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Silêncio III e Final - Quietação da Vontade e Pureza de Intenção

Thomas Merton, O.C.S.O

Enfim, terminemos, por ora, este assunto. Não pensava eu, de início, que iria me render três artigos. Mas tudo bem. rsrsrs...

Tratemos, então, da quietação da potência volitiva. E aqui entramos num ponto essencial. Dizíamos, no texto precedente, que as distrações geralmente são condicionadas pelo que se ama e o que se teme. Há uma razão para isto. Desde que estamos desordenados pela 'cicatriz' do Pecado Original, nós ficamos com um quê de auto-suficiência e egocentrismo que nos faz querer agarrar o prazer e afastar freneticamente a dor. E é por isto também que nós vivemos em luta. Esta dinâmica do egoísmo mobiliza a vontade que, então, passa a desejar sempre o mais cômodo e confortável. Só que, se de um lado ela se apega a um destes supostos confortos, de outro continua atenta e agitada sondando as possíveis ameaças; é uma coisa neurótica, rsrsrs. Daí que, para sair desta tensão e adquirir a quietude, é preciso vencer esta tendência egoísta nossa. Não à toa os mestres da vida espiritual são também, em maior parte, pelo menos bons ascetas, pois ao egoísmo se vence com ataques múltiplos e estratégicos nas diversas áreas onde ele se manifesta.

Mas continuemos. O que que a vontade faz? Ela ama e ela quer. Para aquietá-la, isto é, para esvaziá-la de si é preciso, então, deixar de amar e deixar de querer. Mas deixar de amar o quê? Notemos o seguinte: a vontade segue sempre a intelecto. Se este estiver quieto, não apresentará objetos à vontade para que a eles se apegue. No entanto, isto é um pouco complicado. Pode não haver objetos conceituais. Mas há toda uma carga de experiência egoísta nossa, toda uma inércia para que, ainda que sem perceber, busquemos sempre o conforto. Isto faz com que, mal comecemos a rezar, a vontade passe a procurar uma posição mais confortável ou reclame da fome, da sede, do cansaço. Quer dizer, ela parece querer qualquer coisa, menos a oração. E a disciplina de que nós viemos falando exige que se lhe negue energicamente os caprichos. Estes desejos e quereres, movimentos da vontade, devem ser aquietados e ignorados. Não devem ser objeto de atenção. Os católicos orientais utilizam, por vezes, o termo apathia que, em seu sentido original, significa "não-passividade", isto é, não-possibilidade de ser perturbado por estas coisas. Claro que isto, próprio dos hesicastas, é já de uma disciplina alta. Mas, como diz a boa filosofia, o meio deve ser o mais proporcionado possível com o fim. Então, se queremos um silêncio mais perfeito, já sabemos que é por aí.

Não ceder às inclinações da vontade no momento de silêncio. Com o tempo, também ela se disciplina e repousa na paz. É quando a vontade abandona estes pequenos cuidados que, então, se vê livre para amar a Deus. Este é o objetivo.

Agora, eu não poderia terminar estes pontos de formação, sem falar de algo importantíssimo: a pureza de intenção. Isto é essencial! E é algo mais discreto do que, a princípio, podemos pensar. Primeiro, saibamos que, com Deus, nós precisamos ser maximamente sinceros. Acontece que a sinceridade se fundamenta no conhecimento próprio. Só quando conhecemos a nossa própria pequenez e a nossa facilidade de impregnar o que fazemos de orgulho é que podemos vigiar melhor sobre as intenções. É consenso entre os santos que há um estágio da vida espiritual em que Deus permite que a alma se conheça e, de repente, tudo aquilo que antes parecia um jardim de boas ações e intenções celestes revela-se, na verdade, um chiqueiro onde se guardam porcos que, postos a passear, lambuzam de lama e sujeira tudo quanto encontram pelo caminho. E é justamente aí, quando conhecemos, não só teoricamente, a nossa própria pequenez, ou como dizia S. Luís Maria Grignion de Montfort, "a nossa incapacidade para qualquer bem", é só aí que podemos ser mais sinceros.

Até lá, não raro por trás dos termos devotos que utilizamos, se escondem segundas intenções, duplicidades, desejos discretos de que nos admirem e tentativas egoístas de seguir o nosso próprio caminho. O amor autêntico a Deus ainda não provocou em nós o êxtase que lhe é próprio, isto é, ainda não fez com que saíssemos de nós mesmos. Estamos ainda, ao contrário, cultivando resquícios de simpatia alheia. Ser sincero neste contexto é coisa difícil. Lembro-me agora - e não tem nada a ver com religião, rsrs - uma frase que o Bruce Lee pronunciou numa entrevista, e que pode nos servir de analogia. Dizia ele mais ou menos o seguinte: "eu posso, como ator, como artista marcial, fazer todas as acrobacias possíveis; dar saltos majestosos e chutes inacreditáveis. No entanto, ser sincero, meu caro, isto é muito difícil".

Quando nós estudamos todo este ambiente da mística católica - e o que modestamente escrevi acima ainda não tem nada de místico - é natural que nós nos encantemos com os bens que daí provêm. O Thomas Merton escreve, num de seus livros, que há certas coisas na vida espiritual que, uma vez experimentadas, podem fazer com que uma pessoa passe o resto da vida tentando retomar aquilo. Mas com esta atitude, ela não conseguirá, e isto me lembra Nárnia: "não tentem seguir o mesmo caminho duas vezes".  Pois bem. Quando notamos como estas coisas são apetecíveis, o nosso egoísmo já encontra aí outro objeto do qual vai querer se apossar e aqui ele é mais chato porque se reveste de um aspecto espiritual. É por isto que estes aventureiros que dizem querer ir às matas para meditar (kkk) não devem fazê-lo, pois poderão aí se tornar marionetes do próprio egoísmo. Isto é algo que não se inventa...

A pureza de intenção nos ensina a fazer tudo por Deus somente. O Thomas de Kempis, na Imitação, nos ensina que a intenção simples, isto é, direta, alcança a Deus. Com isto em vista, a nossa busca pela quietação deve se fundamentar no amor a Deus e na busca de dispôr-se a Ele. Ao contrário, o nosso amor próprio pode tentar interferir; de que forma? Primeiramente, praticando estas coisas com vistas nos efeitos do silêncio: paz, clareza da visão, profundidade espiritual e, quem sabe até se esconda aí um desejo discreto de admiração alheia. Depois, uma vez que se alcance uma relativa tranquilidade, poderá surgir uma sutil tendência de querer, ou estender aquilo, ou intensificá-lo. É como uma intervenção pessoal com vistas a melhorar o efeito, rs... Nós somos uma graça, rsrsrs. Mas, com esta simples atitude, nós saímos da gratuidade - condição necessária para o acesso a Deus - e, naturalmente, nos impossibilitamos de ir adiante ou, se tínhamos alcançado um certo grau de contemplação, somos daí expulsos, porque, então, quisemos nos apropriar aquilo.

Fazer silêncio para adquirir egoisticamente paz e solidão, escrevia o Pe. Louis, faz com que não se alcance nem um nem outro. No entanto, se silenciamos por Deus, então Deus, a paz e a solidão nos serão dados. Uma outra forma ainda de interferir é querer ter aquilo que se experimentou sempre ao alcance da mão. Daí que, tão logo sinta algo interessante, o sujeito já se tensiona numa tentativa obcecada de decorar o método que o fez chegar até ali. Com isto, ele decresce a graça, reduzindo-a a um produto natural de um método, abandona o silêncio, reforça o seu egoísmo e sua auto-suficiência e manifesta um ateísmo prático. Não espanta que um sujeito assim não progrida. Acontece que, muitas vezes, esta é a nossa história. É que estas coisas não são tão gritantes. Podem se dar meio que na penumbra. Importa, então, vigiar para que a nossa pobreza seja autêntica e constante. Lembremos que são bem aventurados o pobres, pois verão a Deus. A contemplação somente se torna acessível aos pobres.

Bem, vou terminando. Estes pontos podem servir para mover alguém a se interessar mais por estes assuntos, mas não são mesmo suficientes para quem quiser abraçar um recolhimento maior. Como eu já disse, vão a S. João da Cruz. Eu gosto muito, ainda, do Thomas Merton, pelo menos enquanto ele escreve sobre a vida espiritual cristã, rsrs.. Gregório de Nissa é outra boa; ah, e claro, a grande Santa Teresa D'Avila. A Beata Elizabete da Trindade, pelo que sei, também apreciava bastante a temática do silêncio. Vão a esse povo...

Reconheço também que, como meu conhecimento neste assunto é ainda modesto, sobretudo no que diz respeito à prática, eu posso ter cometido um ou outro equívoco - não sei se o fiz, rs... Mas nestes textos vai também muita coisa que pode ser aproveitada. Enfim, reafirmo minha submissão inteira e total à mística tradicional da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, de modo que, se algo, neste ou noutros artigos, difere do seu ensino, que seja imediatamente tido como falso.

Salve Maria Santíssima!

Fábio
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