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O Papa e os coelhos


Todos soubemos das declarações do Papa Francisco durante o vôo de volta da sua peregrinação às Filipinas a respeito das famílias numerosas, do espaçamento dos filhos, e dos "coelhos". Na verdade, a entrevista fala de muitas outras coisas, mas a polêmica se deveu sobretudo a estes assuntos que, no parecer da mídia, aparentavam inovar quanto à moral católica. Muitos sites divulgaram a notícia, e a maioria endossava a mesma interpretação: "Papa Francisco diz que católico não precisa procriar igual coelho e que ter três filhos está bom."

A notícia foi também divulgada no blog do Fratres, com artigo nomeado como "a íntegra do que o Papa disse", e foi esta a tradução a que me dei à leitura com maior atenção. Contudo, o recorte feito e os negritos às vezes sugerem certas interpretações. O número de três filhos, por exemplo, só pode ser bem compreendido ao considerar a pergunta que Francisco então respondia - o que falta no texto do Fratres. Aproveitaremos a ocasião para revistar as expressões ditas mais abaixo.

Isso tudo me rendeu certa indignação, que foi em certa medida manifestada nas redes sociais a título de comentário dos comentários. Escrevi então um texto que trazia o mesmo nome que encima esta postagem. Contudo, creio que o teor de ambos será bem distinto.

Hoje, enfim, decidi ler toda a entrevista, tal como está disponível no próprio site do vaticano. Deveria tê-lo feito antes, e faria caso soubesse que estas entrevistas também ficam lá arquivadas e disponíveis. Passo, então, a fazer os comentários.

Papa critica mulher que está na oitava gravidez e a chama de irresponsável.

A mulher já era mãe de 7 filhos e estava na oitava cesárea. O número de cesáreas suportáveis por uma mulher varia de pessoa a pessoa, mas pode-se dizer que oito não é lá um número tão comum. Quando o Papa a chama de irresponsável, não o diz pela quantidade de filhos, mas pelo risco, real, de morrer e deixar 7 órfãos. Ele fala isso claramente: "Mas a senhora quer deixar sete órfãos?" Então, nada de espantoso nem de equivocado. Ponto do Papa. Alguns reclamaram a dizer que o papa não sabe da vida particular da mulher, se ela é uma das exceções que não correriam risco com tantas cesáreas. De fato, talvez ele não tenha procurado saber, mas o mais comum é supor que as pessoas geralmente se enquadram num padrão e, mesmo que se afastem dele um pouco, não é tanto. É bastante razoável considerar uma oitava cesárea como algo de risco em qualquer pessoa. Então não há erro aqui.

Antes de passar à próxima é preciso considerar a seguinte expressão:

"Isso não significa que o cristão deve ter filhos em série."

Duas coisas aqui. A expressão "isso não significa" tem um sentido claramente adversativo e, portanto, precisa ser contextualizada a partir daquilo que a precedeu. Na idéia anterior, o Papa falava do perigo do neomalthusianismo, teoria que atribui a miséria humana ao número de pessoas e que, sob o pretexto de melhoria da qualidade geral de vida, impõe o controle de natalidade. Ora, criticar esta idéia talvez abra margem ao seu outro extremo: "então é preciso não se colocar nenhum limite na procriação". E é então que tem lugar a expressão acima. A segunda coisa é que a frase subentende um "necessariamente", ficando assim: "Isso não significa que o cristão deve necessariamente ter filhos em série", pois tê-los ou não estará condicionado a outros fatores, que a Igreja chama de "razões graves". A expressão "coelhos" foi usada apenas como comparação espirituosa. Todos nós, ao tratarmos do assunto, falamos disso. Não há que se doer por tal coisa. Porém, até alguns criadores de coelhos desgostaram da comparação.

Os três filhos

Esse foi um dos pontos em que era mais fácil equivocar-se. Mas, antes de ler novamente a resposta de Francisco, vamos à pergunta que lhe fizeram:

O Santo Padre falou da multidão de crianças nas Filipinas, da sua alegria por haver assim tantas crianças. Mas, segundo as sondagens, a maioria dos filipinos pensa que o enorme crescimento da população filipina é uma das razões mais importantes para a pobreza imensa do país, já que, em média, uma mulher, nas Filipinas, dá à luz mais de três filhos na sua vida, e a posição católica relativamente à contracepção parece ser uma das poucas questões em que um grande número de pessoas nas Filipinas não está de acordo com a Igreja. Que pensa disto?

Ao que Francisco respondeu:

"Creio que o número de três por família, mencionado pelo senhor, seja importante – de acordo com o que dizem os peritos – para manter a população. Três por casal. Quando se desce abaixo deste nível, acontece o outro extremo, como, por exemplo, na Itália onde ouvi dizer (não sei se é verdade) que, em 2024, não haverá dinheiro para pagar aos reformados. A diminuição da população."

Portanto, o número três aí faz referência ao número citado pelo jornalista, e a expressão "três por casal" não visa servir de projeto para os casais católicos, mas somente precisar aquilo que seria o mínimo para "manter a população". A interpretação equivocada da mídia - e também minha, até mais cedo - é fácil também de refutar quando consideramos outras falas de Francisco a respeito da família. Veremos como ele é um defensor das famílias numerosas e, mais recentemente, criticou a teoria de que a pobreza decorreria do número dos filhos - chamando-a simplista -, atribuindo a miséria antes ao sistema econômico,.

Por último, tratemos algo da "Paternidade responsável", que é um termo usado por Paulo VI e que aparece na Humanae Vitae. Sabemos que o responsável contrasta com o irresponsável. O que seria a irresponsabilidade no âmbito da procriação? Seria ter os filhos nas situações em que não fosse possível ou prudente tê-los. Quais são estas situações? Aquelas já acima referidas como "razões graves" e que basicamente se resumem a duas: ou quando a mãe já não tem condições de suportar uma nova gestação sem que isso lhe coloque em perigo de morte ou pelo menos lhe signifique uma privação de saúde acentuada, ou ainda quando as condições materiais não dão conta de manter a subsistência dos filhos. E para que a coisa não degenere em subjetivismo, o Santo Padre orienta os casais a procurarem os seus párocos. A suposição aqui é que estes padres estarão interessados em obedecer a moral da Igreja, já que são os pastores destas almas. Infelizmente, porém, sabemos que o contingente de padres fiéis à moral católica em todos os pontos é ínfimo. Já mais ninguém prega sobre esses assuntos. Paternidade responsável quer dizer, portanto, não o limitar do número de filhos, mas o garantir prévio das condições de tê-los.

O erro do Papa talvez esteve em não esclarecer que apenas as razões graves permitem o espaçamento dos filhos. 

Por fim, uma avaliação geral:

Francisco tem dado trabalho. Algumas falas suas descuidadas têm feito com que os inimigos da Igreja suponham tê-lo do seu lado e ostentem as suas frases na defesa do profano. Há ambiguidades nos seus modos de expressão. Recentemente esteve a condenar a pena de morte como algo cuja defesa é inadmissível a um cristão, o que está inteiramente equivocado. Nesta mesma entrevista que agora comentamos também condena como má qualquer reação que um cristão possa ter a uma ofensa à sua religião, com o que ele desfaz das Cruzadas, dos Cristeros, etc. Até hoje ouvimos os militantes e simpatizantes de movimentos sexuais usarem aquela sua frase: "quem sou eu para julgar?". Não, não estamos dizendo que Francisco defendeu essa interpretação distorcida, mas é fato que ele não se deu ao trabalho de desfazer os equívocos.

Enfim, de certas acusações que lhe fiz, ontem e hoje, a respeito desta entrevista, eu me retrato publicamente. Contudo, segue sendo verdade que Francisco tem de ser mais cuidadoso e não pode confundir suas opiniões pessoais com o cargo que ocupa como chefe de toda a cristandade e como aquele que deve confirmar seus irmãos na Fé.
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2 comentários:

  1. Não sei que pais católicos achariam espirituoso serem chamados de coelhos (que sempre teve valor negativo, como de irresponsabilidade) por terem tido muitos filhos. O papa foi grosseiro, querendo ou não, também com a mulher dos sete filhos. Ele se mete a falar de improviso, dá nisso. Aí a culpa é de quem? Da imprensa, que já não é flor que se cheire. Mas as falas estão todas aí, em sites católicos respeitáveis, até no do Vaticano. Lembro-me de quando ele disse que Deus não era católico. Vi gente em site defendendo, dizendo que não, quando o site da revista trazia a entrevista na íntegra, com a dita fala.

    O papa cita o número científico de três filhos para a manutenção da sociedade, o que não é nada demais. Acontece que ele é tão dúbio, como sempre, que deixa entrever esse número como o suficiente. Se fosse católico de verdade, diria: "Esse é o número dos especialistas, mas o de Deus é maior! Mantenham-se abertos à Providência divina e à caridade!"

    Mas ouvindo o papa, ao chegarem ao terceiro filho (se muito) muitos católicos saudáveis vão dizer: "ah, o papa disse que essa é a paternidade responsável, não precisamos de mais. Fizemos o que Deus queria e ajudamos no crescimento mundial". Ele inoculou na cabeça das pessoas uma contracepção psicológica. Como se 3 fosse muito. Santa Catarina de Sena foi a penúltima de 25. Celine Dion, para citar alguém do mundo, é a última de 14.

    Nessas pessoas, de cidade grande, que acham que não tem dinheiro suficiente para manter um filho, que dirá sete, porque não vão poder pagar McDonalds, cinema, cursinho de inglês e escola particular. As não conseguem ter tantos filhos hoje não é nem por falta de dinheiro, é por falta de caridade do próximo.

    O papa, falando de 'paternidade responsável', só dá aval a cada um pensar que a falta de dinheiro os torna irresponsáveis, quando na verdade, o que nunca deve faltar é o desejo de somente fazer a vontade de Deus, com ou sem dinheiro para a roupinha nova e os mil brinquedos. Se ter filhos responsavelmente é não passar dificuldades, inclusive algumas de saúde, só os ricos podem se multiplicar, então.

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  2. Olá, Letícia. Tudo bem? Vou comentar algumas coisas do que você escreveu. Primeiramente, dizer que a minha intenção aqui não é fazer uma defesa gratuita de Francisco. Os que me conhecem sabem o quão crítico eu sou desse papado, ao ponto de chegar a dar algum crédito às conjecturas do Antonio Socci e cia. Mas vamos lá.

    Sobre os coelhos - A idéia do Papa, inclusive explicada no dia seguinte, foi de contrastar o conceito de "paternidade responsável", que exige consciência, do mero reproduzir-se inconsciente dos coelhos. Se há possibilidades legítimas de espaçamento da prole, isso significa que a reflexão das condições antecede o fazer filhos. Penso que foi isso que ele quis dizer. Eu particularmente não vi a coisa como tão ofensiva.

    Com relação à mulher dos sete filhos, tudo bem que ele foi grosseiro. A mulher está visivelmente se sacrificando, e não deveria ouvir o nome de irresponsável por isso. Ok. Mas temos de ter o cuidado de não cair num tipo de "politicamente correcto" católico. A susceptibilidade é um mal depois de certo grau. Veja, estou concordando contigo: 'irresponsável' é um termo forte. Contudo, fazendo abstração do termo, o Papa tem razão em adverti-la, pois a mulher já tinha 7 filhos pequenos, e, desse modo, não pode expor-se ao risco de simplesmente morrer e deixá-los à míngua. A repreensão de Francisco não diz respeito ao número, mas a este risco de deixá-los órfãos.

    Outra coisa a se considerar é que a entrevista fala de muitas coisas, e o papa trata, em separado, do teor das diferentes perguntas. Isso dos três filhos trazia um contexto restrito ao argumento das famílias filipinas que associavam a miséria do lugar ao número dos filhos. O Papa, como revelou em seguida, respondeu isso supondo o conhecimento, por parte dos católicos, da que ele chama "clara e bem conhecida" Humanae Vitae. Concordo que ele deve pesar o que fala e evitar as dubiedades. Mas não foi sugerido aí que cada casal deve ter somente três filhos - como eu cheguei a pensar, a princípio! Veja o que cheguei a escrever de início: (https://www.facebook.com/fabio.silverio.581/posts/789136404499292). E não dá pra entrar nos pormenores de todas essas questões. Talvez isso seja um motivo para ele evitar dar essas tais entrevistas. Ou isso ou ser excessivamente cuidadoso, o que não parece ser do feito dele.

    Sim, infelizmente essas serão declarações que serão usadas para justificar o controle de natalidade - como até hoje a infeliz declaração dele sobre os gays ainda é reproduzida pelos que têm interesse nessas imoralidades.

    No mais, concordo contigo. Rezemos por ele, porque ele, de facto, anda necessitado.

    Abração.

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Fique à vontade para comentar. Mas, se for criticar, atenha-se aos argumentos. Pax.

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