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O caminho da Cruz - São João da Cruz


E, assim, quereria eu persuadir aos espirituais como este caminho de Deus não consiste na multiplicidade de considerações, de modos ou gostos, embora tudo isto seja necessário aos principiantes. Trata-se de uma só coisa necessária: saber negar-se deveras no interior e no exterior, abraçando por Cristo o padecer e o mais completo aniquilamento. Aqui está o exercício por excelência, no qual se encerram eminentemente todos os outros. E como este exercício é a raiz e o resumo das virtudes, se nele há falta, tudo o mais é perda de tempo sem proveito, tomando-se o acessório pelo principal, ainda que a alma tenha tão altas comunicações e considerações como os anjos. Porque o proveito está unicamente em imitar a Cristo, que é o caminho a verdade e a vida, e ninguém vai ao pai senão por ele, conforme o mesmo Senhor declara no Evangelho de S. João. Noutra passagem diz: “Eu sou a porta; se alguém entrar por mim será salvo (Jo 10,9). Portanto, todo espírito que quiser ir por doçuras e facilidade, fugindo de imitar a Cristo, não o teria eu por bom.

Tendo dito que Cristo é o caminho, e que para segui-lo é preciso morrer à mesma natureza tanto nas coisas sensíveis como nas espirituais; quero explicar agora como se realiza isto a exemplo de Cristo, porque é ele nosso modelo e luz.

Quanto ao primeir ponto: é certo que Nosso Senhor morreu a tudo quanto era sensível, espiritualmente durante a vida, e naturalmente em sua morte. Na verdade, segundo suas próprias palavras, não teve onde reclinar a cabeça na vida, e muito menos na morte.

Quanto ao segunto ponto: é manifesto ter ficado na hora da morte também aniquilado em sua alma, sem consolo nem alívio algum, no desamparo e abandono do Pai, que o deixou em profunda amargura na parte inferior da alma. Tão grande foi esse desamparo, que o obrigou a clamar na cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” (Mt 27,46). Nessa hora em que sofria o maior abandono sensível, realizou a maior obra que superou os grandes milagres e prodígios operados em toda a sua vida: a reconciliação do gênero humano com Deus, pela graça. Foi precisamente na hora do maior aniquilamento do Senhor em tudo, que essa obra se fez; aniquilamento quanto à sua reputação, reduzida a nada aos olhos dos homens, e estes vendo-o morrer na cruz, longe de estimá-lo, dele zombavam; quanto à natureza, pois nela se aniquilava morrendo; e enfim quanto ao seu espírito igualmente exposto ao desamparo pela privação do consolo interior do Pai que o abandonava para que pagasse puramente a dívida da humanidade culpada, efetuando a obra da redenção nesse aniquilamento completo. Profetizando sobre isto, diz Davi: “Também eu fui reduzido a nada, e não entendi” (Sl 72,22). Compreenda agora o bom espiritual o mistério desta porta e deste caminho – Cristo – para unir-se com Deus. Saiba que, quanto mais se aniquilar por Deus segundo as duas partes, sensitiva e espiritual, tanto mais se unirá a ele e maior obra fará. E quando chegar a reduzir-se a nada, isto é, à suma humildade, se consumará a união da alma com Deus, que é o mais alto estado que se pode alcançar nesta vida. Não consiste, pois, em recreações, nem gozos, nem sentimentos espirituais, e sim numa viva morte de cruz para o sentido e para o espírito, no interior e no exterior.

Não me quero estender mais longamente sobre esse ponto, embora fosse meu desejo não cessar de falar, vendo como Jesus Cristo é pouco conhecido mesmo pelos que se dizem seus amigos. Pois a estes vemos procurar nele seus gostos e consolações, amando a si próprios e não as amarguras e aniquilamentos da cruz por amor de Cristo.

São João da Cruz, Obras Completas. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. p.208.
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