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São João da Cruz, Doutor da Igreja - Uma abordagem geral


Hoje é dia do meu santo de devoção: o grande São João da Cruz. Nascido na Espanha, foi co-autor, junto com Sta Teresa D'Avila, da reforma da Ordem Carmelita. Canonizado em 1726, pelo Papa Benedito XIII, foi declarado Doutor da Igreja em 1926, pelo Papa Pio XI. Além destes títulos, ele é conhecido como Doutor Místico, e em 1952 recebeu o título de patrono dos poetas espanhóis.

Mas em que é que São João da Cruz se destaca? Bem, primeiramente, é preciso dizer que pelo mero fato de ele ter sido declarado santo, isto já indica que ele foi um cristão eminente que visceralmente encarnou as virtudes do Evangelho até conformar-se - assumir a forma - de Nosso Senhor. Além disto, ele foi declarado Doutor da Igreja, entrando para o estreitíssimo grupo de 35 doutores que a Igreja obteve em toda a sua história de mais de dois mil anos de existência. Significa dizer que ele é elite da elite. Mas isso ainda não basta para dizer o que ele foi. São João da Cruz é absolutamente único. De todos os santos, ele é o que melhor compreendeu a vida mística e melhor a explicou, tendo alcançado o último grau de santidade possível nesta vida, chamado de "matrimônio místico". Este é um estágio altíssimo ao qual chega só uma pequena minoria dentre os santos. Tendo percorrido o caminho inteiro, São João está em condições de nos conduzir nestas vias tão misteriosas e difíceis.

Com efeito, ele desempenhou esta função como verdadeiro mestre. Ocorria, então, um fenômeno interessante nas ordens religiosas, principalmente contemplativas: religiosos e monges que estavam já há bastante tempo habituados aos modos convencionais de oração, dentre os quais tinha primazia o método inaciano de meditação, de repente se viam mergulhados numa estranha impossibilidade de continuar no mesmo caminho de sempre. Não conseguiam rezar como antes.. Meditar nas verdades do Evangelho e da Fé se tornava difícil e desconfortável. Se, por acaso, eles se forçavam a rezar deste modo - habituados que estavam às mortificações -, também não adiantava muita coisa. Esta sequidão e aparente inércia da alma parecia não ter fim. O que fazer? São João da Cruz então se colocava como um guia seguro a partir deste ponto. Às pessoas desorientadas por terem adentrado nesse estágio, ele servia de luz, de farol; segurava-as pela mão e as conduzia por um caminho do qual elas, até agora, nada conheciam.

Observemos o seguinte: para almas que estavam habituadas há anos a um modo seguro de vida, o fato de verem-se, de repente, privadas deste caminho era algo que lhes provocava profunda angústia interior. E isto também pelo fato de que não supunham haver outro caminho. Na verdade, elas não tinham idéia do que se sucedia e, por mais que buscassem consolos e orientações, nada as tirava daquelas dificuldades. Aquilo parecia um problema sem solução. Ora, se São João da Cruz se dispunha, então, a orientá-las nessas trevas, podemos nos perguntar: Que tipo de densidades sombrias ele não terá passado? E de que modo ele soube como agir? Quem o teria orientado, sendo ele ainda tão jovem? Sta Teresinha de Lisieux, nobre fruto da árvore do Carmelo que São João da Cruz ajudará a reformar, dirá mais tarde: "estou convencida de que só o sofrimento pode gerar almas". Eis o segredo de S. João da Cruz, santo para o qual a insígnia da Cruz sempre foi o maior distintivo. Com efeito, ele sempre advertirá contra os que pretendem fazer do cristianismo um caminho de facilidades. "Não lhes dêem ouvidos", dirá com firmeza, convencido de que a estreiteza do caminho de Cristo é maior do que a que se supõe. Escreve ele:

"Observemos com cuidado as palavras que Nosso Senhor nos dirige por S. Mateus: "Quão apertada é a porta e quão estreito é o caminho que conduz à vida; e poucos são os que acertam com ele" (Mt 7,14). O peso e o encarecimento deste termo "quão" são muito dignos de nota; é como se o Senhor quisesse dizer: em verdade, o caminho é bem estreito e muito mais do que podeis pensar. Ponderemos ainda que o Senhor primeiramente diz ser apertada, para nos mostrar que a alma desejosa de entrar por esta porta de Cristo - que é o começo do caminho - deve antes de tudo reduzir-se e despojar a vontade em todas as coisas sensíveis e temporais, amando a Deus acima de todas elas." (Subida, Livro II, Cap. VII, n.2)

São João enfatizará a necessidade de um intenso despojamento interior. Este despojamento é necessariamente doloroso pois a nossa tendência natural é apegar-nos aos bens. Por este motivo ficavam desorientados os religiosos acima referidos, pois se viam obrigados a abandonar um meio que lhes era pessoalmente confortável. Se Deus queria conduzi-los a níveis mais altos, isso era-lhes doloroso, pois implicava em deixar os modos anteriores. Essas pessoas agiam como Pedro que, temeroso de abandonar a segurança do seu barco, hesitava em obedecer a voz do Mestre que o chamava a andar sobre as águas, já que isto lhe contrariava a experiência pessoal de que tal proeza é impossível.

Diz ainda o santo:

"Entrar, pois, neste caminho, é sair do seu próprio caminho, ou, para melhor dizer, caminhar diretamente para o termo, deixando seu modo limitado a fim de penetrar em Deus que não tem modo. A alma, chegada a esse estado, já não tem modos particulares, nem se apega ou pode apegar-se a eles, isto é, não mais se prende ao próprio modo de entender, gostar e sentir, conquanto tenha em si todos os modos; assim como quem nada tendo possui tudo excelentemente. Tendo tido ânimo para transpor os estreitos limites de sua natureza, tanto no interior como no exterior, entra em limite sobrenatural que não tem modo algum, embora, em substância, encerre todos os modos. Para chegar a isto, é preciso abandonar tudo aquilo, apartar-se daqui e dali e sair para muito longe de si, deixando o baixo para possuir o altíssimo" (Subida, Livro II, Cap. IV, n.5)

Este caminho une duas dificuldades: é desconhecido, isto é, foge em absoluto de quaisquer experiências prévias da alma, e é doloroso na medida em que exige despojamento. Nossa inclinação natural é recusar a ambos. Tendemos a desejar caminhos fáceis e que já nos sejam conhecidos, isto é, que nos pareçam isentos de perigos e ameaças. Na medida em que Deus passa a exigir-nos apagar nossas luzes artificiais, que são as nossas pequenas seguranças, e sair do que já conhecemos, nós como que adentramos num ambiente escuro, noturno. Caminhar de noite será o símbolo por excelência do início da vida espiritual autêntica. Esta noite diz respeito tanto à Fé - que é uma espécie de conhecimento obscuro de verdades que nos estão, por ora, inacessíveis à verificação empírica - quanto ao despojamento interior que se deve adotar. Se isto é difícil sequer de começar, o que não terá São João da Cruz passado, pessoalmente, para poder chegar a este estágio de não apenas conhecer o caminho, mas de poder ensiná-lo? Quais angústias e sofrimentos interiores ele não terá conhecido? Sta Teresa D'Avila, comentando sobre as durezas próprias de certas alturas da vida espiritual, afirma que elas somente podem ser comparadas às penas do inferno. São João da Cruz não teve quem o orientasse, a não ser o próprio Deus. No seu silêncio, no seu recolhimento, S. João enfrentou lutas de gigantes.

Nosso doutor traçará um esquema geral da vida espiritual, e a dividirá em três partes: 1- A noite dos sentidos; 2- A noite do espírito; 3- a via mística ou iluminativa. Cumpre dizer que esta divisão é clássica e se encontra igualmente em S. Tomás de Aquino, em Sta Catarina de Sena e nos demais místicos. S. João da Cruz teve não apenas o conhecimento teórico disso, mas o experienciou até onde é possível fazê-lo. Qualquer pessoa, portanto, que queira seriamente avançar no caminho de Cristo deve seguir por estas vias. Lembro-me do efeito que isto provocou em mim logo quando o conheci. Antes, a vida espiritual me parecia algo muito difuso: cada santo possui idéias pessoais e ênfases particulares. Os tipos de carisma são variadíssimos e cada um parece seguir um caminho distinto do outro. Iniciar um processo de ascensão espiritual ficava, assim, dado a um certo inspiracionismo. Ao conhecer a Mística de São João, eu pude identificar aquele traço que une os santos todos, que está subjacente à multiplicidade de modos, e fora do qual a vida espiritual é só fachada. Ver tudo isso foi como um eureka, pois então eu percebi com clareza a unidade fundamental da vida espiritual. Dizia eu, então: "agora eu sei por onde ir". Pena que entre saber e fazer há uma grande distância.. Mas saber já é alguma coisa.

Tratemos, portanto, de cada uma das vias em separado.. Mas isso será algo para os próximos capítulos. Tenho de viajar já já. Assim que dispuser de tempo, continuo.

São João da Cruz, rogai por nós.
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