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Efeitos da verdadeira meditação cristã


Quem sou eu? Sou uma palavra pronunciada por Deus. Pode Deus falar uma palavra que não tenha sentido?

Entretanto, estarei certo de que o sentido de minha vida é o sentido planejado por mim por Deus? Será que Deus impõe um sentido à minha vida por fora através do acontecimento, do costume, da rotina, da lei, do sistema, do impacto com outros na sociedade? Ou sou eu chamado a criar por dentro, com Ele, com sua graça, um sentido que irradie sua verdade e me torne sua "palavra" livremente pronunciada em minha situação pessoal? Minha verdadeira identidade permanece oculta no chamado de Deus à minha liberdade e em minha resposta a ele. Quer isso dizer que devo empregar minha liberdade para amar, com plena responsabilidade e autenticidade. Não se trata apenas de receber uma forma que me é imposta por forças externas, ou de organizar minha própria vida conforme um padrão social aprovado, mas trata-se de dirigir meu amor para a realidade pessoal de meu irmão e de abraçar a vontade de Deus em toda a sua nudez e, com frequência, em seu impenetrável mistério. Não posso descobrir meu "sentido" se procuro escapar ao medo que surge ao experimentar, de início, minha falta de sentido!

Pela meditação, penetro na mais íntima cada da base da minha vida; procuro o pleno sentido da vontade de Deus para mim, de sua misericórdia para comigo, de minha absoluta dependência para com ele. Essa penetração, entretanto, deve ser autêntica. Deve ser algo genuinamente vivido por mim. Isto, por sua vez, depende da autenticidade do conceito integral que tenho de minha vida e do que me proponho. Mas as metas da minha vida têm uma tendência ser artificiais, inautênticas, na medida em que tento apenas adaptar minhas ações a certas normas exteriores de conduta que me darão a possibilidade de desempenhar uma função "aprovada" na sociedade em que vivo. Afinal, isso importa pouco mais do que aprender a representar um papel. Às vezes, os métodos e os programas de meditação têm por fim, simplesmente, o seguinte: aprender a representar um papel religioso. A idéia da "imitação" de Cristo e dos Santos pode degenerar em mera "impessoalização", se permanece somente exterior.

Não basta à meditação investigar a ordem cósmica e nela situar-me. A meditação é algo mais do que obter controle de uma Esltanschauung (uma visão filosófica do cosmos e da vida). Ainda que esse tipo de meditação pareça conseguir uma resignação à vontade de Deus tal como se manifesta na ordem cósmica ou na história, não é profundamente cristã. Em realidade, pode essa meditação estar fora de contato com as mais profundas verdades do cristianismo. Consiste em aprender algumas fórmulas racionais, explanações que permitam a alguém permanecer resignado e indiferente nas grandes crises da vida e assim, infelizmente, poderá tornar possível a evasão, ali onde uma confrontação direta com o nosso nada é exigida. Em lugar da aceitação estóica dos decretos e acontecimentos "providenciais", e de outras manifestações da "lei" no cosmos, devemos deixar-nos conduzir, nus e indefesos, até o centro daquele medo onde permanecemos sós diante de Deus, em nosso nada, sem explicação, sem teorias, completamente dependentes da sua solicitude e providência, numa necessidade aguda do dom de sua graça, de sua misericórdia e da luz da fé.

Thomas Merton, Contemplação e Poesia
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2 comentários:

  1. Fábio, boa tarde!

    Podes me explicar esses termos no texto: "artificiais", "inautênticas" e "impessoalização", e esse passagem: "autenticidade do conceito integral que tenho de minha vida"

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  2. Olá, desculpe-me a demora.

    Vamos lá.

    Por “artificiais” ou “inautênticas”, o Thomas Merton se refere ao risco que nós corremos de, no intento de viver uma vida religiosa, reduzi-la a meros atos externos, a padrões estabelecidos de fora sem que isso seja uma correspondência interna com a nossa própria alma. Imagina, por exemplo, o caso de uma pessoa se decidir pela vida religiosa somente porque cresceu num meio em que se mantinha um alto apreço por este tipo de vocação. Ela corre o risco de adotar esta vida sem que, no entanto, possua vocação para isso. Neste caso, sua vocação seria artificial e inautêntica porque seria motivada por motivos meramente externos, enquanto que a verdade íntima do seu ser, o seu chamado absolutamente único e pessoal, seria de todo ignorado. Nós também não podemos reduzir nossa vida cristã a um tipo de imitação de padrões estabelecidos. Mesmo quando tais padrões forem autênticos e exigirem adesão, devemos entender que eles são, antes, expressões de realidades internas, e que devem seu sentido a estas.

    A impessoalização é o processo de afastar-se da autonomia e veracidade pessoal. A pessoa, nesta imitação irrefletida, deixaria de ser exatamente o que é para converter-se num arremedo, numa espécie de caricatura, num santarrão.

    Por “autenticidade do conceito integral que tenho de minha vida”, o Thomas segue na esteira dos mestres da vida espiritual que alicerçam toda a vida interior sobre um profundo auto-conhecimento. Isto é importante, sob pena de vivermos numa ilusão sem nos darmos conta. Como saber se tais padrões são ou não a expressão daquilo que eu, de fato, sou? É preciso, portanto, conhecer-se integralmente e isto só é possível em Deus. Daí decorrerá um conceito sobre nós mesmos e este deve ser autêntico, isto é, deve refletir a consciência, adquirida pelos exercícios espirituais, da nossa total indigência e do nosso nada diante de Deus. Qualquer ato de auto-conhecimento no qual o ser humano se pretenda minimamente autônomo, no sentido de dono de qualquer mérito que possa chamar de “Seu”, é enganosa. E, no entanto, a ideia de posse é possível de ser cultivada e de inspirar certas espiritualidades por aí. Porém, no convívio com Deus, que é a própria verdade, convém descobrirmos primeiramente este nosso nada e a nossa total e absoluta dependência de Deus. “Sem mim, nada podeis fazer”. Disto aí decorreria o que ele chama de “autenticidade do conceito integral que tenho de minha vida”.

    Abração.

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