Hoje, dia 01 de Novembro, a Igreja celebra o dia de todos os santos, e isso é suficiente para confirmar, aos olhos dos protestantes incautos, a idéia de que a Igreja católica é idólatra. O pior é que, nessa época profundamente protestantizada, esses receios terminam contaminando até mesmo um grande contingente de católicos. Não importa o quanto escrevamos ou formemos, em todo lugar onde se vai, há católicos sempre com as mesmas dúvidas: e as imagens?; e os santos?; e Jesus único mediador?, etc.
Pretendemos então nesse texto demonstrar - mais uma vez - que a idéia de existirem santos é algo intrínseco ao Cristianismo.
Primeiramente, notemos que os primeiros cristãos se chamavam a si mesmos de santos: At 9,32; 26,10; Rm 16,2; Ef 4,12; 5,3; etc.
Tornar-se santo também é visto como um objetivo a ser alcançado: Ex 22,31; Lev 20,7; 1Cor 1,2. O próprio Cristo nos ordena ser santos como Deus é santo. (Mt 5,48; 1Pe 1,16).
Ora, se os primeiros cristãos se chamavam de santos e, ao mesmo tempo, ser santo é algo que o próprio Deus nos pede, a conclusão irrefutável é que é possível ser santo. Do contrário, todas essas coisas não fariam nenhum sentido. Pedro também nos diz que o propósito divino é fazer-nos participar da Sua natureza. (2Pe 1,4). A natureza divina é santa. Logo, devemos, para tomar parte nessa natureza, ser santos. O santo, então, seria aquele que conseguiu harmonizar a sua vida com o Evangelho.
Temos então, aqui, dois conceitos de santidade: o primeiro é o de que é algo que já possuímos; o segundo é o de que é uma meta, um fim a ser alcançado. No decorrer da história, o termo "santo" (hagios) começou a ficar mais reservado para indicar esta segunda acepção: santos são os que encerraram já a sua carreira nesta vida e conquistaram a beatitude (Apo 19,8).
Haveria, portanto, como o diz o livro de Hebreus, "uma grande nuvem de testemunhas no céu" (12,1), e o que o Apocalipse por sua vez descreve como "uma multidão" (19,1). Estes são os santos.
Então, primeiramente vejamos isso: a existência dos santos não contradiz a verdade de Deus como o único santo (Apo 15,4). Perceba que não há uma terceira via: ou entendemos isto ou temos de dizer que a Bíblia é contraditória. Como sabemos que ela não é, tertia non datur.
Isto entende-se assim: vimos acima que Pedro diz que devemos participar da natureza divina. Logo, devemos ter parte na santidade de Deus. Do mesmo modo, Jesus é a luz do mundo e, ao mesmo tempo, nos chama "luzes do mundo" porque participamos da Sua luz. A ninguém devemos chamar de Pai, diz Ele, mas, ao mesmo tempo, isso não proíbe que ninguém chame ao seu genitor de pai, pois este participa da paternidade única de Deus. A ninguém chameis mestres pois um só é Vosso mestre, ordenou Ele, mas o próprio Paulo diz que podemos ter vários mestres em Cristo, isto é, que participem do único mestrado de Cristo, etc. (1Cor 4,15). Portanto, não faz sentido cismar com a idéia de a Igreja chamar alguns homens de "santos".
Esta mesma lógica da participação resolve outra aparente contradição: Jesus é o único mediador (1Tim 2,5). Mas qualquer protestante, mesmo que inconsciente, trata o seu pastor mais próximo como mediador quando o pede para orar por si. A própria Bíblia torna-se mediadora na medida em que se coloca como liame entre nós e Deus, etc. Mediar é colocar-se no meio entre as partes, estabelecendo um contato entre elas. A negação dessas mediações secundárias é algo rejeitado pela Escritura e pela lógica mais básica. O que Paulo queria dizer aí é que não há mediação alternativa a Cristo. Ele é o único mediador absoluto. Mas, a partir do momento em que estamos n'Ele, tem início uma grande dinâmica espiritual em que todos nós nos tornamos partes do mesmo corpo e, como tal, podemos mediar-nos uns aos outros n'Ele. Esta mediação secundária não contradiz a d'Ele; pelo contrário, só se torna possível graças à d'Ele. A mediação secundária confirma a mediação única. Esta é a mediação dos santos.
Um santo não tem poderes nem autoridade alternativos e próprios. Tudo o que ele é se deve a Deus. Nada há nele que seja independente. O santo é uma pessoa que viveu visceralmente o Evangelho. Ele encarnou o Verbo nele mesmo, na própria alma, no próprio corpo, e consumiu a sua vida nisso. Ele foi aquela pessoa que fez pouco caso da própria vida para dedicar-se inteiramente ao seguimento do Cristo. Ele foi aquela pessoa que desprezou tudo quanto não é Deus, e gritou, não somente com a voz, mas com todo o seu ser: "Só Deus basta!". Não apenas o santo não é um estímulo à idolatria como ele mesmo é um impedimento à idolatria. Contemplar um santo é lembrar que as verdades do Evangelho são reais e que o Deus zeloso deve ser central na vida do homem. Contemplar um santo é reavivar em nós o sentido do Céu, da transcendência; é lembrar que não vivemos para esta "má noite", como dizia Sta Teresa D'Avila, nem para este "instante entre duas eternidades", como dizia Sta Teresinha. Contemplar um santo é entender que "o homem é o que é diante de Deus, e nada mais", como falava S. Francisco de Assis.
Os santos são irmãos que já conquistaram a coroa da vida. Estão no céu, com Deus. Desse modo, purificados inteiramente de quaisquer falhas e abrasados no amor divino, podem pedir por nós de modo mais perfeito e eficaz. Não hesitemos, então, pedir-lhes que rezem por nós e peçam a Deus que nos dê forças de vencer também. Neste dia de todos os santos, ergamos os olhos da alma a esta multidão que nos precede na glória e permitamos que algo daquela alegria inefável reforce a nossa esperança e nos dê ânimo, nesta época de trevas. Santos de Deus, nossos amigos e irmãos, nossos mestres em Cristo, roguem por nós! Que a Virgem Maria, Rainha de todos os santos, esteja sempre conosco conduzindo os nossos passos para que um dia também nós possamos gozar da contemplação da divina presença. Amém.
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