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A centralidade de Cristo e a vitória sobre os demônios


Pe. Gabriele Amorth

Também o demônio é uma criatura de Deus; não se pode falar dele e dos exorcistas sem fazer referência, pelo menos de forma sistemática, a alguns conceitos-base sobre o plano de Deus na criação. Não diremos, por certo, nada de novo, mas talvez abramos perspectivas novas a alguns leitores.

Habituamo-nos, muitas vezes, a pensar na criação de uma forma errônea, embora tenhamos adquirido uma série de dados. Crê-se que, num belo dia, Deus tenha criado os anjos; que os tenha submetido a uma prova, não se sabe bem qual, da qual resultou a divisão entre os anjos e os demônios: os anjos recompensados por com o Paraíso, os demônios punidos no Inferno. Também se crê que, noutro belo dia, Deus tenha criado o Universo, o reino mineral, vegetal, animal e, por fim, o homem. Adão e Eva no paraíso terrestre pecaram, obedecendo a Satanás e desobedecendo a Deus. Nessa altura, para salvar a humanidade, Deus pensou enviar o seu Filho.

Não é este o ensinamento da Bíblia, nem é este o ensinamento dos Padres da Igreja. Numa tal concepção, o mundo angélico e a criação tornam-se estranhos ao ministério de Cristo. Pelo contrário, leia-se o prólogo ao Evangelho de João e os dois hinos cristológicos que abrem as cartas aos Efésios e aos Colossenses: Cristo é o Primogênito de toda a criatura, tudo por Ele e por causa d'Ele. Não têm sentido as discussões teológicas em que se questiona se Cristo teria vindo, caso Adão não tivesse pecado. Ele é o centro da criação, Aquele que reuniu em si todas as criaturas: as celestes (anjos) e as terrestres (homens). Contudo, é verdadeiro afirmar que, tendo-se dado a queda de Adão e Eva, a vinda de Cristo assumiu um papel particular: veio como Salvador. E no centro da sua ação está o mistério pascal: por meio do sangue da sua cruz reconcilia com Deus todas as coisas, no Céu (anjos) e na Terra (homens).

Deste ponto de vista cristocêntrico depende o papel de cada criatura. Não podemos omitir uma reflexão a respeito da Virgem Maria. Se o Primogênito de toda a criatura é o Verbo encarnado, não podia estar ausente do pensamento divino, tendo prioridade sobre qualquer outra criatura, a figura daquela em que tal encarnação se iria verificar. Daqui a sua ligação única com a Santíssima Trindade, a ponto de ser chamada, já no século II, "o quarto elemento da Tríade divina". Àqueles que desejarem aprofundar este aspecto, recomendamos os dois volumes de Emanuele Testa, Maria, Terra Vergine (Jerusalém, 1986)

Impõe-se uma segunda reflexão quanto à influência de Cristo sobre anjos e demônios. No que se refere aos anjos, certos teólogos pensam que, só em virtude do mistério da cruz, estes tenham sido admitidos à visão beatífica de Deus. Muitos padres formulam afirmações interessantes. Lemos por exemplo, em Sto. Atanásio, que também os anjos devem a sua salvação ao Sangue de Cristo. No que se refere aos demônios, as afirmações contidas no Evangelho são inúmeras. Cristo com a sua cruz venceu o reino de Satanás e instaurou o Reino de Deus. Por exemplo, os endemoninhados gadarenos exclamaram: "Que temos nós contigo, Jesus, Filho de Deus?? Vieste para nos atormentar antes do tempo?" (Mt 8,29). É uma clara referência ao poder de Satanás, a diminuir progressivamente por causa de Cristo; por consequência, ainda perdura, e perdurará até que a salvação se complete, porque foi precipitado o acusador dos nossos irmãos (Ap 12,10). Para aprofundar estes conceitos e o papel de Maria, inimiga de Satanás desde o primeiro anúncio da salvação, indicamos o belo livro do padre Cândido Amantini, Il Mistero de Maria (Ed. Dehoniane, 1971).

À luz da centralidade de Cristo, é-nos dado ver o plano de Deus, que criou boas todas as coisas "para Ele e por causa dele". Também nos é dado ver a obra de Satanás, o inimigo, o tentador, o acusador, por cuja sugestão entrou na criação o mal, a dor, o pecado, a morte. Daí resulta a restauração do plano divino, operado por Cristo com o seu sangue.

O poder do demônio também é manifestamente claro. Jesus chama-lhe "príncipe deste mundo" (Jo 14,30); S. Paulo qualifica-o de "deus deste mundo" (2Cor 4,4); S. João afirma que "todo o mundo está sob o jugo do Maligno" (1Jo 5,19), entendendo-se por mundo tudo aquilo que se opõe a Deus. Satanás era o mais esplendoroso dos anjos; tornou-se o pior dos demônios e o seu chefe. Porque também os demônios estão vinculados entre si por uma hierarquia muito estrita e conservam o grau que ocupavam, quando eram anjos: principados, tronos, dominações... É uma hierarquia de escravidão e não de amor como a que existe entre os anjos, cujo chefe é São Miguel.

A obra de Cristo é muito clara: foi Ele quem destruiu o reino de Satanás e instaurou o Reino de Deus. Por isso, os episódios em que Jesus liberta os endemoninhados têm uma importância muito especial: quando Pedro evoca, diante de Cornélio, a obra de Cristo, não cita outros milagres, mas apenas o facto de ter curado "todos os que eram oprimidos pelo diabo" (At 10,38). Compreendemos agora porque é que o primeiro poder que Jesus dá aos Apóstolos é o de expulsar os demônios (cf. Mt 10,1); e a mesma coisa vale para os crentes: "Eis os sinais que acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demônios..." (Mc 16,17) Assim, Jesus salva e restabelece o plano divino, arruinado pela rebelião de uma parte dos anjos e pelo pecado dos nossos primeiros pais.

Deve ficar bem claro que o mal, a dor, a morte, o Inferno (isto é, a condenação eterna no tormento que não terá fim) não são obras de Deus. Permito-me fazer um breve comentário sobre este ponto. Um dia, o padre Cândido estava a expulsar um demônio. No final do exorcismo, voltou-se para aquele espírito imundo com ironia: "Vai-te daqui, de mais a mais, o Senhor preparou-te uma bela casa tão quentinha!" Ao que o demônio respondeu: "Tu não sabes nada. Não foi Ele (Deus) que fez o Inferno. Fomos nós. Ele nem tinha pensado nisso." Em situação análoga, enquanto interrogava um demônio para saber se também ele tinha colaborado a criar o Inferno, obtive esta resposta: "Todos nós contribuímos."

A centralidade de Cristo, no plano da criação e na restauração dela, através da redenção, é fundamental para se compreenderem os desígnios de Deus e a finalidade do homem. Na verdade, aos anjos e aos homens foi dada uma natureza inteligente e livre. Quando ouço dizer (confundindo a presciência divina com a predestinação) que Deus sabe já quem se salva e quem se condena - e, por isso, tudo é inútil -, habitualmente respondo recordando quatro verdades claramente contidas na Bíblia, que vieram a ser definidas dogmaticamente: Deus quer que todos se salvem; ninguém é predestinado ao Inferno; Jesus morreu por todos; a todos são dadas as graças necessárias à salvação.

A centralidade de Cristo ensina-nos que só no seu nome podemos ser salvos. E só no seu nome podemos vencer e libertar-nos do inimigo da salvação: Satanás. 

Já no final dos exorcismos, quando se trata de casos mais fortes, os de total possessão diabólica, rezo o hino cristológico da Carta aos Filipenses (2,6-11). Quando chegou às palavras "para que ao nome de Jesus todo o joelho se dobre, nos céus, na terra e nos infernos", eu ajoelho-me, ajoelham-se os presentes e o próprio endemoninhado vê-se sempre obrigado a ajoelhar. É um momento forte e sugestivo. Tenho a impressão de que também as legiões angélicas, que estão à nossa volta, se ajoelham, perante a invocação do nome de Jesus.
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Pe. Gabriele Amorth, Um exorcista conta-nos. 8ª Ed. Prior Velho: Paulinas, 2012. p. 25-29.
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