Tradutor / Translator


English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

Virgem Maria - A Nova Arca da Aliança - Dr. Scott Hahn


CANTAM OS ANJOS ARAUTOS DA ARCA

Para os judeus do primeiro século, o choque do Apocalipse foi certamente o relato de João no final do capítulo 11. É aí então que, após ouvir os toques das sete trombetas, João vê o templo no céu aberto (Ap 11,19) e, dentro dele, um milagre!- A Arca da Aliança.

Essa teria sido a notícia do milênio! A Arca da Aliança, o objeto mais sagrado do antigo Israel, estava desaparecida havia seis séculos. Por volta de 587 a.C., o profeta Jeremias escondeu a arca, a fim de preservá-la da corrupção, quando os invasores babilônicos chegaram para destruir o Templo. Podemos ler essa história no segundo livro dos Macabeus:

No momento em que chegou, [Jeremias] descobriu uma vasta caverna, na qual mandou depositar a arca, o tabernáculo e o altar dos perfumes; em seguida, tapou a entrada. Alguns daqueles que o haviam acompanhado voltaram para marcar o caminho com sinais, mas não puderam achá-lo. Quando Jeremias soube, repreendeu-os e disse-lhes que esse lugar ficaria desconhecido até que Deus reunisse seu povo e usasse com ele de misericórdia. Então, revelará o Senhor o que ele encerra e aparecerá a glória do Senhor com uma densa nuvem. (2Mc 2,5-8)

Quando Jeremias fala da "nuvem", ele quer dizer a shekinah, ou seja, a nuvem de glória, que envolvia a Arca da Aliança, a qual significava a presença de Deus. Dentro do templo de Salomão, a arca ocupava o Santo dos Santos. Na verdade, era a arca que fazia daquele lugar do santuário o mais sagrado de todos os lugares. A Arca da Aliança trazia as tábuas da Lei, nas quais o dedo de Deus havia escrito os dez mandamentos e um pouco do maná, o pão caído do céu que Deus havia dado ao seu povo durante sua permanência no deserto. Trazia também em seu interior a vara de Aarão, o símbolo de seu ofício sacerdotal.

Feita de madeira de acácia, a arca tinha forma de uma caixa, coberta com ornamento de ouro e dois querubins esculpidos em suas extremidades. No topo da arca estava o propiciatório, sempre desobstruído. De pé diante da arca, dentro do Santo dos Santos*, ficava a menorah, um candelabro de sete braços.

Contudo, os primeiros leitores judeus do Apocalipse sabiam desses detalhes só da história e da Tradição. Desde a época de Jeremias, o esconderijo da arca nunca tinha sido encontrado e a reconstrução do templo não contava com a arca em seu Santo dos Santos, nem com a shekinah, nem maná, nem querubins no propiciatório.

Então, vem João dizendo ter visto a shekinah (a "glória de Deus", Ap 21,10-11.23) e o mais incrível de tudo, a Arca da Aliança.


MARIA TINHA UM PEQUENO CORDEIRO

Jesus prepara seus leitores de várias maneiras para o aparecimento da arca, a qual se revela, por exemplo, após o toque da sétima trombeta do sétimo anjo vingador, numa clara alusão ao Israel da Antiga Aliança. Na primeira e maior batalha que Israel lutou ao entrar na terra prometida, Deus ordenou ao povo eleito para carregar a arca à frente deles para o combate. Especificamente, a passagem de Apocalipse 15,11 ecoa Josué 6,13, que descreve como, durante seis dias, os quais antecederam a Batalha de Jericó, os sete sacerdotes guerreiros de Israel marcharam ao redor da cidade com a Arca da Aliança até que, no sétimo dia, eles tocassem as trombetas, fazendo ruir os muros da cidade. Para o antigo Israel, a arca foi, em certo sentido, a arma mais eficaz, pois representava a proteção e o poder de Deus Todo-Poderoso. Do mesmo modo, o Apocalipse mostra que o novo e celeste Israel também combate a batalha na presença da arca.

Como seria de se esperar, a arca aparece com espetaculares efeitos especiais: "Abriu-se o templo de Deus no céu e apareceu, no seu templo, a Arca da sua Aliança. Houve relâmpagos, vozes, trovões, terremotos e granizo." (Ap 11,19)

Imagine que você é um leitor do primeiro século, criado como um judeu. Você nunca viu a arca, mas a religião e toda a sua educação religiosa lhe ensinaram a todo instante sobre a restauração do templo. João a realiza antecipadamente, de modo que quase parece estar provocando seus leitores ao descrever o som e a fúria que acompanhavam a arca. A dramática tensão se torna quase insuportável. O leitor quer ver a arca como João a vê.

O que se segue, então, é chocante! Nas nossas bíblias atuais, depois de todo esse desenvolvimento, a passagem, de repente, dá uma parada brusca como o capítulo 11 a conclui. João nos promete a arca, mas parece pôr em cena um final abrupto. Devemos ter em mente, entretanto, que as divisões em capítulos no Apocalipse, bem como em todos os livros bíblicos, é artificial, feita por escritores na Idade Média. Logo, não há capítulos no livro original de João; tudo era uma narrativa contínua.

Assim, os efeitos especiais do final do capítulo 11 serviram como um prelúdio imediato para a imagem que, agora, aparece no capítulo 12. Podemos ler essas linhas juntos como que descrevendo um único evento: "Abriu-se o templo de Deus no céu e apareceu, no seu templo, a arca da sua aliança [...]. Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz". (Ap 11,19-12,1-2).

João nos mostra a Arca da Aliança... e é uma mulher.

Na verdade, o Apocalipse pode parecer estranho. Anteriormente, nós vimos uma noiva que aparecia como uma cidade; agora, nós vemos a arca que aparece como uma mulher.


LINHAS DE BATALHA

Quem é essa mulher que é também uma arca? A maioria dos exegetas concorda que, num primeiro nível pelo menos, essa mulher (como a noiva de Apocalipse 19) representa a Igreja, que trabalha para dar à luz os seus filhos que creem, em todas as épocas. No entanto, é pouco provável que a mulher descrita por João seja, exclusive ou mesmo principalmente, para representar a Igreja. O cardeal Newman nos oferece um argumento convincente a respeito do porquê essa personificação não ser suficiente na leitura de Apocalipse 12.

A imagem da mulher, segundo as Escrituras geralmente em uso, é muito ousada e importante para uma mera personificação. A Escritura não é muito favorável às alegorias. De fato, temos várias figuras lá, quando, por exemplo, nos fala do braço ou da espada de Deus; assim, também, quando fala de Jerusalém ou da Samaria, no feminino, ou da Igreja como uma noiva ou como a videira. Mas a Escritura não é muito dada a tecer idéias abstratas ou generalizações de atributos pessoais. Esse é o estilo clássic, e não o da Escritura. Xenofonte colocou Hércules entre a Virtude e o Vício, representados como mulheres.

Realmente a mera personificação não parece corresponder ao método de São João durante todo o episódio com a mulher. Ele pode apresentar outros personagens fantásticos que podem assumir certas idéias, mas não há dúvida de que eles também são pessoas reais. Por exemplo, poucos exegetas questionam a identidade do "filho varão", a que a mulher dá à luz (Ap 12,5). Dado o contexto do Apocalipse, este menino só poderia ser Jesus Cristo. São João nos fala que a criança "há de reger todas as nações com cetro de ferro", e isso, claramente, é uma referência ao Salmo 2,9, que descreve o rei messiânico prometido por Deus. João também acrescenta que esta criança "foi arrebatada para Deus e para o seu trono", o que só pode se referir a Jesus que subiu aos céus.

O que é verdade para o menino também o é para o seu inimigo, o dragão. João afirma claramente que o dragão não é apenas uma alegoria, mas uma pessoa específica: "a primitiva serpente, chamada Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro." (Ap 12,9)

De modo semelhante, o aliado do dragão, a "besta saindo do mar" (Ap 13,1), também corresponde a uma pessoa real. Observemos essa besta horrível e, depois, olhemos para trás, na história, a fim de vermos o que João viu. A besta tem "dez chifres e sete cabeças, com dez coroas sobre os chifres e um nome blasfemo sobre sua cabeça". A partir do capítulo 7 do livro de Daniel, sabemos que, em profecia, tais bestas geralmente representavam dinastias. Por exemplo, os chifres são um símbolo comum do poder dinástico.

Devemos nos perguntar, então: no primeiro século, que dinastia foi mais ameaçada pela ascensão do rei messiânico a partir da linhagem de Davi? O Evangelho de Mateus (cap. 2) deixa isso bem claro: era a dinastia de Herodes, a dos herodianos. Herodes, afinal, era um não judeu, nomeado pelos romanos para governar a Judéia. A fim de fortalecer o seu reinado ilegítimo, os romanos dizimaram todos os herdeiros da dinastia judaica dos Hasmoneus. E Herodes dizia ser rei em Jerusalém, indo bem longe ao reconstruir o templo em grande escala. Herodes, um líder carismático e ao mesmo tempo gentil, ganhou aos poucos o medo, a gratidão e até mesmo a adoração de seus súditos ao longo de seu sangrento reinado. O primeiro assassinato por ordem de Herodes foi o de sua própria esposa, depois o de seus três filhos, sua sogra, um cunhado e um tio, para não mencionarmos todas as crianças de Belém.

Além disso, Herodes tinha influenciado os sacerdotes do templo durante seu governo. Afinal, a quem Herodes consultou quando soube do Messias recém-nascido? Sua dinastia era uma falsificação satânica da Casa de Davi. Como o verdadeiro herdeiro de Davi, Salomão, Herodes tinha construído o templo e mantinha várias mulheres. Com a ajuda dos romanos, ele também conseguiu unificar a terra de Israel como não ocorria havia séculos.

A dinastia dos Herodes se tornaria, para eles mesmos, o maior obstáculo à verdadeira restauração do reino de Davi. Sete Herodes governaram após seu patriarca e fundador, Antípatro, e havia dez Césares na linha imperial de Roma, desde Júlio César até Vespasiano. A besta com dez chifres e sete cabeças corresponde curiosamente aos sete Herodes coroados que governaram apoiados pelo poder da dinastia dos dez Césares.

Afirmar que Apocalipse 12 é um exercício de personificação seria uma simplificação grosseira. A visão de João, embora rica em simbolismo, descreve uma história real com pessoas reais, embora numa perspectiva celestial.


MAIS DO QUE UMA MULHER

João descreve as lutas em torno do nascimento e da missão do Messias. Simbolicamente, ele mostra quais papéis teriam Satanás, os Césares e os Herodes. No entanto, ainda na peça central de Apocalipse 12, o elemento mais proeminente é a Mulher, que é a Arca da Aliança.

Se ela é mais do que a encarnação de uma idéia, então quem é ela?

A Tradição nos diz que ela é a mesma pessoa a quem Jesus chama de "mulher" no Evangelho de João, a reprise daquela pessoa que Adão chama "mulher" no Jardim do Éden. Como no início desse Evangelho, esse episódio do Apocalipse evoca repetidamente o Protoevangelho de Gênesis.

A primeira pista é que João, tanto no Apocalipse quanto no Evangelho, nunca revela o nome dessa pessoa; refere-se a ela apelas pelo nome que Adão deu a Eva no paraíso: ela é "mulher". No mesmo capítulo do Apocalipse, um pouco adiante, aprendemos que, como Eva era a "mãe de todos os viventes" (Gn 3,20), assim também a mulher da visão de João é mãe não simplesmente do "menino", mas de todo "o resto de sua descendência", mais semelhantes "àqueles que guardam os mandamentos de Deus e dão testemunho de Jesus". (Ap 12,17) Sua prole, então, são todos aqueles que têm nova vida em Jesus Cristo. A nova Eva cumpre a antiga promessa de ser, de modo perfeito, a mãe de todos os viventes.

Contudo, a referência mais explícita do Apocalipse em relação ao Protoevangelho é a figura do dragão, a quem João identifica claramente como a "primitiva serpente" do Gênesis, "o sedutor do mundo inteiro" 9Ap 12,9; ver Gn 3,13). O conflito que se segue, então, entre o dragão e o filho cumpre fielmente a promessa de Gênesis 3,15 quando Deus jurou colocar "inimizade" entre a serpente e "a mulher; entre a tua descendência e a dela". E a angústia da entrega da mulher parece que vem em cumprimento das palavras de Deus a Eva: "Multiplicarei os sofrimentos de teu parto; darás à luz com dores..." (Gn 3,16)

Claramente, João pretende relacionar Eva, a mãe de todos os viventes, com a mulher do Apocalipse, a nova Eva, a pessoa que ele identifica como "mulher" no Evangelho.


MARIA, MARIA, UM RELICÁRIO?

Ficamos, no entanto, com a questão de como essa mulher pode ser a reverenciada Arca da Aliança.

Para entendermos isso, precisamos primeiramente considerar o que fez a arca ser tão santa. Não foi a madeira de acácia ou os ornamentos de ouro. Nem foram as figuras esculpidas dos anjos. A arca continha a aliança, o que a fez se tornar santa. Dentro dessa caixa de ouro estavam os dez mandamentos, a Palavra de Deus escrita pelo dedo de Deus; o maná, o pão milagroso enviado por Deus para alimentar seu povo no deserto; e o cajado sacerdotal de Aarão.

O que quer que tenha feito a arca ser santa, fez Maria ser ainda mais santa. Vejamos. Se a primeira arca continha a Palavra de Deus na pedra, o corpo de Maria continha a Palavra de Deus encarnada. Se a primeira arca continha o pão milagroso do céu, em seu corpo Maria tinha o próprio Pão da Vida que vence a morte para sempre. Se a primeira arca continha o cajado do primeiro sacerdote do povo, o corpo de Maria continha a própria pessoa do sacerdote eterno, Jesus Cristo.

O que João viu no templo celeste era muito maior do que a arca da antiga Aliança, a arca que tinha irradiado a nuvem de glória antes da menorah, no coração do antigo templo de Israel. João viu a arca da nova Aliança, o vaso escolhido para levar a aliança de Deus ao mundo de uma vez por todas.


OBJEÇÕES NEGADAS?

Os primeiros Padres da Igreja deram forte testemunho dessa identificação de Maria com a Arca da Aliança. Ainda assim, alguns exegetas levantaram algumas objeções, às quais os Padres responderam.

Por exemplo, alguns se opuseram quanto às dores de parto da mulher, que pareciam contradizer à longa Tradição de que Maria teria dado à luz sem as dores do parto. Muitos cristãos acreditam que, uma vez que Maria foi concebida sem o pecado original, ela estaria isenta das maldições de Gênesis 3,16; portanto, não sentiria qualquer sofrimento no parto.

Ora, o sofrimento de uma mulher não necessariamente está relacionado às dores físicas do parto. Em outras passagens do Novo Testamento, São Paulo usa a dor do parto como uma metáfora para o sofrimento espiritual, para o sofrimento em geral, ou mesmo para o longo tempo de sofrimento do mundo na expectativa da Redenção no fim dos tempos (Gl 4,19; Rm 8,22). O sofrimento da mulher no Apocalipse poderia representar o desejo de trazer Cristo ao mundo; ou poderia representar os sofrimentos espirituais como o preço da maternidade de Maria.

Outros exegetas se mostram preocupados com a menção aos "outros filhos" da mulher, pois tal ponto contradiz o dogma da Virgindade Perpétua de Maria. Afinal, como ela poderia ter outros filhos se ela permaneceu sempre virgem? No entanto, de novo, esses filhos não precisam ser seus filhos físicos. Os Apóstolos frequentemente falam de si próprios como "pais" das primeiras gerações de cristãos (ver 1Cor 4,15). A "outra prole" de Apocalipse 12 são certamente "aqueles que carregam o testemunho de Jesus" e, então, se tornam Seus irmãos, partilhando o mesmo Pai do céu e Sua mãe.

Ainda outros são simplesmente obscurecidos pelos detalhes do relato de João, por exemplo, quando à mulher foram "dadas duas asas de grande águia, a fim de voar para o deserto [...] fora do alcance da cabeça da serpente" 9Ap 12,14). Tais passagens acreditam que representam a proteção divina dada a Maria contra o pecado e a influência diabólica. Outros vêem como uma narrativa estilizada da fuga para o Egito (Mt 2,13-15), para onde a Sagrada Família foi impulsionada pela besta de Herodes.


SUBINDO AS MONTANHAS

A maior dificuldade para os exegetas, no entanto, parece ser a singularidade aparente da visão tipológica de João no Apocalipse. Afinal, onde mais Maria é chamada de a Arca da Aliança? Um estudo mais atento do Novo Testamento nos mostra que essa visão de João não era única; mas, mais explícita do que em outras passagens; porém, certamente, não a única.

Com os livros de São João, os escritos de São Lucas são a outra grande mina de ouro da doutrina sobre Maria. É Lucas quem nos narra o episódio da anunciação do anjo a Maria, da visitação a sua prima Isabel, das circunstâncias miraculosas do nascimento de Jesus, da purificação da Virgem no templo, de sua busca por seu filho aos doze anos e de sua presença entre os Apóstolos no primeiro Pentecostes.

Lucas era um artista literário meticuloso que poderia alegar a vantagem adicional de ter o Espírito Santo como seu coautor. Ao longo dos séculos, os estudiosos têm se maravilhado com a forma como o Evangelho de Lucas sutilmente faz um paralelo-chave com vários textos do Antigo Testamento. Um dos primeios exemplos em sua narrativa é a história da visitação de Maria a Isabel. A linguagem de Lucas parece ecoar a narração, no segundo livro de Samuel, das viagens de Davi ao trazer a Arca da Aliança para Jerusalém. A história começa com Davi que "levantou-se e foi" (2Sm 6,2). No relato da visitação, Lucas inicia com as mesmas palavras: Maria "levantou-se e foi" (1,39). Em suas viagens, então, tanto Maria quanto Davi ultrapassaram a região montanhosa de Judá. Davi reconhece a sua indignidade com as palavras: "Como pode que a arca do Senhor venha me visitar?" (2Sm 6,9). Palavras semelhantes ecoam quando Maria se aproxima de sua prima Isabel: "Donde me vem que a mãe do meu Senhor venha me visitar?" (Lc 1,43). Note aqui que a frase é quase idêntica, a não ser que a "arca" é substituída por "mãe". Lemos ainda que Davi "dançou" de alegria na presença da arca (2Sm 6,14.16), e nós encontramos expressão similar usada para descrever o pulo da criança no ventre de Isabel quando Maria se aproximou (Lc 1,44). Por fim, a arca permaneceu na região montanhosa por três meses (2Sm 6,11), o mesmo período de tempo que Maria passou com Isabel (Lc 1,56).

No entanto, por que Lucas é tão profundo nesses acontecimentos? Por que não somente dizer que a Virgem Santíssima é um tipo bíblico ou o cumprimento da arca?

O cardeal Newman abordou essa questão de uma forma interessante: "Às vezes, nos perguntam por que os escritores sagrados não mencionaram a grandeza de Nossa Senhora. Eu respondo: ela estava ou poderia ainda estar viva, quando os Apóstolos e Evangelistas escreveram sobre ela. Havia um único livro da Escritura que, com certeza, foi escrito depois de sua morte e este livro (o Apocalipse) o fez, posso assim dizer, canonizando-a e coroando-a."

Será que Lucas, com seu jeito calmo, foi apresentando Maria para ser a Arca da Aliança? A prova é muito evidente para explicar a credibilidade de outra forma.


OS PRIMEIROS INTÉRPRETES

A mulher do Apocalipse é a Arca da Aliança no templo celeste; e aquela mulher é a Virgem Maria. Contudo, isso não exclui outras leituras de Apocalipse 12. A Escritura, afinal, não é um código a ser decifrado, mas um mistério que nós nunca poderemos sondar plenamente.

No século IV, por exemplo, Santo Ambrósio viu a mulher claramente como a Virgem Maria, "porque ela é Mãe da Igreja, pois deu à luz Àquele que é a Cabeça da Igreja"; e ainda viu a mulher do Apocalipse como uma alegoria da própria Igreja. Santo Efrém da Síria chegou à mesma conclusão, sem temer qualquer contradição: "A Virgem Maria é, mais uma vez, a figura da Igreja... Vamos chamar a Igreja pelo Nome de Maria, pois ela é digna de um nome duplo."

Santo Agostinho também considerou que a mulher do Apocalipse "significa Maria, que, sendo impecável, trouxe adiante, a nossa Cabeça impecável. Trouxe também diante de si mesma a figura da Santa Igreja, para que, como Maria trouxe à luz um filho permanecendo virgem, assim também a Igreja deve, durante os séculos, vir trazendo à luz seus membros, e ainda sem perder seu estado de integridade."

Como Maria gerou Cristo para o mundo, assim, a Igreja gera todos os que creem "outros Cristo", a cada geração. Como a Igreja se torna mãe dos crentes pelo Batismo, assim Maria se torna mãe dos crentes como irmãos de Cristo. A Igreja, nas palavras de um recente estudioso, "reproduz o mistério de Maria".

Podemos ler todas essas interpretações como uma marcante passagem de Santo Irineu, que encontramos no último capítulo. Para o menino é, sem dúvida, "o filho puro abrindo impecavelmente o ventre puro que regenera os homens para Deus". E os "outros filhos", vemos em Apocalipse, são certamente aqueles que são regenerados para Deus, ou seja, aqueles que são nascidos do mesmo ventre como Jesus Cristo.

Lido à luz dos Padres, Apocalipse 12 pode iluminar a nossa leitura posterior de todas as passagens do Novo Testamento que descrevem os cristãos como irmãos de Cristo. A palavra grega para "irmão", adelphos, literalmente significa "do mesmo ventre". De João a Irineu até Efrém e Agostinho, os primeiros cristãos acreditaram que esse ventre pertencia a Maria.

A passagem se revela extremamente rica. Outros Padres viram a mulher do Apocalipse como um símbolo de Israel, a qual deu à luz o Messias; ou como o povo de Deus através de todas as épocas; ou como o império de Davi, definido em contraste aos dos Herodes e dos Césares.

Ela e todas essas coisas, mesmo quando é a Arca da Aliança. Enquanto cada uma dessas interpretações é suficiente de uma forma primária ou secundária, nenhuma pode cumprir o significado principal do texto. Todas essas leituras simbólicas apontam, para além de si mesmas, a um significado primordial que é o histórico-literal. Ou, como o Cardeal Newman colocou: "O santo Apóstolo não teria falado da Igreja sob esta imagem em particular, a menos que tivesse existido uma Bem-Aventurada Virgem Maria, que foi elevada às alturas e objeto de veneração de todos os fiéis."

Nas palavras de outro exegeta, a mulher do Apocalipse deve ser "uma pessoa concreta que engloba um coletivo". Além disso, o significado primário para a mulher, bem como para o seu menino, deve pertencer ao indivíduo, à pessoa histórica, Santíssima Virgem Maria, que ao mesmo tempo tornou-se mãe de Cristo e dos membros do Seu corpo, a Igreja.

Dr Scott Hahn, Salve, Santa Rainha. São Paulo: Cléofas, 2013. p.47-59.
Blog Widget by LinkWithin

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fique à vontade para comentar. Mas, se for criticar, atenha-se aos argumentos. Pax.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...