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"Quando se darão essas coisas?" - Parte IV: O Genuíno Pensamento de Cristo


Alguns textos do Novo Testamento têm sido explorados pela chamada "Escola Escatologista" (os racionalistas Weiss, Schweizer, Loisy e outros) a fim de firmar a tese de que Jesus, na realidade, esperava e ensinava ser iminente a instauração do reino glorioso de Deus. Os argumentos dos escatologistas, ditados, como são, por preconceitos, carecem de valor apodíctico; todavia, já que tal exegese teve certa voga, não será inútil apresentar aqui o sentido autêntico dos textos mal interpretados.

a) O pensamento de Cristo

1- Uma primeira série de textos apresenta o reino de Deus como já presente entre os homens:

"Desde os dias de João Batista até hoje, o reino de Deus é tomado por força, e são os violentos que dele se apoderam." (Mt 11,12; cf. Lc 16,16).

"Se expulso os demônios pelo Espírito de Deus, o reino de Deus veio a vós" (Mt 12,28; cf. Lc 11,20)

"Tendo-Lhe os fariseus perguntado: "Quando virá o reino de Deus?", Jesus respondeu-lhes e disse: "O reino de Deus não vem de maneira a ser observada, de sorte a se poder dizer: Eis que aqui está; ou: Ali está. Com efeito, o reino de Deus está dentro de vós." (Lc 17,20s)

2- Em outro grupo de textos o reino de Deus aparece como realidade que cresce lentamente antes de atingir a sua consumação. É o que indicam as parábolas do grão de mostarda que se torna árvore considerável. (Mt 13,24-30); do fermento que penetra e levanta a massa (Mt 13,33; Lc 13,20s); do trigo e do joio que devem crescer conjuntamente (Mt 13,24-30)

Jesus declara explicitamente que o Evangelho será pregado no mundo inteiro antes do fim do mundo: Mt 24,14; cf. Mt 26,13. 28,19s.

A fundação da Igreja, a entrega do primado a Pedro, a promessa da assistência do próprio Jesus e do Espírito Santo insinuam em Cristo a consciência de que ainda estava distante a consumação da História.

3- Uma terceira categoria de textos inculca que, embora o fim do mundo seja uma realidade inelutável, o seu dia e a sua hora devem, conforme o plano de Deus, ficar velados aos homens; vejam-se as passagens citadas acima sob o título nº 2.

4- Há ainda uma quarta série de textos, que anunciam uma catástrofe iminente e tremenda, a qual terminará com a manifestação do Filho do homem. Assim:

Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo: não tereis percorrido as cidades de Israel antes que venha o Filho do homem." (Mt 10,23)

"Em verdade vos digo: há alguns aqui presentes que não provarão a morte antes de ter visto o Filho do homem vindo em seu reino." (Mt 16,28).

Depois de falar da grande catástrofe, acrescenta Jesus: "Em verdade vos digo: esta geração não passará antes que tudo isto aconteça. O céu e a terra passarão; as minhas palavras, porém, não passarão." (Mc 13,30s; cf. Mt 24,21-35; Lc 21,5,33.)

Ao Sumo Sacerdote que lhe perguntava se era o Filho de Deus Bendito, Jesus respondeu: "Sou-o. E vereis o Filho do homem assentado à direita do Poder (= de Deus) e vindo com as nuvens do céu." (Mc 14,62; cf. Mt 26,64.)

Oras, que dizer destas quatro séries de textos?

As três anteriores se concatenam entre si muito harmoniosamente: a primeira ensina que o reino de Deus já desceu à terra com a vinda do Redentor e se encontra em sua fase inicial, ainda latente no interior das almas; a segunda fala da propagação desse reino no mundo pela pregação dos discípulos; o crescimento será lento e nunca deixará de ser entravado pelos adversários (o joio); a terceira série acena para a consumação gloriosa do reino, fazendo observar, porém, que sua época é imperscrutável aos homens.

A que se referem estes três grupos de predições? Correspondem à realidade histórica do Cristianismo, ou seja, ao desenvolvimento da obra de Cristo nos seus vinte séculos; não há dúvida de que têm por objeto a Igreja Católica enquanto esta é o reino messiânico em desenvolvimento. Quanto à quarta parte, é evidente que não se deixa concatenar com as anteriores; donde se pergunta: terá o mesmo objeto que as três outras? Quem a queira entender como o anúncio de um iminente fim do mundo, fá-la contradizer aos demais vaticínios do Senhor; ora, estaremos habilitados a admitir em Jesus tão flagrante contradição? Tamanha incoerência a respeito de um dos pontos capitais de sua missão insinuaria que Jesus não se diferenciava muito de um mentecapto. Não será talvez a contradição introduzida nos vaticínios de Cristo pelos exegetas modernos, em virtude de errôneo entendimento dos mesmos?

Um exame atento dos textos da quarta série leva a concluir, sim, que a contradição está na mente dos intérpretes escatologistas, não nas palavras de Cristo. O estudo mostra que tais textos não se referem à história da Igreja e à sua consumação, tão bem delineadas nos três primeiros grupos, mas à catástrofe que se deu no ano de 70, quando de fato ainda viviam muitos contemporâneos de Jesus: a tremenda queda de Jerusalém sob os golpes do general romano Tito.

Como se explica, porém, que Jesus se refira a este acontecimento próximo usando de termos que evocam a Sua segunda vinda e o remoto fim do mundo?

Para se entender isto, tenha-se em vista uma particularidade do estilo profético: o Profeta, na Sagrada Escritura, costuma ver e descrever acontecimentos futuros, distantes uns dos outros, como se se fossem realizar todos na mesma época; bastava que os mais próximos fossem tipos dos mais remotos para que o vidente predissesse acontecimentos próximos e remotos no mesmo discurso sem marcar o intervalo que os separaria entre si. O Profeta assemelhava-se destarte a um observador que de longe contempla uma região montanhosa; percebe as cristas das cordilheiras, sabe descrevê-las, mas não distingue os vales que medeiam entre os picos; os muitos planos verticais, próximos e longínquos, lhe parecem coincidir numa única perspectiva. Esta particularidade de estilo já se nota nos textos do Antigo Testamento em que os Profetas descrevem a libertação do exílio babilônico (fins do séc. 6º a.C.) e a libertação messiânica, a Redenção (na era cristã): aquela sendo tipo desta, uma era anunciada com traços literários e históricos que competiam à outra (cf. principalmente Is 40-66)

Ora, foi também o que se deu nos discursos de Jesus: a guerra judaica de 66 a 70, que terminou com a ruína de Jerusalém, constituiria um juízo tremendo proferido sobre os judeus, seria uma eloquente demonstração de que o Filho do homem é, de fato, o Rei e o juiz que os judeus rejeitaram na sua primeira vinda. É o que permitia a Jesus tomar essa próxima catástrofe como tipo de catástrofe final, em que a todos os povos Cristo se manifestará como Juiz universal e Rei triunfante; a ruína próxima de Jerusalém seria o fim de um mundo, da nação judaica, e assim prefigurava o longínquo fim do mundo, das nações. Em consequência, nos Seus vaticínios, o Senhor, adotando o estilo profético, entrelaçava traços do acontecimento "tipo" e do "antítipo", isto é, do juízo próximo, parcial (sobre os judeus), e do juízo remoto, universal; encontram-se, pois, num único discurso frases que apresentam a catástrofe como iminente (cf. 24,32-35) e outras que a põem à distância (cf. Mt 24,14), ou sentenças que se referem à ruína de Jerusalém com expressões atinentes à parusia final (cf. Mt 10,23; 16,28; 26,64). Naturalmente, não é sempre fácil distinguir um e outro acontecimento com seus respectivos traços no quadro único em que Jesus os apresenta; somos, porém, habilitados a procurar fazer esta distinção, pois é certo que

a) Jesus, em Seu sermão escatológico (Mt 24s; Mc 13; Lc... 21,5-36), tinha em vista não somente o fim do mundo, mas a ruína de Jerusalém. Não se pode esquecer que esse discurso é apresentado como resposta à pergunta dos Apóstolos: "Dize-nos: quando essas coisas (a queda da Cidade Santa anteriormente mencionada) acontecerão, e qual o sinal de tua vinda e do fim do mundo?" (Mt 24,3); na resposta de Cristo, o pensamento passa sucessivamente de uma catástrofe à outra; há um vaivém rítmico, bem compassado;

b) no tocante ao fim do mundo, as três séries de textos acima mencionadas ensinam suficientemente que Jesus não o aguardava para breve.

Em conclusão: para quem considera a índole própria do estilo profético, a interpretação dos escatologistas se mostra viciada; confunde perspectivas entre si distintas e só leva em conta uma categoria de vaticínios atinentes ao reino de Deus, negligenciando sistematicamente três outras congêneres.1

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1- De resto, pergunta-se: como poderiam ter as gerações humanas continuado a acreditar em Cristo e na Sua mensagem, desde que tivessem verificado um erro do "Profeta" tão grave como o que Lhe atribui a Escola escatológica?

BETTENCOURT, Dom Estêvão. A Vida Que Começa Com a Morte. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Agir. 1963. Pp. 200-204
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