por isso foi amaldiçoado: escondeu-se da face do Senhor, errante sobre a terra, como um réprobo.

Entre os judeus, na lei antiga, era preciso confessar aos sacerdotes, como nós o fazemos hoje: confessar-se oralmente e com detalhes, antes de oferecer o sacrifício e obter a remissão dos pecados. Há vários registros dessa obrigação nos livros sagrados de Moisés (por exemplo em Nm 5,7 e Lv 4). A confissão foi sempre um sinal distintivo da verdadeira religião.

Nosso Senhor Jesus Cristo deu à confissão a dignidade de um sacramento, e a estabeleceu na Igreja como inesgotável fonte de salvação e consolação, refúgio dos pobres pecadores e auxílio da fraqueza humana. Ele mesmo confessou e absolveu muitos pecadores, entre os quais a mulher adúltera, que esteve a sós com ele no templo: eis aí a doente com o médico, a grande miséria com a grande misericórdia; arrependida, ela declarou sua falta; por isso, disse-lhe Jesus: Vai em paz, teus pecados te são perdoados.

Seus apóstolos, os primeiros padres, foram também os primeiros confessores. Vemos São Paulo e seus companheiros, em uma de suas missões em Éfeso, tocarem tão vivamente o coração dos fiéis, que "muitos vinham confessar e declarar as suas obras." (Cfr. At 19,18)

Nas catacumbas de Roma e nos monumentos dos primeiros séculos cristãos encontram-se vestígios tão numerosos e tão claros da confissão, que até mesmo o historiador protestante Edward Gibbon, malgrado o ódio contra a religião, reconhece que "o homem instruído não pode resistir ao peso da evidência histórica que confirma a confissão como um dos principais pontos da doutrina papista (isto é, católica) em todo o período dos quatro primeiros séculos. Ele só menciona os quatro primeiros séculos porque, a partir do século V, já ninguém tem dúvidas quanto a isso.

Esse reconhecimento tão claro, vindo de um inimigo ferrenho da Igreja, dispensa mais provas. Contudo, trazemos para consolação do leitor quatro ou cinco testemunhos, escolhidos ao acaso entre muitos outros, que demonstram que os primeiros cristãos se confessavam como nós.

No século I, o Papa São Clemente, batizado e sagrado por São Pedro em pessoa, ensinava a seguinte regra: "Quem cuida da própria alma não se envergonha de confessar ao padre os sentimentos de inveja e outras faltas que penetraram secretamente no coração, a fim de que receba do sacerdote a cura pela palavra de Deus (é assim que ele chama a absolvição) e pelos conselhos salutares. (Epístola a São Tiago) Também no século I, enquanto São Paulo ainda era vivo, São Dionísio... discípulo do grande Apóstolo, que o ordenou primeiro Bispo de Atenas -, repreendia com veemência um cristão chamado Demófilo, que havia maltratado um pobre pecador, o qual se jogara aos pés de um padre para confessar os pecados: "O pobre homem, diz ele, implorava e dizia que viera procurar um remédio para seus males; e tu não só o repeliste, mas menosprezaste o bom padre que tivera compaixão daquele penitente." (Epístola VIII a Demófilo)

Entre os autores cristãos dos séculos II e III, o célebre Orígenes, cuja ciência era estimada em todo o mundo, fala com clareza e insistência sobre a confissão: "Se nos arrependermos de nossos pecados e os confessarmos não só a Deus, mas a quem pode remediá-los, os pecados nos serão perdoados." Diz ele também: "Quando o pecador acusa a si mesmo e se confessa, ele vomita o pecado e extirpa a causa do problema. No entanto, quando quereis confessar-vos, fazei de maneira que o médico a quem vós declarais o motivo de vossa enfermidade possa compadecer-se de vossas dores e compreender o estado de vossa alma, para que seja para vós um médico hábil e compassivo, e que vos dê conselhos sábios." (Hom. sobre o Salmo 37)

Tertuliano, que viveu na mesma época, é tão claro quanto Orígenes; diz ele: "Há pessoas que evitam o penoso trabalho da confissão, ou adiam-na dia após dia, porque fazem mais caso da honra que da salvação. Elas se assemelham aos que, tendo contraído uma vergonhosa doença, escondem o mal do médico e morrem vítimas desse trágico pudor. É melhor condenar-se escondendo o pecado do que se purificar declarando-o?" (Da Penitência) Acrescenta ainda: "Devemos nos humilhar e ajoelhar aos pés dos padres." (Ibid.)

São Cipriano, Bispo de Cartago martirizado no século III, escreve sobre os fiéis "que vêm se confessar aos padres de Deus, com arrependimento e humildade, abrindo o segredo de suas consciências, livrando as almas do peso dos pecados e buscando o remédio da salvação." (Tratado sobre os apóstatas) Por meio do relato de dois célebres historiadores da Igreja do Oriente, sabemos que foi também no século III que se instituíram os padres penitenciários em toda a Igreja, "com o intuito de que todos os pecadores se confessem a eles minuciosamente." (Socrate e Sozomène, Histoire ecclésiastique, liv. V e VIII) "Para obter o perdão, diz um deles, é indispensável confessar os pecados."

No século IV, São Basílio Magno, Bispo de Cesaréia, na Ásia Menor, declarava que "é preciso confessar-se a quem pode distribuir os mistérios de Deus, isto é, aos padres." (Abrégé des régles, quest. 288) São Gregório, Bispo de Nissa: "Precisamos revelar sem medo aos confessores, nossos médicos espirituais, os segredos mais ocultos da nossa consciência." (Epístola canônica a Létoius) Santo Ambrósio, Bispo de Milão, na Itália: "A penitência que fazemos pelos pecados, mesmo os secretários, é infrutífera se não vier acompanhada da reconciliação e da absolvição, que dependem do ministério dos padres. (Tratado da Penitência, liv. I) E o diácono Paulino, que escreveu a vida de Ambrósio, relata que "quando um penitente se apresentava a Ambrósio para confessar-se, o santo bispo chorava tanto que levava o pecador a chorar com ele."

Santo Agostinho, discípulo de Santo Ambrósio e Bispo de Hipona, na África, fala amiúde da confissão em seus numerosos escritos. Ele responde, entre outras, a uma vil objeção, revivida mais tarde pelos protestantes e incrédulos: "Que ninguém diga a si mesmo: faço penitência por minha conta, faço penitência diante de Deus; Deus, que sabe disso, me perdoa... O quê! Porventura foi em vão que Ele declarou aos padres: Tudo o que desligares na terra será desligado nos céus? Porventura foi em vão que Ele deu as chaves à Igreja? Não tendes estima pelo Evangelho, desprezais as palavras de Cristo e prometeis a vós mesmos o que Ele vos recusa." (Sermão 392)

Enfim, poderíamos citar indefinidamente frases como essa, mas, para terminar, lembremo-nos do belo testemunho do grande Arcebispo de Constantinopla, São João Crisóstomo: "Os homens receberam de Deus um poder que não se concedeu aos anjos nem aos arcanjos. Jamais afirmou Ele aos espíritos celestes: Tudo o que ligares e desligares na terra será ligado e desligado nos céus... Os príncipes deste mundo só podem ligar e desligar os corpos; o poder dos padres vai muitíssimo além: esse poder alcança a alma, e os padres o exercem não somente ao batizar, mas também ao perdoar os pecados. Não nos envergonhemos portanto de lhes confessar nossas faltas. Quem se envergonha de contar os pecados a um homem e não quer confessar, será coberto de humilhação no dia do Juízo, na presença do universo inteiro." (Tratado do sacerdício, liv. III)

Pergunto aos senhores: não é isso o que os padres pregam e ensinam até os dias de hoje? O ensinamento da Igreja nunca mudou neste ponto, assim como não mudou nos demais. Para o homem de boa fé é evidente que os homens sempre se confessaram, e que a confissão sempre foi considerada uma instituição divina e uma necessidade absoluta.

A confissão é uma invenção dos padres?

É óbvio que não, pois é uma invenção de Deus. Se você é o inventor de uma máquina, fica evidente que quem a inventou não fui eu. Ora, a patente de invenção da confissão está registrada com todas as letras no Evangelho. (cfr. Jo 20,23)

Se a confissão fosse invenção de um padre, em primeiro lugar não encontraríamos traços dela no tempo dos apóstolos e dos mártires, de cuja honestidade ninguém duvida; ademais, encontrar-se-iam os vestígios de uma tal inovação ao longo da história. Uma invenção que afetasse todos os cristãos do mundo não chamaria de maneira notável a atenção pública? Não surgiriam reclamações de todas as partes? Conhecemos a época exata da invenção de todos os progressos industriais, de todas as instituições civis e políticas, entre outras; conhecemos os nomes dos autores e dos inventores do jogo de cartas, do bingo, da polca, do isqueiro e das descobertas mais insignificantes: por que só a origem da confissão escaparia a essa lei universal!? Isso é impossível, é absurdo! Os protestantes tentaram algumas vezes indicar a origem dela, mas se cobriram de ridículo perante a ciência; ainda há pouco ouvimos um correligionário deles, o célebre historiador Edward Gibbon, confessar sem rodeios que a confissão remonta até o berço do cristianismo.

Você acredita que o padre se diverte com a confissão? É realmente uma bela invenção esse ministério, penoso e laborioso, que lhe desgasta a saúde, fatiga o espírito, cria mil desgostos e temores, encarrega-o de imensa responsabilidade e atrai até ele os coléricos, os rancorosos e todos os patifes! Quantas pessoas amariam os padres, se eles não as confessassem!

Além disso, se os padres tivessem inventado a confissão, não é evidente que teriam começado por se excluírem da obrigação de confessar-se? Saiba que a confissão é tão penosa para eles quanto para você, pois eles são homens iguais a você e conservam sob a sublime dignidade sacerdotal não só as falhas humanas, mas também o amor-próprio, que recusa sempre humilhar-se. Quem inventou a confissão inventou os padres, transmite-lhes os poderes divinos e, pelo ministério sacerdotal, salva os homens, ao perdoar os pecados. Olhe o crucifixo: aí está o único inventor da confissão!

Monsenhor de Ségur. A Confissão. Rio de Janeiro: Castela, 2013. p.18-27.

Dois pastores protestantes debatem sobre a Igreja Católica


O relato abaixo trata-se de uma conversa verídica entre o Prof. Scott Hahn, então teólogo presbiteriano e doutor em Bíblia, que estava em vias de se tornar católico por causa dos seus estudos sobre a Escritura, e o Prof. Doutor Gerstner, teólogo calvinista formado em Harvard e de postura anticatólica, última esperança de Scott, de seu amigo Gerry e de sua esposa Kimberly no intuito de dissuadi-lo da sua iminente conversão àquilo que, então, eles chamavam, nas palavras do Prof. Gerstner, "a sinagoga de Satanás". Hoje, dia da instituição do Sacerdócio ordenado e da Santíssima Eucaristia, o blog traz mais esta postagem especial. Boa leitura.

***

A certa altura, perguntou-me [o prof. Gerstner]:

- Scott, que suporte bíblico encontra você para o Papa?

- Doutor Gerstner, o senhor recorda como o Evangelho de Mateus enfatiza o papel de Jesus como filho de David e Rei de Israel, enviado pelo Pai para inaugurar o Reino dos céus? Creio que Mateus 16, 17-19 nos mostra como Jesus estabeleceu esse Reino. Deu a Simão três coisas: primeiro, um novo nome, Pedro (ou Pedra); segundo, o seu compromisso de edificar a sua Igreja sobre Pedro; e, terceiro, as chaves do Reino dos Céus. É este terceiro aspecto que me parece mais interessante.

Quando Jesus fala das "chaves do Reino" está se referindo a um importante texto do Antigo Testamento, Isaías 22, 20-22, onde Ezequias, o herdeiro do trono real de David e rei de Israel nos tempos de Isaías, substitui o seu velho primeiro ministro, Chebna, por um novo, chamado Eliacim. Qualquer pessoa podia dizer qual dos membros do gabinete real era o novo primeiro ministro, pois tinham-lhe sido entregues as chaves do Reino. Ao confiar a Pedro "as chaves do Reino", Jesus estabelece o cargo de primeiro-ministro para administrar a Igreja como o seu Reino na terra. Portanto, as "chaves" são um símbolo da missão e do primado de Pedro, para ser transmitido ao seu sucessor; assim foi sendo transmitido ao longo das épocas.

- É um argumento muito engenhoso, Scott - replicou.

- E como o refutamos nós, os protestantes?

- Bom, não creio tê-lo ouvido antes. Teria que pensar sobre isso um pouco mais. Continua com os outros argumentos.

prossegui então descrevendo como a família da Aliança era o princípio central ou a idéia-chave da fé católica. Explica Maria como nossa Mãe, o Papa como nosso pai, os santos como nossos irmãos e irmãs, e as celebrações e dias de festa como festas de aniversário.

- Doutor Gerstner, tudo isso adquire significado quando se considera a Aliança como o ponto central da Escritura.

Ele escutava atentamente.

- Scott, acho que você está levando longe demais este assunto da Aliança.

- Talvez tenha razão, doutor Gestner, mas estou totalmente convencido de que a Aliança é central em toda a Escritura, tal como ensinaram os grandes protestantes João Calvino e Jonathan Edwards; só que também estou convencido de que a Aliança não é um contrato, como eles pensaram, mas antes um vínculo familiar sagrado entre Deus e o Seu povo. Se estou enganado em alguma destas questões, mostre-me onde, por favor. Poderia salvar a minha carreira.

Ele respondeu:

- Espera até nos encontrarmos com Gerry.

Uma vez chegados ao lugar da reunião, estivemos durante horas e horas a esmiuçar uma grande quantidade de temas, mas sobretudo a questão da justificação. Apresentei a perspectiva católica, segundo a qual a justificação não é apenas uma mera absolvição mas, à luz do Concílio de Trento, uma divina filiação. Durante seis horas, Gerry e eu apresentamos vários pontos de vista católicos; nenhum foi refutado.Colocamos também muitas perguntas que não tiveram uma resposta satisfatória.


Ao terminar, Gerry e eu olhamos um para o outro: ambos estávamos pálidos. Para nós, havia sido um choque. Tínhamos desejado e rezado para que alguém nos livrasse da humilhação de termos de nos converter.

Num momento em que ficamos sozinhos, disse-lhe:

- Gerry, sinto-me atraiçoado pela nossa tradição Reformada. Vim aqui pensando que íamos ser salvos das águas; mas a Igreja Católica não perdeu um único ponto. Os textos do Concílio de Trento foram tomados fora do contexto. Sem se dar conta, o Concílio tem sido mal interpretado em seus cânones, ao desligá-los das definições formuladas nos decretos.

Na volta para casa, falei muito mais com o doutor Gerstner. Pedi-lhe que me mostrasse onde é que a Bíblia ensina a doutrina da sola Scriptura. Mas não me deu um único argumento novo. Em vez disso, colocou-me uma pergunta:

- Scott, se você concorda que agora nós possuímos a Palavra de Deus inspirada e sem erros na Escritura, o que mais pode nos faltar?

Respondi:

- Douor Gerstner, não creio que a questão principal seja saber o que é que precisamos. Mas uma vez que o pergunta, exponho-lhe o meu ponto de vista. Desde a época da Reforma, foram surgindo mais de vinte e cinco mil diferentes confissões protestantes, e os especialistas dizem que na atualidade surgem cinco novas por semana. Cada uma delas afirma seguir o Espírito Santo e o sentido autêntico da Escritura. Deus sabe que devemos precisar de algo mais.

O que eu quero dizer, doutor Gerstner, é que quando os fundadores da nossa Nação nos deram a Constituição, não se contentaram apenas com isso. Imagine o que teríamos hoje se a única coisa que nos tivessem dado fosse um documento, por muito bom que fosse, junto com a recomendação "que o espírito de George Washington guie cada cidadão"? Teríamos a anarquia, que é precisamente o que temos nós, protestantes, no que se refere à unidade da Igreja. Em vez disso, os nossos pais fundadores deram-nos algo mais do que a Constituição; deram-nos um Governo - formado por um Presidente, um Congresso e um Senado - todos eles necessários para aplicar e interpretar a Constituição. E se isso é necessário para governar um país como o nosso, o que é que será necessário para governar uma Igreja que abarca o mundo inteiro?

É por isso, doutor Gerstner, que começo a acreditar que Cristo não nos deixou apenas com um livro e o seu Espírito. Aliás, o Evangelho não diz uma única palavra aos apóstolos a respeito de que deviam escrever; além disso, só menos da metade dele escreveram livros que foram incluídos no Novo Testamento. O que Cristo disse realmente - a Pedro - foi: "Sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja... e as portas do inferno não prevalecerão contra ela". Por isso, vejo mais lógico que Jesus nos tenha deixado juntamente com a sua Igreja - composta por um Papa, Bispos e Concílios - tudo o que é necessário para administrar e interpretar a Escritura.

O doutor Gerstner fez uma pausa para pensar.

- Tudo isso é muito interessante, Scott, mas você disse que não acha que esse seja o tema principal. Qual é então para você o tema principal?

- Doutor Gerstner, creio que a questão principal é o que a Bíblia ensina sobre a Palavra de Deus, já que em nenhum lugar reduz a Palavra de Deus apenas à Escritura. Pelo contrário, a Bíblia diz-nos em muitos lugares que a autorizada Palavra de Deus deve buscar-se na Igreja: na sua tradição (2 Tes 2,15; 3,6), assim como na sua pregação e ensino (1Ped 1,25; 2Ped 1,20-21; Mt 18,17). Por isso, penso que a Bíblia apoia o princípio católico de solum verbum Dei, "só a Palavra de Deus", em vez do princípio protestante sola Scriptura, "só a Bíblia".

O doutor Gerstner respondeu insistindo, uma e outra vez, que tanto a Tradição católica, como os Papas e os concílios ecumênicos, todos eles ensinaram coisas contrárias à Escritura.

- Contrárias a que interpretação da Escritura? - perguntei. - Além disso, todos os historiadores da Igreja estão de acordo em que recebemos o Novo Testamento do Concílio de Hipona, no ano 393, e do Concílio de Cartago, no ano 397, e ambos enviaram as suas decisões a Roma, para serem aprovadas pelo Papa. O senhor não acha que do ano 30 ao 393 é demasiado tempo para estarmos sem Novo Testamento? Além disso, havia muitos outros livros que as pessoas de então pensavam que poderiam ser inspirados, como a Epístola de Barnabé, o Pastor de Hermas e os Atos de Paulo. Havia também múltiplos livros do Novo Testamento, como a Segunda Carta de Pedro, a Carta de Judas e o Apocalipse, que alguns consideravam que deviam ser excluídos. Afinal, que decisão seria digna de crédito e definitiva se a Igreja não ensinasse com autoridade infalível?

O doutor Gerstner replicou em tom calmo:

- Os Papas, os bispos e os concílios podem enganar-se e de fato se enganaram. Scott, como é que você pode pensar que Deus tornou Pedro infalível?

Refleti durante um momento.

- Bem doutor Gerstner, tanto protestantes como católicos estão de acordo em que Deus deve ter tornado infalível Pedro pelo menos em duas ocasiões: quando escreveu a Primeira e a Segunda Epístola de Pedro, por exemplo. Ora, se Deus o pode tornar infalível para ensinar com autoridade por escrito, proque é que não podia preservá-lo do erro ao ensinar com autoridade em pessoa? Do mesmo modo, se Deus pode fazer isso com Pedro e com os outros apóstolos que escreveram a Escritura, por que não podia fazer o mesmo com os seus sucessores, especialmente ao prever a anarquia a que se chegaria se não o fizesse? Por outro lado, como podemos estar seguros de que os vinte e sete livros do Novo Testamento são em si mesmos a infalível Palavra de Deus se foram Papas falíveis e concílios falíveis que nos deram essa lista?

Nunca esquecerei a sua resposta:

- Scott, isso significa simplesmente que o que podemos ter é uma coleção falível de documentos infalíveis.

- Isso é realmente o melhor que o cristianismo protestante histórico consegue proporcionar?

- Sim, Scott, tudo o que podemos fazer são juízos prováveis baseados na evidência histórica. Não temos nenhuma outra autoridade infalível além da Escritura.

- Mas, doutor Gerstner, como eu posso saber que é realmente a Palavra de Deus infalível o que estou lendo quando abro Mateus ou Romanos ou Gálatas?

- Como te disse, Scott, tudo o que temos é uma coleção falível de documentos infalíveis.

Senti-me muito insatisfeito com as suas respostas, embora soubesse que apresentava com toda a honestidade as teses protestantes. Fiquei ali sentado, meditando no que ele dissera sobre a última fonte da autoridade, e sobre a inconsistência lógica da posição protestante.

A minha única resposta foi:

- Bom, se as coisas são assim, doutor Gerstner, acho que devemos ter a Bíblia e a Igreja. Ou as duas ou nenhuma!

HAHN, Scott. Todos os caminhos levam a Roma. São Paulo: Cléofas, 2013. p.97-103.

6 anos do Blog GRAA - Deo Gratias - Postagem especial: Existência e Possibilidade


Agradecemos a Deus pelos 6 anos completados desde o início deste blog. De lá para cá, aprendemos muito e pudemos, também, dar frutos, graças a Deus. Que este apostolado persista até quando Deus quiser. E, para comemorar, colocamos um artigo do Olavo de Carvalho que nos pareceu, como de costume, genial. Desfrutem da leitura e rezem por nós.

***

Existência e Possibilidade

Para ler as partes principais do Livro I da Suma contra os Gentios, é preciso colocar-nos, mentalmente, no nível de abstração e universalidade requerido pelo assunto. Sto. Tomás aí trata da origem primeira de tudo o que existe. Não se trata, portanto, de imaginar uma "força" que aja de algum modo sobre as "coisas", pois isso não só pressupõe a existência de coisas, mas define o agente, de modo errôneo, por uma noção transitiva, a de "força", quando é claro que a idéia mesma de um movimento transitivo exige a de algo em direção ao qual ele transita. Trata-se, isto sim, de compreender que, se "existência" é o estado daquilo que existe, ela própria não pode existir nesse sentido, pois então se reduziria a um existente entre outros. Também não se pode compreender a existência como a soma ou conjunto daquilo que existe, pois nesse caso ela não teria nenhum atributo próprio senão aqueles que estão nos existentes ou aqueles que resultam das relações entre eles e, portanto, nada seria por si mesma. 

Para apreender a noção de existência você tem de fazer um esforço de imaginação para conceber a total inexistência do que quer que seja. Suprima o cosmos, suprima a História, suprima todos os entes reais ou irreais, suprima até mesmo a consciência humana (a começar pela sua própria), e tente conceber o que sobra. É o nada? Sim, certamente o nada. Mas não o nada absoluto, porque sabemos que existe alguma coisa e, se algo existe, é porque é possível. Excluídos todos os existentes, sobra um nada, mas um nada cheio de possibilidades. Se você excluir mesmo essas possibilidades, terá declarado que tudo é impossível, mas você sabe que algo é possível, já que algo aconteceu. O nada que sobre quando suprimidos todos os existentes não é pois propriamente um nada, mas um feixe de possibilidades. Quais possibilidades? Todas as que se realizaram e todas as que ainda podem se realizar. Isso é o que chamamos "existência": a possibilidade de que os existentes existam.

A possibilidade dos existentes não existe como eles existem: existe independentemente deles - eles é que dependem dela. Mais ainda: a possibilidade transcende infinitamente os existentes, pois abrange também todas as relações possíveis entre eles. O conjunto das relações possíveis entre os existentes não pode ser deduzido da soma dos atributos de todos eles, pois há possibilidades acidentais que não derivam desses atributos. Para cada conjunto de atributos de um ente, há em volta um conjunto imensamente maior de acidentes possíveis, e estes, se são possíveis, fazem parte da possibilidade, estão contidos naquele "nada" que você encontrou ao suprimir mentalmente a totalidade do que existe.

A palavra "possibilidade" é usada, no dia a dia, apenas como medida de uma conjetura que fazemos sobre este ou aquele ente, sobre este ou aquele conjunto de entes. Mas uma coisa é a possibilidade considerada ao nível dos entes, outra é a possibilidade considerada em si mesma, acima e antes da existência de qualquer ente. No primeiro sentido, a possibilidade é uma relação entre entes. No segundo, é a própria constituição desses entes como "essências". A palavra "essência" designa o que um ente é, independentemente de ele existir ou não. Como cada ente existente é alguma coisa, tem alguma essência, e como tudo aquilo que existe é necessariamente possível, é forçoso concluir que, no plano da possibilidade pré-existente, todas as essências já eram o que viriam a tornar-se na existência real. 

Ora, entre as essências existem relações lógicas incontornáveis, independentes e prévias à existência dos entes que as manifestam. Os entes matemáticos ilustram isso de uma maneira esplêndida: antes de que existisse qualquer objeto esférico, os pontos da superfície da esfera já eram eqüidistantes do seu centro; antes de existir um quadrado, já era forçoso que, cortado pela diagonal, o futuro quadrado resultasse em dois triângulos isósceles. Portanto, se todas as essências estavam presentes na possibilidade total antes que qualquer ente a elas correspondente viesse à existência, temos de admitir também que todas as relações lógicas entre todas as essências possíveis já estavam contidas na possibilidade total. 

Mas entre os entes há relações que, sem ser ilógicas, são alheias à lógica, no sentido de que não podem ser deduzidas das essências: são as relações acidentais. Se essas relações não estivessem contidas na possibilidade total, seriam impossíveis e portanto jamais apareceriam na existência; como aparecem, é necessário concluir que estavam.

Pergunte agora como todas essas essências e todas essas possibilidades estavam na possibilidade total. Estariam lá de maneira confusa e mesclada, só vindo a tornar-se distintas ao longo do processo da existência? Seria o mesmo que dizer que, no curso da sua vinda a existência, essas essências realizaram uma possibilidade que não estava na possibilidade total, ou seja, uma possibilidade impossível. As essências e suas relações, inclusive acidentais, estão todas presentes na possibilidade total, e estão lá em modo perfeitamente ordenado e límpido. 

O nada que você encontrou ao suprimir todos os existentes começa a se parecer cada vez menos com um nada: ele é antes a ordem prévia de todas as possibilidades manifestadas no curso da existência.

Pergunte agora a si mesmo se a possibilidade universal pode ser concebida apenas como um sistema teórico, hipotético, passivo e inerme, de equações ou relações lógicas quaisquer, sem nenhuma existência efetiva. A resposta é clara: se a possibilidade total não existe, não existe possibilidade nenhuma. A possibilidade universal não existe, portanto, como possibilidade no sentido fraco da palavra, como quando dizemos que um jogo de xadrez tem a possibilidade de terminar com a vitória das negras ou das brancas. Ao contrário: contendo em si todas as possibilidades da existência, ela abrange e contém a existência - toda a existência.

A existência deriva da possibilidade, e não esta daquela. Contendo em si a existência, ela nem pode ser inexistente, nem pode "existir" como existem os entes: ela tem uma modalidade especial de existência. Como diriam os filósofos escolásticos, ela existe de modo eminente (eminenter). Contendo em si a existência na sua totalidade, bem como a inexistência que limita a existência, ela é a existência da existência.

Agora que entenderam isso, comecem a ler a Suma Contra os Gentios.

Olavo de Carvalho. A filosofia e seu inverso. São Paulo: Vide Editorial, 2012. p.105-112.

Semana Santa - Reviver mais que relembrar


Hoje damos início à grande Semana Santa, época em que revivemos os sagrados e profundos mistérios da Redenção. Utilizamos o termo "reviver" ao invés de "relembrar" porque o contato com as realidades em questão não se darão apenas a nível mental, mas, antes, a nível existencial. Lembrar, mais do que receber a influência de algo, é reconstruir psicologicamente um fato ocorrido, motivo pelo qual a fidelidade entre a lembrança e o fato em si pode não ser - e geralmente não é - total. A nossa relação com Deus, portanto, não pode ser baseada numa construção nossa, sob pena de seguirmos uma invenção da nossa cabeça. Expressamos melhor o que ocorre quando falamos de "intuição", isto é, do contato passivo do nosso ser diante de uma presença externa e real.

Isto com que teremos contato, porém, é aquilo que aconteceu no passado, há quase dois séculos. Sabemos que as realidades passadas só podem ser abordadas de modo indireto, uma vez que o passado, em si mesmo, é inacessível. Não se muda o passado pelo fato de contá-lo diferentemente. O que ocorreu já ocorreu, e se tornou, depois disso, inacessível a não ser memorativa, simbólica ou discursivamente. De que modo, então, poderíamos ter um contato real com as realidades da Redenção, já que elas se deram há tanto tempo?

Vejamos...

Primeiramente, tomemos a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na leitura de hoje, Paulo nos diz que Ele se esvaziou de Si, e é por isto que Ele se encarnou no seio da Santíssima Virgem. Ao fazê-lo, Jesus, que é de natureza divina, assume também a natureza humana. Enquanto Deus, Jesus não vive no tempo, mas fora dele. O tempo, isto é, o suceder gradativo dos fatos, isto que dividimos em passado, presente e futuro, é só mais uma criatura de Deus. Deus não depende dele. O Seu modo de vida é atemporal, isto é, fora do tempo. No entanto, a partir da Encarnação, Jesus passa a viver também no tempo histórico, como um verdadeiro homem que foi. Temos então o seguinte: Jesus é homem e Deus; enquanto homem, vive temporalmente; enquanto Deus, vive atemporalmente. Quando duas naturezas andam unidas, a natureza superior tende a elevar os atos da natureza inferior à sua dignidade. Tomemos por exemplo o próprio ser humano: somos a união de corpo material e alma espiritual numa só pessoa. Em virtude disso, os nossos atos físicos tendem a ser elevados à dimensão espiritual por causa da nossa alma. Também em Jesus, os atos humanos eram elevados à dimensão divina. E, assim, aquilo que ocorria historicamente assumia um alcance eterno.

É exatamente por isso que a Santa Missa é possível: embora ela tenha ocorrido historicamente, por ser ato de um Deus, ela não cabe no tempo, e como que o transborda. Deste modo, por ser atemporal, ela se torna disponível a qualquer tempo. É por isso que a Missa é celebrada por Jesus ainda antes de Ele sofrer historicamente a Sua Paixão. É também por isso que a Virgem Maria é preservada do pecado, pois tal preservação foi também um efeito da Redenção, embora tenha ocorrido vários anos antes do fato histórico da Cruz. É nisto que reside ainda o fundamento da afirmação de João Paulo II, segundo a qual, na Missa, somos transportados ao Calvário.

Pois bem. Ocorre que não apenas a Santa Missa está disponível para nós, mas toda a vida do Cristo. Isto é dito pelo monge trapista Thomas Merton que aproveitava desta verdade para ensinar que podemos consolar realmente a Jesus durante a Sua agonia no Getsêmani. Se vigiarmos com Ele, de fato estaremos com Ele. Sta Teresa D'Avila, por sua vez, afirmava que nisto consistia a sua meditação favorita: em fazer companhia ao Cristo na noite da Sua agonia. Ela dizia que costumava ficar sentada, ao lado, em silêncio, diante do Deus que sofria e suava sangue, carregado que estava pelo pecado de toda a humanidade. Lemos, ainda, no livro "Ele e eu", da mística moderna Gabrielle Bossis, uma passagem em que o Cristo lhe diz enquanto ela tomava um suco: "que alegria me darias se, durante o momento em que tomas este suco, pensasses em mim, na minha sede durante o Calvário, e o oferecesses por mim".

Ao nos depararmos com esta possibilidade imensa, que é a de fazer companhia a Jesus, de fato, durante toda a Sua vida e, em especial, na Sua Paixão, onde Ele humildemente nos pede para vigiar com Ele, pois Sua alma está triste até a morte, que mais devemos fazer senão ouvir-Lhe a voz e Lhe obedecer, não tanto como uma obrigação, mas, antes, como um privilégio único?

Nestes dias que se avizinham, nós podemos não somente relembrar, mas reviver os fatos centrais da nossa Fé. Contemplaremos realidades que, não obstante serem invisíveis e estarem veladas sob os símbolos litúrgicos, estão concretamente presentes e podem ser, por baixo dos símbolos, intuídas. É um tempo em que o Mistério se adensa. Mesmo que não tenhamos vivido a quaresma do modo que deveríamos, relembremos dos trabalhadores da undécima hora, e aproveitemos este restinho de quaresma e o tríduo pascal para que, fazendo companhia a Jesus e participando da Sua morte, como membros Seus que somos, possamos também participar da Sua ressurreição.

Que a Virgem Maria, mãe do Verbo de Deus, nos fortaleça e nos ensine a amar Jesus.

Fábio.

A confissão existe desde o início do cristianismo


Nas catacumbas de Roma e nos monumentos dos primeiros séculos cristãos encontram-se vestígios tão numerosos e tão claros da confissão, que até mesmo o historiador protestante Edward Gibbon, malgrado o ódio contra a religião, reconhece que "o homem instruído não pode resistir ao peso da evidência histórica que confirma a confissão como um dos principais pontos da doutrina papista (isto é, católica) em todo o período dos quatro primeiros séculos." Ele menciona os quatro primeiros séculos porque, a partir do século V, já ninguém tem dúvidas quanto a isso.

Monsenhor de Ségur. A confissão. Rio de Janeiro: Castela, 2013. p.19-20.
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