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Livro de Daniel: a profanação do Santuário, a aliança com muitos e a cessação do sacrifício


Deve fazer um mês e pouco, eu comecei a escrever uns artigos sobre a doutrina adventista da Profecia do Santuário, que é um tema difícil e sofisticado. Quaisquer eventuais erros nessa questão só poderão ser identificados com um estudo detido, atento às sutilezas. 

Como já dito, o trecho central da profecia se encontra no livro de Daniel, cap. 8. Nele se fala de um pequeno chifre em um bode. Cito o texto a partir do versículo 9:

"De um deles [de quatro chifres anteriores] saiu um pequeno chifre que se desenvolveu consideravelmente para o sul, para o oriente e para a jóia (dos países). Cresceu até alcançar os astros do céu, do qual fez cair por terra diversas estrelas e as calcou aos pés. Cresceu até o chefe desse exército de astros, cujo (holocausto) perpétuo aboliu e cujo santuário destruiu, junto com o exército; sobre o sacrifício ele pôs a iniquidade; a verdade foi lançada à terra. O pequeno chifre teve êxito na sua empreitada.

Ouvi um santo que falava, a quem outro santo respondeu: 'quanto tempo durará o anunciado pela visão a respeito do holocausto perpétuo, da infidelidade destruidora, e do abandono do santuário e do exército calcado aos pés?' Respondeu: 'duas mil e trezentas noites e manhãs. Depois disso o santuário será restabelecido.'" (Dn 8,9-14)

Depois disso, Gabriel vem a Daniel para explicar a visão. Claro que, quando vemos essas coisas pela primeira vez, tudo nos parece muito esquisito. O próprio Daniel ficou doente por não ter compreendido. Então imagina o que acontece conosco, totalmente alheios? Por isso, eu decidi ler o livro inteiro, e aí muita coisa foi ficando mais clara. Algumas afirmações feitas aqui completarão de modo muito feliz aquilo que foi escrito no outro texto. Embora essas simbologias sejam de fato difíceis, ao ler o livro inteiro fica-nos a impressão de um padrão que é seguido. O simbolismo usado começa a fazer maior sentido.

Então, vejamos só: o pequeno chifre referido guerreia contra um monte de coisas. Seria importante saber de quem se trata e quem são esses contra os quais ele guerreia.

Antes, porém, vejamos o próximo texto que é fundamental para a Profecia adventista:

"Setenta semanas foram fixadas a teu povo e à tua cidade santa para dar fim à prevaricação, selar os pecados e expiar a iniquidade, para instaurar uma justiça eterna, encerrar a visão e a profecia e ungir o Santo dos Santos. Sabe, pois, e compreende isto: desde a declaração do decreto sobre a restauração de Jerusalém até um chefe ungido, haverá sete semanas e sessenta e duas semanas; ressurgirá, será reconstruída com praças e muralhas. Nos tempos de aflição, depois dessas sessenta e duas semanas, um ungido será suprimido, e ninguém (será) a favor dele. A cidade e o santuário serão destruídos pelo povo de um chefe que virá. Seu fim (chegará) com uma invasão, e até o fim haverá guerra e devastação decretada. Concluirá com muitos uma sólida aliança por uma semana e no meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; sobre a asa das abominações virá o devastador, até que a ruína decretada caia sobre o devastado." (Dn 9,24-27)

Vamos por parte. Tentemos esclarecer o significado de alguns desses símbolos.

Do primeiro texto:

O chifre pequeno é Antíoco IV, chamado Epífanes. O próprio livro falará dele no capítulo 11, mostrando como é dele que se tratam as duas profecias citadas. A bíblia diz que ele cresceu sobre a "jóia dos países". Trata-se da Palestina, pois esta expressão é usada para referir-se a ela, conforme se vê em Ez 20,6.

"Cresceu até os astros do céu, do qual fez cair diversas estrelas e calcou aos pés." Estes astros são o próprio povo de Deus, conforme nos diz o cap. 12,3, ou ainda Mt 13,43. De fato, Antíoco massacrou vários habitantes da Palestina, conforme vemos no cap. 11,33-35: "durante algum tempo, perecerão pela espada, fogo, cativeiro e pilhagem. Enquanto forem caindo dessa maneira, serão um tanto amparados; e um bom número unir-se-á hipocritamente a eles. Muitos desses sábios sucumbirão, a fim de que sejam provados, purificados e branqueados até o termo final."

"Cresceu até o chefe deste exército de astros, cujo perpétuo aboliu e cujo santuário destruiu." Este chefe do exército de astros se refere ao próprio Deus, "dono" dos sacrifícios e do santuário. De novo, Antíoco não só invadiu o Santuário como aboliu os Sacrifícios, conforme se verifica no livro de 1 Macabeus. 

"Após ter derrotado o Egito, pelo ano cento e quarenta e três, regressou Antíoco e atacou Israel, subindo a Jerusalém, com um forte exército. Penetrou cheio de orgulho no santuário, tomou o altar de ouro, o candelabro das luzes com todos os seus pertences, a mesa da proposição, os vasos, as alfaias, os turíbulos de ouro, o véu, as coroas, os ornamentos de ouro da fachada, e arrancou as embutiduras. Tomou a prata, o ouro, os vasos preciosos e os tesouros ocultos que encontrou. Arrebatando tudo consigo, regresso à sua terra após massacrar muitos judeus e pronunciar palavras injuriosas." (1Mc 1,20-24)

"Por intermédio de mensageiros, o rei enviou a Jerusalém e às cidades de Judá, cartas prescrevendo que aceitassem os costumes dos outros povos da terra, suspendessem os holocaustos, os sacrifícios e as libações no templo, violassem os sábados e as festas, profanassem o santuário e os santos, erigissem altares, templos e ídolos, sacrificassem porcos e animais imundos, deixassem seus filhos incircuncidados e maculassem suas almas com toda sorte de impurezas e abominações, de maneira a obrigarem-nos a esquecer a lei e a transgredir as prescrições. todo aquele que não obedecesse à ordem do rei, devia ser morto."  (Mc 1,44-50)

"Sobre o sacrifício ele pôs a iniquidade" - Este trecho é explicado em Dn 11,31 que, a respeito de Antíoco, diz: "tropas sob sua ordem virão profanar o santuário, a fortaleza..."

De novo, o livro de Macabeus descreve:

"No dia quinze do mês de Casleu, do ano cento e quarenta e cinco, edificaram a abominação da desolação por sobre o altar e construíram altares em todas as cidades circunvizinhas de Judá. (...) E, no dia vinte e cinco do mês, sacrificavam no altar, que sobressaía ao altar do templo" (1 Mc 1,54-55;59)

A iniquidade se refere tanto à proibição que Antíoco estabeleceu aos Sacrifícios diários - perseguindo e matando os judeus que não se submetessem à inovações - quanto à profanação dos objetos sagrados e à entronização de ídolos no Santuário, conforme se vê no supracitado.

"A verdade foi lançada à terra" - isto se nota por toda a política de helenização de Antíoco e pela adesão de grande parte dos judeus, que preferiam assistir os esportes ao invés de ocupar-se com as coisas da religião. Os versículos 36-37 dizem sobre Antioco: "O rei fará então tudo o que desejar. Ensoberbecer-se-á, elevar-se-á no seu orgulho acima de qualquer divindade; proferirá até coisas inauditas contra o Deus dos deuses; prosperará até que a cólera divina tenha chegado ao seu termo, porque o que está decretado deverá ser executado."

O livro de Macabeus traz o seguinte:

"Rasgavam e queimavam todos os livros da lei que achavam; em toda parte, todo aquele, em poder do qual se achava um livro do Testamento, ou todo aquele que mostrasse gosto pela lei, morreria por ordem do rei." (Mc 1,56-58)

Daí, um dos santos - provavelmente um anjo - pergunta a outro: "quanto durará o anunciado pela visão a respeito do holocausto perpétuo, da infidelidade destruidora, e do abandono do santuário e do exército calcado aos pés?" Sobre o exército, diz o versículo 41 do cap 11: "Invadirá o país que é a jóia da terra, onde muitos homens cairão." O livro de Macabeus diz: "Serviram de cilada para o templo, e um inimigo constantemente incitado contra o povo de Israel, derramando sangue inocente ao redor do templo e profanando o santuário." Veja como a pergunta do anjo fica clara. O segundo anjo então responde: "duas mil e trezentas tardes e manhãs. Depois disso o santuário será restabelecido."

Como se vê, yoda esta invasiva de Antíoco está bem descrita no primeiro livro de Macabeus. Em 1 Mc 1,54, conforme já citado, se lê: 

"No dia quinze do mês de Casleu, do ano centa e quarenta e cinco, edificaram a abominação da desolação por sobre o altar e construíram altares em todas as cidades circunvizinhas de Judá."

Vamos fixar as datas: 15 do mês de Casleu do ano 145. 

O mesmo livro conta quando o sacrifício voltará a ser oferecido. No cap. 4, 52-53, vemos: 

"No dia vinte e cinco do nono mês, isto é, do mês de Casleu, do ano cento e quarenta e oito, eles se levantaram muito cedo, e ofereceram um sacrifício legal sobre o novo altar dos holocaustos, que haviam construído."

15 de Casleu de 145 - santuário profanado.
25 de Casleu de 148 - holocausto volta a ser oferecido. Vamos calcular..

Temos aí basicamente três anos exatos. Um ano possui 12 meses. Um mês bíblico equivale a 30 dias.

12 x 30 = 360 
1 ano = 360 dias

360 x 3 = 1080 
1080 + 14 dias - 1094 dias

O tempo que o Santuário ficou sem sacrifícios, portanto, foi de 1094 dias. Este é um cálculo aproximado, mas nada exato, da compreensão das 2.300 tardes e manhãs entendidas como 2.300 sacrifícios, o que equivaleria, já que eram dois sacrifícios diários, a 1150 dias, faltando portanto 56 dias para a correspondência exata. Só que há um porém: o calendário judaico era "lunissolar", baseado nas fases da lua, mas tendo de se adaptar ao ciclo solar. Além dos anos comuns - de doze meses -, há no judaísmo os chamados "anos embolísticos", nos quais se acresce mais um mês aos doze anteriores. Este mês é chamado Veadar ou Adar II, e soma um total de 13 meses. Estes meses acontecem nos anos 3º, 6º, 8º, 11º, 14º, 17º e 19º.

Como temos três anos, há que se acrescer um mês de 29 dias no último ano, pelo que teríamos 1123 dias, o que é, convenhamos, uma data já aproximada de 1150, faltando um todo de 27 dias, pouco menos de um mês. Os que porventura estranharem essas imprecisões, considerem o que é dito em Jr 25,11-12: "Converter-se-á esta terra em angústia e solidão, e por setenta anos lhe há de perdurar a servidão ao rei de Babilônia." Porém, na realidade, o cativeiro na Babilônia durou 65 anos, indo de 604 a 539 a.C. É verdade que a diferença é bem menor, mas há que se convir que a duração do tempo da profecia também é menor, e, sobretudo, que de fato temos uma imprecisão, o que dificulta um cálculo exato, permitindo apenas uma idéia aproximada. Com isso queremos dizer que a interpretação de 2.300 tardes e manhãs como sendo 2.300 anos é falsa? Não. Estamos somente vendo as possibilidades. Provaremos isto em outro artigo.

Prossigamos.

Segundo texto:

Quero analisar os seguintes trechos:

Nos tempos de aflição, depois dessas sessenta e duas semanas, um ungido será suprimido, e ninguém (será) a favor dele. A cidade e o santuário serão destruídos pelo povo de um chefe que virá. Seu fim (chegará) com uma invasão, e até o fim haverá guerra e devastação decretada. Concluirá com muitos uma sólida aliança por uma semana e no meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; sobre a asa das abominações virá o devastador, até que a ruína decretada caia sobre o devastado." (Dn 9,24-27)

Um ungido será suprimido - de fato, trata de Nosso Senhor, cujo título "Cristo" significa exatamente "Ungido". Mas também simboliza o Sacerdote Onias III, assassinado em Antioquia no ano 171 a.C. (Cf. 2Mc 4,30-38)

A cidade e o santuário serão destruídos pelo povo de um chefe que virá. - Trata-se, historicamente, de Antíoco Epifânio, antes de Cristo, e/ou do imperador Tito, que o realizou no ano 7 d.C.

Concluirá com muitos uma sólida aliança por uma semana e no meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação - este trecho aqui é fonte de controvérsias. Os adventistas afirmam que ele se refere a Jesus estabelecendo a Nova e Eterna aliança. Porém, nós entendemos que, uma vez que, segundo o texto, o Ungido já havia morrido, este trecho se refere ao invasor do templo. Isto é reforçado pelo fato de este personagem fazer cessar o sacrifício no meio da semana, o que equivaleria ao terceiro dia e meio, faltando ainda três dias e meio para que se completassem as 70 semanas. Três dias e meio, transmutando em dias de anos, ficariam 3 anos e meio, o que equivaleria a 1260 dias que é sempre uma data que se refere à dominação do povo de Deus pelos inimigos. (Cf Dn 7,25; 12,7; Apo 12,6; 13,5. 

Isso tudo ainda é reforçado pelo próprio livro de Daniel que usa as mesmas expressões para se referir ao profanador: "Dirigirá novamente sua fúria contra a santa aliança, tomará medidas contra ela, fazendo um pacto com aqueles que a abandonarem." (Dn 11,30) 

Note o paralelo: 

"Concluirá com muitos uma sólida aliança por uma semana" (Dn 9,27)
"Fazendo um pacto com aqueles que a abandonarem." (Dn 11,30)
"Submeterá, com suas lisonjas, os violadores da aliança" (Dn 11,32)
"Os que o reconhecerem - ao profanador -, multiplicará as honras, conferir-lhes-á autoridade sobre numerosos vassalos e distribuir-lhes-á terras em recompensa." (Dn 11,39)

Não parecem referirem-se todos estes textos à mesma coisa? Com efeito, todos eles falam de aliança, ou pacto. E o que dizer dos trechos seguintes?

"No meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação" (Dn 9,27)
"Seu coração meditará o mal contra a santa aliança; cometê-lo-á..." (Dn 11,28)
"Farão cessar o holocausto perpétuo" (Dn 11,31)

Se o segundo e o terceiro textos se referem obviamente ao profanador e às suas tropas, por que o primeiro iria se referir a Jesus? Todos eles seguem o mesmo padrão. Estão falando da mesma coisa. Notem ainda as semelhanças nos trechos sublinhados: "fará cessar", "farão cessar".

Por fim, enquanto Dn 9,27 termina dizendo que "sobre a asa da abominação virá o devastador, até que a ruína decretada caia sobre o devastado", Dn 11,31 diz: "instalarão a abominação do devastador" e o v. 36: "porque o que está decretado deverá ser executado."

O leitor note bem: esses paralelos são o argumento mais forte deste texto. Eles provam claramente que o personagem indicado em Dn 9,27 não é Jesus, mas o profanador.

E aí surge outra pergunta no texto. Daniel questiona um homem, provavelmente Jesus, que lhe aparece: "Meu senhor, qual será a conclusão disso tudo?" O contexto é o mesmo que a pergunta do primeiro santo ao segundo. Ele então lhe responde: "Desde o tempo em que for suprimido o holocausto perpétuo e quando for estabelecida a abominação do devastador, transcorrerão mil duzentos e noventa dias." Aqui teríamos duas referências:

O atentado de Antíoco Epifânio ao Santuário no ano 145 a.C. - + 1290, chegaríamos ao ano 1145.
A invasão de Jerusalém por Tito, no ano 70 d.C. - + 1290, chegaríamos ao ano 1360.

Aconteceu algo importante em 1145? Eleição do Papa Eugênio III e a bula Quantum prædecessores convocando a Segunda Cruzada. Nada, porém, que lembre nem de longe o fim de alguma perseguição. Veja aqui.

Aconteceu algo importante em 1360? Guerra dos cem anos, Pedro I de Portugal casou com Inês de Castro, Maomé IV mata o cunhado e se torna o 10º rei de Granada, o condado de Anjou torna-se um ducado, nasceu um monte de gente, morreu um monte de gente... e nada que se assemelhe ao dito. Veja aqui.

Agora, lembramos que esta data de 1290 dias aparece no mesmo contexto que as 2.300 tardes e manhãs. Porém, os 1290 dias não podem marcar o fim, pois é dito logo em seguida, no versículo 12, que "feliz quem esperar e alcançar mil trezentos e trinta e cinco dias!", ou seja, depois dos 1290 dias, feliz quem ainda esperar mais 45 dias.

Como se vê há três datas: 2300 ou 1150, 1290, 1335. Por que escolher uma dessas datas ao invés das outras?

A única conclusão disso tudo é que é tudo muito confuso. É mais fácil dizer o que não é do que o que é. E o que não é eu creio que dissemos seguramente: o personagem de Dn 9,27 não é Jesus.
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