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Fé, Razão e o Problema da Incredulidade


Thomas Merton

Um dos paradoxos da nossa idade que timbra em não se distinguir como uma idade de Fé, é a cega submissão com que milhares de homens, inconformados com a crença em Deus, se entregam a cada charlatão aparecido na imprensa, no cinema ou no microfone. Não podem aceitar a palavra de Deus, mas engolem tudo o que lêem no jornal. Acham absurda a pretensão da Igreja, assistida pelo Espírito Santo, de pronunciar-se infalivelmente sobre o que é e o que não é revelado por Deus em matéria de doutrina e de moral, mas acreditam no mais fantástico cartaz de propaganda política, mesmo ao risco da desonestidade de propagandistas.

É-lhes impossível acreditar no Papa quando, com as extremas cautelas e reservas de Roma, faz um dos seus raros pronunciamentos ex cathedra dentro desse estrito campo da "fé e da moral", em que se podia admitir no Vigário de Cristo algum conhecimento. Se, porém, uma estrela de cinema, dessas que amargaram três anos no oitavo grau e acabaram renunciando à esperança de uma alta escola, faz alguma declaração dogmática sobre qualquer assunto, desde casamento até astrofísica, eles a olharão como uma "autoridade".

A ironia da situação é que a maioria dos homens não tem nenhum direito intelectual à sua descrença teologal. Estritamente falando, ninguém pode sentir-se com direitos à incredulidade, pois a fé é eminentemente razoável. A inteligência não pode querer ser ininteligente. Mas há poucos que chegaram com toda a sinceridade ao erro, professorando que a fé é inaceitável. Sem respeitar-lhes esse erro, devemos admitir que trabalharam duro para aí chegar. Sua ignorância é invencível. Estão de "boa fé", pensando ter evidência contra a validade da crença. O que supõe, ao menos em teoria, que se vissem as coisas no sentido da fé, mudariam logo.

Mas o paradoxo é que, enquanto um ou dois sustentam, em virtude de um falso raciocínio a inaceitabilidade da fé, milhões de outros rejeitam a noção de fé, não por um ato de razão, mas de cega fé. Aqui se evidencia a fraqueza intelectual da nossa civilização: baseia-se na fé para não crer.

Há outra enormidade em nossa descrença. Descremos de Deus por força do testemunho dum homem. Rejeitamos a palavra de Deus, à fé na palavra do homem. Os descrentes não aceitam a infalível autoridade de Deus. Se já se submeteram à autoridade falível dos homens!

Ora, a razão nos mostra que só Deus pode falar-nos algo de Deus. Que conhecem os homens da sua vida íntima? Os homens só podem exigir fé para as suas proposições sobre Deus quando houver razão para crer que elas não vêm deles, mas de Deus. "As coisas de Deus ninguém conhece, a não ser o Espírito de Deus" (I Cor 2,4).

Deus, puro Ato, pura Inteligência, não se limita a ver verdade. Ele é toda a Verdade. Só n'Ele são verdadeiras as verdades. A luz da razão é uma participação natural da sua verdade, e é d'Ele que a razão tira a sua autoridade. É assim que a razão nos ilumina o caminho e nos leva à fé.

Mas os homens sem fé teologal, raciocinando com premissas falsas, credulamente recebidas da autoridade falível de homens, usam a luz racional, dada por Deus para discutir contra Ele, contra a fé, contra a própria razão.

Resultado mal compreendido porque a fé é muitas vezes proposta como alheia e mesmo contrária à razão. De acordo com essa opinião, a fé é coisa subjetiva, incomunicável, inexplicável. É algo de emocional. Acontece ou não acontece. Se acontece, você "tem fé", e esse fato não influi necessariamente no raciocínio, pois fé é emoção inexplicável. Mas uma fé sem conteúdo intelectual que influência pode ter em nossa concepção da vida ou em nosso proceder? Não parece ser muito mais importante do que ter cabelos vermelhos e olhos azuis. É coisa que acontece a você e não acontece ao vizinho.

Essa idéia é o último refúgio do compromisso religioso com o racionalismo. Temendo ser impossível a paz doméstica, a fé se encastela no sótão da casa e deixa o resto à razão. E de fato a fé e a razão deviam caminhar em paz, não foram feitas para viver divorciadas.

(...) O "problema da  incredulidade" nos tempos modernos é mais um problema de irracionalismo do que de falta de fé. Muitos homens de hoje são desprovidos de suficiente cabeça ou experiência para cometer um pecado formal contra a fé teologal. A falta de fé, tão visível em países como a América, não é descrença formal mas crassa ignorância. É confusão de quem está perdido na cerração e não sabe distinguir a esquerda da direita. O agnosticismo e o ateísmo que grassam no mundo vêm menos da rejeição da verdade revelada, que duma incapacidade de pensar por si mesmo. São felizes os homens de entender claramente as proposições vindas do rádio. Não se pode esperar que julguem a verdade ou a falsidade do que lêem nos jornais que soletram.

O primeiro passo para levar os homens à fé é dado no plano da filosofia e não da teologia. É matéria de razão e não de fé. É impossível pedir a alguém que creia em verdades reveladas por Deus, se primeiro não compreende que há um Deus e que Ele pode revelar a Verdade. Na conversão de adultos, a Igreja não lhes pede que sacrifiquem a razão para a creditar em Deus. Ela tenta convencê-los, por argumentos filosóficos, de uma verdade praticamente inegável.

Não se pode negar que as provas tradicionais da existência de Deus, as cinco vias de S. Tomás, às vezes não chegam a convencer intelectuais, capazes de pensar. No seu caso, a incapacidade de aceitar essas provas geralmente vem da completa confusão filosófica que prevalece fora da Igreja. Sintoma desta confusão é a incapacidade de filósofos em admitir coisas como o princípio da contradição ou da causalidade, embora vivam no meio de experiências científicas que rendem testemunho a essas leis fundamentais do pensamento.

É, pois, sempre, mesmo com intelectuais de certo modo dignos desse nome, a incapacidade de pensar. Apesar de possuírem brilhante e bem armada mente, não podem aceder aos últimos problemas metafísicos, com o seu péssimo equipamento filosófico.

(...) O problema da descrença só pode levantar-se quando o homem encontrou o seu caminho para Deus. Qualquer negação da existência de Deus envolve ao menos materialmente um pecado contra a fé. Mas pode haver uma tal ignorância invencível dos preâmbulos da fé, que seria erro supor que o ateísmo de muitos apresente um problema real de incredulidade.

Thomas Merton, Ascensão para a Verdade.
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