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Breve reflexão sobre o ano novo e felicitações!


Bem, hoje é o último dia do ano. E, aqui chegados, a grande maioria das pessoas já se esquece de que ainda é Natal. Pensam que o simples transitar cósmico do ano, ou o movimento de translação da terra que se completa, é suficiente para trazer qualquer tipo de mudança por si só. Há no fundo desta crença qualquer coisa de supersticioso, de astrológico e, portanto, anti-cristão. O grande anseio que se vê é por mudança, mas esqueceram lá atrás Aquele que renova todas as coisas. E, convenhamos, sem Ele, tudo é velho. Nada há de novo debaixo do sol, escrevia o autor do Eclesiastes. Portanto, a única renovação possível só pode vir dAquele que está acima do sol. Não percamos isto de vista.

Advertida esta questão, podemos, então, nos voltar para o fato concreto do término de mais um ano e inicio de outro. Ainda ontem uma pessoa me olhava com os olhos marejados e me dizia que, motivada por estes dias a um olhar retrospectivo, reparava que não tinha feito muita coisa boa no ano que está a findar. Esta reconsideração, como um tardio exame de consciência, é um dos pontos muito positivos deste espírito de reveillon; constitui mesmo uma graça atual dada por Deus. Porém, isto deve implicar numa ação. Não podemos cair nesta crença ridícula de que as coisas se mudarão por si mesmas pelos simples movimentos dos astros. Isso sim surpreende por ser objeto de crença em pleno século XXI!

Não. Não são estas supostas forças impessoais que vão fazer algo. É ao contrário, a nossa vontade, iluminada e guiada pela nossa razão, quem atuará diretamente no curso dos eventos e provocará as mudanças necessárias. Para isto, não se pode pôr Nosso Senhor de lado. Sem Ele, nada podemos. Por maiores e melhores mudanças que pretendamos, seremos cegos sem Ele. É preciso compreender que a nossa dependência de Deus é radical. Esta verdade não oprime; antes, é o que nos possibilita viver plenamente, com a alegria que Ele prometeu nos dar. A proximidade com Cristo não é motivo de tristeza, mas de êxtase feliz!

Enquanto alguém pretender ser bom sem Deus, haverá de continuamente experienciar a gravidade da própria baixeza. Que neste ano novo, 2011, a nossa alma realmente se volte para o Céu; programemos uma real e séria conversão de vida. Deixemos as nossas suposições medíocres sobre Deus e iniciemos caminho sério: de Deus não se zomba! A Deus se segue com amor e tremor.

E mais uma vez, dizemos: santidade não se inventa! Se aprende! Curvemos a nossa cerviz e permitamo-nos aprender da Igreja. Como dizia S. Josemaria: "menino, se tens ânsias de ser grande, faz-te pequeno!" O valor do cristão está na sua humildade. 

Que a Virgem Maria, aquela que de início disse ser a serva e que, logo após, exultou de alegria em Deus, nos ensine a sua docilidade, a sua plena disponibilidade à vontade de Deus. E, aí sim, o nosso ano será novo, a nossa vida será nova porque estaremos sob o influxo da Graça dAquele que renova todas as coisas.

A todos os amigos, leitores, inimigos e caluniadores
Feliz Ano Novo! Que Deus os abençoe profusamente! Que a Virgem Maria converta os nossos corações.
Que Deus não deixe inacabada esta obra de Suas mãos.

Fábio Luciano GRAA Pauper =D

Exegese e Filosofia - A má influência de Kant


 A Teologia da Libertação procurou dar ao cristianismo, cansado dos dogmas, uma nova práxis por meio do qual a redenção seria finalmente alcançada. Porém, essa práxis deixou atrás dela a destruição em vez de trazer a liberdade. Assim, restou-nos o relativismo e a possibilidade de arranjar-se com este. Mas o que o relativismo oferece é, por sua vez, tão vazio que as teorias relativistas procuram ajuda na Teologia da Libertação, a fim de se tornarem exequíveis. A New Age diz, finalmente, que devemos deixar a experiência fracassada do cristianismo e voltar para os deuses, pois assim viveremos melhor.

(...) Gostaria de mencionar dois pontos que se impõem, desde Hick e Knitter. Os dois se apóiam na exegese para a sua recusa da fé cristã. Afirmam que a exegese teria provado que Jesus Cristo não se considerava, em absoluto, Filho de Deus, o Deus encarnado, mas que teriam sido seus discípulos que, mais tarde, impuseram-nos aos poucos essa crença. Ambos recorrem, além disso, à evidência filosófica. Hick asseguram-nos que Kant teria irrefutavelmente provado que nem a realidade absoluta nem o próprio Absoluto podem aparecer na História e, portanto, também não podem ser nela reconhecidos como tais. Partindo da estrutura do nosso conhecimento, não se pode dar - segundo Kant - o que á fé cristã afirma: os milagres, os mistérios e os canais da graça seriam ilusões da fé, assim nos esclarece Kant na sua obra A religião nos limites da mera razão. A questão da exegese e a dos limites e possibilidades da nossa razão, ou seja, das premissas filosóficas da fé, parecem-me mostrar o verdadeiro núcleo da crise da teologia atual, a partir do qual a fé - e cada vez mais a fé das pessoas simples - entra em crise.

Queria, aqui, apenas esboçar a tarefa que temos à nossa frente. Antes de mais nada, no que se refere à exegese, seria necessário dizer que Hick e Knitter certamente não se podem referir à exegese em geral, como se o que dizem fosse um resultado claro e reconhecido por todos. Isso é impossível. A pesquisa histórica não conhece essas certezas. Mais impossível ainda se torna quando a questão não é puramente histórica ou literária, mas envolve decisões sobre valores que vão além de uma simples constatação do passado ou da mera interpretação dos textos. É certo, no entanto, que em uma visão global da exegese moderna pode ficar uma impressão que corresponde àquela de Hick e Knitter.

Que certeza podemos atribuir a isso? Se pressupormos que a maioria dos exegetas pense assim (o que é duvidoso), permanece por´me a pergunta: em que se fundamenta essa opinião da maioria? A minha tese se baseia em que, se muitos exegetas pensam com Hick e Knitter e reconstroem a história de Jesus de acordo com essas idéias, é porque compartilham a sua filosofia. Não é a exegese que verifica a filosofia, mas a filosofia que faz surgir esse tipo de exegese. Se eu, a priori (falando com Kant) sei que Jesus não pode ser Deus, que milagres, mistérios e meios da graça são espécies de superstição, então também não posso deduzir dos livros sagrados fatos impossíveis. Só posso entender por que e como se chegou a tais afirmações, como se foram paulatinamente formando.

Examinemos as coisas mais detalhadamente. O método histórico-crítico é um instrumento excelente para ler as fontes históricas e interpretar textos. Mas esse método implica uma filosofia, uma filosofia própria de que, em geral, quase não se dá conta. Porque então apenas pretendo conhecer o passado, e nada mais. Mas, mesmo então, meu estudo não se dá com isenção de valores, e é nesse ponto que o método apresenta seus limites. Quando o método histórico-crítico se aplica à Bíblia, aparecem muito claramente dois fatores que antes mal se observavam. Deseja-se conhecer o passado como passado; quer-se captar o mais exatamente possível o que aconteceu no passado, na sua condição do então sucedido, e no contexto, também passado, em que os fatos se situavam. O método pressupõe que a história é, em princípio, uniforme; o homem, em toda sua diferenciação, e o mundo, em toda a sua multiplicidade, estão ambos determinados pelas mesmas leis e pelos mesmos limites, de tal maneira que posso saber o que é impossível que aconteça. O que hoje não pode acontecer, também ontem não podia acontecer e também não irá acontecer amanhã.

Aplicado à Bíblia, isto significa que um texto, um acontecimento, uma pessoa se encontram estritamente fixados no seu passado. Pretende-se saber o que disse o autor da época acerca daquele tempo, ou o que podia ter dito ou pensado. O que importa é o "histórico", o "de então". Por isso a exegese crítico-histórica não introduz a Bíblia no tempo de "hoje", na minha vida atual. Isso está excluído. Ao contrário, afasta-a de mim e revela-a como fortemente assentada no passado. Esse pondo da exegese histórico-crítica, essa pretensão de ser ela única, suficiente, foi com razão criticado por Drewermann. Dada essa especificidade, essa exegese não fala do hoje, não fala de mim, mas do ontem e dos outros. Por isso, também nunca pode mostrar-nos o Cristo de hoje, de amanhã e da eternidade. Se quiser permanecer fiel a si mesma, mostrará apenas o Cristo de ontem.

Há ainda um segundo pressuposto, a similaridade do mundo e da história; aquilo a que Bultmann denomina "a idéia moderna do mundo". M. Waldstein mostrou, em cuidadosa análise, que a teoria do conhecimento de Bultmann foi totalmente determinada pelo neokantismo de Marburgo. Por este sabia Bultmann o que pode existir e o que não pode. Em outros exegetas, a consciência filosófica acha-se menos marcada, mas o fundamento na teoria do conhecimento de Kant está sempre implicitamente presente como acesso hermenêutico evidente, que orienta sempre o caminho da crítica. Assim sendo, a autoridade eclesiástica implicitamente presente como acesso hermenêutico evidente, que orienta sempre o caminho da crítica. Assim sendo, a autoridade eclesiástica (...) deve exortar que a filosofia revise criticamente o próprio método. Afinal, trata-se da revelação divina; de se Ele, o Deus vivo e verdadeiro, entrou ou não em nosso mundo. Trata-se de ver se Ele penetrou em nosso mundo rompendo o cárcere das nossas teorias, com cujas grades queremos, precisamente, proteger-nos contra essa vinda de Deus a nossas vidas.

Graças a Deus, hoje, na crise da filosofia e da teologia que vivemos, acha-se em curso, na exegese, uma nova reflexão sobre os fundamentos, que chegou a outros esclarecimentos importantes por meio de uma interpretação histórica mais cuidadosa dos textos. Esses novos conhecimentos ajudam, sem dúvida, a romper a prisão das decisões filosóficas prévias que paralisam a autêntica interpretação. A amplidão da Palavra abre-se de novo.

O problema da exegese coincide, em grande parte, como vimos, com o problema da filosofia. A carência sentida pela filosofia, o estado lastimável a que foi conduzida por uma razão reduzida no sentido positivista, produziu uma situação difícil para a nossa fé. A fé não poderá ser livre, se a própria razão não se abrir de novo. Se a porta do conhecimento metafísico permanece fechada, se os limites estabelecidos por Kant para o conhecimento humano são intransponíveis, então a fé se atrofia: falta-lhe simplesmente ar para respirar. Sem dúvida alguma, a tentativa de servir-se de uma razão fortemente autônoma, que não quer saber de fé, e que, por assim dizer, para sair do pântano das incertezas em que caiu, puxa a si mesma pelos próprios cabelos, dificilmente terá êxito. Porque a razão humana não é autônoma. Vive sempre em contexto históricos. As dependências históricas turvam-lhe o olhar (é o que constatamos). Por isso, precisa também da ajuda que lhe vem da história, para passar por cima de suas barreiras históricas.

(...) Não é função menor da fé oferecer curas para a razão como tal; a fé não a violenta, não se lhe mantém alheia, porém a reconduz de novo a si mesma. O instrumento histórico da fé pode libertar a razão como tal, de maneira que - levada ao próprio caminho pela fé - possa ver por si mesma. Temos de esforçar-nos por encontrar um caminho de diálogo entre fé e razão, pois ambas se necessitam mutuamente. A razão sem a fé não é saudável, mas a fé sem a razão não será humana.

Se considerarmos a presente constelação da história das idéias, da qual procurei dar algumas indicações, parece um milagre que, apesar de tudo, ainda se creia como cristão, com a fé plena e serena do Novo Testamento, da Igreja de todos os tempos, e não simplesmente nas formas sucedâneas de Hick, Knitter e outros mais. Por que a fé continua sendo ainda uma oportunidade? Eu diria: porque ela corresponde à natureza do homem. Pois o homem tem dimensões mais amplas do que as que quiseram ver e admitir  Kant e as diversas filosofias pós-kantianas. O próprio Kant teve de aceitá-lo, de alguma maneira, nos seus postulados. No homem vive indelével o anseio do infinito. Nenhuma das respostas dadas foi suficiente: apenas o Deus que se fez a si mesmo finito, para romper a nossa finitude e nos conduzir à imensidade da sua infinitude, responde ao questionamento do nosso ser. Por isso, hoje, a fé cristã recuperará o homem. A nossa missão é servir a Deus com ânimo humilde, com toda a força do nosso coração e do nosso entendimento.

Joseph Ratzinger, Fé, Verdade e Tolerância, Parte II, Cap I. pp. 122-128.

Quem pensa não casa

 
Gustavo Corção

Há um provérbio de aparência imbecil que diz assim: “Quem pensa não casa.” É costume ver nesse provérbio o encorajamento para se ficar, durante a vida inteira, fechado numa prudência burguesa. Pensar, nesse caso, quer dizer: calcular despesas, prever doenças, avaliar a liberdade perdida em confronto com os novos encargos contraídos. Quem pensar assim não casará; resta-lhe a sabedoria negativa do provérbio para consolo. Não casa, mas pensa. É livre e pensa; é uma espécie de livre-pensador.

Através desse sentido comodista, o provérbio encerra uma advertência e sugere que é melhor casar do que ficar pensando. Quando um sujeito, nos caprichos da vida, encontra moça que acha de sua feição e que lhe corresponde, tem essa alternativa: escolher ou pensar. O escolher é precedido, evidentemente, de um certo pensar; é de toda prudência que se conviva com a moça, que se converse, que se observe umas tantas coisas, antes de decidir a escolha. O homem é dotado de razão também para casar e deve aplicá-la na justa medida.

A tarefa não é fácil. A moça se esconde através de certas manobras que, no dizer de muitos autores, lhe moram nas glândulas. O pretendente pode estar certo que ela mudará enormemente; não é assim como agora se ri que ela vai rir: não é disso que hoje chora que vai chorar. Seus gestos serão diferentes, sua forma se alterará, e sua própria voz, que tanto agrada hoje, será mais cheia e mais dura no difícil cotidiano. O mais atento leitor de um Bourget ou de um Montherlant se enganará redondamente se quiser fazer previsões psicológicas sobre a esposa escondida na noiva. Assim sendo, é justo que se pense e razoável que se cogite.

Mas num certo ponto do conhecer é preciso decidir. Ou escolhe, abrindo mão nesse único ato de todas as outras moças, entregando-se totalmente, correndo todos os riscos, agüentando todas as conseqüências, querendo desde já no seu coração agüenta-las, tendo confiança, pelo pouco que sabe, no muito que desconhece, trocando generosamente o pouco pelo muito, empenhando a vida inteira a vir em cima de alguns meses que já passaram; ou então continua pensando. E se pensa não casa. Não casa porque pode passar a vida inteira pensando. Sondando; sopesando; excogitando.

Conheço diversos casos assim, de namoros tristes que duraram mais de vinte anos: o noivo pensava. Num caso desses, em vez de festa de núpcias, houve luto, porque o noivo morreu pensando...  

Na catequese antiga, conforme o texto da Doutrina dos Doze Apóstolos, havia menção de dois caminhos: o caminho da Vida e o caminho da morte. Terminava um em núpcias; outro em luto. Era preciso escolher. Mas não devemos de forma alguma pensar que uns escolhiam o caminho da Vida e outros o da morte, como talvez se possa depreender que aconteceu nas margens do Ipiranga. Ninguém efetivamente escolhe o caminho da morte; mas entram por ele os que não querem escolher. Morrem por não quererem morrer; perdem a vida porque a querem guardar. Foi o que aconteceu com aquele noivo infeliz que morreu pensando; pensando e guardando; e tanto guardou que perdeu. 

O encontro, por si só, não dá noivado. O tempo traz a confiança que é a dilatação do encontro; mas a confiança só também não se resolve em noivado. A decisão final cabe a um ato de amor, a uma entrega; e como é ato de entrega parece morte, mas é vida. Depois do encontro, começa o pretendente a considerar, se possui um robusto senso comum, que é mais razoável casar com uma moça do que viver e morrer por uma causa, ou cair apaixonado pela humanidade inteira. Em seguida, precisa ter um certo senso lúdico para namorar com ingenuidade e sem complicados cálculos psicológicos. Nada disso porém resolve seu caso, se aquele senso do outro não estremece com amor e com fome, se não é um pobre na sua carne e um pobre de espírito, isto é, se não precisa da carne do outro e do espírito do outro, se não é, em suma, capaz de dar e de receber, se não decide, uma vez por todas, morrer, para viver nos braços amorosos de uma noiva feliz.

Não adiante ficar pensando indefinidamente, porque a pessoa do outro é inesgotável diante do cogitar. Por mais que faça, não é possível entrar na equação do outro, totalmente, com o sinal do conhecer. A pessoa só pode somar-se à pessoa com o sinal da cruz; conhece-a de modo eminente amando-a e crucificando-se nela.

Há uma escolha mais decisiva do que todas: um noivado que importa mais do que nenhum, que exige muito, porque promete uma esposa sem mancha e sem ruga. Tudo pode concorrer para o encontro; mil vezes se renova esse encontro, crescendo em insistência e em significação. Nossa pobre natureza tem, no mais fundo dos abismos, os recursos fundamentais para desejar e reconhecer, para anelar por esse encontro. Tem sede de eternidade; tem inteligência configurada para a Pessoa; tem a pobreza profunda do namorado. A confiança cresce à medida que cresce o conhecimento; a noiva chama; todos os santos rezam em coro; um dilúvio de méritos vem, do céu e da terra, molhar as raízes ressequidas de nosso cogitar. Tudo isso será perdido se de nossa parte recusamos a escolha. Há um momento, entrando pela eternidade, que resolve se haverá festa ou luto. Ou casamos ou pensamos. Ou fazemos penitência, ato de reconhecimento e de amor, ou prolongamos indefinidamente nossa prudência. E por mais que estudemos, experimentemos e analisemos, por mais que cresça a confiança, se não fizermos ato de amor, não haverá núpcias. Haverá estudo; confiança boa, mas seca; razoável, mas não amorável.  

Podemos ficar neste conflito vinte anos, quarenta anos, anotando num diário a interessante evolução de nossa personalidade. Mas não haverá festa; e morreremos evoluindo. Poderemos passar a vida inteira experimentando a doutrina em cima dos enigmas da natureza; do sol, dos insetos, das glândulas, para ver se não há falha; mas como essas coisas são muitas, e breve é a vida, morreremos fazendo a última experiência. E não haverá núpcias; e nem sequer assistiremos aos seus preparativos com o milagre do pão e do vinho.

Ninguém poderá esgotar com o conhecimento o fundo da doutrina que é Pessoa, e dificilmente poderá conhecer a milésima parte da obra humana escrita sobre a doutrina, que é imensa. Seria loucura aguardar, para ulterior resolução, a leitura das obras completas de São Tomás ou dos textos patrísticos. Mal temos tempo para ler uns poucos antigos e meia dúzia de autores modernos e mal podemos compreender os textos em toda a profundidade.

Será evidentemente um grande benefício para qualquer pessoa ler com boa vontade a obra de Maritain, de Karl Adam, de Guardini, de Amoroso Lima, de Dom Vonier, de Dom Columba Marmion; seria ainda melhor ler São Tomás, Santo Agostinho, São Cipriano, Santo Inácio, Santo Irineu: seria ainda melhor ler as Sagradas Escrituras. Mas ainda melhor tudo que tudo é pedir perdão a Deus e rezar um simples Padre-Nosso pedindo para a secura da alma o socorro da Fé, da Esperança e da Caridade.

Num certo ponto de seu conhecer ganhou confiança; então precisa escolher. Ninguém ganha a Fé por um aperfeiçoamento progressivo da discriminação, nem ganha a Esperança pela ginástica metódica do nervo lúdico: essas coisas são dons de Deus, temos de pedir o que de antemão já é dado. E não basta pensar: temos de pedir falando, levando nosso corpo, nossa voz viva ao ouvido consagrado. Temos de entrar na objetividade de Deus.

Depois do encontro, em que Deus e toda a Comunhão dos Santos o ajudou, o chamou, o procurou, é a vez dele, desse ajudado, desse chamado. É sua vez de jogar, cabe-lhe agora o lance. (...) Deus nos chama e nos ajuda, mas de repente ficamos numa situação inaudita, porque nos compete responder.

Quase se pode dizer que nesse instante incrível há um silêncio de Deus. Todos os santos calam-se. Há um silêncio, uma espera, um frêmito de impaciência, em que somente ecoam, nas almas dos eleitos, os últimos gemidos inefáveis. E, subitamente sós, sós e livres, terrivelmente sós e terrivelmente livres, nós, as criaturas, você, leitor, eu, o Edmundo, fomos chamados e inundados de misericórdias; mas de repente estamos sós e livres, e temos de fazer um pequeno ato, uma insignificância, um ato de penitência, um gesto de amor, uma coisa de nada que tem a capacidade de encher um silêncio de Deus.

Gustavo Corção, A Descoberta do Outro.
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