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O respeito humano como critério último da religião moderna

"O Cardeal Raymond Burke continuou descrevendo uma situação que não é exclusiva dos Estados Unidos: 'uma das ironias da situação atual é que a pessoa que sofre e denuncia o escândalo provocado por ações públicas gravemente pecaminosas de outro cidadão católico é que é acusada de falta de caridade e de provocar a divisão na Igreja. Numa sociedade cujo pensamento se rege pela 'tirania do relativismo' e pelo politicamente correto, os respeitos humanos são os critérios últimos do que se deve fazer e do que se deve evitar; a idéia de que alguém induza ao erro moral não tem muito sentido. O que causa espanto neste tipo de sociedade é justamente que alguém não respeite o politicamente correto e, portanto, essas pessoas são qualificadas de perturbadores da paz. Mentir ou não dizer a verdade, no entanto, nunca é um sinal de caridade. A unidade que não está fundamentada na verdade da lei moral não é a unidade da Igreja. A unidade da Igreja se baseia em dizer a verdade com o amor. A pessoa que sofre e denuncia o escândalo causado por ações públicas dos católicos não apenas não destrói a unidade, como também convida aquele que escandaliza a reparar uma grave violação da moral da Igreja' e restaurar sua unidade com Ela."

Poder Global e Religião Universal

Rumo a uma igreja popular?


Na Carta Testem benevolentiae do Papa Leão XIII encontramos alguns parágrafos que podem nos ajudar a pensar, pois continuam muito atuais:

O fundamento sobre o qual essas novas idéias estão baseadas é que, com o objetivo de atrair mais facilmente aqueles que divergem dela, a Igreja deve adequar seus ensinamentos mais de acordo com o espírito da época, relaxar um pouco de sua antiga severidade e fazer algumas concessões às novas opiniões. Muitos acreditam que essas concessões devem ser feitas não apenas em questões de disciplina, mas também nas doutrinas pertencentes ao 'depósito da fé'. Eles argumentam que seria oportuno, para conquistar aqueles que discordam de nós, omitir certos pontos do Magistério da Igreja que são de menor importância e, desta maneira, moderá-los para que não tenham o mesmo sentido que a Igreja constantemente lhe deu. Não é necessário muitas palavras, amado filho, para provar a falsidade dessas idéias se se trouxer à mente a natureza e origem da doutrina que a Igreja propõe.

Leão XIII continua:

Não podemos considerar como totalmente inocente o silêncio que propositadamente leva à omissão ou desprezo de alguns dos princípios da doutrina cristã, já que todos os princípios vêm do mesmo Autor e Mestre, 'o Filho unigênito que está no seio do Pai' (Jo 1,18). Eles são adaptados para todos os tempos e todas as nações, como se vê claramente nas palavras de nosso Senhor aos seus apóstolos: "Ide, portanto, e ensinai a todas as nações, ensinando-os a observar tudo o que ordenei, e eis que estarei convosco, até o fim do mundo" (Mt 28,19). Sobre este ponto o Concílio Vaticano diz: "Deve ser crido com fé divina e católica tudo o que está contido na Palavra de Deus, escrita ou transmitida, e que a Igreja propõe para ser crido como divinamente revelado, seja por solene juízo, seja por seu magistério ordinário e universal." (Constitutui de Catholica Fide, cap. III)

Longe da mente de alguém diminuir ou suprimir, por qualquer razão, alguma doutrina que tenha sido transmitida. Tal política tenderia a separar os católicos da Igreja, em vez de atrair aqueles que discordam. Não há nada mais perto de nosso coração do que ter de volta ao rebanho de Cristo aqueles que separaram d'Ele, mas não por um caminho diferente ao indicado por Cristo.

A regra de vida para os católicos não é de tal natureza que não possa acomodar-se às exigências de várias épocas e lugares. A Igreja tem, guiada pelo seu Divino Mestre, um espírito generoso e misericordioso, razão pela qual ela foi desde o início o que São Paulo disse de si mesmo: "Fiz-me tudo para todos, para salvara a todos' (1Cor 9,22).

A história mostra claramente que a Sé Apostólica, à qual foi confiada a missão não só de ensinar mas também de governar toda a Igreja, tem-se mantido 'em uma mesma doutrina, em uma mesma direção e em uma mesma sentença' (Constitutio de Catholica Fide, cap. IV) [...]

Mas, amado filho, no presente assunto de que estamos tratando, há um perigo maior, e uma oposição mais manifesta à doutrina e disciplina católicas, naquela opinião dos amantes da novidade, segundo a qual sustentam que se deve admitir tal sorte de liberdade na Igreja que, diminuindo de alguma forma sua supervisão e cuidado, se permita aos fiéis seguir mais livremente o guia de suas próprias mentes e o caminho de sua própria atividade. Aqueles que são da opinião de que tal liberdade tem sua contrapartida na liberdade civil [...]

Esses perigos, a saber, a confusão entre licença e liberdade, a paixão por discutir e mostrar contumácia sobre qualquer assunto possível, o suposto direito de sustentar qualquer opinião que melhor agrade sobre qualquer assunto, e torná-la conhecida no mundo através de publicações, têm as mentes tão envoltas na obscuridade que há agora, mais do que nunca, uma maior necessidade do magistério da Igreja, para que as pessoas não se esqueçam tanto da consciência como do dever.

Leão XIII adverte sobre duas atitudes que se repetem ciclicamente ao longo do tempo: aplacar as exigências cristãs para atrair mais pessoas e aplicar na Igreja as normas do dissenso temporal, democrático. As duas se unem; a primeira leva à segunda e unidas levam à perda da fé.

Pe. Juan Claudio Sanahuja, Poder Global e Religião Universal.

Minha experiência da JMJ


Já se sabe: eu fui à JMJ! Eeehh!.. E gostaria, como inclusive me pediram para fazer, de contar um pouco da minha experiência de ter comparecido no maior evento católico destinado à juventude do mundo.

Eu decidi ir de última hora e disto já falei. Primeira vez que vou ao Rio e que viajo de avião. Aí a minha cara de alegria pelo primeiro vôo:



Fiquei hospedado na casa de uma amiga, a Joyce, a quem eu já conhecia virtualmente. Sobre isso, não sei nem como descrever a imensa hospitalidade que tiveram conosco. Toda a família da Joyce me recebeu como um filho e foi como tal que me senti, de fato. Já na primeira manhã, a mãe dela, dona Marilda, me acordava com um suco estranho e que, não obstante o gosto esquisito no paladar, causou-me um gosto maravilhoso no coração. Aquele mimo era para mim um claro sinal do cuidado divino que, nestes dias benditos, se expressou de modo muito particular nos atos da dona Marilda.

Da esquerda para direita: eu, seu Wilson, Paula (peregrina argentina), dona Marilda e Sabrine.


Ela é alguém de uma simpatia toda singular. Nos deixou muito à vontade e era só sorrisos. Deu-me também uma lição. Disse-me: "O alimento é para sustentar o corpo. O ser saboroso é uma regalia de Deus". Relembrei isso diversas vezes. É verdade. Alguém pode dizer: isso é desculpa para quem não sabe cozinhar. Haha.. Na verdade, a comida da Dona Marilda é tão boa que eu estou sonhando com ela até agora.

Não sei descrever a gratidão que me vai na alma por me ter posto num lugar tão acolhedor. De fato, foi um prêmio imenso que Deus me deu diante do pequeno ato de Fé que fiz: o de ter confirmado as passagens quando ainda não me era claro onde me hospedaria.

Além dela, o senhor Wilson, seu esposo, demonstrou ser não apenas uma só carne com ela, mas possuir também a sua mesma alma: muito acolhedor e muito atencioso. Levou-me inclusive para conhecer a sua mãe, a Dona Júlia, de quem ele discorda só num ponto: o time preferido. Seu Wilson é flamengo doente. Dona Júlia é botafogo.

Antes de viajar, eu pedia a Nossa Senhora que me protegesse. E o resultado? A família que me acolheu era toda consagrada à Virgem Maria pelo método de S. Luis Maria Grignion de Montfort. O bairro ou distrito ou sei lá o quê era também dedicado a Maria Santíssima. Inclusive, ganhei da dona Marilda uma medalhinha milagrosa. E aí? Minhas orações foram ouvidas ou não? rs

Hoje de manhã, Dona Marilda levou-me até o ponto de pegar o ônibus para o aeroporto. Por minha causa, saiu mais cedo do que de costume. Pegou dois ônibus comigo e me esperou pegar o terceiro. A toda hora, eu sentia o seu cuidado e aquilo me estremecia por dentro. Foi com os olhos marejados e com um nó na garganta que me despedi. Deus abençoe a família Rocha.

A experiência da JMJ foi única. É muito belo contemplar com os próprios olhos a força do catolicismo. É claro que se poderia contestar aqui a qualidade de tal catolicismo de massa. No entanto, é fato que a Igreja é ainda profundamente atrativa porque sua beleza descende do próprio Cristo, que é Beleza em si. É muito bonito ver que o Papa, um homem idoso e sem tantos atrativos estéticos e mundanos, consegue atrair milhões de pessoas, mesmo em nossa época extremamente secularizada. É belíssimo olhar para o lado e ver uma pessoa que, ainda que não se lhe saiba de antemão qual o idioma que fala, é católica apostólica romana.

Ver o Papa foi imenso. Uma euforia só. O comentário que tive de ouvir por lá foi: "Fábio é todo centradinho até ver o Papa." haha.. De fato, foi só vê-lo que me dispus a correr em sua direção e me perdi momentaneamente das pessoas com quem eu estava. Vi o Papa e parecia que meus olhos relutavam a crer que fosse real. Na hora, me veio a sensação de que se tratava de qualquer tipo de tela extremamente sutil pela qual eu o via. Mas não. Era ele! Aquele que, como dizia Sta Catarina de Sena, é a doce sombra de Cristo na terra; aquele que exala o bom odor de Cristo; que é símbolo inexorável de Cristo e como que janela do transcendente. Passou por mim acenando amigavelmente, num ato que parecia querer significar que o próprio Deus me sorria ao invés de zangar-se dos meus pecados. Contemplando a face e o jeito do Papa Francisco, eu não somente sabia, mas via: "Deus é bom". Faz uma diferença imensa saber que Deus é bom. Experimentemo-lo! E repito: é preciso saber não apenas em teoria, mas encarnar esta sabedoria, isto é, ter em si o sabor da bondade divina. Sabor e sabedoria possuem o mesmo radical. Francisco parece ter uma sabedoria que é algo mística, cheia do sabor de Deus. Vendo-o, penso em S. Francisco de Assis: "o verdadeiro cristão não consegue esconder a alegria que o anima por ter descoberto este tesouro."

A JMJ também foi ocasião de eu conhecer pessoalmente quem eu só conhecia pela net, como a própria Joyce, a Sabryne, a Angélica, etc. Conheci também outras pessoas que eu nem sequer sabia que existiam como a Paula e os seus amigos argentinos, o Lucas e o Pilu, com os quais passamos mais de 24 horas juntos. São todos bons amigos que pretendo cultivar pela eternidade.

Um destes, inclusive, causou-me viva impressão. Pareceu-me como um "irmão de alma". Embora seja meio pretensioso dizer isso, foi como me soou. Identifiquei-me com certas disposições interiores deste rapaz. Parecia-me ver a mim mesmo sob alguns aspectos. E isto também foi algo da providência divina. Algo como uma seta luminosa a me recordar verdades fundamentais e chamadas específicas que Deus me fez. Aí nós dois:



Foi já com uma certa tristeza que assisti aos eventos finais. Depois da madrugada de vigília, o domingo surgia numa manhã limpa e ensolarada. Tive calor pela primeira vez em vários dias. Isto me fez recordar de uma frase de Sta Teresa D'Avila: "de amor está se abrasando o que nasceu tiritando". Se a jornada, no seu início, nos surpreendeu pela frieza do tempo, estranhada até pelos próprios cariocas e que bem podia simbolizar o estado espiritual com que começamos o evento, agora, no seu término, ela nos saudava com um calor que talvez pudesse representar o despertar interior, o efeito gerado por Deus nestes dias de Graça. Mas ainda assim, saber que a coisa estava chegando ao fim me deixou o tempo todo muito introspectivo. Era como se eu quisesse, de algum modo, estagnar o tempo a fim de que o término não ocorresse. Mas ao mesmo tempo, eu sabia que é preciso deixar as coisas irem. É preciso desapego e pobreza interior. Como a Paula bem me falou: ver as pessoas aqui reunidas na praia nos faz lembrar o evento da Transfiguração, no monte Tabor. Parece-nos querer pedir a Jesus para fazer tendas e aqui ficar pelo resto da vida. Porém, extasiados por tudo isso, não sabemos o que dizemos. É necessário, antes, já que iluminados pela luz ali manifesta, descer o monte e ir comunicar esta graça aos demais que ainda não conheceram a Nosso Senhor, ou que o conheceram e deixaram-No escapar. É preciso que reencontrem a disposição da esposa dos cantares: "encontrei Aquele que meu coração ama e não O largarei". Mas, antes, encontremo-la nós! Deixamo-lo escapar quando pecamos mortalmente. Fiquemos com Ele e Ele ficará conosco.

Enfim, passado tudo, pergunto-me: aconteceu de fato? Sim. Aconteceu. Porém, a efemeridade destes momentos privilegiados nos lembra que ainda estamos no exílio e que a felicidade só será completa no outro mundo. O fato de termos de voltar às nossas vidas e à cruz de cada dia é também uma grande lição. Não ponhamos o fundamento da nossa vida neste mundo. O tempo é contínuo fluxo; não possui estabilidade. Fiar-nos nele para sermos felizes é como construir uma casa sobre a areia. É empresa fadada ao fracasso. Ponhamos nosso coração em Deus, façamos d'Ele o nosso tesouro, e estaremos firmes sobre a rocha.

Eu ia escrever ainda alguma coisa sobre as críticas que sujeitos fizeram à JMJ a ponto de desacreditá-la de todo. Mas, não. Já falei algo disso. Digo somente o seguinte: Há quem queira criticar tudo quando não se adéqua às suas próprias opiniões. Eis a própria definição da soberba. Esta, a fim de se afirmar, se disfarça com mil zelos e sutilezas. Mas quem quer que a conheça, lhe distingue os traços a quilômetros de distância. A virtude é natural, espontânea e reta. A soberba é afetada e dissimulada. Seus efeitos não visam adequar-se a nenhum objeto. Estes servem apenas de pretexto ou "causa justificadora". Na verdade, a soberba quer causar sensações pura e simplesmente. E para isto se disfarça. Um certo racionalismo a serviço do irracionalismo da busca por admiradores é muitíssimo comum. Não falta quem queira ser o último porta-voz do catolicismo, uma espécie de novo Elias. Para tal, recorrem a mil práticas devocionais, todas em latim, e se privam do contato contra os "leprosos" modernistas. Uma e outra dessas atitudes fortalecem a ilusão da assepsia. E se a soberba lhes corrói a alma, importa somente o externo, o aparente. 

Há mil coisas que aconteceram na JMJ e que eu não sei contar direito. Isto aqui é somente uma exposição sucinta, mais interior que exterior, de como foi a minha jornada. Quem quiser saber de algo mais específico, pergunte-me e estarei feliz em responder, se o souber.  

Para terminar, quero agradecer mais uma vez à boa alma que me proporcionou os meios para esta viagem e para as alegrias que lá tive. Que Deus a abençoe e recompense sem medida. Que a Virgem Maria nos conduza a todos. Pax.

Fábio Silvério.

O moralismo político

"O moralismo político, como temos vivido e ainda estamos vivendo, não só não abre o caminho para uma regeneração mas a impede. O mesmo se pode dizer de um cristianismo e uma teologia que reduzem o coração da mensagem de Jesus, o Reino de Deus, aos valores do Reino, identificando esses valores com as grandes palavras-chave do moralismo político e proclamando-as, ao mesmo tempo, como síntese das religiões. No entanto, Deus é assim esquecido, embora ele seja o sujeito e a causa do Reino de Deus. Em seu lugar, ficam grandes palavras e valores que se prestam a quaquer tipo de abuso."

Joseph Ratzinger

Agora é certeza! JMJ, aí vou eu!



Bem, caríssimos, agora é sério! Eu vou pra JMJ. Estou aqui dando os últimos retoques nas malas. Agradeço mais uma vez à pessoa que me proporcionou esse presente imenso. Foi, contudo, uma decisão conturbada: soube que ia, pensei que não ia mais, confirmei as passagens e só então encontrei um lugar pra ficar.

Uma das coisas que muito ajudaram na decisão foram as leituras da Santa Missa de ontem. No sábado, já na liturgia dominical, eu rezava para que Deus fizesse a vontade d'Ele, e eu estava receoso com os mil detalhes da viagem. Fui à Missa e, lá chegando, parecia que Jesus me dizia: "Fábio, Fábio, tu te preocupas com muitas coisas. Mas uma só é necessária!" E ainda: "Como assim? Eu te dei esse presente, providenciei alguém pra te dar as passagens, e tu não vais?". E então me lembrei da minha tão querida pobreza interior. E aquilo me trouxe paz.

Chegando em casa, porém, perdi-me novamente na avalanche de preocupações e quase desisti totalmente de ir. No domingo tive a graça de tocar na Santa Missa pela manhã e pela noite. Talvez eu estivesse mesmo precisando de uma força extra.. rs Não que uma só Comunhão não fosse suficiente. Mas Deus auxilia mais de uma vez por causa da fraqueza do servo. Na homilia do domingo, o padre frisou a Fé de Abraão. Dizia ele mais ou menos o seguinte: "há pessoas que podem ter dez, vinte ou trinta anos na Igreja. Sabem tudo de doutrina, mas são imaturos na Fé." A Fé de que aí se tratava era a confiança em Deus. Mais uma vez, era Deus me exigindo um "passo no escuro". "Eu quero você lá, meu filho. Vá. Sai da tua terra e da tua parentela. Vá ver a Doce Sombra de Cristo na Terra!"

Foi então que eu decidi de vez. Vou! E seja o que Deus quiser. Já quase no fim do dia, encontrei lugar pra ficar, graças a Deus! 

No término da Missa, cantei uma música que bem expressava a resposta da minha alma. Ponho-a no final desse texto.

Enfim, saindo já já. Rezem por mim e pela Jornada! 

Totus tuus, Mariae, et omnia mea tua sunt!

Fábio Silvério


Dia do amigo


Já escrevi outras vezes sobre esse tema - aqui e aqui - e sempre há o que fica por dizer. A linguagem possui, de fato, um limite. É bobice reduzir a realidade àquilo que dela podemos expressar. O inefável é muito mais substancial do que o dito. Falar sobre algo é sempre limitar este algo; enquadrá-lo em representações pessoais. Por mais que a linguagem transcenda a esfera do estritamente subjetivo - e é por isso que nos entendemos -, o seu uso não se dá sem acentos e ênfases pessoais. Cada um de nós lê a palavra "amizade" com uma carga afetiva absolutamente única.

Ainda assim, é possível, como já dito, sair desse solipsismo e comunicar algo do que temos na alma. E é por isso que sempre me arrisco a escrever alguma coisa sobre a amizade. 

Bem, mas o que é ser amigo? É ser uma alma em dois corpos, é desejar o bem para o outro, etc. Sim, é isso tudo, e só por aí dá pra perceber como a amizade não tem nada de vulgar. É coisa rara. Se eu olho para outra pessoa e a trato como a minha alma em outro corpo, não há dificuldade de amá-la tanto quanto a mim mesmo. Este é o preceito evangélico. Se fôssemos amigos de todos, seríamos santos. Porém, a amizade é um algo bem mais restrito. A própria Escritura nos aconselha a escolher com muito cuidado aqueles a quem chamaremos por este título.

Desejar o bem do outro é, como eu já falei várias vezes, desejar principalmente o Sumo Bem, que é Deus. Uma amizade que seja claramente antiteísta não é amizade. É algo usurpador. Um bem que contrarie o bem maior não é um bem, mas um mal, assim como a um roubo, embora seja a aquisição de bens, não chamamos de bem e sim de mal. O mal é o "bem" que nos rouba o Bem. Ser amigo é desejar o Bem do outro. Mas, além do bem absoluto, a amizade também deseja outros bens: o físico, o da sua convivência e o da partilha de suas alegrias e tristezas. É tudo muito bonito, embora difícil de se achar. Mas, penso eu, existe ainda algo mais perfeito a se falar sobre a amizade.

Quando Jesus chamou aos seus apóstolos de amigos, ele elevou para sempre e ao infinito a dignidade da amizade. E, em seguida, recomendou: "amai-vos uns aos outros como eu vos amei". A pergunta é: como é que Jesus nos amou?

"Ao extremo", diz São João. Amou-nos entregando a Sua vida por nós. Como, pois, deveríamos amar os nossos amigos? Ao ponto de entregar-lhes a própria vida, se preciso fosse. É algo que é prometido mais facilmente por Eros. Porém, Eros é passageiro e inconstante. Quando, ao contrário, isto é dito com segurança por um amigo, temos um tipo de amor muitíssimo raro. E eu penso que esta disposição, acompanhada das anteriormente referidas, é que coroa a amizade e nos faz amar aos outros assim como Jesus nos amou. Essas frases, porém, não são capazes de comunicar a realidade que elas referem. Somente um amigo pode experimentar, no íntimo da alma, se já possui esta disposição ou não. A amizade é um tesouro, é um grande presente de Deus, porque tendo como termo esta disposição, ela nos arranca de nós mesmos, e a nossa salvação está toda nisso: em sair do nosso ego. Todo tipo de amor respira melhor à medida com que morre o nosso falso eu. E a amizade, sendo vida, o exige conforme se aperfeiçoa.

Que Jesus conceda a todos os meus amigos o bem que não lhes posso fazer. E que Ele imprima em todas as nossas almas esta disposição tão bela que sempre animou a Sua: "Ninguém tem maior amor do que Aquele que dá a vida pelos Seus amigos."

Sejamos, sobretudo, amigos de Nosso Senhor. Esta amizade é a condição de possibilidade de todas as outras. Feliz dia do Amigo!

Jornada Mundial da Juventude - Vou ou não vou?!


Ontem eu tive a graça de conhecer um grupo de uns doze canadenses - dentre eles um padre - que passou por aqui com o propósito de ir à JMJ. Estavam na Santa Missa conosco e depois, num modesto 'comes e bebes', assistiram algumas apresentações culturais e cantaram para nós as músicas "How great thou art" e "Hail Holy Queen". Pessoas muito agradáveis.

A noite passou rápida. Conversar com nativos é fantástico. Quase um brinquedo. Sim, podem me chamar de matuto, rs.. Para mim, foi como se fosse uma prévia muitíssimo longínqua da JMJ. Foi como um sentir ligeiramente o perfume da Jornada. Mas a coisa passou e voltamos às nossas casas. E daí começou um certo drama interior.. Assim como no mito de Parsifal, quando o Rei experimenta o sabor de um peixe e desde então fica ferido pela queimadura, aquele sabor apenas insinuado da JMJ me pôs inquieto. Acompanhem os meus questionamentos:

- A Jornada Mundial da Juventude, esse ano, acontece no Brasil. Quando ocorrerá aqui de novo? Ninguém sabe se ou quando isso se dará.
- Pessoas de outros países vêm para o Brasil, para a Jornada. 
- E eu, que sou daqui, não vou. Pelo amor de Deus, isso tem alguma lógica?

E então dei início à minha apelação: será que ninguém ajudaria um pobretão a ir pra JMJ? Olha que quando chegar o fim do mundo, Nosso Senhor vos dirá: "Eu quis ir à JMJ no Brasil e vós não me ajudastes!" (!!) Que terrível..

Enfim.. Só sei que, depois de um tempo de choramingo, uma alma caridosa me apareceu com a possibilidade de me bancar as passagens. Calma que é só possibilidade, rs. Mas, vejam só a diferença: o que antes era apenas o esperneio de um grilo tentando voar mas sabendo que o céu não lhe pertence, agora parecia ser só uma questão de aceitar asas e arriscar-se às dificuldades do primeiro vôo. "Vôo" aqui pode ser entendido literalmente.. rs

Com isto surgem outras dificuldades: eu sou muito sensível ao frio e não tenho colchonetes ou sacos de dormir. Costumava adoecer fácil por aqui, que o clima é ameno. Acabei de saber que no Rio virá uma frente fria das maiores dos últimos dez anos! Sim, eu estou me informando de tudo.. Depois, é uma semana meio que decisiva na faculdade. Ir talvez signifique perder provas, trabalhos, o que pode me custar os seis meses de estudo. Bem.. Continuemos.

Outro ponto é que o meu senso de direção é mais caótico do que o do Zoro, do One Piece. Me perco fácil. E seria a primeira vez em que eu pisaria no Rio. Mas isso se resolve fácil. Se eu achei quem estivesse disposto a me ajudar com as passagens, não creio que seja difícil encontrar quem me busque no aeroporto e caminhe comigo pelas ruas sem soltar a minha mão mesmo que caiam meteoros ou apareçam dinossauros.

"Como diabos alguém pode se perder num caminho reto?
Nem você pode ter um senso de direção tão ruim!"

Enfim.. Pensando nas dificuldades que pus, talvez elas não sejam muito grandes. E a oportunidade é única. Também nunca voei, mas seria baitolagem recuar por causa disso. Na verdade, a idéia nem me assusta. A hesitação se dá mais pelo que já ouvi das sensações da primeira experiência.

Agora, vamos aos benefícios:

Eu vou ver o Papa! Ehhhhh!!!

A experiência de estar com tanta gente católica é uma coisa maravilhosa! Nós, que vivemos exilados, quando nos encontramos em tão grande quantidade, nos sentimos como que numa prévia do céu. Seria imenso fazer parte disso tudo.

É possível também que eu venha a me encontrar com o superior geral do Opus Dei, Don Javier Echevarría, amigo pessoal de São José Maria Escrivá.

Sem falar no tanto de amigos virtuais que poderei conhecer pessoalmente, se eu for! Enfim...

Falemos agora sobre algumas das críticas que se têm levantado contra a JMJ. Tudo o que porei aqui são posições minhas, tão somente.

Primeiramente, sobre a presença de artistas seculares, como o Luan Santana, a Fafá de Belém, etc. Eu sou um dos que discordam do deliberado, mas não caio nos extremos de pensar que somente isto seria suficiente para "estragar" a Jornada. O tanto de artistas legitimamente católicos que haverá lá é imenso! Depois, há duas posições que eu considero ingênuas: a primeira, é a de sacralizar tudo e qualquer coisa que os dirigentes façam. É óbvio que isso é um non sense. Por mais que seja um evento católico, os responsáveis são humanos e muitas vezes movidos por um suposto bom senso humano, isto é, passível de erros. O outro erro que eu vejo, não obstante pareça diferir abismalmente do anterior, é a extrema fé no critério pessoal, como se a Jornada tivesse de ser uma concretização daquilo que nós supomos que ela deva ser. É, de novo, uma sacralização da opinião individual. Divinizamos certos recortes que nós mesmos fazemos e aplicamos aquilo à totalidade como se fosse o próprio juízo divino. É exatamente o que Lutero fez. Por mais que se diga estar, aí, ancorado na Tradição Católica e não sei quê, a verdade é que costuma-se focar apenas em certos aspectos desta tradição como meio de reforçar a crítica à JMJ em si. 

Então, saibamos o seguinte: a JMJ, sendo um movimento da Igreja, transcende meras organizações e decisões humanas. Não identifiquemos o evento com o complexo de deliberações. Isto significa que, por mais que uma coisa ou outra não se dêem da melhor forma - como essa idéia de jerico -, existe uma substância espiritual que nem por isso se ausentará do evento. 

Mas há, ainda, um terceiro tipo de ingenuidade e que, a meu ver, parece só poder ser adotado por quem já possui qualquer espécie de antipatia a priori pelo evento: é o argumento de que nem todo mundo que vai pra Jornada vai pra rezar e estar em comunhão com a Igreja. Mas isto é óbvio! Pensou-se o quê? Que a Jornada seria um modo de prévia imaculada do céu? É óbvio que haverá imprudências, non senses, intenções torcidas, etc, etc.. Ainda estamos vivendo neste vale de lágrimas e a concupiscência ainda corre nas veias dos homens. Mas acredito que a JMJ será como um oásis. Também é verdade que será uma oportunidade de mostrar a este mundo secularizado a força do catolicismo e propôr, mais uma vez, a conversão das almas.

Enfim.. Tenho até de noite pra decidir. Que o bom Deus me ajude e que a Virgem Maria me conduza nisso tudo. Rezem por mim.

À boa alma que me doou o dinheiro das passagens, não tenho nem o que dizer.. Deus a recompensará.

Fábio Silvério

"Interpretar e defender valores radicados na própria natureza do ser humano."


"Para a eficácia do testemunho cristão, especialmente nestes tempos delicados e controversos, é importante fazer um grande esforço para explicar adequadamente os motivos da posição da Igreja, sublinhando, sobretudo, que não se trata de impor aos não crentes uma perspectiva de fé, mas de interpretar e defender valores radicados na própria natureza do ser humano." 

João Paulo II, Carta Apostólica Novo Millenio ineunte, n. 51, 6 de janeiro de 2001.

"Dado que a fé no Criador é uma parte essencial do Credo cristão, a Igreja não pode e não deve limitar-se a transmitir aos seus fiéis apenas a mensagem da salvação. Ela tem uma responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também em público. E, fazendo isto, deve defender não só a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos. Deve proteger também o homem contra a destruição de si mesmo. É necessário que haja algo como uma ecologia do homem, entendida no sentido justo. Quando a Igreja fala da natureza do ser humano como homem e mulher e pede que se respeite esta ordem da criação, não está expondo uma metafísica superada. Trata-se aqui, de fato, da fé no Criador e da escuta da linguagem da criação, cujo desprezo seria uma autodestruição do homem e, portanto, uma destruição da própria obra de Deus.

O que com frequência é expresso e entendido com a palavra 'gender' [gênero] resulta, em definitivo, na auto-emancipação do homem da criação e do Criador. O homem pretende fazer-se sozinho e dispor sempre e exclusivamente sozinho o que lhe diz respeito. Porém, desta forma, vive contra a verdade, vive contra o Espírito criador. As florestas tropicais merecem, sim, a nossa proteção, mas não a merece menos o homem como criatura, na qual está inscrita uma mensagem que não significa contradição da nossa liberdade, mas a sua condição. Grandes teólogos da Escolástica qualificaram o matrimônio, ou seja, o vínculo para toda a vida entre homem e mulher, como sacramnto da criação que o próprio Criador instituiu e que Cristo - sem modificar a mensagem da criação - depois acolheu na história da salvação como sacramento da nova aliança. Pertence ao anúncio que a Igreja deve levar o testemunho a favor do Espírito criador presente na natureza em seu conjunto e, de modo especial, na natureza do homem, criado à imagem de Deus. A partir desta perspectiva deve ser lida a Encíclica Humanae Vitae: a intenção do Papa Paulo VI era defender o amor contra a sexualidade como consumo; o futuro, contra a pretensão exclusiva do presente; e a natureza do homem, contra a sua manipulação."

Bento XVI, Discurso aos membros da Cúria Romana, 22-12-08.

"O caráter típico desta nova antropologia, concebida como fundamento da Nova Ordem Mundial, manifesta-se, sobretudo, na imagem da mulher na ideologia do "Women's Powerment" [empoderamento da Mulher] proposta por Pequim. O objetivo em vista é a autorrealização da mulher, que encontra os seus principais obstáculos na família e na maternidade. Assim, a mulher deve ser libertada, sobretudo do que a caracteriza e lhe dá nada mais que a sua especificidade: esta é chamada a desaparecer diante de uma "Gender equity and equality" [eqüidade e igualdade de gênero], diante de um ser humano indistinto e uniforme, em cuja vida a sexualidade não tem outro sentido senão o de uma droga voluptuosa, a qual se pode usar sem critério algum."

Ratzinger, J. Prefácio ao livro de Schooyans, M., O Evangelho perante a Desordem Mundial, Ed. Fayard, Paris, 1997.

SANAHUJA, Juan Claudio. Poder Global e Religião Universal. São Paulo: Ecclesiae, 2012. p. 41-43.

Template do Blog


Pessoal, estou fazendo algumas pesquisas sobre templates. Fui fazer alguns testes e, depois, o antigo template do blog deu um tipo de erro, de modo que não pude pô-lo de volta. Provavelmente o template vai mudar mesmo, o que não significa que vá ficar exatamente este que agora está. Em todo caso, não estranhem. O blog está passando por mudanças. Pax.

O paradigma da reinterpretação dos direitos humanos


As Nações Unidas, suas agências, comitês de monitoramento dos tratados de direitos humanos e os comitês de especialistas impuseram a idéia - que está a serviço da reengenharia social da Nova Ordem Mundial - de que os direitos humanos são evolutivos; isto é, a partir de uma hermenêutica ideologizada pode-se dar origem a uma infinidade de pseudodireitos a serviço das políticas do projeto de domínio mundial. Citemos três exemplos:

a) O Comitê de monitoramento da Convenção Internacional para a Eliminação de toda as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW, 1979), em sua Recomendação Geral número 25 (2004)1, define essa Convenção, e por extensão todas as convenções de direitos humanos, como um instrumento dinâmico sujeito a acréscimos progressivos. Por exemplo, a Convenção pede em três de seus artigos que os programas de planejamento familiar tenham subsídios (artigos 10, 12 e 14). Posteriormente, o Comitê interpretou que essa expressão inclui a contracepção, a esterilização e o aborto. Portanto, o que se entendia por planejamento familiar em 1979 mudou de significado. Ao mesmo tempo, nas Recomendações Gerais do Comitê, quando se fala de direitos da mulher, implicitamente se incluem os chamados direitos sexuais e reprodutivos, a saúde reprodutiva, a liberdade ou a autonomia reprodutiva.

Para maior confusão, o termo saúde sexual relaciona-se com a homossexualidade sob os eufemismos de livre orientação sexual, orientação sexual e gênero, identidade de gênero adotada ou autopercebida, exigindo que sejam reconhecidos seus direitos sociais e jurídicos. Nada disso era previsível em dezembro de 1979, quando a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou o texto da Convenção Internacional contra toda forma de Discriminação da Mulher.

b) O Comitê de monitoramento do Tratado Internacional contra a Tortura interpreta as leis ou as atitudes familiares que impeçam o aborto como tortura psicológica contra a mulher: "as mulheres estão em risco de tortura ou maus tratos, que incluem a privação da liberdade, a privação de tratamentos médicos, especialmente daqueles que envolvem suas decisões reprodutivas e a violência exercida privadamente em sua comunidade e em seus lares." Nada mais longe da letra e do espírito do tratado que essa interpretação.

O Comitê contra a Tortura aplicou esta interpretação em maio de 2009, julgando que a proibição do aborto terapêutico na Nicarágua violava o tratado. E declarou em seu relatório sobre a nação centro-americana, que a proibição do aborto para as vítimas de agressões sexuais significa "uma constante exposição às violações cometidas contra elas" e supõe "um grave estresse traumático com o risco de padecimento de prolongados problemas psicológicos, tais como ansiedade e depressão."2

Assim se entende como, na linguagem imposta pelas Nações Unidas, as palavras violência contra a mulher são um novo eufemismo para justificar a despenalização ou liberalização do aborto. Para se ter um quadro completo de até onde chegou a vontade de penalizar qualquer limitação à chamada liberdade reprodutiva, acrescentemos que o sistema de direitos humanos da ONU entende por ingerência de terceiros não apenas as leis que penalizam o aborto mas também qualquer oposição que venha do âmbito religioso ou familiar, incluída a vontade do cônjuge, se esta é contrária ao aborto, ou, tratando-se de uma menor de idade, a vontade dos pais, tida como injusta ingerência.


c) Em julho de 2009, o Comitê de Monitoramento do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais publicou a Observação Geral nº 20.3 Tendo por base que "o crescimento econômico por si mesmo não levou a um desenvolvimento sustentável, e que existem pessoas e grupos de pessoas que continuam enfrentando desigualdades socioeconômicas, frequentemente como consequência de arraigados padrões históricos e de formas contemporâneas de discriminação", inclui entre estas a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero: "Em 'qualquer outra condição social', tal como se recolhe no artigo 2.2 do Pacto, é incluída a orientação sexual. Os Estados-Partes devem garantir que as preferências sexuais de uma pessoa não constituam um obstáculo para o gozo dos direitos que o Pacto reconhece, como, por exemplo, os efeitos de aceder à pensão de viuvez. A identidade de gênero também é proibida como motivo de discriminação. Por exemplo, os transgêneros, os transexuais ou os intersexo são vítimas frequentes de graves violações dos direitos humanos, como o assédio nas escolas ou no ambiente de trabalho.3"

Insistimos que não se trata aqui de evitar a discriminação injusta, mas de forçar a aceitação social e jurídica da homossexualidade dando ensejo a inumeráveis abusos e a uma verdadeira subversão da ordem social natural. Como se isso fosse pouco, a Observação Geral remete, para as definições de orientação sexual e identidade de gênero, aos ilegítimos Principios de Yogyakarta, dos quais falaremos mais adiante.

Estes exemplos bastam para ilustrar a importância de conhecer a linguagem usada pelos organismos da ONU que, por outro lado, está em permanente evolução. Creio não ser vão o trabalho de estudar detidamente cada uma das observações e recomendações dos Comitês do sistema de Direitos Humanos das Nações Unidas, sobretudo na hora de julgar os textos e analisar os termos dos projetos de lei que são propostos nos parlamentos nacionais.

Estamos em meio a uma batalha da qual uma das frentes mais importantes é a semântica. Por exemplo, temos visto que o termo paternidade responsável, na boca de um político, segundo os códigos universalizados pelas Nações Unidas, não terá o mesmo significado contido nos documentos da Igreja. No linguajar de alguns parlamentes poderia significar, segundo as circunstâncias, desde a distribuição maciça de contraceptivos até mesmo a intenção oculta de promover o aborto. O mesmo se poderia dizer da expressão violência contra a mulher ou mesmo do termo tortura, palavra que o comum das pessoas nem imagina que possam esconder uma referência ao suposto direito ao aborto e outras aberrações.

Mudar o significado e o conteúdo das palavras é uma artimanha para que a reengenharia social seja aceita por todos sem protestos. Devemos nos perguntar, frente à linguagem usada nos parlamentos, nas campanhas políticas e nos meios de comunicação: O que querem dizer? O que engloba cada um dos termos? O que significam realmente as palavras? Esse foi o motivo pelo qual o Pontifício Conselho para a Família editou o Lexicon de termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, ao qual, a cada edição, outras entradas são acrescentadas, já que o significado da linguagem internacional muda continuamente.

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1- Recomendações, Observações e Comentários gerais dos tratados de direitos humanos são a interpretação autêntica que os Comitês de monitoramento ou vigilância dos tratados internacionais do sistema de direitos humanos da ONU fazem. Estas reinterpretações são as que os Comitês exigem que os estados adotem em sua legislação interna.

2- "O Comitê insta o Estado-Parte a rever sua legislação sobre o aborto, como recomendado pelo Conselho de Direitos Humanos, Comitê sobre a Eliminação de Discriminação contra a Mulher e Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais", diz o relatório, e indica concretamente à Nicarágua estudar "a possibilidade de prever exceções à proibição geral do aborto para os casos de aborto terapêutico e de gravidezes resultantes de estupro ou de incesto (...) a fim de cumprir, desse modo, as diretivas da Organização Mundial da Saúde".

3- O texto remete a Observações Gerais n. 14 e 15 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, acrescentando, por assim dizer, mais reinterpretações jurisprudenciais a favor da subversão da ordem natural."

Mons. Sanahuja, Poder Global e Religião Mundial

Mal, dor, sofrimento - Nenhum Deus?

Estratégias para mascarar o chamado "imperalismo demográfico" ou "contraceptivo" americano sobre alguns países


Antes de continuar, acho necessário fazer referência ao Relatório Kissinger (1974), que surge em consequência do fracasso obtido na Conferência de População de Bucareste (1974) de tentar impor ao mundo os projetos de controle de natalidade dos Estados Unidos. Neste documento, além de estar relacionada uma série de medidas demográficas para diminuir a natalidade em diversos países (por exemplo, Brasil, México, Índia, Paquistão, etc.), estão enunciadas três políticas às quais - em minha opinião - deve-se prestar maior atenção que aos objetivos concretos das políticas de população mundial.

Antes ainda da Conferência de População de Bucareste, mas sobretudo depois, a acusação mais grave que os países de Terceiro Mundo fizeram aos Estados Unidos foi a de "imperialismo demográfico" ou "imperialismo contraceptivo". Para neutralizar estas acusações, o Relatório Kissinger estabelece três objetivos estratégicos:

a) Ordena à diplomacia norte-americana disfarçar as políticas de controle de natalidade sob a aparência de direitos humanos. Para evitar as acusações de imperialismo demográfico, as políticas de controle de natalidade devem ser apresentadas como direitos do indivíduo ou do casal. Encontramos aqui uma das raízes do novo paradigma dos direitos humanos.
b) Estabelece como política global que os padrões culturais dos povos, entre os quais se incluem as crenças religiosas, que tornam inviáveis as políticas de controle de natalidade, devem ser alterados. Está aqui a origem dos novos paradigmas éticos ou tentativas de criar uma religião universal.
c) Por outro lado, decide-se que os encarregados de implantar essas políticas devem ser os próprios políticos nascidos nos países menos desenvolvidos, previamente reeducados nos países do Norte, nas Universidades do Estados Unidos e da Grã-Bretanha, sob a aparente boa intenção de capacitá-los para que melhorem e assegurem a qualidade de vida dos povos. Deste modo, a ingerência dos países centrais ficará dissimulada e seus interesses ultramarinos serão preservados, isto é, será assegurada uma grande provisão de recursos naturais; devem ser os próprios políticos locais, portanto, a entregar a soberania jurídica e até territorial de suas nações.

Mons. Sanahuja, Poder Global e Religião Universal.

Onde Deus é excluído


"Onde Deus é excluído, a lei da organização criminal toma seu lugar, não importa se de forma descarada ou sutil. Isto começa a tornar-se evidente ali onde a eliminação organizada de pessoas inocentes - ainda não nascidas - se reveste de uma aparência de direito, por ter a seu favor a proteção do interesse da maioria"

Card. Joseph Ratzinger

Congresso aprova lei que, na prática, legaliza o aborto no Brasil - Urgente



Site Pe. Paulo Ricardo

O QUE DIZ O PROJETO APROVADO

O título do projeto afirma que trata do atendimento às pessoas que sofreram violência sexual. O texto do projeto evita propositalmente mencionar a palavra aborto, embora seja disto que o projeto trate. A palavra aborto foi cuidadosamente omitida e o projeto foi tramitado em um regime de urgência conscientemente planejado para que os parlamentares, inclusive os que são totalmente contrários ao aborto, não pudessem perceber o verdadeiro alcance da proposta senão depois de definitivamente aprovado.

O artigo primeiro afirma que os hospitais, - todos os hospitais, sem que aí seja feita nenhuma distinção -, "DEVEM OFERECER ATENDIMENTO EMERGENCIAL E INTEGRAL DECORRENTES DE VIOLÊNCIA SEXUAL, E O ENCAMINHAMENTO, SE FOR O CASO, AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL".

Atendimento emergencial significa o atendimento que deve ser realizado imediatamente após o pedido, não podendo ser agendado para uma data posterior. O atendimento integral significa que nenhum aspecto pode ser omitido, o que por conseguinte subentende que se a vítima de violência sexual estiver grávida, deverá ser encaminhada aos serviços de aborto. Os serviços de assistência social aos quais a vítima deve ser encaminhada, que não eram mencionados no projeto original, são justamente os serviços que encaminharão as vítimas aos serviços de aborto ditos legais.

Portanto, uma vez o projeto sancionado em lei, todos os hospitais do Brasil, independentemente de se tratarem de hospitais religiosos ou contrários ao aborto, serão obrigados a encaminhar as vítimas de violência à prática do aborto. O projeto não contempla a possibilidade da objeção de consciência.

Na sua versão original, o artigo terceiro do projeto afirmava que o atendimento deveria ser imediato e obrigatório a todos os hospitais integrantes da rede do SUS que tivessem Pronto Socorro e Serviço de Ginecologia, mas a emenda do dia 5 de março de 2013 riscou a cláusula do "PRONTO SOCORRO E SERVIÇO DE GINECOLOGIA", deixando claro que qualquer hospital, por menor que seja, não poderá deixar de encaminhar as vítimas de violência, se estiverem grávidas, aos serviços de aborto. O artigo primeiro sequer restringe os hospitais aos integrantes da rede do SUS.

O artigo segundo define que, para efeitos desta lei, "VIOLÊNCIA SEXUAL É QUALQUER FORMA DE ATIVIDADE SEXUAL NÃO CONSENTIDA".

A expressão "TRATAMENTO DO IMPACTO DA AGRESSÃO SOFRIDA", constante do artigo primeiro do texto original, foi suprimida e substituída por "AGRAVOS DECORRENTES DE VIOLÊNCIA SEXUAL", para deixar claro que a violência sexual não necessita ser configurada por uma agressão comprovável em um exame de corpo de delito. Uma vez que o projeto não especifica nenhum procedimento para provar que uma atividade sexual não tenha sido consentida, e o consentimento é uma disposição interna da vítima, bastará a afirmação da vítima de que ela não consentiu na relação sexual para que ela seja considerada, para efeitos legais, vítima de violência e, se ela estiver grávida, possa exigir um aborto ou o encaminhamento para o aborto por parte de qualquer hospital.

As normas técnicas do Ministério da Saúde publicadas durante o governo Lula afirmam que as vítimas de estupro não necessitam apresentar provas ou boletins de ocorrência para pedirem um aborto dos hospitais credenciados. Basta apenas a palavra da mulher, e os médicos terão obrigação de aceitá-la, a menos que possam provar o contrário, o que usualmente não acontece. Mas pelo menos a mulher deveria afirmar que havia sido estuprada. Agora não será mais necessário afirmar um estupro para obter um aborto. Bastará afirmar que o ato sexual não havia sido consentido, o que nunca será possível provar que tenha sido inverídico.

A técnica de ampliar o significado das exceções para os casos de aborto até torná-las tão amplas que na prática possam abranger todos os casos é recomendada pelos principais manuais das fundações internacionais que orientam as ONGs por elas financiadas. Com isto elas pretendem chegar, gradualmente, através de sucessivas regulamentações legais, até a completa legalização do aborto. É este o propósito do PLC 03/2013. Um dos mais famosos manuais sentido é o manual"INCREMENTANDO O ACESSO AO ABORTO SEGURO - ESTRATÉGIAS DE AÇÃO", publicado internacionalmente pela International Women Health Coalition (IWHC). Foi a equipe do IWHC, que redigiu este manual, a mesma que inventou, no final dos anos 80, o conceito de "DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS", que em seguida, em 1990, passou a ser utilizado pela Fundação Ford, através da qual passou para a ONU em 1994, durante a Conferência de População do Cairo. A fundadora do IWHC foi condecorada, em 2012, pela ONU, com o Population Award, justamente por ter desenvolvido, pela primeira vez, em 1987, o conceito de "SAÚDE REPRODUTIVA".

[American Reproductive Health Pioneer Win 2012 United Nations Population Award:http://unfpa.org/public/home/news/pid/10237]

Nas páginas 8 e 9 do manual "Incrementando o Acesso ao Aborto Seguro - Estratégias de Ação", que menciona várias vezes o exemplo do Brasil, a IWHC comenta:


"Assegurar ao máximo a prestação de serviços previstos pelas leis existentes que permitem o aborto em certas circunstâncias possibilita abrir o caminho para um acesso cada vez mais amplo. Deste modo os provedores de aborto poderão fazer uso de uma definição mais ampla do que constitui um perigo para a vida da mulher e também poderão considerar o estupro conjugal como uma razão justificável para interromper uma gravidez dentro da exceção referente ao estupro. Desde o início dos anos 90 profissionais e ativistas de várias cidades do Brasil estão trabalhando com o sistema de saúde para ampliar o conhecimento das leis e mudar o currículo das faculdades de medicina".


É exatamente isto o que está sendo feito aqui pelo PLC 03/2013 que acaba de ser aprovado pelo Senado. É a virtual legalização do aborto, que bastará ser sucessivamente regulamentada por leis posteriores para poder transformar-se na completa legalização do aborto, com a aprovação unânime de todos os parlamentares, inclusive os que mais ferrenhamente defendem a vida.

Para não deixar dúvidas sobre o que está sendo legislado, o PLC 03/2013 acrescenta, no artigo 3, que o "ATENDIMENTO IMEDIATO E OBRIGATÓRIO EM TODOS OS HOSPITAIS" compreende os serviços listados em sete incisos, o último dos quais foi acrescentado na versão de 5 de março de 2013 e não constava no texo original:


"O FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES ÀS VÍTIMAS SOBRE OS DIREITOS LEGAIS E SOBRE TODOS OS SERVIÇOS SANITÁRIOS DISPONÍVEIS".

É evidente aqui que o projeto está se referindo ao aborto. Apesar de que apenas afirme que trata-se de um fornecimento de informações, não se deve esquecer que o artigo primeiro estabelece ser obrigatório, quando for o caso, o encaminhamento aos serviços de assistência social. Isto significa que todos os hospitais, inclusive os religiosos, estão obrigados a encaminhar qualquer mulher grávida, que alegue ter tido uma relação sexual não consentida, a um serviço de aborto supostamente legal. Mais adiante será muito mais fácil aprovar novas leis, que regulamentem a que hoje está sendo aprovada, para que exijam mais explicitamente o cumprimento do dever hoje, ainda que em linhas gerais, claramente estabelecido.

O inciso quarto do artigo terceiro lista, ainda, como obrigação de todos os hospitais, em casos de relação sexual não consentida, "A PROFILAXIA DA GRAVIDEZ". Note que a lei não especifica o que deve ser entendido como "PROFILAXIA DA GRAVIDEZ". O termo aparentemente é novo e recém inventado especialmente para este projeto de lei. Terá, portanto, mais adiante, que ser regulamentado ou interpretado, pelo legislativo ou pelo judiciário, quando surgirem as primeiras dúvidas sobre o seu significado. Hoje ninguém sabe o que isto poderá significar amanhã. Os senhores parlamentares foram propositalmente enganados para assinarem um cheque em branco.

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Leia a matéria toda no site do Pe. Paulo Ricardo.

Cartas de um diabo a seu aprendiz - C.S. Lewis

Primeira Encíclica do Papa Francisco - Lumen Fidei


"Estas considerações sobre a fé — em continuidade com tudo o que o magistério da Igreja pronunciou acerca desta virtude teologal — pretendem juntar-se a tudo aquilo que Bento XVI escreveu nas cartas encíclicas sobre a caridade e a esperança. Ele já tinha quase concluído um primeiro esboço desta carta encíclica sobre a fé. Estou-lhe profundamente agradecido e, na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, limitando-me a acrescentar ao texto qualquer nova contribuição. De facto, o Sucessor de Pedro, ontem, hoje e amanhã, sempre está chamado a « confirmar os irmãos » no tesouro incomensurável da fé que Deus dá a cada homem como luz para o seu caminho.

Na fé, dom de Deus e virtude sobrenatural por Ele infundida, reconhecemos que um grande Amor nos foi oferecido, que uma Palavra estupenda nos foi dirigida: acolhendo esta Palavra que é Jesus Cristo — Palavra encarnada –, o Espírito Santo transforma-nos, ilumina o caminho do futuro e faz crescer em nós as asas da esperança para o percorrermos com alegria. Fé, esperança e caridade constituem, numa interligação admirável, o dinamismo da vida cristã rumo à plena comunhão com Deus. Mas, como é este caminho que a fé desvenda diante de nós? Donde provém a sua luz, tão poderosa que permite iluminar o caminho duma vida bem sucedida e fecunda, cheia de fruto?"

Carta Encíclica Lumen Fidei, Papa Francisco.

Leia a Encíclica inteira clicando aqui.

Os desvios do Amor-Doação


C.S. Lewis

O Amor-Doação também tem seus desvios.

Penso na sra. Resmungo, que morreu há alguns meses. É realmente assombroso o quanto sua família se reanimou. A expressão tensa desapareceu do rosto do marido; ele voltou a ser capaz de sorrir. O menino mais novo, que eu sempre imaginara uma criaturinha nervosa e irritadiça, se revelou bastante humano. O mais velho, que mal parava em casa a não ser para dormir, agora passa quase todo o tempo lá e começou a reorganizar o jardim. A menina, de que sempre se dizia que era "frágil" (embora eu nunca tenha descoberto qual era exatamente o problema), está aprendendo a montar, o que antes estava fora de questão, dança a noite inteira e joga tênis incansavelmente. Até o cachorro, que nunca podia sair de casa, exceto na coleira, hoje é um membro notório do Clube do Poste da rua onde moram.

A sra. Resmungo dizia com muita frequência que vivia para a família. E não era mentira. Todo mundo no bairro sabia disso. "Ela vivia para a família", diziam; "Que grande esposa e mãe!" Lavava todas as roupas; é verdade que lavava mal e que a família tinha como pagar uma lavanderia e lhe pedia com frequência para não lavá-las. Mas ela lavava. Sempre havia almoço quente para quem estivesse em casa e jantar quente à noite (mesmo em pleno verão). Eles lhe imploravam que não fizesse isso. Protestavam, quase com lágrimas nos olhos (e sinceramente), que preferiam refeições frias. Não fazia diferença. Ela vivia para a família. Sempre ficava acordada para "receber" você se você ficasse fora até tarde, mesmo que até as duas ou três da manhã; você sempre ia encontrar aquele rosto enfraquecido, pálido e cansado esperando por você, como uma acusação silenciosa. O que significava, é claro, que você não podia sair com muita frequência sem sacrificar a privacidade. Ela estava sempre fazendo coisas também; ela se considerava (não vou julgar) uma excelente costureira amadora e ótima tricoteira. E é claro que, se você não fosse um monstro sem coração, você era obrigado a usar o que ela fazia. (O pastor me disse que, desde a morte dela, a contribuição da família para os bazares de arrecadação de fundos vem superando a de todos os outros membros da igreja somados.) E havia o cuidado com a saúde dos filhos. Ela suportava sozinha todo o peso da "fragilidade" da filha. O médico - velho amigo da família, e sem intervenção do sistema público de saúde - não tinha permissão de discutir a situação com a paciente. Depois de um brevíssimo exame, era levado pela mãe pra outra sala. A menina não precisava se preocupar nem cuidar da própria saúde. Precisava apenas de amor - carinho, alimentos especiais, tônicos horríveis e café da manhã na cama. Pois a sra. Resmungo, como sempre dizia, era capaz de "dar o próprio sangue" pela família. Era impossível, para eles, detê-la. Também não podiam - por serem pessoas decentes - ficar o tempo todo sentados observando-a. Precisavam ajudar. Na verdade precisavam ajudar sempre. Ou seja, faziam coisas para ela a fim de ajudá-la a fazer para eles coisas que não queriam. Quanto ao querido cachorro, era para ela "como um dos filhos", dizia. Na verdade ele era como um dos filhos na medida em que ela conseguia que fosse. Mas, como não tinha escrúpulos, saía-se razoavelmente melhor que eles, e, embora levado ao veterinário, alimentado e protegido à exaustão, às vezes conseguia ir até a lata de lixo ou até o cachorro do vizinho.

O pastor diz que a sra. Resmungo está repousando. Espero que sim. O certo é que a família dela está.

É fácil constatar quanto a sujeição a esse estado é, por assim dizer, congênita ao instinto materno. Este, como vimos, é um Amor-Doação, mas um Amor-Doação que precisa dar; portanto, precisa ser necessário. Mas a finalidade própria do ato de dar é deixar a pessoa que recebe num estado em que ela não precise mais de nossa doação. Nós alimentamos nossos filhos para que em breve eles sejam capazes de se alimentar sozinhos; ensinamo-los para que em breve não precisem de nossos ensinamentos. A missão desse Amor-Doação, portanto, é difícil. Ele precisa trabalhar para sua própria abdicação. Somos obrigados a nos tornar supérfluos. Nossa recompensa é o momento em que podemos dizer: "Eles não precisam mais de mim". Mas o instinto, quando simplesmente em sua própria natureza, não tem o poder de cumprir essa lei. O instinto deseja o bem de seu objeto, mas não é tão simples - somente o bem que ele próprio pode dar. Um amor muito superior - o amor que deseja o bem do objeto como tal, qualquer que seja a origem do bem - deve intervir e ajudar ou controlar o instinto antes que a abdicação seja possível. E é claro que muitas vezes isso acontece. Mas, quando não acontece, a necessidade voraz de ser necessário gratifica a si mesma mantendo seus objetos em estado de necessidade ou inventando para eles necessidades imaginárias. E o fará com crueldade ainda maior ao se conceber (com razão, num certo sentido) como Amor-Doação e, portanto, como "abnegado".

Não são apenas as mães que agem assim. Todas aquelas outras Afeições que, seja por drivação do instinto materno ou por semelhança entre as funções, precisam ser necessárias podem cair na mesma armadilha. A Afeição do patrono pelo pulilo é uma delas. No romance de Jane Austen, Emma quer que Harriet Smith tenha uma vida feliz - mas somente do tipo de vida feliz que Emma planejou para si mesma. Minha profissão - professor universitário - é perigosa nesse sentido. Se somos bons professores, devemos sempre trabalhar para o momento em que nossos alunos estejam preparados para tornar-se nossos críticos e rivais. Devemos nos alegrar quando chega esse momento, tanto quanto o mestre de esgrima quando o aluno consegue golpeá-lo e desarmá-lo. E muitos se alegram.

Mas nem todos. Tenho idade bastante para me lembrar do triste caso do dr. Quartz. Nenhuma universidade jamais teve um professor mais competente ou dedicado que ele. Entregava-se inteiramente aos alunos. Deixou uma impressão indelével sobre quase todos eles. Era cultuado como herói, merecidamente. Os alunos continuavam naturalmente, e com prazer, a visitá-lo depois de encerradas as relações acadêmicas, reunindo-se em sua casa à noite e travando célebres discussões. Mas o curioso é que isso nunca durava muito. Mais cedo ou mais tarde - podia ser depois de alguns meses, ou mesmo de algumas semanas - vinha a fatídica noite em que os alunos batiam à sua porta e alguém respondia que o doutor estava ocupado. E dali em diante ele estava sempre ocupado. Os alunos eram expulsos de sua convivência para sempre. Isso acontecia porque eles tinham se rebelado na última reunião. Tinham proclamado sua independência - tinham divergido do mestre e defendido suas próprias concepções, talvez com sucesso. Ao se ver diante da independência mesma que trabalhara para produzir, e que era seu dever produzir se pudesse, o dr. Quartz não a suportava. Wotan trabalhou arduamente para criar um Siegfried livre; ao ser apresentado ao Siegfried livre, enfureceu-se. O dr. Quartz foi um homem infeliz.

C.S. Lewis, Os quatro amores. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.p. 68-73.
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