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Máscaras da Preguiça II


A máscara dos bons desejos

Na Bíblia, no livro dos Provérbios, encontra-se uma frase breve, que tem muita substância: Os desejos matam o preguiçoso (Prov 21,25).

Existem preguiças que se manifestam por uma recusa sumária: não quero, não posso. Mas há outras que se enfeitam com as vestes dos bons desejos, desejos ineficazes, que nunca chegam a traduzir-se em realidades.

Não é que a pessoa "não queira". Mas também não "quer". Somente deseja. Quer e não quer o preguiçoso, diz ainda o livro dos Provérbios (Prov 13,4).

O desejo-máscara é mais um truque da preguiça para enganar a consciência. Aos imperativos da consciência - deves fazer, deves dar mais, deves enfrentar isto ou aquilo -, a preguiça responde, com aparente sinceridade: "Sim, é mesmo, eu desejaria tanto fazer isso tudo...".

Se prestarmos atenção, perceberemos que o tempo verbal que a preguiça prefere é o condicional - quereria, desejaria -, nunca o presente - quero! Já há muitos séculos, um dos mais antigos teólogos da Idade Média, Rabano Mauro, formulava a seguinte definição da preguiça: "torpor da mente, que negligencia começar a prática do bem"8.

Desejos condicionais. As "condições" que impedem o tempo presente, e portanto a ação, costumam ser de dois tipos. Em primeiro lugar, o bom desejo esbarra com a chamada "falta de jeito". Nós, que somos habitualmente tão vaidosos, e prezamos as nossas qualidades acima do seu valor, subitamente nos sentimos invadidos por uma estranha humildade: "Gostaria tanto de fazer meditação bem feita, de realizar apostolado, de difundir a doutrina cristã, mas infelizmente não tenho jeito, não nasci para isso".

Alguém um tanto rude sentir-se-ia tentado a comentar: não é falta de jeito, é falta de vergonha. Mas como isso é menos delicado, será melhor dizê-lo de outra forma: é falta de vontade, de sinceridade.

Todos temos "jeito" - ou podemos ganhar "jeito" - para as virtudes, para o bem, para as coisas que pessoalmente Deus nos pede. Nesta matéria, pode-se dizer também que a função cria o órgão. Basta começar, basta iniciar sinceramente o esforço, e a capacidade aparece. Será maior ou menor, mas sempre será útil e eficaz. Principalmente porque Deus não deixa nunca de auxiliar a quem se esforça com boa vontade. Também os antigos mestres da teologia cunharam um adágio a esse respeito: "Deus não nega a graça a quem faz o que dele depende".

Em segundo lugar, tão perigosa como a "falta de jeito" é a desculpa de quem sempre espera pela situação, a época ou as circunstâncias ideais para levar à prática ou seus bons desejos.

Esse afirma com convicta persuasão que quer, que quer mesmo. Agora, porém, não é o momento propício para levar à prática o desejo. Quando mudarem as circunstâncias e houver condições favoráveis, então sim.

"Agora - diz o preguiçoso - estou com tantos problemas na cabeça, que se pegasse num livro de formação cristã, com o propósito de dedicar todas as noites quinze minutos à sua leitura, não aproveitaria nada. Quando esta azáfama acalmar, então..."

"Agora - afirma outro -, ainda não me sinto em condições de fazer uma boa confissão. Deixe que eu amadureça, fortaleça as minhas resoluções, que ganhe mais certeza de não reincidir, e então..." Então? Esquece-se de que não há nada tão forte e eficaz quanto a graça do Sacramento da Penitência, para robustecer a vontade com o vigor da graça divina, e permitir a superação dos problemas.

"Agora? - perguntará um terceiro -. Será que não percebe que estou sob a pressão do cursinho e os apertos do vestibular? Vamos deixar para o ano que vem, porque agora não conseguiria levar a sério a tarefa que me propõe...".

Agora! Acontece, porém, que o tempo real se chama agora. Quem adia, recusa. O tempo ideal, o momento realmente bom, não chega jamais para o preguiçoso.

São transparentes, neste sentido, os seguintes pensamentos do livro Caminho: "Amanhã! Algumas vezes, é prudência; muitas vezes, é o advérbio dos vencidos". "Porta-te bem 'agora', sem te lembrares de 'ontem', que já passou, e sem te preocupares com o 'amanhã', que não sabes se chegará para ti". "... 'Agora' não é demasiado cedo... nem demasiado tarde"9.

Uma grande parte da nossa vida se evapora em desejos irrealizados, porque a preguiça faz confundir o tempo propício com o tempo cômodo. Tempo propício, tempo oportuno, é o que Deus vai marcando. Quando Ele nos inspira um bom desejo, quando acende uma nova luz na alma, esse é o momento propício para começar - quanto antes -, porque é a hora da graça divina. Protelar o começo, à espera do momento mais cômodo, é matar oportunidades e garantir esterilidades.

Só quando nos convencermos de que o "bom momento" é quase sempre o "mau momento" - aquele que a nossa preguiça julga mau - é que cumpriremos a Vontade de Deus e produziremos frutos. Com muita sensatez, São Gregório Magno sentenciava: "Quando não queremos fazer oportunamente as coisas que podemos, pouco depois, quando queremos, já não podemos mais"10.

Um relance em perspectiva para a parcela de vida que já gastamos, talvez possa ajudar-nos a compreender a importância da prontidão na realização dos bons desejos. Um balanço do passado pode fazer-nos entender o perigo de que a vida vá ficando como um grande quarto de despejo, em cujas prateleiras se amontoam, como frascos quebrados, inúmeros bons desejos que a preguiça utilizou.

E com estas considerações, pomos um ponto final ao exame das máscaras da preguiça. Resta-nos agora mudar o ângulo das nossas reflexões, e perguntarmo-nos pelos remédios da preguiça. Naturalmente, o remédio de todo o vício é sempre uma virtude. Qual é, então, a virtude específica que se opõe à preguiça?*"

8- Rabano Mauro, De ecclesiastica disciplina, livro III; cfr. S. Th., II-II, q. 35, a.1;
9- Josemaría Escrivá, Caminho, 6ª ed., Quadrante, São Paulo, ns. 251, 253 e 254;
10- São Gregório Magno, Regula pastoralis, parte III, cap. XV; in: Obras, BAC, Madrid, 1958, pág. 174.
* Veremos qual seja na próxima postagem a respeito.

FAUS, Francisco, A Preguiça, 2ª ed. São Paulo: Quadrante, 1993, pp. 20-23
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