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Dia da Expiação e Santuário Celestial


A Escritura nos diz que o santuário antigo foi feito segundo uma cópia celestial. Isto é dito no livro de Êxodo e também por Paulo Apóstolo, no livro dos Hebreus. A lógica também o atesta: a primeira aliança deve relacionar-se com a segunda analogicamente. Deus educa os homens progressivamente, o que indica que Ele teve adotar um método pedagógico. Este método consiste em ir dispondo a humanidade, a partir de atos exteriores e palpáveis, para realidades interiores e sutis. É por isso que é dito que a Antiga Lei foi gravada em pedras enquanto a nova será inscrita nos corações.

Esta relação entre o que é figura e o que é realização, entre símbolo e simbolizado, é chamada, na teologia, de tipologia. A figura é o tipo; o figurado é o antítipo. Pois bem, se o Santuário é um tipo, ele deve ter um antítipo, que é o Santuário Celestial, ou Céu. Os sacerdotes do antigo templo simbolizam o sacerdócio do Cristo. Os sacrifícios contínuos que ocorriam todos os dias eram símbolos do Sacrifício único de Cristo, etc.

Porém, além dos holocaustos diários, havia, uma vez ao ano, o grande Yom Kippur, Dia do Perdão ou da Purificação. Neste dia, uma série de ritos próprios acontecia e o próprio Santuário era purificado. Se isto acontecia enquanto tipo, qual o seu antítipo?

Paulo escreve:

"Se os meros símbolos das realidades celestes exigiam uma tal purificação, necessário se tornava que as realidades mesmas fossem purificadas por sacrifícios ainda superiores. Eis por que Cristo entrou, não em santuário feito por mãos de homens, que fosse apenas figura do santuário verdadeiro, mas no próprio céu, para agora se apresentar intercessor nosso ante a face de Deus." (Hb 9,23-24)

Este texto nos deixa em grande dificuldade, pois, aceitas as premissas e respeitada a lógica, a conclusão não nos parece fazer muito sentido. Veja:

O santuário terrestre simboliza o céu.
O santuário terrestre era purificado por sangue de animais. O santuário celeste é purificado por "sacrifícios superiores", isto é, o de Cristo.
Se o santuário terrestre precisava de purificação, ele tinha contraído algum tipo de impureza.
Se o santuário celeste precisava de purificação, ele também tinha contraído algum tipo de impureza.
Como conceber que o Céu tenha se contaminado?

Mesmo os adventistas sentem dificuldade de entender este texto, e eruditos dentre eles relutam mas terminam admitindo que o Céu de algum modo contraiu a nossa impureza. Como isto é possível, porém, é algo que os escapa, e a nós também.

De que jeito o santuário terrestre ficava impuro? Havia dois modos. Um dos vários tipos de sacrifício que existiam era o pelo pecado, conforme se vê em Lv 4.

Se o pecado fosse cometido pelo sacerdote, por um chefe ou por toda a assembléia, ele exigia que o sacerdote molhasse seus dedos no sangue da vítima e o aspergisse no véu do santuário por trás do qual ficava a Arca da Aliança. O animal morto substituía, no sacrifício, o pecador. Daí que seu sangue estivesse contaminado e precisasse ser derramado, pois, como diz São Paulo, "sem derramamento de sangue não há perdão". (Hb 9,22) Como o sangue contaminado era jogado no Santuário, este contraía a sua impureza, donde ser necessário que houvesse, depois, uma purificação do próprio santuário.

Outro modo de contaminação era o seguinte: quando era uma pessoa comum pecava e desejava fazer sacrifício por sua falta, ela levava um animal ao Santuário e o ofertava e imolava. O sacerdote punha então o sangue do animal sobre os cornos do altar dos holocaustos, derramando o resto ao pé do altar. (Cf Lv 4,27-30) Ora, este altar, embora estivesse fora dos dois lugares (O Santo e o Santíssimo), fazia parte do Santuário, pois se localizava no Pátio. Mas, além disso, os sacerdotes deveriam comer a vítima, como se lê no Cap. 6, v. 19: 

"O sacerdote que oferecer a vítima do sacrifício pelo pecado, comê-la-á em um lugar santo, a saber: no átrio da tenda de reunião."

Este trecho, porém, é ambíguo, pois afirma que é o sacerdote que oferece a vítima, dando a entender a possibilidade de ser um sacrifício restrito ao pecado do sacerdote. Quando uma pessoa oferecia uma vítima, ela mesma a imolava. (Cf Lv 4,29) Porém, no cap. 10, v. 16 em diante, Moisés reclama porque os filhos restantes de Arão, Eleazar e Itamar, não comeram de um boi imolado pelo pecado:

"Por que não comeste no lugar santo o sacrifício pelo pecado? Pois essa é uma coisa santíssima que o Senhor vos deu, a fim de que leveis a iniquidade da assembléia e façais a expiação por ela diante dele. Já que o sangue da vítima não foi trazido para dentro do tabernáculo, vós devíeis tê-la comido em um lugar santo como ordenei" (17-18)

Este trecho também é delicado. O versículo 18 dá a entender que o sangue deveria ter sido levado para dentro do tabernáculo, e o único rito em que isto ocorria era o da aspersão do sangue sobre o véu. Isto, contudo, somente acontecia com sacrifícios dos próprios sacerdotes, dos chefes ou por um pecado coletivo de toda a assembléia. Aqui mais uma vez fica-nos a impressão de que este sacrifício não é o do cidadão comum, mas o do sacerdócio.

Seja como for, é fato que, em alguns deles, o sacerdote comia a carne imolada e isto fazia com que ele levasse a iniquidade da assembléia e fizesse expiação por ela. Não nos fica claro, porém, como a contaminação do Sacerdote implique na contaminação do Santuário. Mas tal é dito pela Sra White:

"O sangue, representando a vida do pecador cuja culpa a vítima assumia, era levado pelo sacerdote ao Lugar Santo e borrifado diante do véu, atrás do qual estava a arca que continha a lei transgredida. Através dessa cerimônia, o pecado era, de maneira simbólica, transferido para o santuário. Em alguns casos o sangue não era levado para o Lugar Santo, mas a carne deveria ser comida pelo sacerdote. Ambas as cerimônias simbolizavam a transferência do pecado do arrependido para o santuário." (O grande conflito, p.195)

Avancemos. 

No dia da Expiação, que acontecia uma vez ao ano, no décimo dia do sétimo mês, como descrito no capitulo 16 de Levítico, o Sacerdote fazia vários ritos. Acompanhemos:

"Tomará um novilho para o sacrifício pelo pecado e um carneiro para o holocausto." (v.3)
"Revestir-se-á da túnica sagrada de linho, cingir-se-á dum cinto de linho e porá na cabeça um turbante de linho. Estas são as vestes sagradas, que ele só vestirá depois de se ter lavado. (v.4)
"Receberá da assembléia dos israelitas dois bodes destinados ao sacrifício pelo pecado e um carneiro para o holocausto." (v.5)
"Aarão oferecerá por si mesmo o touro em sacrifício pelo pecado, e fará a expiação por si mesmo e pela sua casa." (v.6)
"Tomará os dois bodes e os colocará diante do Senhor, à entrada da tenda de reunião." (v.7) 
"Deitará sortes sobre os dois bodes, uma para o Senhor, e outra para Azazel." (v.8)
"Oferecerá o bode sobre o qual caiu a sorte para o Senhor e oferecê-lo-á em sacrifício pelo pecado." (v.9)
"Quanto ao bode sobre o qual caiu a sorte para Azazel, será apresentado vivo ao Senhor, para que se faça a expiação sobre ele, a fim de enviá-lo a Azazel, no deserto." (v.10)
"Aarão degolará o touro destinado ao sacrifício pelo pecado e, tomando o turíbulo, que ele terá enchido de brasas do altar diante do Senhor, bem como dois punhados de perfume aromático em pó, entrará com tudo para dentro do véu." (v.11-12)
"Porá o incenso no fogo diante do Senhor, para que a nuvem do perfume cubra o propiciatório da arca, e Aarão não morra." (v. 13)
"Tomará o sangue do touro e o aspergirá com o dedo sobre o propiciatório, pela frente, e depois aspergirá com o dedo sete vezes defronte o propiciatório." (v. 14)
"Imolará, enfim, o bode do sacrifício pelo pecado do povo, e levará seu sangue para o outro lado do véu. Fará com esse sangue como fez com o sangue do touro, aspergindo o propiciatório e a frente do propiciatório. É assim que fará a expiação pelo santuário, por causa das impurezas dos israelitas e de suas transgressões, e de todos os seus pecados." (vs. 15-16a)

Aqui há um detalhe para o qual eu nunca havia atentado. Observando os versículos 14-16 notamos o seguinte: Aarão já leva o sangue do touro imolado antes (v.11). Quais as coisas que ele leva ao entrar no Lugar Santíssimo? O sangue e o turíbulo. Ele não leva animal. Depois de aspergir o sangue sobre o propiciatório da Arca no Lugar Santíssimo, ele deverá imolar o bode oferecido pelo pecado do povo. Porém: o bode não está lá. Está fora. Além do que seria totalmente inconveniente imolar um bode no Lugar Santíssimo. Portanto, ele tem de sair deste recinto, imolar o animal, e, em seguida, voltar. Veja que o versículo 15 diz que ele "levará seu sangue para o outro lado do véu", ou seja, o imolou do lado de cá, obviamente. Veremos que só isso já demonstra que a concepção adventista do tipo do santuário não se sustenta.

Continuemos.

"Da mesma forma fará pela tenda de reunião, que está com eles no meio de suas imundícies." (v. 16b)
"Ninguém esteja na tenda de reunião quando Aarão entrar para fazer a expiação no santuário até que saia. Fará assim a expiação por si mesmo, pela sua família e por toda a assembléia de Israel." (v. 17)
"Quando tiver saído, irá para o altar que está diante do Senhor e fará a expiação por esse altar: tomará o sangue do touro e do bode e o porá nos cornos do altar em toda a volta. Aspergirá com o dedo sete vezes o altar, para purificá-lo e santificá-lo por causa das imundícies dos israelitas." (v. 18-19)

Aqui estaria concluída a expiação do santuário, conforme diz o próximo versículo:

"Havendo terminado a expiação do santuário, da tenda de reunião e do altar, Aarão trará o bode vivo. Imporá as duas mãos sobre a sua cabeça, e confessará sobre ele todas as iniquidades dos israelitas, todas as suas desobediências, todos os seus pecados. Pô-los-á sobre a cabeça do bode e o enviará ao deserto pelas mãos de um homem encarregado disso." (v. 20-21)
"O bode levará, pois, sobre si, todas as iniquidades deles para uma terra selvagem." (v.22)

Vamos analisar algumas coisas.

Os adventistas aplicam tudo isso aí ao final dos tempos. Segundo eles, o ano de 1844 marca a entrada de Jesus no Lugar Santíssimo, onde estaria até agora. Porém, como vimos, o Sumo Sacerdote entrava duas vezes nesse lugar: quando levava o sangue do touro por si mesmo, e, depois, quando levava o sangue do touro oferecido pela assembléia. Assim, Jesus teria de ter entrado duas vezes. Uma objeção possível seria dizer que o Sumo Sacerdote necessitava fazê-lo por causa da sua impureza, uma vez que o primeiro sacrifício era oferecido por si mesmo e pela sua família. Jesus, porém, não tem pecados por si mesmo, donde a não necessidade de que faça isso duas vezes. Tudo bem, só que isto já prejudica um pouco a correspondência entre os dois ofícios. Outra coisa, o turíbulo com os perfumes é usado apenas na primeira vez em que o Sumo Sacerdote adentra no Lugar Santíssimo. Uma vez que o incenso geralmente representa as orações que sobem aos céus, isto bem poderia ser usado para simbolizar a intercessão de Jesus (cf. Hb 7,25), mas aí teríamos de manter a primeira entrada ou unir a incensação à expiação pelos pecados da assembléia. Enfim..

Quando Jesus sair do Santo dos Santos, Ele voltará à terra, para purificá-la. Isto supostamente poderia ser significado pela purificação da tenda da reunião, "que está com eles no meio de suas imundícies." (v.16b) A dificuldade é que, segundo o que se diz, não deve haver ninguém quando Ele fizer isso. O antítipo exigiria que todos estivessem mortos ou arrebatados. E mais: é dito que ninguém pode estar na tenda enquanto Aarão estiver fazendo "a expiação no santuário até que saia" (v.17), o que dificulta imensamente a adequação de uma coisa à outra, pois isto implicaria que desde 1844 ninguém mais estivesse na terra. Mas essa identificação da tenda do santuário com a terra quem está fazendo sou eu. Nunca vi nenhum trecho adventista que a defendesse. Apenas me pareceu dever fazê-lo, uma vez que a purificação no fim dos tempos é geral, e uma vez que o Dia da Expiação judeu simbolizaria esta purificação total, de modo que a terra teria de ser representada por algum tipo. Com efeito, sabe-se que para as religiões tradicionais - portanto, para o judaísmo -, o templo é uma representação de todo o cosmos. É por isso que Jesus associa a destruição do templo de Jerusalém com a destruição do mundo. Qual seria, então, o correspondente antitípico da tenda da reunião? Notemos que o Santuário somente estará purificado depois da purificação deste último lugar.

Se se quiser ver nesta tenda um símbolo de algum outro compartimento do céu, surge o problema de esta tenda estar no meio das imundícies das pessoas.

Uma vez tendo feito isso tudo é que Jesus voltaria. Se assim é, então a tenda da reunião - seja lá o que for o seu antítipo - é purificada antes da Parusia. 

Depois disso tudo, Aarão traz o bode vivo - aquele que foi sorteado para Azazel -, impõe as mãos sobre a cabeça dele e confessa todas as iniquidades dos israelitas. Um adendo: como Aarão poderia fazer isso se não as conhecesse? E como poderia conhecê-las se elas não lhes fossem contadas? Se isto procede, então é forçoso aceitar que a confissão  auricular dos pecados já existia.

Segundo o adventismo, este bode, que é enviado a Azazel, representa Satanás que no final dos tempos será responsabilizado pelos pecados de todo o universo e, em seguida, será afastado, irá para o deserto, símbolo da sua destruição. Uma dificuldade aqui é que o bode não é Azazel, mas é enviado para Azazel, que é uma entidade demoníaca que habitava no deserto. Se o bode representa Satanás, a conclusão é que Satanás é enviado a algum demônio, o que não parece fazer muito sentido.

Mas, enfim, depois dessas coisas, estaria iniciada a vida eterna para os fiéis de Deus.

Bem, pelo menos segundo o ensino da IASD. Contudo, o ministério de Aarão não acaba aí. Ele prossegue, e sem qualquer antítipo correspondente segundo o adventismo. Eles simplesmente não tratam disso. Vejamos:

"Quando o bode tiver sido mandado para o deserto, Aarão voltará para a tenda de reunião, tirará as vestes de linho que ele pôs à sua entrada no santuário, e as deporá ali." (v. 23)
"Lavará o seu corpo no lugar santo, retomará depois suas vestes e sairá para imolar o seu holocausto e o do povo, fazendo a expiação por ele e pelo povo." (v. 24)"Queimará no altar a gordura do sacrifício pelo pecado." (v. 25)

Como se vê, ainda há expiação depois de tudo isso. Esta expiação pós-purificação do Santuário não é explicada pela Profecia do Santuário. 

Por fim, vamos a mais algumas dificuldades. Os adventistas gostam de relacionar o livro de Levíticos com o de Hebreus. Esta relação de fato é real. Mas São Paulo não parece endossar o duplo ministério de Jesus pós-ressurreição. Vejamos alguns trechos:

"Depois de ter realizado a purificação dos pecados, está sentado à direita da Majestade no mais alto dos céus." (Hb 1,3)

Segundo Paulo, Jesus realizou a purificação total dos pecados na Cruz. Aí Ele completou a Sua obra expiatória, e está, já, sentado à direita de Deus "no mais alto dos céus."

"Temos, portanto, um grande Sumo-sacerdote que penetrou nos céus, Jesus, Filho de Deus." (Hb 4,14)

Por  chamar Jesus de "Sumo-sacerdote" e dizer que Ele "penetrou nos céus", Paulo estabelece uma comparação com a penetração do Sumo-Sacerdote no Lugar Santíssimo, pois entrar no Santo dos Santos era permitido a qualquer sacerdote e podia ocorrer todos os dias. No Lugar Santíssimo, porém, só o Sumo Sacerdote. Portanto, segundo Paulo, Jesus penetrou no Lugar Santíssimo depois da Sua ascensão.

"Esperança esta que seguramos qual âncora de nossa alma, firme e sólida, e que penetra até além do véu, no santuário, onde Jesus entrou por nós como precursor, Pontífice eterno, segundo a ordem de Melquisedec." (Hb 6,19-20)

Jesus entrou além do véu, no Santuário. Embora o Santuário tivesse dois véus, o que separava o Lugar Santíssimo do Lugar Santo, e o que separava este do Pátio, o véu mais "famoso" pela sua importância e por guardar o compartimento onde estava a Arca da Aliança, é o primeiro. Portanto, dizer que Jesus entrou além do véu é dizer que Ele foi ao Lugar Santíssimo, e isso desde o tempo de Paulo.

"Assim sendo, enquanto na primeira parte do tabernáculo entram continuamente os sacerdotes para desempenhar as funções, no segundo entra apenas o sumo-sacerdote, somente uma vez ao ano, e ainda levando consigo o sangue para oferecer pelos seus próprios pecados e pelos do povo. Com o que significava o Espírito Santo que o caminho do Santo dos Santos ainda não estava livre, enquanto subsistisse o primeiro tabernáculo." (Hb 9,6-8)

Aqui Paulo mostra que a necessidade de o sumo sacerdote adentrar no Lugar Santíssimo apenas uma vez ao ano mostra que "o caminho do Santo dos Santos ainda não estava livre." Se o verbo é usado no passado, significa que agora - no tempo de Paulo - ele está livre. Portanto, não é necessário mais que se dê este ministério específico do sumo-sacerdote.

"Porém, já veio Cristo, Sumo-sacerdote dos bens vindouros. E através de um tabernáculo mais excelente e mais perfeito, não construído por mãos humanas (isto é, não deste mundo), sem levar consigo o sangue de carneiros ou novilhos, mas com seu próprio sangue, entrou de uma vez por todas no santuário, adquirindo-nos uma redenção eterna." (Hb 9,11-12)

Paulo diz que Jesus, Sumo Sacerdote, entrou de uma vez por todas no santuário. Se houvesse, na época dele, mais algum compartimento celeste para entrada futura, Paulo não diria que Jesus entrou "de uma vez por todas."

"Enquanto todo sacerdote se ocupa diariamente com o seu ministério e repete inúmeras vezes os mesmos sacrifícios que, todavia, não conseguem apagar os pecados, Cristo ofereceu pelos pecados um único sacrifício e logo em seguida tomou lugar para sempre à direita de Deus." (Hb 10,11-12)

Aqui se diz que Nosso Senhor tomou lugar para sempre à direita de Deus, isto é, adentrou já de uma vez no Lugar Santíssimo depois da Sua ascensão. Está sentado. Embora interceda, não realiza um ministério de expiação restante.

Como se vê, Paulo não sugere que Jesus esteja realizando mais alguma coisa, agora. A expiação está completa, e isso desde a Cruz. Mas, ainda que assim não fosse, não haveria razão de ser para que o antítipo do Dia da Expiação tivesse começado em 1844 e ainda não tivesse terminado.

Livro de Daniel: a profanação do Santuário, a aliança com muitos e a cessação do sacrifício


Deve fazer um mês e pouco, eu comecei a escrever uns artigos sobre a doutrina adventista da Profecia do Santuário, que é um tema difícil e sofisticado. Quaisquer eventuais erros nessa questão só poderão ser identificados com um estudo detido, atento às sutilezas. 

Como já dito, o trecho central da profecia se encontra no livro de Daniel, cap. 8. Nele se fala de um pequeno chifre em um bode. Cito o texto a partir do versículo 9:

"De um deles [de quatro chifres anteriores] saiu um pequeno chifre que se desenvolveu consideravelmente para o sul, para o oriente e para a jóia (dos países). Cresceu até alcançar os astros do céu, do qual fez cair por terra diversas estrelas e as calcou aos pés. Cresceu até o chefe desse exército de astros, cujo (holocausto) perpétuo aboliu e cujo santuário destruiu, junto com o exército; sobre o sacrifício ele pôs a iniquidade; a verdade foi lançada à terra. O pequeno chifre teve êxito na sua empreitada.

Ouvi um santo que falava, a quem outro santo respondeu: 'quanto tempo durará o anunciado pela visão a respeito do holocausto perpétuo, da infidelidade destruidora, e do abandono do santuário e do exército calcado aos pés?' Respondeu: 'duas mil e trezentas noites e manhãs. Depois disso o santuário será restabelecido.'" (Dn 8,9-14)

Depois disso, Gabriel vem a Daniel para explicar a visão. Claro que, quando vemos essas coisas pela primeira vez, tudo nos parece muito esquisito. O próprio Daniel ficou doente por não ter compreendido. Então imagina o que acontece conosco, totalmente alheios? Por isso, eu decidi ler o livro inteiro, e aí muita coisa foi ficando mais clara. Algumas afirmações feitas aqui completarão de modo muito feliz aquilo que foi escrito no outro texto. Embora essas simbologias sejam de fato difíceis, ao ler o livro inteiro fica-nos a impressão de um padrão que é seguido. O simbolismo usado começa a fazer maior sentido.

Então, vejamos só: o pequeno chifre referido guerreia contra um monte de coisas. Seria importante saber de quem se trata e quem são esses contra os quais ele guerreia.

Antes, porém, vejamos o próximo texto que é fundamental para a Profecia adventista:

"Setenta semanas foram fixadas a teu povo e à tua cidade santa para dar fim à prevaricação, selar os pecados e expiar a iniquidade, para instaurar uma justiça eterna, encerrar a visão e a profecia e ungir o Santo dos Santos. Sabe, pois, e compreende isto: desde a declaração do decreto sobre a restauração de Jerusalém até um chefe ungido, haverá sete semanas e sessenta e duas semanas; ressurgirá, será reconstruída com praças e muralhas. Nos tempos de aflição, depois dessas sessenta e duas semanas, um ungido será suprimido, e ninguém (será) a favor dele. A cidade e o santuário serão destruídos pelo povo de um chefe que virá. Seu fim (chegará) com uma invasão, e até o fim haverá guerra e devastação decretada. Concluirá com muitos uma sólida aliança por uma semana e no meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; sobre a asa das abominações virá o devastador, até que a ruína decretada caia sobre o devastado." (Dn 9,24-27)

Vamos por parte. Tentemos esclarecer o significado de alguns desses símbolos.

Do primeiro texto:

O chifre pequeno é Antíoco IV, chamado Epífanes. O próprio livro falará dele no capítulo 11, mostrando como é dele que se tratam as duas profecias citadas. A bíblia diz que ele cresceu sobre a "jóia dos países". Trata-se da Palestina, pois esta expressão é usada para referir-se a ela, conforme se vê em Ez 20,6.

"Cresceu até os astros do céu, do qual fez cair diversas estrelas e calcou aos pés." Estes astros são o próprio povo de Deus, conforme nos diz o cap. 12,3, ou ainda Mt 13,43. De fato, Antíoco massacrou vários habitantes da Palestina, conforme vemos no cap. 11,33-35: "durante algum tempo, perecerão pela espada, fogo, cativeiro e pilhagem. Enquanto forem caindo dessa maneira, serão um tanto amparados; e um bom número unir-se-á hipocritamente a eles. Muitos desses sábios sucumbirão, a fim de que sejam provados, purificados e branqueados até o termo final."

"Cresceu até o chefe deste exército de astros, cujo perpétuo aboliu e cujo santuário destruiu." Este chefe do exército de astros se refere ao próprio Deus, "dono" dos sacrifícios e do santuário. De novo, Antíoco não só invadiu o Santuário como aboliu os Sacrifícios, conforme se verifica no livro de 1 Macabeus. 

"Após ter derrotado o Egito, pelo ano cento e quarenta e três, regressou Antíoco e atacou Israel, subindo a Jerusalém, com um forte exército. Penetrou cheio de orgulho no santuário, tomou o altar de ouro, o candelabro das luzes com todos os seus pertences, a mesa da proposição, os vasos, as alfaias, os turíbulos de ouro, o véu, as coroas, os ornamentos de ouro da fachada, e arrancou as embutiduras. Tomou a prata, o ouro, os vasos preciosos e os tesouros ocultos que encontrou. Arrebatando tudo consigo, regresso à sua terra após massacrar muitos judeus e pronunciar palavras injuriosas." (1Mc 1,20-24)

"Por intermédio de mensageiros, o rei enviou a Jerusalém e às cidades de Judá, cartas prescrevendo que aceitassem os costumes dos outros povos da terra, suspendessem os holocaustos, os sacrifícios e as libações no templo, violassem os sábados e as festas, profanassem o santuário e os santos, erigissem altares, templos e ídolos, sacrificassem porcos e animais imundos, deixassem seus filhos incircuncidados e maculassem suas almas com toda sorte de impurezas e abominações, de maneira a obrigarem-nos a esquecer a lei e a transgredir as prescrições. todo aquele que não obedecesse à ordem do rei, devia ser morto."  (Mc 1,44-50)

"Sobre o sacrifício ele pôs a iniquidade" - Este trecho é explicado em Dn 11,31 que, a respeito de Antíoco, diz: "tropas sob sua ordem virão profanar o santuário, a fortaleza..."

De novo, o livro de Macabeus descreve:

"No dia quinze do mês de Casleu, do ano cento e quarenta e cinco, edificaram a abominação da desolação por sobre o altar e construíram altares em todas as cidades circunvizinhas de Judá. (...) E, no dia vinte e cinco do mês, sacrificavam no altar, que sobressaía ao altar do templo" (1 Mc 1,54-55;59)

A iniquidade se refere tanto à proibição que Antíoco estabeleceu aos Sacrifícios diários - perseguindo e matando os judeus que não se submetessem à inovações - quanto à profanação dos objetos sagrados e à entronização de ídolos no Santuário, conforme se vê no supracitado.

"A verdade foi lançada à terra" - isto se nota por toda a política de helenização de Antíoco e pela adesão de grande parte dos judeus, que preferiam assistir os esportes ao invés de ocupar-se com as coisas da religião. Os versículos 36-37 dizem sobre Antioco: "O rei fará então tudo o que desejar. Ensoberbecer-se-á, elevar-se-á no seu orgulho acima de qualquer divindade; proferirá até coisas inauditas contra o Deus dos deuses; prosperará até que a cólera divina tenha chegado ao seu termo, porque o que está decretado deverá ser executado."

O livro de Macabeus traz o seguinte:

"Rasgavam e queimavam todos os livros da lei que achavam; em toda parte, todo aquele, em poder do qual se achava um livro do Testamento, ou todo aquele que mostrasse gosto pela lei, morreria por ordem do rei." (Mc 1,56-58)

Daí, um dos santos - provavelmente um anjo - pergunta a outro: "quanto durará o anunciado pela visão a respeito do holocausto perpétuo, da infidelidade destruidora, e do abandono do santuário e do exército calcado aos pés?" Sobre o exército, diz o versículo 41 do cap 11: "Invadirá o país que é a jóia da terra, onde muitos homens cairão." O livro de Macabeus diz: "Serviram de cilada para o templo, e um inimigo constantemente incitado contra o povo de Israel, derramando sangue inocente ao redor do templo e profanando o santuário." Veja como a pergunta do anjo fica clara. O segundo anjo então responde: "duas mil e trezentas tardes e manhãs. Depois disso o santuário será restabelecido."

Como se vê, yoda esta invasiva de Antíoco está bem descrita no primeiro livro de Macabeus. Em 1 Mc 1,54, conforme já citado, se lê: 

"No dia quinze do mês de Casleu, do ano centa e quarenta e cinco, edificaram a abominação da desolação por sobre o altar e construíram altares em todas as cidades circunvizinhas de Judá."

Vamos fixar as datas: 15 do mês de Casleu do ano 145. 

O mesmo livro conta quando o sacrifício voltará a ser oferecido. No cap. 4, 52-53, vemos: 

"No dia vinte e cinco do nono mês, isto é, do mês de Casleu, do ano cento e quarenta e oito, eles se levantaram muito cedo, e ofereceram um sacrifício legal sobre o novo altar dos holocaustos, que haviam construído."

15 de Casleu de 145 - santuário profanado.
25 de Casleu de 148 - holocausto volta a ser oferecido. Vamos calcular..

Temos aí basicamente três anos exatos. Um ano possui 12 meses. Um mês bíblico equivale a 30 dias.

12 x 30 = 360 
1 ano = 360 dias

360 x 3 = 1080 
1080 + 14 dias - 1094 dias

O tempo que o Santuário ficou sem sacrifícios, portanto, foi de 1094 dias. Este é um cálculo aproximado, mas nada exato, da compreensão das 2.300 tardes e manhãs entendidas como 2.300 sacrifícios, o que equivaleria, já que eram dois sacrifícios diários, a 1150 dias, faltando portanto 56 dias para a correspondência exata. Só que há um porém: o calendário judaico era "lunissolar", baseado nas fases da lua, mas tendo de se adaptar ao ciclo solar. Além dos anos comuns - de doze meses -, há no judaísmo os chamados "anos embolísticos", nos quais se acresce mais um mês aos doze anteriores. Este mês é chamado Veadar ou Adar II, e soma um total de 13 meses. Estes meses acontecem nos anos 3º, 6º, 8º, 11º, 14º, 17º e 19º.

Como temos três anos, há que se acrescer um mês de 29 dias no último ano, pelo que teríamos 1123 dias, o que é, convenhamos, uma data já aproximada de 1150, faltando um todo de 27 dias, pouco menos de um mês. Os que porventura estranharem essas imprecisões, considerem o que é dito em Jr 25,11-12: "Converter-se-á esta terra em angústia e solidão, e por setenta anos lhe há de perdurar a servidão ao rei de Babilônia." Porém, na realidade, o cativeiro na Babilônia durou 65 anos, indo de 604 a 539 a.C. É verdade que a diferença é bem menor, mas há que se convir que a duração do tempo da profecia também é menor, e, sobretudo, que de fato temos uma imprecisão, o que dificulta um cálculo exato, permitindo apenas uma idéia aproximada. Com isso queremos dizer que a interpretação de 2.300 tardes e manhãs como sendo 2.300 anos é falsa? Não. Estamos somente vendo as possibilidades. Provaremos isto em outro artigo.

Prossigamos.

Segundo texto:

Quero analisar os seguintes trechos:

Nos tempos de aflição, depois dessas sessenta e duas semanas, um ungido será suprimido, e ninguém (será) a favor dele. A cidade e o santuário serão destruídos pelo povo de um chefe que virá. Seu fim (chegará) com uma invasão, e até o fim haverá guerra e devastação decretada. Concluirá com muitos uma sólida aliança por uma semana e no meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; sobre a asa das abominações virá o devastador, até que a ruína decretada caia sobre o devastado." (Dn 9,24-27)

Um ungido será suprimido - de fato, trata de Nosso Senhor, cujo título "Cristo" significa exatamente "Ungido". Mas também simboliza o Sacerdote Onias III, assassinado em Antioquia no ano 171 a.C. (Cf. 2Mc 4,30-38)

A cidade e o santuário serão destruídos pelo povo de um chefe que virá. - Trata-se, historicamente, de Antíoco Epifânio, antes de Cristo, e/ou do imperador Tito, que o realizou no ano 7 d.C.

Concluirá com muitos uma sólida aliança por uma semana e no meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação - este trecho aqui é fonte de controvérsias. Os adventistas afirmam que ele se refere a Jesus estabelecendo a Nova e Eterna aliança. Porém, nós entendemos que, uma vez que, segundo o texto, o Ungido já havia morrido, este trecho se refere ao invasor do templo. Isto é reforçado pelo fato de este personagem fazer cessar o sacrifício no meio da semana, o que equivaleria ao terceiro dia e meio, faltando ainda três dias e meio para que se completassem as 70 semanas. Três dias e meio, transmutando em dias de anos, ficariam 3 anos e meio, o que equivaleria a 1260 dias que é sempre uma data que se refere à dominação do povo de Deus pelos inimigos. (Cf Dn 7,25; 12,7; Apo 12,6; 13,5. 

Isso tudo ainda é reforçado pelo próprio livro de Daniel que usa as mesmas expressões para se referir ao profanador: "Dirigirá novamente sua fúria contra a santa aliança, tomará medidas contra ela, fazendo um pacto com aqueles que a abandonarem." (Dn 11,30) 

Note o paralelo: 

"Concluirá com muitos uma sólida aliança por uma semana" (Dn 9,27)
"Fazendo um pacto com aqueles que a abandonarem." (Dn 11,30)
"Submeterá, com suas lisonjas, os violadores da aliança" (Dn 11,32)
"Os que o reconhecerem - ao profanador -, multiplicará as honras, conferir-lhes-á autoridade sobre numerosos vassalos e distribuir-lhes-á terras em recompensa." (Dn 11,39)

Não parecem referirem-se todos estes textos à mesma coisa? Com efeito, todos eles falam de aliança, ou pacto. E o que dizer dos trechos seguintes?

"No meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação" (Dn 9,27)
"Seu coração meditará o mal contra a santa aliança; cometê-lo-á..." (Dn 11,28)
"Farão cessar o holocausto perpétuo" (Dn 11,31)

Se o segundo e o terceiro textos se referem obviamente ao profanador e às suas tropas, por que o primeiro iria se referir a Jesus? Todos eles seguem o mesmo padrão. Estão falando da mesma coisa. Notem ainda as semelhanças nos trechos sublinhados: "fará cessar", "farão cessar".

Por fim, enquanto Dn 9,27 termina dizendo que "sobre a asa da abominação virá o devastador, até que a ruína decretada caia sobre o devastado", Dn 11,31 diz: "instalarão a abominação do devastador" e o v. 36: "porque o que está decretado deverá ser executado."

O leitor note bem: esses paralelos são o argumento mais forte deste texto. Eles provam claramente que o personagem indicado em Dn 9,27 não é Jesus, mas o profanador.

E aí surge outra pergunta no texto. Daniel questiona um homem, provavelmente Jesus, que lhe aparece: "Meu senhor, qual será a conclusão disso tudo?" O contexto é o mesmo que a pergunta do primeiro santo ao segundo. Ele então lhe responde: "Desde o tempo em que for suprimido o holocausto perpétuo e quando for estabelecida a abominação do devastador, transcorrerão mil duzentos e noventa dias." Aqui teríamos duas referências:

O atentado de Antíoco Epifânio ao Santuário no ano 145 a.C. - + 1290, chegaríamos ao ano 1145.
A invasão de Jerusalém por Tito, no ano 70 d.C. - + 1290, chegaríamos ao ano 1360.

Aconteceu algo importante em 1145? Eleição do Papa Eugênio III e a bula Quantum prædecessores convocando a Segunda Cruzada. Nada, porém, que lembre nem de longe o fim de alguma perseguição. Veja aqui.

Aconteceu algo importante em 1360? Guerra dos cem anos, Pedro I de Portugal casou com Inês de Castro, Maomé IV mata o cunhado e se torna o 10º rei de Granada, o condado de Anjou torna-se um ducado, nasceu um monte de gente, morreu um monte de gente... e nada que se assemelhe ao dito. Veja aqui.

Agora, lembramos que esta data de 1290 dias aparece no mesmo contexto que as 2.300 tardes e manhãs. Porém, os 1290 dias não podem marcar o fim, pois é dito logo em seguida, no versículo 12, que "feliz quem esperar e alcançar mil trezentos e trinta e cinco dias!", ou seja, depois dos 1290 dias, feliz quem ainda esperar mais 45 dias.

Como se vê há três datas: 2300 ou 1150, 1290, 1335. Por que escolher uma dessas datas ao invés das outras?

A única conclusão disso tudo é que é tudo muito confuso. É mais fácil dizer o que não é do que o que é. E o que não é eu creio que dissemos seguramente: o personagem de Dn 9,27 não é Jesus.

Ideologia de Gênero - Análise do Discurso



A refutação à Ideologia de Gênero pode seguir duas linhas: 

a) O estudo histórico-literário das suas fontes;
b) A análise lógica das suas premissas, o que poderíamos chamar também de "bom senso".

Já escrevemos bastante sobre o primeiro aspecto. Neste artigo, falaremos sobre o segundo:

Um documentário que segue esta linha e que recomendamos vivamente - já o disponibilizamos aqui no blog - é o estudo "Paradoxos da Igualdade", estudo tão completo e destruidor da ideologia que fez com que a Noruega, país que se gaba de ter a maior igualdade entre os sexos, retirasse todo o financiamento a este devaneio.

Vejamos, para começar, quais são os argumentos possíveis favoráveis à questão de gênero. Seguiremos depois com as refutações.

1- Nem todo mundo está adequado à própria sexualidade. Costuma-se dizer que se nasceu no corpo errado. Assim, embora tenha corpo de homem, a pessoa não se identifica como homem. O mesmo ocorre com as mulheres. Há, portanto, uma dissociação entre sexo biológico e identidade. Daí o surgimento da distinção entre sexo - fator biológico - e gênero - fator de autoidentificação.

2- O ser humano é moldado cultural e socialmente. Nós, atualmente, somos frutos de um constructo. Se tivéssemos nascido ou vivêssemos em outro lugar, nós seríamos diferentes: teríamos talvez outros hábitos, outros gostos, projetos, visões de mundo, etc. Se tivéssemos nascido na Índia, por exemplo, seríamos budistas ou hindus. Se fôssemos rapazes na Alemanha Nazista, provavelmente teríamos defendido aquelas idéias. Isto significa que a identidade do sujeito é mutável, isto é, é influenciada ou mesmo produzida pelo seu entorno.

3- Se a identidade de gênero não é necessariamente determinada pelo fator biológico, se ela é uma estrutura flutuante que se esquiva do físico, então é forçoso admitir que ela é construída. Formam a personalidade individual os ideais culturais, o modo como a pessoa é vista, as expectativas suas ou dos outros, os princípios religiosos, etc. Logo, o gênero é construído. 

Creio eu que nenhum defensor da questão de gênero estaria insatisfeito com a defesa que fiz. Vamos agora a alguns comentários.

Quanto ao 1, o modo como uma pessoa se vê pode ser correto ou não. Há, portanto, um limite de legitimidade na variação da autovisão. Se não houvesse, não seria possível identificar um maluco, por exemplo. Este limite é dado pelo fator biológico, e ele diz respeito tanto ao sexo, quanto à espécie, à genealogia, à raça, etc. Alguém não pode, à força de suposições, tornar-se japonês porque assim se identificou. Do mesmo modo, não pode tornar-se um lagarto, ou uma borboleta. Também não pode tornar-se filho do Sílvio Santos e reclamar o direito à herança. Enfim, não pode, tendo nascido homem, dizer-se mulher. A inadequação que alguém possa ter não anulará a sua constituição somente pelo pensamento. Um gordo que se sinta incomodado não se torna magro por declará-lo. Neste sentido, orientação sexual e identidade de gênero são coisas totalmente distintas. Um homem gay é alguém que sabe ser homem mas cuja libido está voltada ao mesmo sexo. O mesmo se dá com uma mulher gay. O gênero, por sua vez, diz que o ser homem ou mulher é que é construído. Assim, a ideologia confunde a direção da energia sexual com o ser. A libido assume o estatuto de fundante ontológico.

Quanto ao 2, é fato que muito do que nós somos é efeito das nossas influências. Porém, esta afirmação é uma metonímia. Quando dizemos "muito do que nós somos" estamos querendo dizer literalmente "muito do que nós estamos". Na verdade, o que nós somos antecede as escolhas e as influências. Ele é um pressuposto ontológico a partir e por dentro do qual teremos as nossas influências e faremos as nossas escolhas. Por preceder-nos, ele exerce um limite ao campo onde ocorrem as variações. Este limite é biológico e espiritual. Contudo, se a questão biológica, que é mais evidente, tem sido negada, não convém que entremos agora no segundo aspecto. Fiquemos no primeiro. Façamos algumas considerações. Mulher e homem têm diferenças intrínsecas de personalidade? Os ideólogos de gênero dizem que não. Porém, como veremos, é evidente que sim. O fator orgânico influencia enormemente a personalidade. As drogas são um exemplo óbvio. Mudando a química cerebral, o comportamento é alterado. Se alguém recebe uma pancada forte na cabeça e isto danifica um dos lobos pré-frontais, esta pessoa se tornará ou extremamente mal humorada ou extremamente bem humorada. Ainda que não falemos em acidentes ou em uso de drogas ilícitas, pensemos nas diferenças hormonais naturais entre homens e mulheres. Homens têm duas vezes mais testosterona que as mulheres. Isto é o responsável pelo fato de eles serem mais lentos no aprendizado da linguagem e das relações interpessoais. Têm tendência a ser menos empáticos, a lidar com mecanismos, sistemas, e preferem ficar sozinhos quando em crise. Mulheres tendem a ser mais afetivas, comunicativas, sociais, detalhistas, tendem a ter a atenção mais dispersa ou multifocal, e preferem sofrer acompanhadas. É por isso que mulher adora uma DR enquanto que os homens preferem bater o mindinho do pé numa quina. Sabemos também que elas têm oscilações hormonais bem maiores do que os homens. Pelo fato de serem o polo passivo da procriação, onde a criança será gestada, mensalmente o seu organismo se prepara para recebê-lo. Isto produz uma série de adaptações orgânicas e tudo isto é acompanhado por inconstâncias de personalidade. Essas diferenças e inconstâncias são a raiz de brincadeiras e piadas como as seguintes:





A famosa tpm é um exemplo notório. Ninguém pode negá-la por um simples ato de abstração. Ora, é o cérebro que comanda e ordena todo o aparato biológico com as suas mudanças hormonais, cada uma com a sua respectiva função. Se organicamente homens e mulheres são diferentes - se os homens não têm tpm nem ficam férteis por períodos espaçados de tempo, se não menstruam nem se preparam biologicamente para receber uma criança -, segue que necessariamente os cérebros feminino e masculino são distintos, e é óbvio que isto tem sim seus efeitos na personalidade. Estes efeitos se exprimem também na própria aparência das pessoas. Não é à toa que mulheres são mais macias, mais aconchegantes, mais curvilíneas, enquanto os homens são mais duros, retos, mais fortes fisicamente, mais preparados para a defesa da mulher e da prole, etc. Naturalmente, então, os homens terão uma personalidade mais ativa, mais focada em um só objeto, mais agressiva, etc.

Do que foi dito, é fácil perceber como o 3 é falso, pois, embora haja de fato algo de construído na personalidade e no modo como alguém se vê, nas expectativas que tem e nos ideais que adotou, isto não o muda substancialmente, isto é, a sua ontologia, o substrato dessas variações mantém-se o mesmo e exerce uma força limitadora. É como um recipiente que comprime o conteúdo cultural e as mudanças que ocorrem dentro da pessoa, não permitindo que estas extrapolem a natureza. Por isso, só no fantástico mundo de Bob é que um homem biologicamente pode se dizer mulher. Isto significa que a nossa luta contra o Gênero se identifica com uma luta em favor da própria sanidade mental.

A oração do terço - monotonia e distração?


O Rosário - ou o Santo Terço, sua versão reduzida - é uma oração maximamente recomenda aos católicos, não só pelos santos e Papas, mas pela própria Virgem Maria, que a pediu vivamente nas parições de Fátima. Não obstante, é fato que, para alguns, é uma atividade enfadonha, devido à sua repetição e monotonia. São Luís Maria Grignion de Montfort fala dos "devotos críticos", o primeiro grupo dos falsos devotos, que vêem nessas práticas populares algo mais adequado à gente simples. Eles, por sua vez, deveriam dar-se a altas contemplações, mais correspondentes à sua dignidade. Este tipo de erro pode surgir em nós quando consideramos, por exemplo, que ler um livro seria algo mais rentável espiritualmente do que rezar o terço. Quaisquer pensamentos neste sentido serão sempre falaciosos. Quando se quer e se organiza o dia, há tempo para tudo. Além disso, está mal orientado quem vive de calcular que tipo de atividade espiritual surtirá mais efeito. Isto torna a oração supersticiosa e somente reforça o ego. A coisa se torna uma espécie de "contra-oração".

Porém, ainda que não caiamos neste erro fundamental, alguns de nós podemos sim, pela nossa própria natureza, encontrar alguma dificuldade na oração do terço. Sta Teresinha de Lisieux relata a sua dificuldade pessoal quanto a isso. E, com ela, vários outros. Eu particularmente, embora consagrado à Virgem pelo método de São Luís Maria, nunca tive na oração do terço algo a que eu me adequasse inteiramente. Sempre é preciso fazer certa violência para que eu possa rezá-lo. E ontem, enquanto meus dedos corriam as suas contas, eu considerei algo desses assuntos e me propus a escrever um texto encaminhado a todos os demais que, como eu, sentem esta dificuldade. Pelo fato de fazermos algo que a nossa natureza não aprecia tanto, é comum que haja distrações, pelo que pode surgir a consideração: "mas adiantará alguma coisa que eu o reze se eu não consigo fazê-lo direito?" Eu gostaria então de dizer algumas coisas que comigo funcionam. São dicas da minha experiência pessoal. Podem não servir para algumas pessoas, mas eu creio que servirão para outras.

DISTRAÇÃO

Qual o valor do terço se eu só me distraio? A primeira coisa é a seguinte: isso não acontece somente com você. Jesus diz nos Evangelhos: "onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração". Salvo pessoas muito disciplinadas, é natural que a mente corra para as nossas preocupações pessoais. Há inclusive um mecanismo de defesa em nós que tenta nos proteger de atividades cansativas. É por isso que diante de uma palestra chata o sono aparece. É por isso também que o rosário é por muitos recomendado como remédio contra insônia. Então, como defesa, a mente se ausenta da fonte de cansaço e tenta encontrar algo mais agradável com que se ocupar. Isto é efeito da nossa sensibilidade decaída, e a luta que teremos de travar é natural, mesmo. São Domingos Sávio era um rapazinho muito ativo. Quando rezava, o seu natural o distraía e ele ficava fitando diferentes objetos. Teve de se forçar a manter-se de olhos fechados e o esforço era tamanho que isto lhe causava dores de cabeça.

São Bernardo de Claraval, um tanto quanto enervado pelo fato das distrações, foi consolado por Jesus que lhe disse ser normal: era muito raro alguém rezar uma ave-maria totalmente sem distração. O santo então resolveu fazer um teste. Andando a cavalo, falou com um rapaz que ia à frente: "se você conseguir rezar uma ave-maria inteira sem se distrair, este cavalo é seu." O rapaz, contente e crente de que já tinha ganho o cavalo, começou: "Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco.... mas o cavalo é com sela ou sem sela?" São Bernardo então comprovou o que lhe havia sido revelado.

Portanto, amigo, você não está só. Há inclusive santos em sua companhia. Sabe o que isto significa? Que distrair-se não é motivo para não rezar. O que você não deve fazer é distrair-se voluntariamente. Tampouco deve agitar-se quando perceber a mente divagando, pois a agitação não gera quietude; bem pelo contrário.


TEMPO

Sta Teresa D'Avila dizia que a oração não se faz à força de falar muito, mas de amar muito. Isto significa que o fundamental é ter uma reta disposição e pura intenção. Ela dizia ainda: "a alma enamorada fala disparates com Deus". A atitude pressuposta da oração é, então, fundamental, e tê-la correta já é oração. O tempo reservado para a oração, ainda que não seja tão bem aproveitado segundo os nossos critérios, também já tem seu valor, pois o que interferiu nele foi a nossa fraqueza. Conscientemente, porém, a nossa decisão foi de aproveitá-lo para estar com Deus. E só poderemos melhorar nisso se praticarmos bastante. Ninguém fica bom em uma atividade deixando para executá-la apenas quando for perfeito. O aperfeiçoamento pressupõe o exercício desde os mais baixos graus da indisciplina. 

CONTEÚDO

Quando nos distraímos, as palavras nos saem sem atenção e se tornam como que "flatus vocis", isto é, mero som. Isto se formos seguir uma lógica meramente natural. Na oração, porém, a coisa é mais complexa.

Somada aos pressupostos da reserva do tempo e da reta disposição e intenção está a força própria dos termos da oração. No nosso caso, as orações dos Pai Nossos e das Ave Marias. Ora, sabemos que o Pai Nosso foi a oração ensinada pelo próprio Cristo. A conclusão que se segue é que não importa o nosso grau de atenção e formação teológica ou mística, o significado das palavras transcende sempre a nossa compreensão. O mesmo se diga da Ave Maria, oração que foi recitada pelo próprio Arcanjo Gabriel e por Sta Isabel quando estava cheia do Espírito Santo. Portanto, estas palavras não apenas são expressões de idéias nossas, mas, como palavras divinamente inspiradas, têm uma eficácia própria e podem produzir em nós o seu efeito. Elas poderão gerar na nossa alma o que significam.

Mas, a fim de acompanhar com mais advertência estas orações, convém que observemos palavra a palavra e lhes atribuamos significados simples e diretos. Nestes últimos dias, eu tenho rezado o Pai Nosso do seguinte modo, seguindo de perto São Máximo, Confessor:

Pai Nosso - indica a figura de Deus Pai
Santificado seja o Vosso Nome - o "Nome" aqui indica Jesus
Venha a nós o teu reino - O "Reino" indicaria o Espírito Santo
Seja feita a tua vontade - o significado aqui é claro
Assim na terra como no céu - De novo, um significado óbvio
O Pão nosso de cada dia - Isto indica a Eucaristia
Nos dai hoje - este "hoje" transcende o hoje atual, mas indica o "hoje" da eternidade, ou a imortalidade.
Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido - sentido óbvio
Não nos deixeis cair em tentação - temos as nossas fragilidades pessoais. Podemos aqui pensar nelas.
Mas livrai-nos do mal - o mal aqui, como o próprio Catecismo o declara, indica a pessoa de Satanás.
Amém.

Os significados, principalmente da primeira parte, podem mudar. Bento XVI dá outros sentidos à expressão "Vosso Nome", no seu livro "Jesus de Nazaré". Mas é bom que o significado não fique tão aberto. Do contrário, a nossa inteligência não fixará nada.

Agora, convém esclarecer o seguinte: o santo terço não deve ser rezado num processo cíclico de pensamento, passeando literalmente pelo significado de cada palavra da Ave Maria. Este movimento repetitivo é mesmo cansativo à mente, e é não natural. As "dez ave marias" devem servir-nos de "fundo musical" para a contemplação dos mistérios. Por exemplo, se estamos contemplando os mistérios gozosos - os meus favoritos -, os nossos lábios recitam as Ave-Marias enquanto a nossa mente reflete nos fatos contemplados, observando os detalhes e encontrando neles verdades escondidas. Portanto, acompanhar o significado literal dos termos não é importante. Isto permite que a mente diminua consideravelmente a sua inclinação a distrair-se. Isto também permite que o santo terço seja adequado igualmente tanto a pessoas simples quanto a pessoas mais sofisticadas intelectualmente. Os tesouros dos mistérios são inesgotáveis. A cada vez podemos intuir novas verdades.


HUMILDADE

Por fim, fazer a experiência da nossa fraqueza é a matriz mesma de onde surgirá a reta disposição da oração. Olhar para o céu como um necessitado dá consciência da razão de ser da oração. A humildade resultante pode se estabelecer em nós como um hábito, e isto é maximamente importante, pois Deus se revela aos pequenos. A humildade é a porta de abertura para que o contato entre Deus e a alma humana se estabeleça de fato.


MATERNIDADE

A Virgem Maria é também a nossa mãe. Ela sabe que, como crianças, ficamos à procura de satisfações, como um filho que se distrai diante de algum ensinamento dos pais. Ela, como mãe terna e doce que é, poderá educar o nosso coração para que ele amadureça. Muito mais do que nós, ela deseja a nossa santificação. 


EXALAR O PERFUME DE DEUS

O livro dos cânticos traz um belíssimo texto: "Enquanto o Rei descansa em seu divã, eu exalo o seu perfume." Esta expressão é seguida de perto por São Paulo: "nós devemos exalar o bom odor de Cristo." Para que possamos ter em nós este perfume, é preciso permanecer com Ele bastante tempo. Moisés, depois de ficar 40 dias com Deus, desceu do monte e o seu rosto brilhava. Torna-se luminoso quem permanece com a luz. Torna-se "cheiroso" quem permaneceu na presença do Cristo. Só então poderemos exalar este perfume e, então, ele encherá toda a casa. É como dizia Sta Teresinha de Lisieux: "far-me-ei santa; sê-lo-ei depressa. Assim converto-Te os corações." Rezar o terço nos dá esta graça: meditando nos mistérios da vida do Cristo, fazemos-lhe companhia e vamos nos tornando parecidos com Ele. Além de progredirmos tendo-O como um ser extrínseco a nós, somos também formados infusamente, modelados sem que o percebamos. Tal o efeito da oração.

Por isso, não nos esquivemos do rosário. Se nos falta tempo, apenas precisamos dar uma caminhada e levar o terço junto. Essas pequenas diligências nos disporão gradativamente para Deus. Que a Virgem Maria, mãe do Verbo, nos ensine e conduza.

Ainda sobre o Inferno: símbolo do fogo e trevas exteriores


Depois de ter devidamente provado que a própria Bíblia atesta a existência do inferno, vejamos agora mais uma conveniência bíblica de que o inferno seja real.

No texto passado, vimos como o destino eterno dos condenados é referido como "lago de fogo sulfuroso". Outra expressão que sugere uma idéia similar é "Geena" (Mt 5,22,29). Na verdade, este era um lugar físico, fora de Jerusalém, onde eram jogados os lixos, animais mortos, e, depois,  eram incinerados. É obviamente uma comparação que Jesus faz. Os negadores do inferno creem que a analogia se deve ao fato dos corpos físicos - objetos e animais - serem destruídos. Nós, ao contrário, cremos que Jesus utiliza esta figura para simbolizar o estado contínuo do inferno, não no que se refere à destruição, mas à chama.

E aqui fazemos um parêntese: embora haja de fato teólogos e santos que afirmam haver fogo literal no inferno, crer nisto não é essencial à Fé Católica. Não há consenso entre os teólogos a respeito da natureza do inferno, e as revelações dos santos que supostamente visitaram-no se enquadram no campo das revelações particulares que não obrigam a crença individual.

Além disso, quando consideramos o modo como o ser humano conhece, vemos que é complicado que uma pessoa veja sensivelmente realidades espirituais não sensíveis. Expliquemos: o ser humano é um composto substancial de corpo e alma. A alma possui inteligência e vontade, mas opera través da substância material, que são os órgãos físicos e os sentidos. Assim, a fim de inteligirmos algo, é necessário que o processo se inicie nos sentidos que apreendem as "espécies sensíveis" ou "imagens" dos entes corporais; em seguida, estas espécies são encaminhadas à imaginação e retidas pela memória. Até aí elas continuam sendo realidades singulares, isto é, individuais. Isto significa que tudo quanto temos na imaginação são realidades físicas. Mesmo que juntemos espécies sensíveis distintas compondo entes inexistentes, ainda assim estes entes terão uma figura física. Pois bem: desta matéria prima captada pelos sentidos e depositada na imaginação, a inteligência, agora uma faculdade espiritual, retira, num processo chamado "abstração", as "espécies inteligíveis", os dados universais que estavam "vestidos" pelos traços individuantes. É destes traços universais que virá o conceito ou definição das coisas. Isto significa que o ente humano não pode conhecer, por si mesmo, seres que não sejam materiais, a não ser por comparação com os entes físicos. Desse modo, há um claro limite cognoscitivo, o que faz com que Deus, querendo revelar ao homem realidades suprassensíveis, tenha de as adaptar ao conhecimento sensível humano. Assim, mesmo as visões dos santos e místicos deve necessariamente ter um caráter analógico. O que se conclui disso? Que não é possível dizer, a princípio, que no inferno exista fogo literal.

Agora, o fogo visto pode ter - e tem - um caráter simbólico. Mesmo um fogo literal cumpriria uma função: a submissão de um ente inteligente e espiritual a um elemento material e irracional, o que seria um remédio perpétuo para o orgulho humano. Além disso, o fogo pode meramente simbolizar a inquietude e o sofrimento que, no inferno, são contínuos. O escritor Joseph Pieper dizia que no inferno não há nem silêncio nem música, mas só barulho, isto é, não há a quietude da cessação nem a ordem da harmonia, mas apenas a agitação contínua e ruidosa, perpetuação das desordens da paixão que dominaram a pessoa em vida, efeito da animalidade à qual se submeteu durante sua estadia na terra.

O fogo, segundo o simbolismo antigo e medieval, também é composto de duas características: é seco e é quente. A sequidão é o princípio da fixidez, da não fluidez. O quente é o princípio da fragmentação, da não coesão. O fogo, portanto, poderia simbolizar a dureza dos entes fragmentados, isto é, que não alcançaram a sua coesão interior, e que permanecem nesta condição, o que significa que os condenados manifestariam uma espécie de personificação do estado de guerra. Nada mais adequado, portanto, que o fogo para servir-lhes de símbolo.

Contudo, nem sempre o inferno é referido, na Bíblia, como um lugar de fogo. Com efeito, lemos em 2Pe 2,4 o que segue:

"Pois se Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os precipitou nos abismos tenebrosos do inferno onde os reserva para o julgamento..."

Aqui o inferno aparece como "abismos tenebrosos", isto é, lugar onde habitam as trevas. Inferno, aí, tem o sentido de "lugar inferior" em oposição ao "lugar superior", o Céu. Como, porém, o Céu não é uma realidade material e, portanto, é não-espacial, também o "lugar inferior" ou "inferno" pode ser o símbolo de um estado inferior contrário ao celeste, e não exatamente um lugar. A Escritura diz que o demônio, depois do pecado, foi enviado à terra. Se se quiser tomar "inferno" como lugar literal, então talvez tivéssemos de fazer a identificação entre a terra e o inferno. Estariam corretos os que dizem que "o inferno é aqui", hehe.. A coisa complica ainda mais se considerarmos que Paulo, referindo-se a estes que foram precipitados "nos abismos tenebrosos do inferno", habitam nos ares (Ef 6,12). Além disso, qualquer protestante tende a aceitar que os demônios têm liberdade suficiente para tentar os cristãos, o que indica que os abismos onde estão precipitados não é exatamente um lugar.

O Inferno é, portanto, o contrário da beatitude celestial, isto é, um estado de alma. Do mesmo modo, as trevas do inferno são o oposto da luz divina. O que se nota, porém, é que, embora estejam reservados para um futuro julgamento, os anjos decaídos - que chamamos "demônios - habitam desde já nestes estados, o que significa que estas trevas não são um símbolo da sua destruição.

Porém, o próprio Jesus usa o exemplo das trevas para simbolizar o castigo dos proscritos depois do julgamento. Vamos ver?

"Por isso, eu vos declaro que multidões virão do Oriente e do Ocidente e se assentarão no Reino dos céus com Abraão, Isaac e Jacó, enquanto os filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes." (Mt 8,11-12)

Quando Jesus conta a parábola da festa das bodas do filho do Rei, inclui um personagem que está sem a veste nupcial. Qual será o destino deste sujeito?

"Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores. Ali haverá choro e ranger de dentes." (Mt 22,13)

Falando do servo mau e preguiçoso que enterrou o talento ao invés de tê-lo ao menos colocado no banco para correr juros, Jesus, referindo-se à Sua volta, diz:

"E a esse servo inútil, jogai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes." (Mt 25,30)

Eu estou pegando de propósito somente trechos de Mateus, pois se citasse autores diferentes alguém poderia objetar a diferença de estilos e de símbolos. Mas se é só um autor, fica evidente a intenção dele.

Notem que os trechos acima sempre relacionam o "choro e ranger de dentes" às "trevas exteriores". Agora, observem a seguinte relação:

"O Filho do homem enviará seus anjos, que retirarão de seu Reino todos os escândalos e todos os que fazem o mal e os lançarão na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes." (Mt 13, 41-42)

"Assim será no fim do mundo: os anjos virão separar os maus do meio dos justos e os arrojarão na fornalha, onde haverá choro e ranger de dentes." (Mt 13,49-50)

O que é que se nota aí? Mateus faz uma relação evidente entre "trevas exteriores" e "choro e ranger de dentes". Depois, ele faz o mesmo com "fornalha ardente" e "choro e ranger de dentes", o que indica que "trevas exteriores" e "fornalha ardente" sejam a mesma coisa. Obviamente que a idéia de "trevas exteriores" não sugere destruição.

Como vimos na afirmação de Pedro, as "trevas exteriores" ou "lugares tenebrosos", ou, ainda, "profundezas das trevas" (2Pe 2,17), onde estão os demônios desde já, não simbolizam a destruição literal. Logo, a "fornalha ardente" tampouco a simboliza.

Daqui surge naturalmente a questão: se os demônios já esperam no lugar tenebroso pelo julgamento, o que mudará ao serem julgados se se está dizendo que eles permanecerão neste lugar?

Antes, porém, de respondê-la, notemos o seguinte: Jesus, em Jo 16,11, afirma que o juízo, do qual o Espírito Santo nos convencerá, é o de que o "príncipe deste mundo", isto é, o demônio, "já está julgado e condenado".

Se já está julgado e condenado porque haveria um julgamento também dos demônios no fim dos tempos? Será que o texto quer dizer que apenas Lúcifer já está julgado e condenado e que os demais demônios podem ser ainda inocentados? Obviamente que não. Isto indica que o Juízo Final é um juízo de confirmação e de exposição das obras de cada pessoa - humana ou angélica - a fim de, depois, determinar-lhe justa punição. Os demônios, nesta ocasião, perdem todo o poder de causar mal aos outros, sendo, dentre todos, os que mais sofrerão. Do mesmo modo, os ressurretos para a perdição terão acrescido, pelo fato de estarem agora com seus corpos, o sofrimento de que padecerão pela eternidade.

Papa oferece perdão às mulheres que fizeram aborto - Como é?!


Mais uma vez, como sempre, a mídia instrumentaliza a fala do Papa para sugerir "inovações", "mudanças morais", uma igreja "mais inclusiva", e várias outras idéias que unem a falsidade com o potencial sensacionalista. Vamos ver o que o Papa falou de verdade? Comentamos depois:

"Um dos graves problemas do nosso tempo é certamente a alterada relação com a vida. Uma mentalidade muito difundida já fez perder a necessária sensibilidade pessoal e social pelo acolhimento de uma nova vida. O drama do aborto é vivido por alguns com uma consciência superficial, quase sem se dar conta do gravíssimo mal que um gesto semelhante comporta. Muitos outros, ao contrário, mesmo vivendo este momento como uma derrota, julgam que não têm outro caminho a percorrer. Penso, de maneira particular, em todas as mulheres que recorreram ao aborto. Conheço bem os condicionamentos que as levaram a tomar esta decisão. Sei que é um drama existencial e moral. Encontrei muitas mulheres que traziam no seu coração a cicatriz causada por esta escolha sofrida e dolorosa. O que aconteceu é profundamente injusto; contudo, só a sua verdadeira compreensão pode impedir que se perca a esperança. O perdão de Deus não pode ser negado a quem quer que esteja arrependido, sobretudo quando com coração sincero se aproxima do Sacramento da Confissão para obter a reconciliação com o Pai. Também por este motivo, não obstante qualquer disposição em contrário, decidi conceder a todos os sacerdotes para o Ano Jubilar a faculdade de absolver do pecado de aborto quantos o cometeram e, arrependidos de coração, pedirem que lhes seja perdoado. Os sacerdotes se preparem para esta grande tarefa sabendo conjugar palavras de acolhimento genuíno com uma reflexão que ajude a compreender o pecado cometido, e indicar um percurso de conversão autêntica para conseguir entender o verdadeiro e generoso perdão do Pai, que tudo renova com a sua presença."
Fonte: Vaticano

Voltamos. Como vê quem sabe ler, não há aí nenhuma espécie de relativização do pecado nefando do aborto. Ele costuma sendo o que é: assassinato de infantes. E continua gerando o que gera: excomunhão automática. Quando uma mulher comete aborto - e com ela todos quantos a apoiaram, induziram, ajudaram, etc. - ela é imediatamente excluída da Igreja, isto é, deixa de ser católica, ainda que ninguém o saiba! A pertença à Igreja não se resume a ter um lugar num dos bancos do templo, ou a poder assistir missas. É antes de tudo uma comunhão espiritual que dá acesso aos sacramentos através dos quais a pessoa participa da vida divina.

Pois bem. Antes, quando uma dessas excomungadas, tendo tomado consciência da burrada que fez, e, cheia de arrependimento, decidia voltar à Igreja, o que ela precisava fazer? Ela tinha de recorrer ao bispo ou a algum padre especialmente delegado por ele. Então ela se confessava e, desde que tivesse as devidas disposições, recebia a absolvição e voltava a fazer parte da Igreja, mas não sem portar ainda as grandes penas decorrentes do ato.

O que mudou agora com o pronunciamento do Papa Francisco para o ano da misericórdia? Somente que não será mais necessário recorrer diretamente ao bispo, sendo suficiente que a pessoa se confesse com qualquer sacerdote legitimamente ordenado. Mas continuam valendo as precondições anteriores: as retas disposições que incluem o arrependimento sincero - efeito da compreensão do pecado -, a detestação do ato cometido e o firme propósito de não mais praticá-lo. Além disso, esta possibilidade existe apenas durante o ano da Misericórdia.

É verdade de Fé que qualquer pecado, por mais grave que seja, tem perdão se a pessoa verdadeiramente se arrepende. Isto não é exceção sequer para o aborto, e nem mesmo para o sacrilégio. Portanto, não há tanta novidade assim no pronunciamento do Papa. Ele apenas facilitou um pouco o acesso às pessoas arrependidas. Mas aqueloutras que queiram gozar do perdão da Igreja sem um verdadeiro arrependimento, ou, ainda, qualquer uma que se aproveite deste ato de misericórdia da Igreja para cometer este crime que clama aos céus, pretendendo facilmente confessar-se depois, estará cavando sob si mesma o próprio buraco para o inferno, pois une um crime abominável com o pesadíssimo ato do sacrilégio. Portanto, que a misericórdia de Deus não seja pretexto para mais infanticídios. E, de outro lado, que as pessoas que chegaram um dia a cometer este ato absurdo sejam de fato tocados pelas graças atuais de Deus e, verdadeiramente arrependidas, voltem ao seio da Santa Igreja.

PME de União dos Palmares sem Gênero II - Aprovação das emendas e aditivos


Ontem, dia 31 de Agosto de 2015, ocorreu, na Câmara de vereadores aqui da cidade, uma sessão para a aprovação das emendas e aditivos feitos ao Plano Municipal de Educação. E este mês combativo se fechou com chave de ouro: não somente as expressões nas quais constava o termo "gênero" foram retiradas, como também foi proibida qualquer menção do tema nas aulas, nos materiais didáticos e paradidáticos, nos debates, nos seminários, nos concursos de redação, etc. Ou seja: estamos, de fato, livres - ao menos juridicamente - desta armadilha satânica.

Contudo, assim como ocorreu no Plano Nacional de Educação, no qual foram inseridos, à revelia do acordado no Senado Federal, os termos referentes a gênero, assim também é comum que, fazendo vista grossa ao que foi determinado, e supondo-se os maiores representantes da democracia e da sociedade esclarecida, as autoridades educacionais voltem a forçar a barra e a incluir a ideologia "por baixo dos panos", o que já é o modus operandi dessa turma. De fato, já há vários livros didáticos que trazem a temática. Portanto, a luta não termina aqui. Ela permanece enquanto vigilância e, quando necessário, luta aberta.

Mas, por ora, estamos felizes porque a luta valeu a pena. Hoje o PME, tal qual aprovado pela Câmara, é enviado para a prefeitura e terá um prazo de quinze dias para a sanção do prefeito. Julgamos que não haverá veto, mas, em havendo, ele volta à casa legislativa do município e, aí, os vereadores poderão derrubar o veto do prefeito desde que dez vereadores estejam de acordo, o que nos parece, também, que, se for o caso, não haverá problemas, uma vez que eles foram unânimes na retirada das menções de gênero.

Agora, nos unimos à luta de Maceió que nesta sexta feira realizará uma audiência pública para o debate do tema. Neste intuito, pedimos orações de todos os amigos. Que, enfim, esta luta chegue a um resultado vitorioso; que Deus cuide das crianças e não permita que ideólogos levianos pervertam a inocência dos infantes.

Fábio

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