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Catolicismo: Caminho comum e absolutamente pessoal

Sto Tomás de Aquino certa vez afirmou ter aprendido mais na escola íntima da cruz do que nos livros.

Enquanto vivemos aqui na terra, é necessário que acordemos para certas questões totalmente irrenunciáveis: o que somos, de onde viemos, para onde vamos, o que é o mundo, se há ou não Deus, etc. No entanto, há muitos que, não obstante os apelos da sua natureza humana, vivem a distrair-se de tais pensamentos, pois eles exigem, à medida que se lhes dê resposta, consequências práticas, isto é, trazem a tomada de consciência de uma efetiva responsabilidade pessoal.

Chesterton dizia que a coisa mais importante num homem é a sua visão do todo, o que inclui obviamente a sua visão de si mesmo. Sta Teresa D'Avila, por sua vez, afirmava que é muito triste que alguém não saiba quem é. 

Acontece, porém, que os cristãos somos privilegiados, pois não apenas a nossa santa religião traz continuamente diante de nós estas questões, nos forçando a dar-lhes respostas e a vivermos segundo elas, mas também nos traz Aquele que é, Ele mesmo, a garantia de não haver erro, pois é o Autor não só do mundo e da realidade tal qual a conhecemos, mas também da nossa identidade; diria Sto Agostinho que Ele é mais íntimo de nós do que nós mesmos o somos. N'Ele está, portanto, todas as respostas.

O cristianismo é, sem dúvida, um modo de vida, procedente de uma compreensão do mundo e que acreditamos ser perfeita. Ele nos ensina a verdade sobre a realidade. E esta verdade, contemplada e vivida, dá unidade à nossa vida e nos estreita a Deus. Porém, embora inseridos neste feliz grêmio de Cristo, nós continuamos com a nossa natureza ferida pelo pecado e os nossos olhos não raro cegados pelo egoísmo que trazemos no nosso íntimo. É a razão por sermos, ainda, tão míopes e de facilmente nos revoltarmos contra Deus. Mesmo quando queremos ser fiéis, há uma tensão interna à revolta. S. Paulo expressava isso quando escrevia: "faço o mal que não quero." Quando esta incoerência é consentida, temos uma atitude de pertinácia. E quando esta é disfarçada, damos com a hipocrisia. Sobre esta, diz Deus: "Este povo me louva com os lábios, mas seu coração está distante de mim".

A hipocrisia fere aquela unidade de vida necessária, pois insere na alma humana a dubiedade, da duplicidade de intenções e a dualidade entre o que se é e o que se parece.

Considerando, porém, um homem que seja sincero e intente levar vida reta e sobrenatural, obedecendo a Deus e lutando contra si mesmo para fazer-se dócil aos apelos de Nosso Senhor, ainda assim, nós o veremos exposto a uma série de erros e tentações. A soberba que trazemos segue sua luta contra Deus e vai buscando, mais ou menos conscientemente, que sejamos objeto das glórias e honras, dos prazeres e atenções. Numa disputa doutrinal, por exemplo, é muito comum que vez ou outra percamos de vista aquilo que originalmente defendíamos, e  nos vejamos tentados a vencer a luta por apreço à nossa própria imagem. Os homens, se são qualquer coisa além de robôs, haverão de notar algo destes movimentos no seu interior e, se forem sujeitos sérios, não os satisfarão, mas, antes, os combaterão na esperança de se tornarem humildes. É também neste sentido que a Escritura diz: "A vida do homem é uma luta sobre a terra", pois a velha serpente nos acompanha, na grande maior parte das vezes, até o túmulo. E queira Deus que não nos faça companhia pela eternidade!

Chega, porém, um momento em que o cristão se vê diante de duas vias: a do caminho comum e a da originalidade. Por onde deverá seguir? O que fará para não se perder? Também aqui o erro está nos extremos. Houve um tempo em que as pessoas queriam ser absolutamente originais: "o meu caminho é o Meu caminho; a minha verdade é a Minha verdade", dando a entender que a cada um caberia ser responsável por si e encontrar, individualmente, a trilha por onde seguir. Nesta ânsia por ser único, desprezavam toda proposta coletiva, toda alternativa comum. Ainda que fossem cristãos, não conviria seguirem todos umas mesmas regras. As doutrinas, deste ponto de vista, serviriam de alienadoras, sendo impostas de fora, transgredindo a suma lei da originalidade e aviltando a dignidade humana que consistia, precisamente, nesta absoluta especificidade e liberdade. Esta via será bastante enfatizada pelo protestantismo. Ocioso é dizer que nada agrada tanto ao ego humano quanto a pretensão e a crença de respirar um ar de majestade particular. O cristianismo reduzido a uma luta de egos é, realmente, uma coisa deprimente. Nada tão perigoso quanto uma via de perfeição deteriorada.

Mas há, também, o outro excesso: que é quando o indivíduo se perde numa coletividade. Aqui já não há qualquer reflexão sobre o caráter individual e realmente íntimo de cada alma humana, mas, na prática, se opta pela adesão irrefletida a um caminho por onde todos seguem. Se nota um certo automatismo na vida de Fé e o ego humano encontra aqui um dos modos de tentar ser aceito e de se auto-afirmar. Há como que uma pequena e sutil traição em que o sujeito "vende" as riquezas pessoais para dar ênfase àquilo que é aceito pela maioria. E, como preço da infidelidade a si mesmo, ele deverá restringir-se ao nível da mediocridade e da miopia espiritual. Poderá, talvez, ser aplaudido, mas estará muito aquém do que deveria, carecendo de realidade.

O  real caminho a seguir deve ser, antes, um caminho comum trilhado de modo intimamente pessoal. Esta verdade é tão somente uma consequência daquela dupla via, afirmada por todos os santos: a verdadeira santidade é acompanhada de um profundo conhecimento de Deus e de um profundo conhecimento de si mesmo. O primeiro gera amor a Deus; o segundo, desprezo de si mesmo. Se não há estas duas coisas, não há santidade; haverá, talvez, brincadeiras de adulto e jogos irrefletidos. A santidade, porém, não admite tais "irreverências". Já dizia Nosso Senhor a uma mística franciscana: "não foi para rir que eu te amei". Nós temos uma capacidade imensa de perder o rumo e frequentemente nos distraímos de estarmos num exílio. Conformar-se com o exílio é perder a forma da Pátria.

Este segundo erro pode, também, ser adotado por ingenuidade, como quando alguém, encantado pela vida de algum santo em particular, busca ser uma "reencarnação" do tal santo, ou, também, quando admirando um modo de apostolado em particular, uma pessoa procura adotar trejeitos e expressões daquele que admira. Isto acontece muito com os neófitos universitários com relação a seus professores. É, também, um dos fatores causadores de certas crises vocacionais.

Eu passei por isso. Na pré-adolescência, tomando contato com os escritos sobre S. Francisco de Assis e imediatamente fascinado por tudo aquilo, não deixei de conceber, n vezes, estratégias de sair de casa e dar-me à vida pobre dos mendigos. Mais tarde, conhecendo S. João da Cruz, agravando ainda mais a minha crise vocacional, não deixei de imprimir em tudo quanto escrevia aquele característico tom monástico e místico, tão peculiar do santo doutor. Em seguida, adentrando nestes combates tradicionais da internet, fascinado por todo este cristianismo ousado e inteligente no qual tomei por professor o saudoso Orlando Fedeli, passei a despejar certa agressividade afetada nas minhas defesas da Fé. Todas estas coisas eram feitas, não duvido, com boa intenção, mas a ingenuidade era espaço confortável para a vaidade mostrar sua cabeça nefanda. Não digo que atingi a maturidade, mas hoje julgo ver estas coisas com certa clareza. Estas meditações não me são novas e eu penso que elas sejam, sinceramente, fundamentais para um reto cristianismo.

É preciso seguir por esta dupla via: conhecimento de Deus, da doutrina, da santa Igreja, vida em comum com todos os católicos como membros de um mesmo corpo, seguindo Aquele que é o único caminho de nós todos. Mas também, seguir com esta peculiaridade de membro único, individual, de alma imortal absolutamente única e irrepetível, que deverá seguir este caminho comum de um modo muito único. O desprezo da primeira via, leva ao individualismo auto-suficiente; o desprezo da segunda, leva ao coletivismo irrefletido e a uma certa estagnação espiritual. Sobre este segundo erro, o do coletivismo, há uma música do Pe. Fábio que pode expressar bem esta verdade. Todo mundo sabe que não aprecio muito o Pe. Fábio, com exceção de algumas músicas. Mas este trecho aqui ilustra bem o que eu quis dizer:

Se te escondes em tuas ilusões
E te ocultas naquilo que não és
Perderás a vida e não verás
A beleza de ser o que tu és"

Rima infeliz, mas verdade profunda. Enquanto a terra espera, como mulher em dores de parto, pelo despertar dos Filhos de Deus, é tristemente tão comum que estejamos dormindo sob a árvore confortável de um destes erros! Graças a Deus, muita gente tem despertado para a necessidade imensa de conhecer a doutrina católica, os dogmas, a Liturgia, etc. Porém, a segunda via parece não acompanhar o mesmo progresso. Deus Pai diz a Sta Catarina de Sena: "jamais abandones a cela do auto-conhecimento". Sto Antônio, escreve: "a humildade é o início de toda virtude, assim como o botão é o início da flor". É do conhecimento de si mesmo que surge a humildade sem a qual simplesmente e rigorosamente não há vida espiritual.

Não há humildade sem conhecimento interior. Este é um caminho do qual não se pode esquivar-se sem, ao mesmo tempo, esquivar-se da proposta autenticamente cristã. E para que, seguindo por aí, não caiamos em erros outros, a Igreja nos mantém firmes dentro de muros doutrinários seguros que, como dizia Chesterton, permitem às crianças brincar sem medo de se acidentar.

Que Nosso Senhor, cioso da Sua doutrina e cuidadoso da nossa alma, nos dê o trato sutil de saber ver estas coisas e levá-las à prática. De nada adianta ganhar o mundo, se perdermos a nossa alma. Entremos, pois, como Sta Teresa D'Avila, neste castelo interior e o defendamos, pois n'Ele habita o grande Rei.
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