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Dois modos equivocados de Franciscanismo



Ontem foi dia do seráfico pai do franciscanismo, um homem que, não obstante o seu profundo amor à Dama Pobreza - e justamente por causa disso - , enriqueceu o nosso mundo e a história do cristianismo. A seu respeito, muito acertadamente, disse o beato João Paulo II: "O mundo tem saudades de ti..."

Francisco era um mistério; era um sujeito que tornava o sobrenatural quase visível e, de fato, já o trazia impresso na própria carne nos seus últimos dias de vida. Muito embora seja um dos santos mais conhecidos da Igreja, Francisco é, na verdade, muito pouco conhecido. Ele mesmo afirmava que é infeliz o homem quando não tem segredos com o seu Senhor. Muito inclinado ao recolhimento e ao silêncio, alguns segredos de Francisco só foram descobertos devido à curiosidade de alguns irmãos que o iam espionar em suas orações. É por eles que, hoje, conhecemos alguns dos seus êxtases e dos seus colóquios com personagens do outro mundo.

Seja como for, Francisco foi um grande santo porque quis unicamente, em tudo, conformar-se, isto é, tomar a mesma forma de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para tal, entregou toda a sua vida e combateu como verdadeiro cavaleiro - Francisco amava esse estilo cavaleiresco - contra o seu amor próprio e todo tipo de vaidade. Absolutamente vitorioso sobre si mesmo, desprezando-se com rigor, adquiriu uma tal violência de amor por Deus que o simples fato de pôr os olhos num crucifixo lhe fazia derramar copiosas lágrimas. Tinha os olhos fundos e um corpo fragilizado pelas longas vigílias e pelas constantes penitências que ele mesmo se impunha.

Pois bem! O Francisco que hoje, no mais das vezes, é divulgado por aí, inclusive pelos frades da sua Ordem, é qualquer outra coisa: o santo da ecologia, o santo do ecumenismo (por causa da sua conversa com o sultão...), o santo da paz universal e sincrética, o santo do bom mocismo, etc. E isso quando Francisco não é utilizado como instrumento de ideologia de esquerda. E é sobre estes dois erros que quero tratar bem sucintamente. Há muita gente por aí que ama Francisco - que até assistiu o filme hippie que fizeram dele, o "Irmão Sol Irmã Lua" que, porém, é mesmo um clássico, rs - e que simplesmente não vai às fontes e fica a admirar um personagem inventado, um homem bobinho que era só sorrisos e gostava de deitar na relva e defender os animaizinhos. Ou isso, ou a redução de toda a espiritualidade franciscana - que é altíssima - ao trabalho social com os marginalizados.

Falemos de um e de outro.

Primeiramente, S. Francisco só muito secundariamente poderia ser tido como um representante do Green Peace. O seu amor pela natureza - que realmente existiu - não era algo que 'parava' nas plantinhas e nos animaizinhos. Na verdade, o que fazia com que Francisco ficasse comovido era saber que toda e qualquer criatura fala do seu Criador. Quando o Poverello contemplava as flores ou a perfeição das pedras, tudo isto lhe servia de meditação sobre Deus. Era do seu intenso amor a Deus que brotava o seu amor por todas as coisas. Vemos isto de modo muito claro no seu "Cântico das Criaturas" que, na verdade, não é um louvor das criaturas, mas de Deus pelas criaturas.

Portanto, fazer o amor de Francisco ter como fim último a plantinha lá ou o animalzinho cá é cair num reducionismo absurdo que torna a figura deste santo somente um caricato bobo daquilo que ele foi de verdade. O que abundava em Francisco era o dom da Sabedoria pelo qual o cristão nota a relação entre tudo o que existe e Deus. O que fazia Francisco admirar a criação era a sua abertura à transcendência, era o seu olhar voltado para o alto. Uma vez que conhecia e amava a Deus, Francisco passava a amar tudo aquilo que era obra de Suas mãos. O contrário, porém, não é o amor franciscano. Fechar-se numa perspectiva imanente significa, antes, fechar-se para o profundo conhecimento das criaturas e, logo, para o verdadeiro amor delas em Deus. A idéia de um amor alternativo a Deus é equivocada. E, no entanto, abundam as manifestações deste tipo de "franciscanismo".

O mesmo pode ser dito com relação à ênfase franciscana no aspecto social. Francisco sabia que todos os homens somos filhos de Deus porque criados por Ele e que, em especial, os mais sofridos - na sua época, os leprosos e os mendigos - representavam como uma segunda encarnação de Cristo. Jesus havia dito: "O que fizerdes a um destes pequeninos, é a mim que o fazeis". Francisco, então, sabendo do mistério que envolve o ser humano, e compreendendo que é Deus mesmo Quem se esconde nestes desfavorecidos, os servia com amor e resignação. Não é que Francisco desconsiderasse a individualidade de cada homem. Ao contrário: era por amar tanto a Deus e ser íntimo do mistério da Sua cruz, que Francisco, conhecendo agora mais perfeitamente a dignidade singular de cada sujeito e vislumbrando neles a figura sofrida de Jesus, os acolhia e os abraçava. Novamente, temos um trabalho social que aure sua força e sua razão de ser do alto e, portanto, só pode ser compreendido numa perspectiva transcendente.

Porém, tornou-se comum um tipo de "franciscanismo" que, de novo, foca o social pelo social, num claro testemunho de naturalismo que, em última instância, significará uma porta aberta ao ateísmo prático, a uma desvirtuação da caridade, fazendo desta mera filantropia. Quando, de volta ao fechamento imanentista, nós nos prendemos estritamente à imediaticidade do que vemos, resulta disto que não compreenderemos a profundidade dos indivíduos que temos diante de nós, reduzindo o nosso serviço apenas ao aspecto físico e/ou, se muito, ao subjetivo. Mas, de novo, fizemos um mutilação no sujeito que pretendíamos ajudar, ignorando um aspecto importantíssimo e crucial para que pudéssemos promovê-lo na totalidade. Sem aproximá-lo de Deus, o que fizermos estará circunscrito, forçosamente, ao âmbito do efêmero. Teremos rebaixado toda a nossa intervenção a uma busca de conforto do outro. Não estou a dizer que isto não seja importante, mas, de fato, não basta. Não era essa a intenção primeira de Francisco. Sabia ele que nós ajudamos alguém em profundidade quando pomos diante dos seus olhos, mesmo a partir de atos comuns, a perspectiva da eternidade. É só quando permitimos ao sujeito expor-se à luz divina que ele passa a compreender quem, de fato, é e tende, a partir disso, a ressignificar o seu presente à luz do transcendente. É quando somos motivados pela altíssima dignidade de uma alma imortal que podemos dispender os maiores esforços na luta pela sua defesa também no aspecto físico. O que importa é não se fechar.

Várias correntes franciscanas, porém, aderiram ao método marxista de trabalho social. Não se pode dizer que a sua intenção seja má, visto que as formações contemporâneas de frades e padres são, na imensa maioria das vezes, muito defasadas e claramente inclinadas a um viés ideológico. Mas, optar por este tipo de prática é renegar o seguimento do exemplo puro de Francisco. É meter a foice comunista no real e ficar só com o que é material e contingente. E, sinceramente, inspirar-se numa ideologia que é problemática, seja na leitura do processo histórico, seja na metodologia de ação, seja ainda na finalidade a que se ordena, é, obviamente, renunciar a qualquer possibilidade de uma ajuda mais profunda e mais real. O que vicia estas comunidades de esquerda, mesmo quando se declaram católicas, é que elas tendem a entender as questões metafísicas e espirituais como se fossem uma realidade de segunda ordem, algo menos real do que o real aparente, dando, daí, absoluta primazia a este último. Mas isto significa uma inversão radical da ordem das coisas e este tipo de avesso não pode produzir nenhum fruto duradouro e benéfico, pois tem fundamento num erro e, portanto, se opõe à verdade, sendo desta uma negação prática.

Enfim, quando falarmos de franciscanismo, tenhamos estas coisas em vista. Não sejamos precipitados na leitura da figura de Francisco. Ele é um sujeito que é difícil de esgotar e, mesmo, de entender. Mas, se quisermos nos aproximar ao menos um pouco desta santa figura, não o deveremos fazer senão entendendo o seu profundíssimo amor a Cristo Crucificado, fonte de toda a sua espiritualidade, e o seu esponsal com a Dama Pobreza, o tesouro escondido de Francisco, como ele mesmo disse:

"Vou me casar com uma noiva nobre e bonita como vocês nunca viram, que ganha das outras em beleza e supera a todas em sabedoria"

Franciscanismo com abstração de Cristo, ainda que sutil, seja de cunho ecológico ou de viés social, é somente ludibriação.

Que Francisco nos ensine, a nós que somos seus devotos, a compreender minimamente o mistério da sua vida e interceda para que Nosso Senhor nos dê forças de imitá-lo naquilo que a nós compete.

Fábio
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