Tradutor / Translator


English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

Uma defesa bíblica do Inferno


A grande maioria dos cristãos entende que o Inferno é real e é eterno. A sua natureza é que é objeto de controvérsia: alguns dizem que é lugar, outros que é estado de alma, outros ainda que é um estado de alma num lugar. Discute-se também se o fogo é literal, ou se é apenas um símbolo, ou se é ambos, etc. Mas há também aqueles que negam que ele exista. Dentre estes, estão os Adventistas e os Testemunhas de Jeová, que o entendem como um símbolo da destruição ou segunda morte da pessoa no fim dos tempos. Esta destruição implicaria a cessação da consciência. Assim, a negação do inferno exige a visão mortalista da alma, enquanto que a sua afirmação, sendo ele uma realidade eterna, pressupõe a crença na imortalidade da alma.

Um dos trechos favoritos dos negadores do inferno se encontra em Mac 3,19 (em algumas versões 4,1), que diz:

"Porque eis que vem o dia, ardente como uma fornalha. E todos os soberbos, todos os que cometem o mal serão como a palha; este dia que vai vir os queimará - diz o Senhor dos exércitos - e nada ficará; nem raiz, nem ramos." 

E há ainda outras várias passagens bíblicas que sugerem a um mortalista o fim da existência dos condenados: Isa 47,14, Pr 10,25; Sl 37,22; Sl 37,9-10, 20, 38; Sl 145,20; etc.

Mas também há os vários trechos que falam de uma punição que perdura eternamente. Dentre eles:

"Se a tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a; melhor te é entrar na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para a geena, para o fogo inextinguível, onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga." (Mc 9,43-44)

Mais alguns: Mat. 18:8, Mat. 3:12, Apo. 14:11, Mt. 25:41, Mc. 9:43, Apo 19:3, Jd. 1:7, Lc. 3:17, etc.

Bem, como se vê, a questão é espinhosa, e tanto os textos pró-inferno quanto os contra são, em geral, convincentes. Para resolver o impasse de vez, teríamos de abordar a questão da imortalidade da alma, o que por ora não dá pra fazer, pois este é um tema gigantesco - mas de que ainda iremos tratar detidamente aqui.

Porém há uma combinação de trechos bíblicos que, na primeira vez em que a vi, considerei suficiente para afastar a tese do mortalismo. Ele está no livro do Apocalipse. Acompanhemos:

No capítulo 19, versículo 19 em diante, lemos:

"Eu vi a Fera e os reis da terra com os seus exércitos reunidos para fazer guerra ao Cavaleiro e ao seu exército. Mas a Fera foi presa, e com ela o falso profeta, que realizara prodígios sob o seu controle, com os quais seduzira aqueles que tinham recebido o sinal da Fera e se tinham prostrado diante de sua imagem. Ambos foram lançados vivos no lago de fogo sulfuroso." 

Este lago sulfuroso seria supostamente a destruição última e total de todos os que são lançados lá. Contudo, acompanhemos. No capítulo 20, um anjo desce do céu com a chave do abismo e aprisiona o Dragão, "a primitiva Serpente". Esta prisão dura mil anos, conforme se lê no versículo 2 e 3. Pois bem: mil anos! Atente nisso.

Depois de passar todo esse tempo, chega a hora de o demônio ser solto "por um pouco de tempo", para seduzir as nações dos quatro cantos da terra. É então que ocorre o que lemos a seguir:

"Mas desceu um fogo dos céus e as devorou. O Demônio, sedutor delas, foi lançado num lago de fogo e de enxofre, onde já estavam a Fera e o falso profeta, e onde serão atormentados, dia e noite, pelos séculos dos séculos." (20, 9-10)

Como, depois de mil anos, a Fera e o falso profeta ainda estavam lá? Mas nem que fosse com uma estrelinha de São João! Imagina sendo um "lago de fogo sulfuroso"?

Será um problema de tradução? Vamos à Bíblia de Jerusalém:

"O Diabo que os seduzira foi então lançado no lago de fogo e de enxofre, onde já se achavam a Besta e o falso profeta."

A versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel complica ainda mais a vida dos mortalistas:

"E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde estão a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre."

Além do problema do trecho grifado, o que fazer com a afirmação exatamente subsequente?

"E de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre" ou "pelos séculos dos séculos"

O termo utilizado "de dia e de noite" sugere claramente a continuidade do sofrimento, e este, em consonância com o que Nosso Senhor mesmo falou, não tem fim: é contínuo choro e ranger de dentes, pelos séculos dos séculos.

Adventismo: O Juízo Investigativo



A Igreja Adventista do Sétimo Dia - IASD afirma a existência de um negócio chamado "Juízo Investigativo". Na verdade, seriam três juízos ou três fases de um único juízo, como se diz, e aqui iremos estudá-las e ver se há fundamento para elas.

Estes três momentos judicativos surgem como consequência lógica de três eventos.

O primeiro deles é a entronização de Jesus no Lugar Santo em 22 de Outubro de 1844. O segundo seria o reino do milênio, após a primeira vinda de Jesus, antes da ressurreição dos infiéis. O terceiro seria, enfim, quando Jesus decretar o destino dos não convertidos que, ressuscitados, ouvirão a sua sentença e a sofrerão, sendo destruídos em seguida. Estes três juízos ou três fases do juízo recebem nomes específicos.

A primeira, como já dissemos, chama-se Juízo Investigativo.
A segunda, Juízo Judicativo.
A terceira, Juízo Executivo.

Neste texto especificamente nos deteremos no Juízo Investigativo.

Este juízo, como o nome sugere, seria um processo de investigação em que Jesus, tendo entrado no Lugar Santíssimo, examina os escritos dos anjos relatores. O adventismo crê que há anjos responsáveis por escrever tudo quanto fazemos: desde os nossos atos às mais recônditas intenções da nossa alma.

Um fiel registro de todas as suas [dos homens] ações é feito diariamente pelos anjos relatores. Todos os seus atos, mesmo as intenções e propósitos do coração acham-se fielmente revelados. (Testemunhos para a Igreja 1, pg. 468, disponível aqui)

A fim de que seja preservada a Justiça divina, Ele necessita conhecer todos estes fatos antes de uma tomada de decisão:
"Deve haver um exame dos livros de registro para determinar quem, através do arrependimento e fé em Cristo, tem direito aos benefícios de Sua expiação. A purificação do santuário envolve, portanto, uma obra de investigação - um julgamento - antes da volta de Cristo, pois quando Ele vier, Sua recompensa estará com Ele para dar a cada um segundo as suas obras (Ap 22,12)." (O grande conflito, p. 197)

Assim, existiriam livros no Santuário Celestial (Dn 7,10, Apo 20,12), e, neste lugar, Jesus, ministrando, ocasião que corresponderia ao Grande Dia da Expiação, analisa uma a uma as histórias dos homens: "A esse período nos referimos como o antitípico Dia da Expiação." (Questões sobre doutrina, p.315) O objetivo disto é apenas um: decidir quem mantém seu nome escrito no livro da vida ou quem o terá apagado, pois este apagamento pode acontecer (Cf. Ex 32,33; Apo 3,5; Sl 69,28). Por isso, até a fim de economizar tempo (rs), os que um dia foram fiéis são os únicos casos a serem examinados. Isto é: os não cristãos já estão naturalmente excluídos.

Escreve Ellen White:

"No ritual simbólico, os únicos que participavam do Dia da Expiação eram aqueles cujos pecados haviam sido transferidos ao santuário durante o ano. Assim, no grande Dia da Expiação final e do juízo investigativo, os únicos casos examinados são os daqueles que afirmaram fazer parte do povo de Deus. O julgamento dos ímpios é algo distinto e separado, e ocorre posteriormente. 'Porque a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada.' (1Pe 4,17)

Os livros de registro no Céu determinam a decisão do julgamento. O Livro da Vida contém os nomes de todos os que já serviram a Deus. Jesus ordenou aos discípulos: 'Alegrai-vos, [...] porque o vosso nome está arrolado nos Céus.' (Lc 10,20). Paulo fala de seus cooperadores, 'cujos nomes se encontram no Livro da Vida' (Fp 4,3). Daniel declara que o povo de Deus será livrado, 'todo aquele que for achado inscrito no livro [da vida]' (Dn 12,1). E João diz que entrarão na cidade de Deus apenas aqueles cujos nome estão 'inscritos no Livro da Vida do Cordeiro' (Ap 21,27).

No livro 'memorial', estão registradas as boas ações dos 'que temem ao Senhor e para os que se lembram do Seu nome' (Ml 3,16). Cada tentação resistida, cada mal vencido, cada palavra bondosa dita a alguém, cada ato de sacrifício, cada sofrimento suportado por amor de Cristo, está registrado. 'Contaste os meus passos quando sofri perseguições; recolheste as minhas lágrimas no Teu odre; não estão elas inscritas no Teu livro?' (Sl 56,8)." (O Grande Conflito, p. 225)

Veja também isso:
"Assim, compreendemos que o livro da vida é o registro dos que professaram ser seguidores de Deus e deram início à caminhada rumo à vida eterna. O apóstolo Paulo fala da 'Igreja dos primogênitos arrolados nos Céus' (Hb 12,23) Falando em linguagem comum, diríamos que o livro da vida é o registro celestial da igreja. Nessa lista estão todos os que Deus pode considerar candidatos ao Seu reino eterno, desde Adão até a última pessoa na Terra que se volva ansiosamente para Ele, não importando quão limitada seja sua compreensão da gloriosa boa-nova do evangelho.
Cremos que a eliminação dos nomes do livro da vida é uma obra do juízo investigativo. O completo e perfeito exame de todos os candidatos à vida eterna terá de ser feito antes que Cristo volte nas nuvens do céu, pois, quando Ele aparecer, já terão sido tomadas as decisões para vida ou para morte. Os que morreram em Cristo serão chamados à vida, e os seguidores vivos de Cristo serão trasladados (1Ts 4,15-17). Todos são cidadãos do reino eterno. Depois do segundo advento, não haverá tempo para essas decisões." (Questões sobre doutrina, pg. 312)

Considere mais este texto de Ellen White sobre o que ocorre no Juízo Investigativo:

"Ao abrirem-se os livros de registro no juízo, é passada em revista perante Deus a vida de todos os que creram em Jesus. Começando pelos que primeiro viveram na Terra, nosso Advogado apresenta os casos de cada geração sucessiva, finalizando com os vivos. Todo nome é mencionado, cada caso minuciosamente investigado. Aceitam-se nomes, e rejeitam-se nomes. Quando alguém tem pecados que permanecem nos livros de registro, para os quais não houve arrependimento nem perdão, seu nome será omitido do livro da vida, e o relato de suas boas ações apagado do livro memorial de Deus. [...] Todos os que verdadeiramente se tenham arrependido do pecado e que pela fé hajam reclamado o sangue de Cristo, como seu sacrifício expiatório, tiveram o perdão aposto ao seu nome, nos livros do Céu; tornando-se eles participantes da justiça de Cristo, e verificando-se estar o seu caráter em harmonia com a lei de Deus, seus pecados serão riscados e eles próprios havidos por dignos da vida eterna. (O grande conflito Apud Questões sobre doutrinam, p. 315)

Ao término deste exame, acontecerá a volta de Jesus e o início do milênio.

"Tendo concluído Seu ministério como sumo sacerdote, nosso Salvador retorna à Terra, em glória, e então Satanás é lançado no abismo, onde ele e seus confederados de rebelião permanecerão por todo o milênio." (Questões sobre doutrina, p. 316)

Vamos então a alguns problemas

O primeiro problema, e que salta à vista, é a concepção materialista do céu que se tem e a negação prática da onisciência divina. Surpreendentemente, Deus precisa recorrer a livros para conhecer as minúcias da vida dos seres humanos, o que leva também a um segundo absurdo: que os anjos relatores saibam previamente algo que Deus não sabe ainda.

A Sra White nada fala sobre isso - pelo menos não o vimos -. Mas, como é um problema básico e facilmente percebido, o Questões sobre doutrina se apercebe dele e tenta uma justificação:

"Se a questão envolvesse apenas Deus, certamente não haveria necessidade de registros. Mas, para que os habitantes de todo o Universo, incluindo os anjos bons e maus e todos quantos já viveram na Terra, pudessem compreender Seu amor e Sua justiça, a história da vida de toda pessoa que já viveu neste mundo foi registrada, e no juízo serão abertos esses registros - pois todo homem será julgado segundo o que for revelado 'nos livros' do registro (Dn 7,10; Ap 20,12)" (p. 303)

"Cuma foi, seu zé?"
Isso, além de não melhorar muito, levanta outros sérios problemas. O primeiro é que a multidão de homens e anjos é de repente transformada numa plêiade de curiosos e fuxiqueiros. Além disso, o fato de eles precisarem conferir para só então se certificarem de que Deus é justo instaura e sacraliza, nos salvos, a desconfiança de Deus. Os que virem Deus face a face não apenas o amarão e nele confiarão, mas terão ainda quaisquer reservas que os farão conferir o Seu trabalho. E o que garantiria a estes desconfiados que os registros falam a verdade? Se se desconfia de Deus, imagina de um anjo relator? Então, o que se vê é uma série interminável de problemas. Os adventistas julgaram necessário levantar essa questão devido à afirmação bíblica de que os justos julgarão o mundo. (2Pe 2,4) Mas é muito interessante que os tais justos julguem o que já está julgado. Segundo, se se referisse a um desejo espontâneo de conferir um caso ou outro em particular, não seria o mundo que seria julgado, mas apenas alguns casos - por certo, a minoria, pois o Céu deve ser muito mais interessante do que tédio subjacente necessário à perda de tempo que seria fazer isso aí.

Mas que se trata de um caso de desconfiança é dito pelo próprio Questões sobre doutrina:

"O amor e a justiça de Deus têm sido desafiados por Satanás e suas hostes. O arquienganador e inimigo de toda justiça tem feito parecer que Deus é injusto. Portanto, em sua infinita sabedoria, Ele determinou resolver para sempre toda dúvida. Faz isso revelando perante o Universo inteiro a história completa do pecado, desde seu início." (p. 303)
Quer dizer que "em sua infinita sabedoria", Deus resolveu tirar a dúvida dos homens dando-lhes livros? "Vamos fazer do Céu um país de leitores."

Além disso, a segunda citação acima afirma que também os "anjos maus e todos quantos já viveram na Terra" poderão, através desses registros, "compreender Seu amor e Sua justiça", o que traz imediatamente a questão: também os demônios e os perdidos terão acesso a estes registros? Ora, estamos no Milênio, que é quando os "santos curiosos e paranóicos" supostamente reconferirão os tais registros. Mas os demônios não estarão no abismo? Os registros serão levados lá? E o que dizer dos homens maus que já tiverem morrido e estiverem supostamente naquela soneca? Não é só no final que eles serão ressuscitados? Quer dizer que depois da segunda ressurreição ainda haverá tempo de verificar, por parte dos condenados, a história de todas essas pessoas? Então põe mais um milênio aí... Pelo menos morrerão cultos... 

Shandaray...
Outra coisa curiosa: toda a perspectiva adventista pressupõe a existência do tempo no Céu. Na verdade, o tempo é uma criação de Deus para as realidades espaciais e, portanto, materiais. O que é o tempo? É justamente a distância entre o início de um movimento - físico ou mental - e o seu termo. Percorrer essa distância exige que no início do movimento ainda não se tenha o que se terá no fim. Portanto, o tempo exige um ser carecente que busca algo que lhe falta. Ora, Deus é completo e onipresente, o que impossibilita inclusive que Ele se mova, já que mover-se implica ocupar espaço antes não ocupado. Se Deus está em todo lugar, Ele não pode ocupar um lugar ainda não ocupado porque tal lugar não existe. Tempo e espaço existem neste universo. Deus está fora do tempo. É por isso que Deus se chama de "Eu sou".

Tudo quanto está no tempo muda. Ora, Deus não muda, o que significa que Ele não tem um antes e um depois. Ele simplesmente é. Ler livros é fazer um trabalho temporal e sucessivo, onde a consciência transita de nome a nome, de idéia a idéia, de história a história, e, de novo, isto pressupõe a negação da onisciência. Deus pode expressar-se sucessivamente já que Ele se dirige a seres temporais cujos atos cognoscitivos são sucessivos. Mas, enquanto atividade imanente, Deus não tem sucessão.

Poder-se ia objetar que Jesus o faz enquanto homem. Mas isto seria perder tempo, pois Jesus é Deus e pode saber de tudo num átimo. Contrasta com essas verdades evidentes a hipótese de Jesus estar, desde 1844, neste trabalho.

Acaba mair não...

Também do ponto de vista profético, isso não bate. Com efeito, costuma-se atribuir um dia a um ano. As 2.300 tardes e manhãs de Daniel seriam supostamente 2.300 anos, que levariam a 1844 - Na verdade, 1843. Assim, o dia da expiação, sendo somente um dia no tipo do Santuário, deveria ser correspondente a mil anos proféticos no seu antítipo. Chegaríamos então a 1944[43], que já passou faz tempo. Mesmo assim, esta teoria contrastaria com o que dissemos anteriormente.

Os livros de que se fala certamente não são livros literais, mas um símbolo usado pela Escritura para dar à consciência humana uma idéia comparativa de que Deus tem tudo registrado. Em Apocalipse 10,10 se fala de um livro pequeno que o Apóstolo João come, e até descreve o gosto. Ora, não se deve tomar isso literalmente.

O Questões sobre doutrina, a este respeito, diz:

"A que se assemelham esses 'livros' exatamente, não sabemos. Isso não foi revelado. As Escrituras, porém, tornam claro que, seja qual for a natureza desses registros, desempenham papel vital na cena do juízo." (p. 303)

Notem que ele aspeia a palavra "livros". Talvez algum adventista que estivesse nos acompanhando até aqui estivesse vendo com maus olhos o fato de atribuirmos a estes livros um sentido não literal. Mas eis que uma fonte de peso adventista diz o mesmo. Pô-lo entre aspas é o mesmo que dizer que não são livros exatamente. Mas é preciso dizer mais: se estes registros forem quaisquer objetos extrínsecos à mente divina, teremos de novo uma negação prática da onisciência. É preciso, portanto, que eles sejam a própria Inteligência de Deus, pelo que dispensam o "tempo" - que inexiste no Céu - de exame.

Por fim, se a intenção de Deus fosse comunicar as suas decisões e as razões delas, nada O impediria de iluminar simultaneamente a consciência de todos quantos houvesse no mundo, tanto anjos quanto homens.

Outro problema: como é possível que um julgamento da vida inteira de alguém aconteça enquanto o julgado ainda está vivendo? Deus poderia fazê-lo na sua presciência - como de fato Ele já sabe de antemão quem se salvará e quem se condenará -, mas isto dispensaria a necessidade de qualquer exame. A crença adventista, ao contrário, é a de que o meu nome pode estar sendo examinado agora no livro, e as minhas disposições atuais determinarão a minha salvação ou condenação. O meu nome por certo não será revisto, pois isto abriria ocasião para a revisão de todos os demais, e, sendo que o que motivaria uma tal revisão seria uma mudança interior, e sendo que esta pode se dar continuamente, seguir-se-ia daí a possibilidade de uma revisão contínua, e penso que eu que nem a paciência divina daria conta.

Crer no Juízo Investigativo é divinizar a sorte. Depois que o meu nome passar pelo exame e for apagado do livro da vida, de nada adiantará os meus ulteriores arrependimentos. Estarei perdido. Do mesmo modo, se no exame, eu for encontrado arrependido, e meu nome for mantido no livro da vida, isto significa que eu posso até fazer pacto com o demo depois, que nem por isso ele sairá de lá. Se se contestar isso, se terá de admitir a possibilidade da revisão do livro. A única saída é supor que um tal exame não existe, e que o julgamento divino, não precisando ocorrer no tempo, será imediato, no fim dos tempos, quando todos os homens tiverem terminado a sua história, como é a única alternativa lógica.

Vamos a mais uma citação que prova por A+B que o juízo investigativo nega a onisciência divina:

"Evidentemente, o relator celestial fez uma completa biografia de todo indivíduo que já viveu na Terra, não omitindo coisa alguma que pudesse ter qualquer influência na decisão do Juiz Onipotente." (p. 311)

A primeira coisa a se perguntar é: onde se diz na Bíblia sobre os anjos relatores?

A segunda é: por que os anjos relatam tudo de todo indivíduo se, como vimos, apenas os que uma vez foram cristãos serão objetos de exame?

Depois: se os anjos não omitem "coisa alguma que pudesse ter qualquer influência na decisão" de Deus, então isto significa que se eles omitissem, Deus não o saberia, isto é, poderia ser influenciado. Diga-me o leitor? Há sentido dizer isso considerando a onisciência divina?

Vamos a apenas mais dois problemas. Um deles já o adiantamos acima: na primeira citação, Ellen White deixa claro que apenas os uma vez ingressados na vida cristã serão analisados no Juízo Investigativo:

"No ritual simbólico, os únicos que participavam do Dia da Expiação eram aqueles cujos pecados haviam sido transferidos ao santuário durante o ano. Assim, no grande Dia da Expiação final e do juízo investigativo, os únicos casos examinados são os daqueles que afirmaram fazer parte do povo de Deus. O julgamento dos ímpios é algo distinto e separado, e ocorre posteriormente. (O grande conflito, p. 255)


Isto de fato otimizaria bastante o tempo. Mas, de novo: por que os anjos relataram a vida inclusive de quem nunca foi cristão? E o caso desses infiéis seria analisado só durante o Milênio? O Questões sobre Doutrina é taxativo: Depois do segundo advento, não haverá tempo para essas decisões." (p. 312)" Então, o julgamento dos ímpios ocorre posteriormente quando? Além disso, se eles não entraram no convívio dos justos, não já estão julgados? Como saber quem não entra no céu senão julgando-os anteriormente? Note-se que a sra White diz que "os únicos casos examinados são os dos que afirmaram fazer parte do povo de Deus".


Por fim, Ellen White cita Jesus e São Paulo:


"Alegrai-vos, [...] porque o vosso nome está arrolado nos Céus.' (Lc 10,20). Paulo fala de seus cooperadores, 'cujos nomes se encontram no Livro da Vida' (Fp 4,3)." (O grande conflito, p. 255)

Daí eu pergunto: que sentido faz se alegrar porque o nome aparece no livro dos céus se o mais normal do mundo é que depois o corretivo santo ou a borracha do poder entrem em ação e apaguem o nome de lá? Pelo contrário, quando Jesus ou Paulo falam isto, é óbvio que eles estão dizendo que aqueles aos quais eles se referiam eram pessoas eleitas de Deus.

Votação do PME de União dos Palmares na Câmara hoje - Sem Ideologia de Gênero!


Hoje, dia 20 de Agosto de 2015, é um dia histórico para União dos Palmares. Tivemos, a partir das 9 horas da manhã, uma Audiência Pública na Câmara dos Vereadores, sob presidência do Ver. Tita, a respeito da inserção da Questão de Gênero no Plano Municipal de Educação de União dos Palmares.

Antes das participações dos representantes das Instituições - entre eles, eu, que tive a imerecida honra de representar a Igreja Católica -, houve uma explanação do tema por dois amigos de Maceió, o Alessandro e o Leonardo, que, com a ajuda de um projetor, exprimiram de maneira magistral o plano ideológico e político que se imiscui no termo "Gênero".

Depois de muita discussão, vencemos, ao menos por ora, a causa por unanimidade. Com exceção de alguns militantes de esquerda, todos fomos contra, inclusive a totalidade dos vereadores presentes. Até mesmo um vereador do PT declarou-se contrário à Ideologia de Gênero.

Dentre os que foram favoráveis, o que geralmente se nota parece ser, não necessariamente uma má vontade ou um caráter maquiavélico, mas o total desconhecimento da própria noção de Gênero neste novo contexto. Por exemplo, o que mais se dizia da parte de quem defendia a teoria de gênero eram duas coisas: que era o mesmo que combate à homofobia - que é na verdade uma coisa totalmente diferente e não tem nada a ver com gênero -; e a idéia de que não existe opção sexual, pois isto não seria questão de escolha: nasce-se assim. Embora isso seja um pouco mais problemático, tudo bem. O que acontece é que este discurso do homoerotismo inato destrói a própria noção de gênero, pois todo teórico dessa idéia afirma categoricamente que a identidade de gênero é mutável, é fluida, é flutuante e pode ser mudada tanto quanto se queira. Ou seja: os próprios defensores do gênero são contra o gênero. Para se certificar disso, basta ir às fontes!

Citemos, só a título de exemplo, a Judith Butler, que é a maior autoridade atual sobre esse assunto - e inclusive estará aqui no Brasil agora em Setembro para um seminário sobre gênero na Bahia:

"A distinção entre sexo e gênero serve ao argumento segundo o qual o gênero é culturalmente construído. Portanto, o gênero não seria nem o resultado causal do sexo nem seria aparentemente fixo como o sexo.
Se o gênero são os significados culturais que o corpo sexuado assume, então não se pode dizer absolutamente que o gênero seja consequência do sexo.
Além disso, mesmo que, em sua morfologia e constituição, os sexos pareçam ser binários (algo que questionaremos mais adiante), não há razão para presumir que os gêneros devam também continuar sendo dois. Quando o status construído do gênero é teorizado como radicalmente independente do sexo, o gênero se torna uma artificialidade livremente flutuante. A consequência é que homem e masculino podem facilmente significar tanto um corpo feminino como um corpo masculino, e mulher e feminino podem significar tanto um corpo masculino como um corpo feminino.
Se o caráter imutável do sexo for contestado, talvez esta construção chamada 'sexo' seja tão culturalmente construída como 'gênero'; na verdade, talvez ela já tivesse sido sempre 'gênero', com a consequência de que a distinção entre sexo e gênero termine por não ser distinção alguma." (O problema de gênero: feminismo e subversão da identidade)

Aqui, contra toda a evidência mais evidente, Butler nega não somente a dualidade dos gêneros, mas a própria dualidade sexual, caracterizando-a como "construção". É evidentemente uma lunática. Eu poderia citar todas as demais defensoras desta teoria, mas não julgamos necessário, visto já termos escrito bastante a respeito. Basta procurar aqui no blog mesmo.

Outra coisa que eles consideram absurdo é que nós façamos referências à destruição da família, quando isso é dito com todas as letras pelas próprias feministas que promovem essa idéia, como a Kate Millet, que lamenta o fracasso da destruição da família na Revolução Russa em 1917, sob Lênin, e parte, a partir daí, ao estudo de um modus operandi mais eficiente para levar a termo o intento, sendo a Teoria de Gênero um fruto direto deste esforço.

Veja o que diz a respeito a maluca (literalmente) da Shulamith Firestone, outra das inspiradoras desse absurdo:

"Estamos falando de uma mudança radical. Libertar as mulheres de sua biologia significa ameaçar a unidade social, que está organizada em torno da sua reprodução biológica e da sujeição das mulheres ao seu destino biológico, a família.
Em segundo lugar, a segunda exigência será a total autodeterminação, incluindo a independência econômica, tanto das mulheres quanto das crianças. É por isso que precisamos falar de um socialismo feminista. Com isso atacamos a família em uma frente dupla, contestando aquilo em torno de que ela está organizada: a reprodução das espécies pelas mulheres e das crianças. Eliminar estas condições já seria suficiente para destruir a família, que produz a psicologia do poder. Contudo, nós a destruiremos ainda mais.
É necessário, em terceiro lugar, a total integração das mulheres e das crianças em todos os níveis da sociedade. E, se as distinções culturais entre homens e mulheres e entre adultos e crianças forem destruídas, nós não precisaremos mais da repressão sexual que mantém estas classes diferenciadas, sendo pela primeira vez possível a liberdade sexual 'natural'. Assim, chegaremos, em quarto lugar, à liberdade sexual para que todas as mulheres e crianças possam usar a sua sexualidade como quiserem. Em nossa nova sociedade e humanidade poderá finalmente voltar à sua sexualidade natural 'polimorficamente diversa'. Serão permitidas e satisfeitas todas as formas de sexualidade.
"É possível que a criança estabeleça suas relações físicas estreitas com gente de sua própria idade por mera conveniência física do mesmo modo que os homens e as mulheres, em igualdade de outros fatores, se preferirão um ou outro sobre os demais indivíduos do próprio sexo por simples conveniência física. Porém, se não for assim, se a criança escolhesse a relação sexual com os adultos, ainda no caso de que escolhesse a sua própria mãe genética, não existiriam razões a priori para que esta rechaçasse suas insinuações sexuais, visto que o tabu do incesto teria perdido a sua função."
(A dialética do sexo)

Aqui se revela o claríssimo intento da destruição da família e, para tal, da liberação do incesto e pedofilia, isto é, das relações sexuais entre crianças e adultos, inclusive da mesma família.

Shulamith, quando escreveu estas atrocidades, estava pensando em Max Horkheimer, que, sobre o assunto, afirmou:

"Entre as relações que influem decididamente no modelamento psíquico dos indivíduos, a família possui uma significação de primeira magnitude. A família é o que dá à vida social a indispensável capacidade para a conduta autoritária de que depende a existência da ordem burguesa.
(...) Não somente a vida sexual dos esposos se cerca de segredo diante dos filhos, como também da ternura que o filho experimenta para com a mãe deve ser proscrito todo impulso sexual; ela e a irmã têm direito apenas a sentimentos puros, a uma veneração e uma estima imaculadas.
(...) A subordinação ao imperativo categórico do dever foi, desde o início, o fim consciente da família burguesa. Os países que passaram a dirigir a economia, principalmente a Holanda e a Inglaterra, dispensaram às crianças uma educação cada vez mais severa e opressora. A família destacou-se sempre com maior importância na educação da submissão à autoridade. A força que o pai exerce sobre o filho é apresentada como relação moral, e quando a criança aprende a amar o seu pai de todo o coração, está na realidade recebendo sua primeira iniciação na relação burguesa de autoridade. Obviamente estas relações não são conhecidas em suas verdadeiras causas sociais, mas encobertas por ideologias religiosas e metafísicas que as tornam incompreensíveis e fazendo parecer a família como algo ideal até mesmo em uma modernidade em que, comparada com as possibilidades pedagógicas da sociedade, a família somente oferece condições miseráveis para a educação humana. Na família, o mundo espiritual em que a criança cresce está dominado pela idéia do poder exercido de alguns homens sobre os outros, pela idéia do mandar e do obedecer." (Autoridade e Família, 1936, in: Teoria Crítica, 1968)

Portanto, os intuitos da Ideologia de Gênero são a negação da identidade fixa da pessoa e a destruição da família, pois esta seria a origem da "psicologia do poder", fonte e raiz de toda exploração na sociedade. A família, tornada local privilegiado de intervenção ideológica, torna-se vítima sobretudo na sua parte mais frágil: a criança. Para o sucesso de tal empresa, busca-se a erotização dos infantes, como proposto por Herbert Marcuse, na Alemanha e mais tarde nos Estados Unidos, - que defende desde pedofilia e incesto até a zoofilia ou sexo com animais - e por Michel Foucault, na França, um dos defensores da pedofilia consentida, eufemisticamente chamada de "relação intergeracional". E para chegar a obter sucesso neste quesito, é indispensável que a educação sexual das crianças ocorra por meio do Estado, o que se daria oficialmente pela Educação.

Porém, apenas os membros de alta hierarquia da ideologia entendem o real significado da linguagem esotérica sob a qual disfarçam os seus desejos nestes documentos oficiais. E é por isso que mesmo defensores do gênero geralmente confundem o conceito, reduzindo-o a uma luta por igualdade e vitória sobre o preconceito. Recomendamos vivamente aos instrumentalizados a leitura das fontes originais.

Enfim, parabenizo aos vereadores que tiveram a coragem de se opor ao que foi criminosamente proposto, à revelia das determinações do Senado Federal, e que se pronunciaram usando, para caracterizar um tal projeto, termos como "abominação" e "coisa diabólica". A quem está acostumado com eufemismo, as coisas chamadas pelo nome podem estranhar, mas tais expressões estão corretíssimas.

Por último, quero parabenizar demais à juventude católica de União dos Palmares que esteve lá e fez bonito! De fato, quando começaram a se pronunciar, eu fiquei comovido. Que Deus os abençoe e retribua. Vencemos essa, e aquilo que conseguimos hoje foi algo grande! No entanto, faltam ainda outras etapas que, Deus queira, serão também conseguidas com sucesso. 

Que a Virgem Maria, mãe no menino Deus, cuide das nossas crianças e de nossos jovens.

A Igreja Católica seria a Prostituta do Apocalipse? - Parte 1


O livro do Apocalipse, que comumente é entendido como referindo-se ao final dos tempos e que tem fecundado o imaginário das pessoas desde que foi escrito, fala, dentre outras coisas, de uma "Prostituta", a quem chama de "Babilônia, a Grande."

Desde então, muitas pessoas têm se questionado sobre a quem João estaria se referindo. Os primeiros cristãos tendiam a identificá-la com a Roma Pagã. Depois, muitos foram também os que a associaram a Jerusalém. Contudo, depois da Reforma Protestante, não faltaram os que viram nela a Igreja Católica. Este artigo tem o intuito de analisar esta última alternativa e ver se ela tem mesmo fundamento.

Antes de começarmos, demos uma olhada no que diz exatamente João a este respeito:

"Veio, então, um dos sete Anjos que tinham as sete taças e falou comigo: 'Vem, e eu te mostrarei a condenação da grande meretriz, que se assenta à beira das muitas águas, com a qual se contaminaram os reis da terra. Ela inebriou os habitantes da terra com o vinho da sua luxúria. Transportou-me, então, em espírito ao deserto. Eu vi uma mulher assentada em cima de uma fera escarlate, cheia de nomes blasfematórios, com sete cabeças e dez chifres. A mulher estava vestida de púrpura e escarlate, adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas. Tinha na mão uma taça de ouro, cheia de abominação e de imundície de sua prostituição. Na sua fronte estava escrito um nome simbólico: 'Babilônia, a Grande, a mãe da prostituição e das abominações da terra.' Vi que a mulher estava ébria do sangue dos mártires de Jesus; e esta visão encheu-e de espanto.
Mas o anjo me disse: 'Por que te admiras? Eu mesmo te vou dizer o simbolismo da mulher e da Fera de sete cabeças e dez chifres que a carrega. (...) Aqui se requer uma inteligência penetrante. As sete cabeças são sete montanhas sobre as quais se assenta a mulher. São também sete reis: cinco já caíram, um subsiste, o outro ainda não veio; e quando vier, deve permanecer pouco tempo. Quanto à Fera que era e já não é, ela mesma é um oitavo (rei). Todavia, é um dos sete e caminha para a perdição. Os dez chifres que viste são dez reis que ainda não receberam o reino, mas que receberão por um momento poder real com a Fera. (...)
O anjo me disse: "As águas que viste, à beira das quais a Prostituta se assenta, são povos e multidões, nações e línguas. Os dez chifres que viste, assim como a Fera, odiarão a Prostituta. Hão de despojá-la e desnudá-la. Hão de comer-lhe as carnes e a queimarão ao fogo. (...) A mulher que viste é a grande cidade, aquela que reina sobre os reis da terra.

Depois disso, vi descer do céu outro anjo que tinha grande poder, e a terra foi iluminada por sua glória. Clamou em alta voz, dizendo: 'Caiu, caiu Babilônia, a Grande. Tornou-se morada dos demônios, prisão dos espíritos imundos e das aves impuras e abomináveis, porque todas as nações beberam do vinho da ira de sua luxúria, pecaram com ela os reis da terra e os mercadores da terra se enriqueceram com o excesso do seu luxo.

Ouvi outra voz do céu e que dizia: 'Meu povo, sai de seu meio para que não participes de seus pecados e não tenhas parte nas suas pragas, porque seus pecados se acumularam até o céu, e Deus se lembrou das suas injustiças. Faze com ela o que fez (contigo), e retribui-lhe o dobro de seus malefícios; na taça que ela deu de beber, dá-lhe o dobro. Na mesma proporção em que fez ostentação de luxo, dá-lhe em tormentos e prantos. Pois ela disse no seu coração: estou no trono como rainha, e não viúva, e nunca conhecerei o luto. Por isso, num só dia virão sobre ela as pragas: morte, pranto, fome. Ela será consumida pelo fogo, porque forte é o Senhor que a condenou.

Hão de chorar e lamentar-se por sua casa os reis da terra que com ela se contaminaram e pecaram, quando avistarem a fumaça do seu incêndio. Parados ao longe, de medo de seus tormentos, eles dirão: 'Ai, ai da grande cidade, Babilônia, cidade poderosa! Bastou um momento para tua execução!'

Também os negociantes da terra choram e se lamentam a seu respeito, porque já não há ninguém que lhes compre os carregamentos: carregamento de ouro e prata, pedras preciosas e pérolas, linho e púrpura, seda e escarlate, bem como de toda espécie de madeira odorífera, objetos de marfim e madeira preciosa; de bronze, ferro e mármore; de cinamomo e essência; de aromas, mirra e incenso; de vinho e óleo, de farinha e trigo, de animais de carga, ovelhas, cavalos e carros, escravos e outros homens. Eis que o bom tempo de tuas paixões animalescas se escoou. Toda a magnificência e todo o brilho se apagaram, e jamais serão reencontrados. Os mercadores destas coisas, que delas se enriqueceram, pararão ao longe, de medo de seus tormentos, e hão de chorar e lamentar-se, dizendo: 'Ai, ai da grande cidade, que se revestia de linho, púrpura e escarlate, toda ornada de ouro, pedras preciosas e pérolas. Num só momento toda essa riqueza foi devastada!'

Todos os pilotos e todos os navegantes, os marinheiros e todos os que trabalhavam no mar paravam ao longe e exclamavam, ao ver a fumaça do incêndio: 'Que havia de comparável a essa grande cidade?' E lançavam pó sobre as cabeças, chorando e lamentando-se com estas palavras: 'Ai, ai da grande cidade, de cuja opulência se enriqueceram todos os que tinham navios no mar. Bastou um momento para ser arrasada!' Exulta sobre ela, ó céu; e também vós, santos, apóstolos e profetas, porque Deus julgou contra ela a vossa causa.

Então um anjo poderoso tomou uma pedra do tamanho de uma grande mó de moinho e lançou-a no mar, dizendo: 'Com tal ímpeto será precipitada Babilônia, a grande cidade, e jamais será encontrada. Já não se ouvirá mais em ti o som dos citaristas, dos cantores, dos tocadores de flauta, de trombetas. Nem se encontrará em ti artífice algum de qualquer espécie. Não se ouvirá mais em ti o ruído do moinho, não brilhará mais em ti a luz de lâmpada, não se ouvirá mais em ti a voz do esposo e da esposa; porque teus mercadores eram senhores do mundo, e todas as nações foram seduzidas por teus malefícios. Foi em ti que se encontrou o sangue dos profetas e dos santos, como também de todos aqueles que foram imolados da terra;

Depois disso, ouvi no céu como que um imenso coro que cantava: 'Aleluia! A nosso Deus a salvação, a glória e o poder, porque os seus juízos são verdadeiros e justos. Ele executou a grande Prostituta que corrompia a terra com a sua prostituição, e pediu-lhe contas do sangue dos seus servos.." (Apo 17-19,4)
A citação é um tanto longa, mas é necessária para que peguemos todas as referências a esta entidade. Então resumamos as suas características básicas:

---------------------------------------------------------------------------------------------
- É chamada de Grande Meretriz ou Prostituta;
- É chamada de Grande Cidade;
- Se assenta à beira de muitas águas que contaminaram os reis da terra;
- Inebriou os habitantes da terra com o vinho de sua luxúria;
- Está sentada sobre uma fera escarlate, com sete cabeças e dez chifres;
- Está vestida de púrpura e escarlate;
- Está adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas;
- Carrega uma taça de ouro, cheia de abominações e imundícias de sua prostituição;
- Tem escrito na testa o nome de Babilônia, a Grande, mãe das prostituições e abominações da terra;
- Estava ébria com o sangue dos mártires de Jesus;
----------------------------------------------------------------------------------------------

O anjo então adverte João de que para compreender o que foi dito, é necessário ter uma inteligência penetrante, o que significa: ninguém queira tratar esses assuntos com vulgaridade e grosseria. Ele passa então a explicar os símbolos:

---------------------------------------------------------------------------------------------
- Sete cabeças - Sete montanhas - sete reis
- Dos sete reis - Cinco já caíram, um subsiste, outro ainda não veio; quando vier, fica por pouco tempo;
- O oitavo rei é a Fera; mas é também um dos sete;
- Dez chifres - dez reis que ainda não receberam o reino, mas receberão por um momento poder real com a Fera, o oitavo rei;
- Águas sobre as quais se assenta a Prostituta - povos e multidões, nações e línguas;
- Os dez chifres e a fera odiarão a Prostituta;
- A mulher ou Prostituta - Grande Cidade, a que reina sobre os reis da terra.
- Todas as nações beberam do vinho da ira de sua luxúria;
- Os reis da terra pecaram com ela;
- Os marcadores se enriqueceram com o excesso do seu luxo;
- A prostituta se dizia rainha, e não viúva;
- Será consumida pelo fogo;
- Hão de chorar por sua causa os reis e negociantes da terra;
- Ela tinha paixões animalescas;
- Nela se encontrou o sangue dos profetas e dos santos;
---------------------------------------------------------------------------------------------

Eis aí as características básicas desse ser. Vejamos a quem isso tudo se aplica.

Dissemos das três possibilidades: Roma Pagã, Roma Papal e Jerusalém. Como o propósito deste texto é analisar primeiramente se isso tudo se enquadra na Igreja Católica, comecemos por aqui.

Antes, porém, digamos de uma estratagema comum usado pelos acusadores da Igreja: eles consideram-na uma continuação do Império Romano. Assim, todas as referências do texto que digam respeito inequivocamente à Roma Pagã, eles entenderão como uma confirmação de que se refere à Roma Papal. Veremos também se há, de fato, uma continuidade entre os dois.

A primeira dificuldade aqui é que, mesmo sabendo que o sentido todo é simbólico, conforme o próprio anjo diz, os acusadores da Igreja se valem de uma leitura literal de várias figuras, como, por exemplo, do cálice dourado, das cores púrpura e escarlate, da riqueza, e alguns outros ainda da Prostituição.


É A IGREJA CATÓLICA A PROSTITUTA?



Entendamos, pra começar, o que é esta prostituição de que se fala. Não se trata de impureza sexual, mas de contaminação com o paganismo ou com doutrinas estranhas à estabelecida por Deus. Deus, na Sua relação com Israel, se compara sempre com um esposo a quem Israel, em voltar-se para os ídolos, trata com infidelidade. Por causa disso, Ele sempre acusa Jerusalém de ser uma prostituta (Cf. Jer 13,27).

Isso não é ponto polêmico, pois todo o protestantismo que acusa a Igreja de ser esta entidade aceita esta interpretação. Em seguida, eles costumam atacar a Igreja dizendo que ela se corrompeu com o Império Romano, tornando-se idólatra e ensinando esta idolatria ao mundo. Nisto consistiria a sua prostituição. Mas será que tal se dá?

Quando foi que a Igreja deixou de ter uma relação conflituosa com o Império Romano? Isto ocorre no século IV, quando Constantino fez cessar a perseguição aos cristãos, em 313 d.C. O motivo foi o seguinte: indo para uma guerra contra o seu rival Maxêncio, ele teria visto um sinal no céu: uma Cruz e a inscrição latina "in hoc signo vinces", que significa: "com este sinal, vencerás". De fato, ele vence a batalha, e, por isso, dá aos cristãos, que eram perseguidos desde o primeiro século, liberdade de culto. Porém, somente com o imperador Teodósio I, o cristianismo se tornará a religião oficial do Império, com o Edito de Tessalônica, em 380 d.C.

É importante destacar o seguinte: no século IV, o cristianismo já estava distribuído no mundo todo. Uma grande novidade em termos doutrinais levantaria uma imensa resistência geral. É conveniente relatar também que, por causa de uma matança em Tessalônica a mando de Teodósio, o bispo de Milão - na época, chamada Mediolano -, Santo Ambrósio, o excomungou e escarneceu em público, proibindo-lhe entrada na igreja, ao que Teodósio necessitou fazer longa penitência a fim de poder reaver seu direito como cristão. Vejamos o que diz disso o historiador do Séc. V, Teodoreto de Cirro:


“Tessalônia é uma cidade grande e populosa na província da Macedônia. Por causa da revolta que aconteceu lá, o Imperador [Teodósio] irou-se sobremodo e satisfez seu desejo por vingança desembainhando a espada de maneira injusta e tirânica contra todos – inocentes e culpados. É dito que sete mil pereceram sem qualquer base legal ou sentença judicial, mas que foram todos cortados como espigas de trigo no tempo da colheita.
Quando Ambrósio ouviu falar desta deplorável catástrofe, saiu para se encontrar com o Imperador que, em seu retorno a Milão, desejou, como de costume, entrar na santa igreja. Mas Ambrósio proibiu sua entrada dizendo: ‘Parece que tu não percebes, ó Imperador, o tamanho da tua culpa por um tão grande massacre. Agora que tua fúria foi apaziguada, não vês o tamanho do teu crime? Não se deslumbre com o esplendor da púrpura que tu vestes para que não te esqueças da fraqueza do corpo que ela cobre. Teus súditos, ó Imperador, são da mesma natureza que tu és. E não somente isto. Também são servos como tu és, pois só há um único Senhor e Governador sobre todos, Aquele que é o Criador de todas as criaturas, tanto do príncipe quanto do povo. Como ousas tu olhar para o templo d’Aquele que é o Senhor de todos? Como podes tu erguer as mãos para orar estando mergulhado no sangue de um massacre tão injusto? Vá embora em vez de se tornar ainda mais culpado por um segundo crime’.
O Imperador, que havia sido criado no conhecimento das Sagradas Escrituras e conhecia bem a distinção entre o poder eclesiástico e o poder temporal, se submeteu à censura e, com muitas lágrimas e gemidos, voltou ao seu palácio. O Imperador se trancou em seu palácio e chorou muito. Depois de diversas tentativas sem sucesso de apaziguar Ambrósio, o próprio Teodósio finalmente se encontrou com Ambrósio em particular e implorou por misericórdia dizendo: ‘Eu imploro que, em consideração à misericórdia de Nosso Senhor em comum, me libertes destas cadeias e que não feches a porta que é aberta pelo Senhor para todos que verdadeiramente se arrependem’. Ambrósio estipulou que o Imperador provasse seu arrependimento revogando diversos decretos injustos e especialmente ‘que quando uma sentença de morte ou proscrição fosse assinada contra alguém, deveria haver um espaço de trinta dias antes da execução e, durante esse tempo, o caso deve ser trazido a ti. Isso lhe dará tempo para se acalmar, para que possas pensar sobre o caso com justiça’. O Imperador deu ouvidos ao seu conselho e achou excelente. Ele imediatamente ordenou que a lei fosse elaborada e ele mesmo assinou o documento. Ambrósio, então, o readmitiu a comunhão.

O Imperador, que estava cheio de fé, agora tomou coragem de entrar na santa igreja, na qual ele não orou de pé ou ajoelhado, mas lançou-se ao chão. Ele puxava os cabelos, batia na testa e chorava muito enquanto implorava pelo perdão de Deus. Ambrósio restaurou seu favor, mas o proibiu de entrar no gradil de comunhão, ordenando que seu diácono lhe dissesse: ‘somente os presbíteros, ó Imperador, tem permissão para ultrapassar o gradil de comunhão. Se retire, então, e fique com os outros leigos. A púrpura faz o Imperador, mas não os presbíteros…” Teodósio humildemente obedeceu e elogiou Ambrósio dizendo: “Ambrósio somente merece o título de ‘bispo’“. (História Eclesiástica, V.17-18, Disponível Aqui)

Não contrasta a alegada submissão da Igreja ao Império Romano com o fato aí descrito? Só por este acontecido, largamente reconhecido, pode-se objetar qualquer tipo de suposta subserviência que a Igreja teria tido ao Império. E não convém pensar, também, que Ambrósio fosse o único bispo honesto. Pelo contrário, basta um pouquinho de esforço para perceber que todo o clero cristão dessa época era de uma santidade eminente.

Depois, se de fato a Igreja se prostituiu com o Império Romano, e se isto só é possível de ter ocorrido no século IV, basta fazer-se um estudo sobre o que cria a Igreja durante os quatro primeiros séculos. Ver-se-á, então, que, longe de diferir, a Igreja já era basicamente a mesma que é hoje, com bispos, dioceses, padres, e suas crenças fundamentais.: divindade de Jesus, Ss Trindade, observância do Domingo, culto aos santos e mártires, culto especial à Virgem Maria, prática da confissão auricular, batismo de crianças, imagens, Santa Missa, etc. Nada falta! É absurdo, portanto, falar de prostituição da Igreja com o Império Romano. Veja ainda o que diz Jonathan Edwards:

“Deus agora se manifestou para executar juízos terríveis sobre seus inimigos. Os registros históricos fornecem relatos surpreendentes do quão terrível foi fim de imperadores, príncipes, generais e capitães pagãos, que se empenhavam na perseguição de cristãos; morrendo miseravelmente, um após o outro, sofrendo estranhos tormentos do corpo, horrores na consciência, com a mão de Deus visivelmente pesando contra eles. O paganismo foi, em grande medida, abolido por todo o Império Romano… A Igreja Cristã foi conduzida a um estado de grande paz e prosperidade…. Satanás, o príncipe das trevas, o rei e deus dos pagãos estava sendo derrubado. O leão que ruge foi conquistado pelo Cordeiro de Deus, no mais forte domínio que ele já teve… (...) O Evangelho prevalecendo da maneira que fez contra uma oposição tão forte demonstra claramente a mão de Deus. O governo romano que, com tanta violência, trabalhou para impedir o sucesso do Evangelho e para destruir a Igreja de Cristo, foi o Império mais potente que já havia aparecido no mundo; e não somente isso, mas também pareciam ter a Igreja nas mãos. Os cristãos que estavam sob seu domínio nunca pegaram nas armas para se defender, se armaram unicamente com a paciência e armas espirituais. Ainda assim, essa grande potencia não podia conquistá-los, mas o Cristianismo é que prevaleceu. O Império Romano havia dominado muitos reinos poderosos; eles dominaram a monarquia Grega, apesar desta ter resistido ao máximo. Mas não foram capazes de conquistar a Igreja em suas mãos. Pelo contrário, a Igreja triunfou e prevaleceu”. (A History of the Work of Redemption, “The Success of Redemption from the Destruction of Jerusalem, to the Time of Constantine”, Disponível aqui.)

Não há, portanto, NENHUMA evidência de "prostituição" doutrinal da Igreja com Roma. Como se vê, muito pelo contrário.


Usa-se também a referência "está vestida de púrpura e escarlate" para indicar a cor das vestes litúrgicas dos bispos e cardeais. 

Porém, as cores "púrpura" e "escarlate" não indicam cores literais, mas significados simbólicos. Elas contrastam com as "vestes brancas", que simbolizam pureza. Vejamos:

Apo 3,5 - "O vencedor será assim revestido de vestes brancas. Jamais apagarei o seu nome do livro da vida, e o proclamarei diante do meu Pai e dos seus anjos."

Apo 3,18 - "Aconselho-te que compres ouro provado ao fogo, para ficares rico; roupas alvas para te vestires, a fim de que não apareça a vergonha de tua nudez";

Apo 7,9 - "Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua: conservavam-se em pé diante do trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão."

Apo 3,4 - "Todavia, não contaminaram suas vestes; andarão comigo vestidas de branco, porque o merecem."

Dn 7,9 - "Continuei a olhar, até o momento em que foram colocados os tronos e um ancião chegou e se sentou. Brancas como a neve eram suas vestes."

Agora contrastemos isso com este texto:

"Se vossos pecados forem escarlates, tornar-se-ão brancos como a neve! Se forem vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a lã! (Isa 1,18)

Aqui as cores claramente simbolizam o pecado e a pureza. O vermelho e o escarlate, cores gritantes, contrastam com a placidez do branco. É óbvio que literalmente Deus não tem vestes.

Assim, as cores vermelho e púrpura das vestes da Prostituta simbolizam a intensidade da sua prostituição e do seu pecado. Mas será que isto pode mesmo simbolizar a Igreja?  Obviamente, como é feita de homens, estes pecam. Assim como os 12 apóstolos pecavam. Mas não há possibilidade de falar que a Igreja enquanto tal, isto é, em virtude de sua essência, foi promovedora de pecados escarlates. De fato, houve papas bons e maus, assim como clérigos bons e maus. Alguns foram bastante pecadores, mas isso nunca foi uma regra na Igreja, de modo que não há homogeneidade no mal. Os pecados que se deram não se destacaram tanto quanto se quer fazer pensar, nem foram promovidos pela Igreja de modo proposital. E aqui há que se perguntar: a que se referem os acusadores? Provavelmente, citarão certas imoralidades perpetradas inclusive por Sumos Pontífices. No entanto, nunca poderão fazer disso uma regra, senão circunstâncias muito pontuais. Não é, porém, o que ocorre com a Prostituta do Apocalipse. E o que dizer dessa vista grossa suspeita para a imensa quantidade de santos, cujas vidas se elevaram a alturas tão vertiginosas que os líderes protestantes sequer conseguem acompanhar com os olhos?

Depois, há que se dizer que o "roxo" e o "vermelho" não são as cores principais do clero católico. Todos os padres vestem preto, se estão de batina, ou branco e outras cores, quando estão celebrando. Os bispos e cardeais, quando celebram, variam as cores a depender do tempo litúrgico. Elas podem ser o roxo (celebrações penitenciais, quaresma, finados, advento), o vermelho (memória dos mártires, Pentecostes), o branco (festas em geral), o azul (celebrações marianas) ou o verde (tempo comum). Sem celebrar, usam vestes pretas, e faixas roxas (bispos) e vermelhas (cardeais), ou murças roxas (bispos) ou vermelhas (cardeais). 

Cardeais com túnicas e murças vermelhas

Bispos e cardeais com batinas pretas e faixas e solidéus roxos (bispos) e vermelhos (cardeais)
Padre com batina, veste ordinária

Casulas usadas apenas para celebrações


O roxo sempre representa sobriedade, penitência, conversão. O vermelho, por sua vez, indica o sangue dos mártires, o de Cristo e também a disposição em dar o próprio sangue. Já a cor das vestes papais é toda branca. É óbvio que se João quisesse referir-se à Igreja, teria variado bastante nas cores, referindo-se principalmente ao branco e ao preto, ou teria principalmente mencionado a cor do Papa, o branco. Como vimos, porém, o branco é a cor dos remidos.

Por fim, em se tratando de vestes literais, é fato que Deus mesmo ordenou que, nas cerimônias litúrgicas de Israel, as vestes sacerdotais fossem roxo e escarlate (Ex 28,4-8, 15, 33; 39,1-8, 24, 29).

Próximo ponto.


"Nela se encontrou o sangue dos profetas e dos santos".

Geralmente, quando se trata disso, o imaginário protestante é imediatamente levado às cenas da Inquisição, o que não deixa de ser interessante, tendo em vista a total ignorância no assunto por parte da extrema maioria deles. Os que, ao invés, se detêm em estudar um pouco que seja este tema, rapidinho abandonam tais devaneios.



Dentre os hereges condenados pela Inquisição, se encontravam principalmente os cátaros, uma variante do maniqueísmo. Mas também havia outras correntes, como os huguenotes, na França, e os albigenses, bastante semelhantes aos primeiros, nos países baixos, Alemanha, Lombardia e sobretudo na França.

Vamos ver quem eram cada um desses? Depois, vocês mesmos me dirão se eles podem ser chamados de santos.

Cátaros e Albigenses são basicamente os mesmos. A denominação distinta dependia dos lugares. Foi basicamente por causa deles que o Tribunal da Inquisição começou a "trabalhar". No que criam? Dissemos que era uma variante do maniqueísmo. Comecemos então definindo o que é o maniqueísmo: tipo de gnosticismo que afirma existirem dois princípios substanciais: o bem e o mal. Esses dois princípios são duas divindades, uma boa e outra má. A divindade boa criou o mundo dos espíritos. A divindade má criou o mundo material e aprisionou o espírito humano dentro de um corpo físico. Conclusão: a matéria é má e é preciso redescobrir o meio de despertar a nossa verdadeira natureza, a centelha divina que está presa dentro do invólucro corporal. Para isto, é preciso conhecer um segredo oculto: a gnose. Este segredo nos foi dado por Jesus, que havia ensinado como fazer para adquirir a liberação.

Jesus, porém, não foi verdadeiro homem, pois ser homem é ser material. Logo, não é verdade que ele se encarnou. Tampouco morreu, nem ressuscitou, pois todas essas coisas promovem a matéria. Vão observando quem são os pretensos santos. Para eles, o Deus do Antigo Testamento é o Deus mau, Satanás. O Deus do Novo Testamento é que é bom.

Em termos práticos, isso fazia com que eles condenassem as relações sexuais, que identificavam com o Pecado Original, e sobretudo o casamento, que era como uma legitimação das torpezas e imoralidades. Consideravam que as mulheres grávidas eram tipos de possessas, pois carregavam o mal na barriga, e chegavam a assassiná-las. Pregavam o suicídio por inanição, numa prática chamada endura, e que impunham até às crianças. Há uma fonte que afirma que os cátaros morreram mais disso do que por qualquer iniciativa da Inquisição. Além disso, invadiam e incendiavam propriedades. Como eram geralmente identificados como religiosos, a Igreja era chamada para intervir e evitar a justiça com as próprias mãos por parte dos civis. Foi numa dessas ocasiões que o Papa Inocêncio III enviou o seu delegado, Pierre de Castelnau, para pregar no sul da França. Na volta, porém, ele foi assassinado por quem? Pelos cátaros. Este incidente motivou a chamada Cruzada dos Albigenses. As idéias cátaras estavam se espalhando de modo terrivelmente rápido, urgindo uma intervenção. Historiadores insuspeitos, como o protestante Henry C. Lea, afirmam que, se nada fosse feito, eles teriam levado a civilização ocidental a um colapso. Santos Cátaros? Só numa cabeça doente.

E os huguenotes? Seriam coisa boa? Seriam santos? Vejamos.

A seita começou em Paris, e foi exterminada na Noite de São Bartolomeu que, ao contrário do que se diz, não teve nenhum tipo de participação da Igreja, conforme você pode ver nesta série de artigos a respeito:


Mas, ainda assim, vejamos quem eram os tais.

Os huguenotes defendiam o Calvinismo e viviam do calor provocado pela revolta de Lutero. Sobre aqueles dias, escreve o historiador francês Jorge Gandy:


"O calvinismo envolvia a França numa rede de conspirações. Em 1562, seus partidários sublevaram-se, ao mandado de seus chefes, com uma simultaneidade assustadora. Em 1567, pôde-se verificar juntamente o alcance e a rapidez de suas manobras. Neste ano, as ruas de Nimes foram ensanguentadas por uma das mais odiosas São Bartolomeus protestantes, a qual se chamou a Miguelada, efetuada pelos huguenotes, de sangue frio, de caso pensado, sem provocação da parte dos católicos, a 30 de setembro, no dia seguinte à festa de São Miguel. Trezentos cadáveres foram precipitados num grande poço, no pátio do palácio episcopal. Contra este fato, os protestantes organizaram a conspiração do silêncio. Contudo, o nefando crime é confessado por alguns deles. Além disso, a Miguelada não foi um fato isolado, mas o efeito de uma conspiração tramada contra a França." (Revue des questions historiques, 1866, t. I. - J.-J. Fauriel, Essai sur les événements qui ont précédé la Saint-Barthélemy (thèse))


Carlos Buet, por sua vez, comenta:

"As catedrais, as igrejas, os conventos, as capelas e até as bibliotecas e os hospitais são destruídos, saqueados, roubados, profanados. Como os bárbaros, os protestantes apoderam-se de todas as riquezas do culto, quebram as estátuas, dilaceram as pinturas... Pelas mãos deles, os bispos, os sacerdotes, os frades de qualquer ordem são mortos, insultados ou expulsos. As populações, fiéis ao culto de seus pais, são submetidas aos mais cruéis tratamentos. Só na Beauce, os calvinistas triunfantes destruíram trezentas igrejas. Em toda a França, contam-se cento e cinquenta catedrais ou abadias completamente arruinadas" (François_de Guise)

Os hereges não queriam apenas um lugar ao sol, como se costuma dizer. Pelo contrário, eles atacavam de armas na mão. Pouco se fala das Inquisições Protestantes, essas sim, uma cena dramática de carnificina e ódio. Não à toa a Igreja, por vezes, tinha de intervir com o braço secular. Mas falaremos disso mais adiante.

E o que dizer dos famosos reformadores mortos pela Inquisição?

John Huss, Zwinglio, Lutero, Wycliffe?

Comecemos por este último? Bom, é breve: Wycliffe morreu de morte natural. Próximo.

Lutero? Suicida. Próximo.

Zwinglio? Convocou uma luta armada na Suiça e morreu em combate.

Vamos então a John Huss. Esse de fato morreu na Inquisição. Observemos em quais circunstâncias.




Jan Husinecký, ou o seu correspondente latino, Johannes de Hussinetz., foi o fundador dos hussitas, e defendia as idéias de Wycliffe. Dentre as bandeiras propagadas pelo sr. Huss, estavam:

a) Negação das indulgências;

b Negação do purgatório;

c) Negação do papado; 

d) Negação da realidade da transubstanciação, professando a novidade luterana da empanação;

e) Dizia que os fiéis não estavam submissos à autoridade civil a menos que estas estivessem em estado de graça. 

Além disso tudo, ele era visto como um líder boêmio contra os interesses do rei, de modo que as suas posições tinham fortes repercussões políticas. A época também é particularmente caótica, e conhecida como o Grande Cisma do Ocidente: havia três pretensos papas, todos falsos: João XXIII, Bento XIII e Gregório XII, cada um apoiado por sua própria região e grupos de poder. O Concílio de Constança teve seu início durante esse processo complicado, e, a partir de um sistema de votações, foi destituindo um a um os supostos pontífices, chegando, depois, a estabelecer um novo Papa: Martinho V, que restaurou a unidade da Igreja. No meio dessa briga político-religiosa, a negação da autoridade papal afirmada por Huss tinha fortes ecos políticos. João XXIII chegou a excomungá-lo, mas sem incluir nisso sanções civis, como que a adverti-lo para que ficasse quieto. Mas nada feito. Huss apareceu no concílio a fim de defender suas teses, sob um salvo conduto do Imperador, que, no entanto, não o evitou de ser considerado herege e de ser preso. Diz-se que o Impeador, sob a alegada afirmação de que não queria se opor à Igreja, achou nisso um conveniente para cessar a voz de um seu perseguidor político. Por dois meses e meio fizeram um exame geral dos escritos de Huss, durante os quais ele continuou a pregar e escrever sob prisão domiciliar no Castelo de Gottlieben.

A 6 de Julho de 1415, John Huss, depois de se ter negado a renunciar aos próprios erros, aceitou a pena civil da execução na fogueira.

Há que se dizer que o Papa Martinho V só foi eleito dois anos depois. Ou seja: John Huss morreu no cume da confusão. Portanto, não se deve dizer que este foi um evento típico na Igreja.

Mas reflitamos um pouco no significado da Heresia.

O termo, do grego Haeresis, faz referência ao ato de escolher, num corpo de doutrinas, aquelas às quais se vai aderir, estabelecendo a consciência individual como autoridade máxima em religião, atitude que é a raiz do subjetivismo e individualismo moderno.

Na Idade Média, a Heresia não era apenas um pecado moral individual, mas era considerado crime civil - algo que pode ser comparado, na indignação que despertava no povo, ao atual crime de pedofilia - e, além disso, era tido como crime de lesa majestade, isto é, contra o Rei, Deus. Toda a sociedade medieval era teocêntrica. Uma heresia implicava em turvar a revelação que Deus havia feito de si mesmo. Isto provocava de um lado uma ofensa a Ele, e de outro expunha as almas à condenação eterna. A heresia era dita matar a alma. Como o homem medieval tinha, sobretudo, o ideal da salvação, os hereges lhes apareciam como inimigos-mor do povo e de Deus. Frequentes eram as execuções levadas a termo pelos próprios civis, e, se a Igreja intervinha, frequentemente ela minorava o rigor com que os hereges eram tratados, inclusive poupando-os da morte na imensa maioria das vezes. O Rei Luís VII, da França, em 1162, ainda antes da Inquisição, mas já numa situação insuportável por conta dos hereges, escreve ao Papa Alexandre III: 

"Vossa sabedoria preste atenção toda particular a esta peste e a suprima antes que se possa agravar. Eu vos suplico pela honra da Fé cristã, dai nesta causa toda a liberdade ao Arcebispo (de Reims), êle destruirá aqueles que assim se levantam contra Deus, sua severidade justa será louvada por todos os que, nesse país, estão animados de genuína piedade. Se Vós agirdes de outro modo, os murmúrios não se aquietarão e desencadeareis contra a Igreja Romana as veementes censuras da opinião." (Dictionnaire de Théologie Catholique, Paris, 1923)

Somente quase cem anos depois é que a Inquisição entrará em cena. Ela era vista, pelos criminosos em geral, como um tribunal justo, ao ponto de vários deles, presos por crimes civis, inventarem logo em seguida um crime de heresia para que pudessem ser transferidos e julgados pela Inquisição. Isso ocorreu, por exemplo, com os Templários, na França, mas o seu pedido foi indeferido. Além disso, a Inquisição deixava à disposição dos acusados um advogado de defesa, era feita uma profunda investigação sobre os fundamentos da acusação; se o acusador fosse provado ser falso, ele era quem pagava a sanção. Se em qualquer fase do processo o réu se arrependia dos seus delitos, os confessava e renunciava as suas posições, ele era perdoado e escapava da pena capital. A Inquisição representou ainda um grande avanço nos sentido humanitário. Todos os tribunais civis do mundo faziam amplo uso da tortura. A Igreja quase a excluiu de vez. Permitia que fosse aplicada apenas uma vez, sem derramamento de sangue e na presença de um médico, e a confissão sob tortura só era válida se confirmada posteriormente, sem tortura. Em 200 anos, a tortura foi aplicada apenas 3 vezes. As prisões da Inquisição eram muito mais dignas do que as civis. As punições mais comuns eram penitências pessoais - como os "autos da fé" - peregrinações, expropriação de algum pertence, etc. Dentre as poucas execuções penais, várias delas eram apenas simbólicas, com bonecos sendo queimados.

O crime de heresia, como contaminava socialmente - a exemplo dos cátaros -, e expunha muitas almas ao perigo do erro e da apostasia, ameaçando-lhes do inferno - que, no imaginário medieval, era muito real, e certos estavam eles - exigia que a Igreja, ciosa dos seus filhos, agisse como mãe detendo o perigo. A morte física não é o maior perigo a não ser para uma sociedade materialista, como a nossa. Este materialismo instaura necessariamente a covardia, o interesse, o egoísmo, e a ditadura dos prazeres, que é o que vivemos. A consequência é uma redução drástica do alcance da consciência e a vedação, total ou parcial, do senso da transcendência. O bom senso, porém, não está no lado de cá, mas no de lá. Os protestantes que acusam a Igreja, como são supostamente dotados desse senso do sagrado, fariam bem de refletir um pouco sobre essas coisas.

E nos contentamos apenas a afirmá-las, sem entrar em maiores detalhes, porque o artigo não é sobre o assunto. Mas disponibilizamos os seguintes textos a respeito:


Os Arquivos da Inqusição, que contêm a maior quantidade de fontes primárias, foram abertos oficialmente em 1998, pelo Papa João Paulo II, o que inspirou um Simpósio Internacional de Historiadores sobre a Inquisição, presidido por Rino Cammilleri, escritor e jornalista italiano, que, depois, escreveu o livro "A verdadeira história da Inquisição".




Rino, nesta obra, escreve: "Em 50 000 processos inquisitoriais uma ínfima parte levaram à condenação à morte, e dessas só uma pequena minoria produziu efetivamente execuções".

Ele diz ainda que em Toulouse, onde a Inquisição ocorreu de modo mais forte, "houve apenas 1% de sentenças à morte".

Ou seja, longe de ser o que dizem os devaneios da Renascença, escritos por mentirosos confessos, como Diderot, Voltaire et caterva, e que são não obstante assumidos hoje como as mais confiáveis testemunhas por livros do MEC e protestantes incautos, a Inquisição foi um tribunal justo. Excessos existiram cá e lá, pois, na inexistência de telefones, internet e estradas, era complicado que Roma desse conta de inspecionar todos os lugares de uma vez. Às vezes uma determinação papal demorava um ou dois anos para chegar num dado vilarejo. Clérigos aqui e ali não raro se corrompiam por interesses políticos, e essas coisas de fato influenciavam no andamento de alguns processos. Contudo, isso nunca foi uma lei. O senso moral, tanto dos padres quanto dos fiéis, levado a alturas singulares pela educação cristã, não permitia que tal se desse. É de uma ingenuidade desonesta afirmar que os homens medievais eram todos tolos. Qualquer historiador especialista haverá de afastar de uma vez para sempre a cômica e ridícula pecha de "idade das trevas".

Diga-se, por fim, mais duas coisas. A Inquisição é mais conhecida, nos seus excessos violentos, pelo que se deu na Espanha, com Torquemada. Ocorre, porém, o seguinte: a Inquisição Espanhola não foi um tribunal da Inquisição Eclesiástica, mas do poder régio. Inclusive os inquisidores de lá, de novo movidos por interesses políticos, foram diversas vezes ameaçados de excomunhão pela Igreja. E, ainda assim, a violência ventilada pelos inimigos da Igreja está longe de ser verdadeira. Um estatístico afirmou que as bicicletas infantis são 14 vezes mais letais do que a Inquisição Espanhola, isto é, ocorrem 14 vezes mais acidentes letais com crianças por causa das bicicletas infantis do que réus que eram condenados à pena capital pela Inquisição Espanhola.

Rino, na obra supracitada, esclarece: "As fontes históricas demonstram muito claramente que a inquisição recorria à tortura muito raramente. O especialista Bartolomé Benassa, que se ocupou da Inquisição mais dura, a espanhola, fala de um uso da tortura 'relativamente pouco frequente e geralmente moderado.'"

A outra coisa é: a Revolução Francesa matou mais pessoas em uma só semana do que todos os mil anos de Inquisição, e isto também é facilmente comprovado. No entanto, quais são os valores que norteiam a vida contemporânea? Exatamente aqueles da Revolução Francesa, elencados por Roberpierre: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade - ou a Morte." Idéias profundamente ideológicas que escondem, sob o verniz arco-íris, o vermelho vivo do sangue e o negro profundo do inferno.

Como se viu, os "santos" mortos pela Inquisição não eram tão santos assim, nem a Inquisição pode ser acusada de "derramar o sangue dos santos", como se vivesse a matar gente. Convido o amigo leitor, católico, protestante, agnóstico ou ateu, a nos trazer nomes específicos de supostos santos que teriam morrido pelas mãos da Inquisição. A Prostituta do Apocalipse está bêbada com o sangue deles, o que indica que têm de ser muitíssimos. Pois bem, tragam-nos dados e nomes. Fazer uma alegação dessas baseados em nada, ou melhor, em mentiras - que são menos que nada - da Renascença e do Iluminismo, inimigos que são da religião, é desonestidade, levantamento de falso testemunho e prestação de serviço à mentira. Não se pode pretender que a leitura correta do apocalipse deva se fundamentar nestas lorotas. Afinal, o anjo disse que, para entender os símbolos, é necessário uma inteligência penetrante, e não um caráter flatulante.

Fábio.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...