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Fim de ano e o costume de Indispor-se com os outros


No Natal e Fim de Ano, mesmo para quem não é cristão, parece haver qualquer coisa de terno a invadir o mundo. Quem ficar sóbrio há de perceber.

E um dos temas mais frequentes que nessa época surgem nas conversações é o da reconciliação, do perdão e da paz que muitos tentam evocar e até supersticiosamente produzir pelo simples fato de vestir branco.

Pois bem. Acontece que nós vivemos numa sociedade que é profundamente egocêntrica. Não é de nenhum modo difícil encontrarmos livros e teorias que, não obstante sejam as mais variadas, trazem o traço comum de estarem fundamentadas sobre o umbigo dos seus autores. Basta acompanhar minimamente as intensas manifestações nas redes sociais para toparmos com todo tipo de filosofia pessoal onde o sujeito se coloca como o centro do universo, o ser mais importante de todos, como se todos os demais indivíduos estivessem contra ele e fosse seu dever defender-se e auto-promover-se. Temos, então, uma sociedade formada por pessoas preocupadas antes de tudo consigo mesmas.

Num ambiente assim, surge um costume a meu ver profundamente infantil e que consiste em facilmente se indispor com outras pessoas. Qualquer discordância ou qualquer atrito resulta em intriga e aquela amizade, talvez já de longa data, desfaz-se por capricho, por vaidade, por um ego ferido que, para restabelecer-se, recorre ao término da relação. Isto é muito revelador... A amizade, em todos os tempos, sempre foi muito exaltada e tida como algo de grande valor. "Encontrar um amigo é encontrar um tesouro", dizemos. No entanto, ela costuma ser abandonada por motivos fúteis. Tal fenômeno é sintomático da mediocridade que invadiu as almas e que termina por banalizar tudo. Os amigos são mantidos somente enquanto nos proporcionam prazer e bem-estar. Tão logo nos espetem, acabarão por ser abandonados. Uma sociedade assim, obviamente, não terá da amizade qualquer dimensão.

É mais ou menos o que aconteceu com a alegria. Hoje ela se encontra profundamente escassa. É difícil vê-la por aí, pois, em seu lugar, os homens puseram o prazer e este manipulado de todas as formas para que possa ser prolongado e intensificado. Deste modo, as pessoas perderam o senso da alegria gratuita. E, para disfarçar a angústia e a tristeza, recorrem novamente a altas doses de prazer. Os vícios não são outra coisa. Thomas Merton escreve a este respeito: "se não sabes a diferença entre prazer e alegria, sequer começaste a viver".

Pois bem. E falamos em reconciliação no fim do ano. Difícil, não? Talvez o que precisemos seja mudar a nossa compreensão sobre a natureza da amizade. Para isto, temos de abandonar esta imatura e torpe "filosofia do ego". Nós precisamos descobrir urgentemente que não somos o que de mais importante há no universo. Uma ofensa contra nós não é um sacrilégio. Por diversas vezes estaremos errados e um amigo que se preze será sincero em nos mostrar o nosso erro, se necessário.  Nós não devemos abandonar esses tesouros. Não importa o quanto nosso ego reclame; mandemos ele - o ego - plantar batatas. O que importa é a verdade e o bem.

Se amarmos a verdade e o bem, poderemos construir relações sólidas e duradouras, pois a verdade e o bem são universais, isto é, existem em todo lugar e a todo o tempo; são absolutamente estáveis. Poderemos intervir na vida de nosso amigo ou permitir-lhe intervir na nossa sem que isto resulte em briga. Digo e repito: esse costume de ficar intrigado é um negócio infantil. Nós, humanos, somos sujeitos difíceis e muitos de nós somos cheios de frescuras. Mas as frescuras não somos nós; nós não somos o nosso capricho. A amizade tem de ter um fundamento mais profundo do que a epiderme das vaidades e da imagem. Se cultivarmos uma amizade tendo isto em vista, é óbvio que não abriremos mão dela na primeira incompreensão.

Se nos dizemos cristãos, então, esta obrigação se avoluma. Cristo morreu por nós quando ainda éramos seus inimigos e perdoou a enormidade dos nossos crimes. Se não perdoamos a outra pessoa e dela guardamos mágoa, ainda quando nos dá mostras de arrependimento embora não tenha tido a coragem de desculpar-se claramente, é sinal de que pouco conhecemos a nossa própria miséria. Nós somos muito tolerantes conosco mesmos. E, no entanto, nos dizemos cristãos e seguidores do Cristo. Rezamos diariamente o "perdoai as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos ofende", e escutamos com relativa frequência o que disse Nosso Senhor: "antes de levar as tuas oferendas, reconcilia-te com teu irmão".

Nem é preciso repetir esses conselhos de Jesus. Todos nós provavelmente já os conhecemos. O que, no entanto, nos impede de ver é o nosso orgulho. Eis aí o nosso inimigo, a trave no nosso olho. Detectado o alvo que precisamos combater, mãos à obra. Não é o outro que eu devo pisar, mas o meu próprio egoísmo, a minha própria soberba. Ser cristão é assumir a disposição de colocar-se em último lugar e de oferecer a outra face, de abrir mão das próprias vontades e caprichos, de crucificar-se, como dizia S. Paulo, com as próprias paixões e concupiscências.

Para terminar, eu quero contar um breve acontecido que se deu num dos primeiros conventos do Carmelo Descalço, onde residiam S. João da Cruz e um outro irmão já de idade. Indo visitar o mosteiro, Sta Teresa D'Avila avistou ao longe este outro irmão a varrer a frente do convento com uma vassourinha bem humilde. Aproximando-se do tal monge idoso, a santa perguntou: "Oh irmão, onde está a vossa honra?", ao que ele respondeu: "Maldito o dia em que a tive".

Pensemos nisto. Este tipo de "honra", referente à preocupação que temos com a nossa imagem, em não passar por baixo, é o que nos tem afastado por vezes de um bem mais profundo; é o que nos tem tirado talvez pessoas amadas do nosso convívio.

Bem, isto tudo se aplica quando somos nós os ofendidos. Diferente é o caso quando o ofendido é Deus. Nestas situações e em caso de obstinação, por vezes o afastamento será legítimo.

O orgulho tem me tirado
O que o amor me tinha deixado
Vou aprender ao meu ego abaixar
Pra que a alma se possa elevar
Só saberei o que é ter Jesus Cristo
Se compreender o que é ser um amigo.

Fábio
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