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Tradição e Futuro

Não seja um robô ao recitar o Credo! Em Inglês

Cerimônia de União Homoafetiva


Hoje, aqui na cidade de União dos Palmares, efetivou-se a primeira cerimônia de união civil homoafetiva. O povo todo já vinha comentando sobre o referido há dias e nesta manhã, mal eu tinha acordado, já escutava no rádio, num programa que tratava do assunto, as falas de vários palmarinos que telefonavam a fim de defender a decisão, ou criticá-la.

Como já seria de se esperar, as opiniões se dividiam. Os que eram a favor da união geralmente argumentavam apelando para os sentimentos dos dois rapazes: "eles não se gostam? Isso é o que vale"; ajuntando, depois, a frase de que "o que importa é ser feliz". Outros ainda falavam em Deus ou, mais especificamente, em Jesus Cristo, com frases do tipo: "Jesus não ensinou o amor?", etc.

Dentre os que eram contrários à cerimônia, via-se que a imensa maioria era composta de protestantes. Como argumento mais comum, usavam termos do tipo "Deus abomina isso" ou citações da Escritura. Um outro chegou a dizer que se Deus aprovasse tal coisa, teria criado, ao invés de Adão e Eva, Adão e Ivo.

Gracejos à parte, veremos que este tipo de argumentação ajuda muito pouco porque pressupõe verdades que não são aceitas por outros, e terminam abrindo a vala de incompreensão entre crentes e não crentes. Citar as Escrituras só tem valor para cristãos que têm Fé na inerrância bíblica. Mas nem todo mundo é cristão... E nem todo cristão aceita, sem reservas, a Escritura...

O argumento do "Adão e Ivo", embora mais voltado à comicidade, pode sim funcionar como um argumento, mas somente enquanto se aceita ser a humanidade criada por Deus e, como determinante, o fato de Ele ter criado homem e mulher. Tal gracejo, então, esconde um profundo bom senso e é ancorado na evidência empírica, mas, para o nosso tempo subjetivista e míope, isso não é suficiente. Se as coisas bem explicadas são, ainda assim, renegadas, o que se dirá de algo que exija uma certa reflexão?

Em todo caso, como vimos, os argumentos usados contra a união homossexual repousam sobre premissas que são, elas mesmas, postas em cheque pela maioria das pessoas de hoje. Portanto, o cristão que pretenda não apenas polemizar ou simplesmente expôr-se na defesa da sua Fé, deve utilizar-se também de argumentos que possam ser aceitos pelos não cristãos e/ou os "cristãos" relativistas.

Pois bem. Tendo criticado o teor das idéias em defesa da moralidade cristã na referida ocasião, passo à crítica do argumentos usados pelos paladinos da libertinagem sexual.

Quero, primeiramente, afirmar que nada tenho contra as pessoas dos que foram sujeitos da tal cerimônia. Minha exposição aqui faz referência somente ao evento em si e à própria idéia da pretensa legitimidade da união civil homoafetiva.

Quais, foram, então os argumentos usados em favor? Foram dois: o dos sentimentos dos indivíduos e o de que Jesus tinha pregado o amor. Sobre este último - o do amor pregado por Jesus -, qualquer sujeito que tenha uma certa boa vontade haverá de reconhecer que isto não chega a ser um argumento; é, antes, uma apelação. A Sagrada Escritura está cheia de passagens que condenam as relações homossexuais. Sodoma e Gomorra até hoje são cidades conhecidas sobretudo pelas depravações de que eram palco, motivo pelo qual foram sumariamente destruídas. Jesus nunca se opôs às Escrituras; ao contrário, sempre afirmou que nem sequer um jota seria revogado. S. Paulo, um dos maiores divulgadores do Evangelho, também condena com termos severos o que ele chama de "paixões contra a natureza". Disto tudo se conclui que o amor de que Cristo veio falar não se coaduna, de nenhum modo, com os afetos homossexuais. E, dizendo de um modo claro, defender tal hipótese chega a constituir uma ofensa a quem quer que tome o cristianismo a sério, ofensa que, no entanto, costuma ser levada a termo sem hesitação ou maiores considerações. Tal argumento, portanto, não vale e é de se espantar que ele seja, ao menos, usado. 

Vamos, então, à alegação de que os sentimentos podem legitimar a união homoafetiva, pois este é o coração de toda essa discussão. Como se sabe, há a esfera do subjetivo, isto é, dos afetos, sentimentos, intenções, etc, e a esfera do objetivo, daquilo que faz parte do mundo real e que independe das determinações interiores dos sujeitos ou a elas não se submete. Pois bem: por mais importantes que sejam os sentimentos ou vontades pessoais de um indivíduo, elas não podem exigir realização sem que sejam consideradas as possibilidades reais que têm de se efetivar, e isto dentro de uma certa legitimidade objetiva. O que isto quer dizer? É simples: o objetivo deve ter a primazia sobre o subjetivo. Não se trata de aderir somente a um e reputar o segundo ao campo do não-valor, mas de estabelecer uma correta hierarquia. É preciso entender que por mais forte que seja num homem o desejo de voar, nem por isso é legítimo deixar que salte de um precipício motivado por tola esperança; neste caso, tem-se uma impossibilidade objetiva. De outro lado, ainda que um sujeito intente matar um seu conhecido para roubar-lhe um órgão necessário à sua subsistência, nem por isto está liberado para fazê-lo, pois, então, temos não mais uma impossibilidade objetiva, mas uma ilegitimidade moral.

Alguém me objetará: "mas quando houver consenso entre as partes, então haverá legitimidade". Não, pois o que faz a legitimidade não é o mero consenso, como por vezes pensa a nossa querida sociedade. Ainda tomando o último exemplo que usamos, digamos que a vítima permita ser morta para ceder o tal órgão; nem neste caso a situação ganharia licitude. O consenso, portanto, não é suficiente; é preciso que a situação seja objetivamente válida.

Daí que, se o ato homossexual é objetivamente imoral, ele não será tornado moral somente com base nos sentimentos das partes envolvidas.

Mas, continuemos. Peguemos ainda este argumento que afirma serem os tais sentimentos suficientes para garantir a moralidade do ato. O que diríamos, por exemplo, de um adulto que se apaixonasse por uma criança, e vice versa? Neste caso, haveria consenso. Mas seria legítima a consumação da união? Se os sentimentos forem mesmo o determinante, teremos de admitir que sim, que será legitima. Mas todos nós somos capazes, acredito e espero, de dizer que tal conclusão não procede. Logo, os fatores subjetivos não são, assim, tão absolutos.

Continuemos seguindo a "lógica da permissividade" - tão em moda - e critiquemos o tabu segundo o qual um relacionamento deve dar-se somente entre "duas" pessoas, afinal, quem falou que é impossível apaixonar-se em três, ou em quatro, ou em cinco? Alguém dirá que isto vai contra a lei; pois bem, se o argumento dos sentimentos é válido, então diremos que a lei jurídica é, por natureza, anti-humana ou anti-natural, já que contraria um tipo de inclinação natural e legítima no ser humano.

Se dissermos, então, que deveria também ser permitida a consumação de união inter-espécie, isto é, entre seres humanos e animais, quem ousará duvidar da sinceridade do amor entre homens e cães ou gatos? Se o critério maior for, de fato, o subjetivo, deixemos, então, estes seres serem felizes; não lhes barremos, por causa das nossas tolas crendices, o caminho da realização amorosa.

Esta lista de bizarrices poderia ser estendida ao infinito, mas fiquemos por aqui, por amor aos nossos estômagos.

Não se trata de fazer quaisquer ligações - como o pretenderão alguns - entre a união homoafetiva e estas outras práticas. De modo algum. O que estou a fazer é tão somente pegando o argumento usado numa situação específica e mostrando que, com este mesmo argumento, é possível legitimar-se muitas outras coisas estranhas e evidentemente imorais.

No caso das uniões entre adultos e crianças, ainda que ambos defendam estarem apaixonados mutuamente, alguns arguirão que o que impossibilita tal relação é o fato de que, segundo a lei, seja necessário ter atingido a maioridade. Pois bem, vejamos o que é a maioridade. Ela é tão somente a consideração pela madureza psico-física de um sujeito, isto é, um argumento que utiliza critérios totalmente objetivos e que respeitam a natureza das coisas. Se assim é, por quais motivos assombrosos quer-se, agora, abrir mão destes mesmos critérios para legitimar as tais uniões homoafetivas? "Mas como - me perguntarão - argumentas que se está a abrir mão dos aspectos físicos objetivos neste caso, já que ambos são adultos?"

Respondo: os tais aspectos físicos objetivos de que se trata incluem, claro, a idade, mas não só! A fisiologia sexual também deve ser levada em consideração. Se assim não é, qual seria o critério para a divisão, dentre os caracteres físicos, daqueles que determinam a licitude do comportamento sexual e daqueles que não? Por que a idade deve ser levada em conta, mas a genitalidade, não?

O argumento dos sentimentos pode soar bonitinho, à primeira vista, mas não se sustenta. Os afetos só têm valor quando estão em consonância com a objetividade da vida. O sonho de ganhar a São Silvestre num paraplégico pode até ser nobre e enlevá-lo, mas não permite que ele levante de sua cadeira e vença a prova. E mais: se alguém ousa motivá-lo ao disparatado ato, merece antes reprimenda que elogio. 

No caso da união homossexual, é evidente que se está diante de algo que vai contra a natureza. E isto é de uma evidência infinita: o corpo masculino se ordena ao feminino e vice versa. O ânus, como já outras vezes tratei aqui, não é um órgão sexual. A própria natureza testemunha a naturalidade da relação heterossexual com a geração de uma vida. A relação homossexual, por sua vez, não gera nada - é estéril. A insistência numa moralidade do ato homossexual, fundando-se numa supervalorização do aspecto subjetivo dos sujeitos e na abstração da objetividade do real, não se pode caracterizar como maturidade pessoal, mas, antes, como incapacidade de aceitar e, portanto, tentativa de burlar aquilo que a natureza determinou. Alguns românticos, então, me perguntarão com o dedo em riste: "então, queres dizer que é preciso submeter-se à natureza? E a liberdade humana, onde que fica?". Por "liberdade humana", já se entende uma liberdade que está limitada ao campo do humano. Nunca vi nenhum homem ou mulher reclamar da suposta falta de liberdade porque não gosta de comer capim ou porque não possui chifres como os do boi. Seriam, então, tais impossibilidades sinais da nossa inaceitável escravidão? Claro que não. Há uma liberdade real, mas ela se dá dentro da nossa humanidade. Assim também, dentro das possibilidades sexuais legítimas de um homem está o de envolver-se com uma mulher ou o de não envolver-se.

Porém, se ainda assim, alguém deseja contrariar à própria natureza, no fim das contas, ele é dono do seu livre-arbítrio. Todos nós aviltamos a nossa natureza a cada vez que pecamos, e isto não é mero discurso religioso. Porém, que a sociedade esteja de acordo e aprove e celebre tais coisas, é, sem dúvida, estranho. Tudo isto indica que, aos poucos, os homens vão perdendo contato com o mundo real, do qual faz parte também a esfera dos valores, e vão adentrando no campo da invenção pessoal, da soberba que reduz tudo ao estreito tamanho de sua subjetividade onde têm máximo valor os desejos, fantasias e caprichos, e termina-se por se construir algo como um "fantástico mundo de Bob", para o qual tais pessoas pretendem - vãmente - dar total concretude, não obstante as contradições em que tenham de incorrer para tal.

Enfim, reitero que não tenho nada contra os que positivaram juridicamente a sua união. A estes, só desejo que Deus os conduza.

Fábio.

Olet? Cheira?


Jean Lauand

O técnico, o artista, o profissional, são antes de tudo homens.

A tendência, porém - cada vez mais acentuada em nossa sociedade organizada com base na divisão do trabalho - é a de pensarmos que uma ação, por estar classificada como trabalho, seria, por isso mesmo, neutra moralmente. "Eu estou trabalhado", podem dizer o físico ou o químico que inventam uma nova bomba; o jornalista que indevidamente desvenda a intimidade pessoal alheia e a divulga; o médico que pratica um aborto ou, como cinicamente se diz hoje, "interrupção da gravidez".

Tito, herdeiro do Império, censurara o pai, o Imperador Vespasiano, por haver lançado um imposto sobre os mictórios públicos. Quando o Imperador recebeu as primeiras contribuições deu uma moeda ao filho para que a cheirasse, perguntando se fedia: - Olet? (Cheira?) - Não, não cheira. - Pois, é dinheiro das urinas; o dinheiro (e acrescentaríamos hoje: o trabalho), meu filho, não tem cheiro.

A propósito, Pieper lembra que Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz, na sua auto-biografia, apresenta aquele campo de concentração como uma enorme organização, onde a preocupação era cumprir os cronogramas do Ministério de Obras Públicas. Assim, num campo de extermínio, cada um dos "funcionários" podia se considerar cumprindo sua função ("Eu estou só trabalhando!"): um, como "abastecedor de gás"; outro, "transportador de reclusos"; outro, "fechador de janelas"; outro "alavanquista (acionador de alavancas que liberam gás)", etc.

E o inventor da napalm, confrontado com fotos de pessoas queimadas pela sua bomba, declarou que, para ele, seu trabalho era simplesmente científico, uma contribuição para o progresso da ciência...

LAUAND, Jean. Linguagem e Ética; Ensaios. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1989.

Crônica: A Experiência da Cegueira


Josef Pieper

Meditando sobre o andamento do mundo, vem-se a desejar que a verdade pudesse, ainda uma vez, mostrar-se de forma totalmente irrefutável, imponente pela sua própria força arrebatadora.

Mas quão duvidosos são tais desejos (quão sinistras podem ser as formas em que realmente se dão a liberdade e também a fraqueza dos homens) e como a verdade de modo algum "se impõe", tudo isso torna-se manifesto na história que narraremos a seguir.

Nela se descreve uma experiência. Uma experiência que, aliás, não pode ser repetida por todo mundo. Mas, talvez, esse "todo mundo" reconheça que pode muito bem ocorrer uma repetição em qualquer época, de modo igual ou semelhante. Trata-se de uma experiência com a cegueira: um dos protagonistas é um homem cego. Ao final, demonstra-se que também um olho que vê pode estar cego. Aliás, esse tino especial de cegueira é mesmo o tema próprio de nossa história.

Um dos protagonistas é, como dizia, um cego, um homem ainda relativamente jovem. Todos o acolhem, pois ele não sabia fazer outra coisa a não ser ficar sentado na rua pedindo esmola.

Porém, que quer dizer exatamente "todos o conhecem"? Conheciam sim, seu jeito, sua voz e aquele seu rosto um tanto vazio e rígido. Mas seriam capazes de reconhecê-lo em outro ambiente, digamos, no jantar em casa de seus pais com quem mora ou no caminho guiado por um menino? Isto é duvidoso, e esta circunstância terá um certo significado em nossa história.

Para ir direto ao ponto mais importante: aconteceu que, um dia, esse homem, repentinamente, recobrou a visão - não, "recobrou não! mas pela primeira vez pôde ver (pois ele era cego de nascença). O mendigo lavou-se numa água parada e, de repente, ganhou a visão.

Talvez esse lavar-se não tenha sido o decisivo; algo tinha ocorrido antes. E por isso, precisamos falar ainda de um outro personagem principal. Mas esse não pode ser descrito tão facilmente.

O povo andava falando do "homem milagroso", muitos o chamam "o bom" e outros até "o abençoado". Mas isto, para nossa história não é propriamente importante. Mais importante é que ele era suspeito. Suspeito ante quem? E suspeito de quê? Também isto - esta última pergunta - é difícil de responder. Ele era suspeito junto aos detentores do poder. Mas por quê? Bem, isto só eles sabiam. Diziam que ele desprezava as leis e os costumes. Mas claramente não era essa a razão da suspeita, ainda que a conduta daquele homem parecesse a muitos fora do comum, fora da ordem.

Aliás, "suspeita" não é também a palavra certa; o que havia era antes inveja, quase ódio. Os detentores do poder temiam a crescente popularidade do homem dos milagres, sua influência sobre a massa insensata. E isso com razão, se bem que a gente do povo, que não quer cair na antipatia dos poderosos, já começava a acautelar-se em manifestar de maneira demasiadamente clara sua um tanto desorientada admiração por aquele homem, pois não era totalmente isento de perigo fazê-lo. E, por fim, não sabiam realmente a quantas andavam com ele.

O fato é que esse homem - também ele ainda relativamente jovem, pouco mais de trinta anos - tinha-se encontrado com o cego na rua. Deu-se um curto diálogo no qual o mendigo ouviu, misturadas, também, algumas vozes. E, então, o cego sentiu um dedo sobre seus olhos que parecia esfregá-los com uma espécie de pomada. Ao mesmo tempo que uma das vozes lhe dizia que ele devia ir lavar-se naquela piscina. E então, como dissemos, tornou-se capaz de ver. E assim começa a experiência.

***

Dizíamos que com este fato iniciava-se a experiência com a cegueira. No decorrer dessa experiência, mostrar-se-á o que acontece com a irrefutabilidade de um fato límpido.

Já entre os primeiros que viram o mendigo passar pela rua, até mesmo entre seus vizinhos, não foram poucos os que simplesmente questionavam que este homem fosse o mesmo que, desde há anos, tinha estado sentado, cego, na rua.

Alguns afirmavam que sim, que apesar de tudo era ele, inconfundível. Pois não se via no rosto, no cabelo, nos andrajos? Tudo exatamente o mesmo! Outros, porém, teimavam: não, certamente há determinadas semelhanças, mas trata-se de outra pessoa.

Ora, podia-se perguntar a ele mesmo. E sua resposta, naturalmente, foi contar o que tinha ocorrido. Mas, o que sabia ele do ocorrido? Se o "abençoado" neste instante passasse diante dele, o mendigo não o teria reconhecido, pois nem sequer o tinha visto. E assim, à irônica pergunta: "Onde está então o que te curou?", ele teve que responder que não sabia. Não se pode imaginar a envolvente satisfação com que os espíritos críticos constataram o caráter já nem sequer duvidoso do caso: um cego, um sujeito tipo por cego, e, além disso, claramente um marginalizado, pretende ter sido curado por aquele de quem tanto se fala. e então verifica-se que a coisa nem sequer se deu na presença do taumaturgo; o rapaz só ouviu falar dele e absolutamente não o conhece. Não, esta história está muito esquisita, mal arranjada.

***

A experiência continua. Porém, deve-se falar ainda de uma circunstância especial e, na realidade, um tanto desconcertante. O milagroso era tido, como já ficou dito, como um detrator de costumes. E não só havia muitos costumes, mas também cuidava-se com especial rigor de observá-los. Por exemplo, havia dias em que, por motivo algum, se podia sujar as mãos: isso era tido quase como sacrilégio. Ora, por que aquele homem tinha que fazer, precisamente num desses dias, uma suja pomada de cuspe e pó da rua para com ela esfregar os olhos do mendigo? O fato é que o fez e isto basta! E não é surpreendente que, desse modo, aquilo tudo ganhasse o aspecto de provocação pública.

Em todo caso, o mendigo - ainda meio atordoado pelo ocorrido - foi conduzido ante os detentores do poder. E novamente contou de modo breve e já um tanto impaciente o que lhe tinha acontecido.

A partir daí, formaram-se dois partidos entre os poderosos: um, que julgava que o decisivo era o desprezo pelos costumes e, portanto, tinha por impossível a cura, enquanto o outro indagava se alguém capaz de curar um cego pode ser um mau homem. E ele mesmo, o pretensamente curado, que dizia? Bem, ele o considerava um grande homem. Sim, é compreensível. Mas, se ele nem sequer conhecia o seu "grande homem"! O resultado foi que já ninguém mais acreditava no fato. Não era verdade, não podia ser verdade.

***

Mas não haveria nenhum modo de descobrir se o mendigo que costumava ficar sentado na rua aos olhos de todos era o mesmo que este jovem, cujos olhos claramente estavam sãos e que afirmava ter sido cego e subitamente curado? (Talvez até ele nunca tivesse realmente sido cego!). Onde se podia obter informações sobre o que na verdade tinha ocorrido? Bem, se há alguém que pode dizer algo são os pais do homem.

Foram pois trazidos e indagados. Não, não foram simplesmente indagados, foi um autêntico interrogatório. E precisamente isto pôs tudo a perder. Essas pessoas de condição humilde, não acostumadas ao erudito linguajar jurídico ficaram simplesmente com medo. Já tinham ouvido dizer que quem falasse a favor do taumaturgo seria proscrito, o que era algo que não se podia considerar levianamente. E, além disso, que tinham a ver com aquele homem? Absolutamente nada. De modo que simplesmente recusaram-se a informar sobre o assunto. Em todo caso, não negaram que era seu filho e admitiram também que tinha sido cego desde o nascimento, pois isso não poderia ser mal interpretado. Agora, de que modo ele hoje vê - disso, não sabiam nada, absolutamente nada. Ele, aliás, já não é nenhuma criança; e mudo também não é.

***

Mas para que, exatamente, era necessário saber o que os pais pensavam da cura? Se eles não tinham deixado nenhuma dúvida sobre o fato de que este homem, hoje com visão, realmente lhes tinha nascido cego; era seu filho e até ontem cego.

O que então não estava claro? Naturalmente, o que "não estava claro" era como se podia explicar essa cura. Mas que cura tinha havido...

Por isso, convocaram, ainda outra vez, o próprio mendigo a interrogatório. Evidentemente, já não se tratava de ouvir e "entender", mas precisamente de não ouvir, de abafar. Numa palavra: o mendigo devia ser reduzido ao silêncio.

Tal objetivo - como todo mundo sabe - pode ser atingido de diversos modos, ou melhor, pode-se tentar atingir (no caso, não se conseguiria).

"Você não pode - assim disseram os poderosos ao mendigo - você não pode, naturalmente, entender nossas razões, por isso seu erro é compreensível. Mas nós estamos muito bem informados de que você se engana. Seria bom para você considerar isso. E, principalmente, grave na memória uma coisa: quem está dizendo isto a você não é um qualquer, mas somos nós, nós que somos não só os sábios, mas também os poderosos. Então, pense bem, medite com calma e quando você tiver compreendido conte-nos pela última vez: que aconteceu realmente?"

Não é totalmente certo que o mendigo se tivesse apercebido das ameaças que se encerravam nessas palavras: era demasiadamente simples para isso. Mas sentiu-se subitamente enfastiado do palavreado e deixou-se arrastar pela ira. Ajudou-o a isso (por assim dizer) o fato de não ter nenhuma destreza na arte de ter direitos; tudo o que ele tinha "aprendido" era unicamente levar o transeunte a dar esmola, e isto lhe bastava.

Mas, seja como for, o mendigo opôs à intimação dos poderosos uma resposta inesperadamente atrevida, não lhes poupou sequer a marota e irônica pergunta de se por acaso eles também estavam querendo se tornar adeptos do abençoado.

E, em vez de atender-lhes o desejo de uma vez mais contar o ocorrido, começou a demonstrar-lhes que não era ele quem se enganava, mas eles, os poderosos.

Naturalmente, a coisa terminou com a expulsão do mendigo.

***

Mas o mendigo não tinha ainda visto o homem a quem devia a luz dos olhos. E não demorou muito até que se encontrassem. Todas as audiências e também o desfecho do último interrogatório não eram desconhecidos pelo abençoado. E ele, de propósito, fez com que o mendigo inesperadamente deparasse com ele no meio da agitação e barulho do mercado. Falou ao curado e perguntou-lhe de modo totalmente direto se ele cria no homem capaz de fazer coisas sobre-humanas. O indagado, de início, mal se surpreendeu, cansado que estava de perguntas que não levam a nada, e sua resposta foi um tanto evasiva: que lhe mostrassem afinal este homem e então veria o assunto da fé.

Mal, porém, acabava de falar, interrompeu-se e fechou os olhos - num máximo esforço de escutar - fechou os olhos para, nas trevas que lhe eram tão familiares, reconhecer, ou melhor, re-conhecer a voz do outro.

E quando a voz lhe disse: "Este homem está diante de ti" - então, num instante, o mendigo compreendeu tudo. Soube, de um só golpe, que só naquele preciso momento é que tinha realmente começado a ver. E essa felicidade atravessou-o como um raio e lançou-o ao solo, enquanto o abençoado, inclinando-se sobre o que no chão estava prostrado, disse algo muito obscuro a respeito de cegos que vêem e de gente que vê mas é cega.

É quase certo que ninguém ali compreendeu o que ele queria dizer. E quando um dos que por lá estava, um do partido dos poderosos, disse, irônico e ameaçador, que então, segundo isso, eles, os poderosos, seriam também cegos, obteve a resposta de que isto é que era o mal: que eles não eram cegos. Aí já não houve mais ninguém que ainda perguntasse o que isso significava; perguntavam-se se tinha afinal algum significado, se havia, afinal, algo a ser compreendido.

E assim termina a experiência da cegueira.

***

Disse eu que termina a experiência da cegueira? Não, essa seria uma formulação um tanto imprecisa, e até mesmo incorreta. O que terminou foi o relato; a experiência... a experiência continua.

Josef Pieper In: LAUAND, Jean. Linguagem e Ética; Ensaios. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1989.

A Temperança: Defender-se da Autodestruição


Um autor tão moderno como James Joyce, cuja obra principal foi chamada - não sem razão - "missa negra", considerou durante toda a sua vida o ato sexual como algo vergonhoso. Um fato inesperado, mas que só à primeira vista surpreende.

Um significativo contraponto desse fato é que, por um lado, nenhum dos grandes teólogos católicos jamais falou tão negativamente da sexualidade; como também, por outro lado, afirmaram que justamente por ser o sexo uma força natural fundamental do homem, proveniente do ato criador de Deus, uma força necessária e boa, deve também ser controlada pelo homem de modo especial.

E o sentido da quarta virtude cardeal, da Temperantia, é precisamente a realização da ordem interna da pessoa.

Mas tudo isto ainda está formulado de maneira excessivamente inofensiva: ainda nem se manifestou o caráter extra-ordinário, ou melhor, até misterioso da virtude da Temperança: trata-se na verdade de que justamente as forças do ser do homem orientadas por natureza para a autoconservação, aperfeiçoamento e realização, são aquelas mesmas forças que podem também desnaturar-se para a autodestruição. Todas elas e, talvez, somente elas.

A sexualidade é apenas uma dessas forças e é dela que menos se precisa falar especificamente, na medida em que o cristão entenda que a castidade não visa à repressão da força sexual mas a defender-se da autodestruidora perversão dessa força. Como também, naturalmente, nem o prazer nem a reta afirmação de si parecem condenáveis ao cristão; mas - tema também da Temperança - encontrar uma compreensível fundamentação antropológico-ética para o jejum e a abstinência como também para a virtude da humildade, já parece mais difícil.

Pior ainda é que províncias inteiras do reino da força fundamental chamada Temperança se tornaram quase sem nome, no pensamento contemporâneo.

Como expressar, por exemplo, a força da ira, a capacidade de irar-se, que, nos ensinamentos vitais da grande tradição cristã, pertence também aos impulsos fundamentais imprescindíveis do ser humano, e que foi considerada sua real capacidade de resistência? Sem a força para a ira - é o que se diz no pensamento cristão - o homem permaneceria passivo e inerte diante das injustiças que acontecem no dia-a-dia. Mas, ao mesmo tempo, essa mesma força pode, se não é controlada, destruir totalmente a convivência - por exemplo, sob as formas por todos conhecidas, de irreconciliabilidade e amargor, que envenenam o clima de relacionamento com os outros, sobretudo se espicaçadas ideologicamente.

É triste encontrar o reto controle sobre a força da ira, a virtude cristã da mansidão, equivocamente confundida com essa pálida incapacidade para a ira que, como todos sabem, navega sob essa mesma bandeira. Na verdade, "mansidão" no sentido original significa aquela força interior (atualmente incapaz de ser denominada com uma palavra com vida, frescor e vigor) da qual a Escritura diz que é por ela que o homem guarda sua alma (Ecle 10,31)

O mais surpreendente, entretanto - e é algo simplesmente inacreditável - parece-me ser o fato de que uma determinada força fundamental do homem - da qual os Antigos, com justeza, tratam exaustivamente - seja simplesmente silenciada e omitida no pensamento cristão atual sobre a Temperança. E isto, apesar de essa força dizer respeito, mais do que nunca, precisamente à vida dos nossos dias. Refiro-me à ânsia, à concupiscência de ver.

Poder-se-ia, nesse caso, como o fazem os grandes Mestres, antes de mais nada, falar do caso geral de concupiscência do saber; e não é pouco o que haveria aí para dizer. Naturalmente não falaríamos, como os Antigos, dentre as formas de perversão do desejo de saber, de "Magia"; mas a pergunta sobre se não estamos dispostos a pôr em jogo o bem e a integridade da Humanidade pela resolução de um problema científico - ou se até já não o estamos fazendo - bem que pode ser atual.

Mas, permaneçamos no desejo de ver com os próprios olhos, em sentido literal. E isso realmente constitui um dos mais fortes impulsos do homem: "Preferimos o ver a qualquer outra coisa" - é o que se lê já no primeiro capítulo da Metafísica de Aristóteles. Para mostrar até que ponto isso é verdade, não nos custaria muitas palavras; e também não as precisaríamos gastar para evidenciar que a autonomia da vida intelectual se baseia - em boa medida - justamente em assegurar-se da verdade por "ver com os próprios olhos".

Mas, também aqui, claramente vale a complementação: que esta força fundamental necessita de maneira especial de controle, porquanto ela pode, como quase nenhuma outra, degenerar autodestruidoramente. E aqui acontece literalmente que não dispomos de nome nem para a virtude nem para o vício.

Pois se encontramos o descontrole do desejo de ver, nos Antigos, sob o nome de "curiosidade" (curiositas), pensamos antes na perdoável fraqueza da vizinha do que no verdadeiro e profundo mal que a "concupiscência dos olhos", este "ver por ver", pode causar na existência humana. E, quanto ao vocábulo tradicional para o controle do querer ver, studiositas, simplesmente não significa mais nada.

Martin Heidegger designou por "curiosidade" (Neugier) aquilo que realmente queriam dizer os Antigos com curiositas: o que interessa à curiosidade não é a captação da realidade, mas a "possibilidade de abandonar-se ao mundo".

Penso que deveria ser possível mostrar claramente ao contemporâneo crítico da "geração da TV" o perigo - que tão profundamente atinge a existência - e de que estamos aqui tratando: o de perder, no meio do barulho ensurdecedor, ótico e acústico, de vazias baboseiras, a capacidade original de captar a realidade. O controle do "desejo de ver", tão vital hoje como antigamente, poderia alcançar um valor quase salvador na medida em que, por uma ascese do conhecimento, conservássemos aquilo que desde sempre perfaz uma existência humana plena de sentido: ver a realidade criada por Deus tal como ela é, e viver e agir da verdade assim apreendida.

Josef Pieper In: LAUAND, Jean. Linguagem e Ética; Ensaios. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1989.

Fortaleza: O mais fraco resiste


Josef Pieper

Fortaleza, heroísmo, vitória - tais conceitos sempre se pensam juntos. Isto pode não ser errado, mas simplifica demais a situação. Já chama a atenção para esse fato a frase de um dos primeiros escritores da Igreja: "Vencemos quando nos matam". E quando ouvimos um dos grandes mestres do cristianismo medieval dizer que talvez os soldados menos fortes - bem entendido, no sentido da terceira virtude cardeal - sejam os melhores soldados, então a dificuldade do tema se mostra bem surpreendente.

A quem isto não basta, pode considerar ainda a sentença de S. Ambrósio: "A Fortaleza não deve fiar-se de si mesma". Tudo isto como prefácio, para abalar um pouco convicções por demais firmemente estabelecidas.

O núcleo daquilo que verdadeiramente está implicado na virtude da Fortaleza é exposto pela ironia de Bertold Brecht: que ele desconfia quando ouve dizer que um navio precisa de uma tripulação de heróis; pois então se pergunta se algo não estará errado com esse navio, talvez velho ou podre.

Provavelmente, esse moderno autor de peças não imaginava que quinze séculos antes dele alguém já havia dito quase exatamente o mesmo. Este alguém é ninguém menos que S. Agostinho, que, é bem verdade, não fala de um navio mas do mundo como um todo: com o mundo realmente há algo de errado, já que nele há o mal e o mau. E: justamente por isso é necessária a Fortaleza; pelo fato nu e cru de que é preciso existir Fortaleza, atesta-se o poder do mal no mundo.

Dizendo-o de outra maneira: o bem não se impõe por si mesmo, como opinam os liberalismos; para que isto ocorra há necessidade do empenho da pessoa.

Empenhar-se pela realização do bem contra o poder do mal (que poderá também ser sobrepoder): eis aí circunscrito de forma bem completa aquilo que perfaz o ato da virtude da Fortaleza.

"Empenhar-se": com isto não se indica um agir qualquer, mas um agir pelo qual o agente está disposto a sofrer um prejuízo. Com estouvados saltos de esqui ou perigosas escaladas de montanha (com o que, não há muito tempo, se tentou explicar - de modo suficientemente inadequado - a virtude da Fortaleza na televisão alemã) consegue-se perfeitamente não atingir aquilo que é decisivo nessa virtude. Com um tal enfoque, por um lado exige-se demais, se realmente a Fortaleza pertencer aos elementos do "estar-certo" de todo homem (pois como pretender que tais atos sejam realizados pelo "homem comum"?); e, por outro lado, pede-se de menos; dizendo-o mais exatamente: falta seriedade.

Em geral, o ato de virtude é algo totalmente sem brilho: por exemplo, assumir ser publicamente ridicularizado por tomar o partido de uma causa justa.

Mas, quem como empiricamente mais fraco resiste ao poderio do mal, talvez arrisque coisas que tocam já mais perigosamente a existência: a liberdade, a saúde, a vida. Ao final das contas, toda verdadeira Fortaleza baseia-se na disposição para a morte; ou, mais precisamente, na disposição para o testemunho de sangue. O verdadeiro símbolo da Fortaleza é o mártir. Mas, a ausência de brilho permanece, através de todos os graus de realização, como uma característica praticamente distintiva: nada se diz de ousadia, de risco, nem de "empenho heróico" (aliás, quando disto se fala já se trata, quase com certeza, de um sinal de que nem existe a situação que exigiria autêntica Fortaleza).

E precisamente ao extremo teste da virtude, o próprio martírio costuma faltar completamente o brilho do "heróico". A ousadia, a disposição de partir para a luta, o espírito vital de ataque  do primeiro momento desvaneceram-se, e a dúvida talvez esteja penetrando até à própria consciência - a tal ponto que o sacrificado, quando, digamos, a porta da masmorra fechou-se definitivamente, é assaltado pela pergunta de se, afinal, não seria ele o idiota. DO mártir, afinal de contas, se fala só post festum; as coroas de flores da veneração só vêm depois. Antes, na própria consumação do martírio, nada há senão um prisioneiro, um solitário, um objeto de riso e, sobretudo, um emudecido.

Só lhe fica então a paciência que, ao longo de toda a tradição espiritual, tem sido considerada parte elementar da Fortaleza. Hildegard von Bingen chama à paciência coluna "que por nada se deixa amolecer".

E nós, tarde nascidos, começamos a perceber porque os antigos consideravam como a parte essencial da Fortaleza o resistir, e não o atacar.

Josef Pieper In: LAUAND, Jean. Linguagem e Ética; Ensaios. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1989.

A Justiça: Dar o que é devido


Josef Pieper

Quem hoje pensa em "Justiça", sobretudo se é jovem, logo se lembrará do estribilho "sociedade"; a sociedade parece-lhe a injustiça encarnada, com o que, talvez, não deixe de ter razão. No entanto, deve deixar-se lembrar que estamos agora falando da Justiça como virtude, portanto de uma atitude que só pode ser exigida da pessoa singular e por ela realizada.

A Justiça já foi chamada também "arte de conviver"; uma formulação que por sua vez pode também ser mal-interpretada: como se não se tratasse de nada mais do que arranjar-se com os outros. Não é isso no entanto o que se quer dizer; mas, mais propriamente, um conviver em que cada um recebe o que lhe é devido: "A cada um o que é seu" (como diz a antiga sentença).

Exatamente isto - assim o tem afirmado o clássico pensamento ocidental desde os antigos gregos até as encíclicas sociais dos papas - exatamente isto é a Justiça: a vontade constante de dar a cada um, com quem nos relacionamos, aquilo que lhe é devido.

A Justiça é pois, como vemos, algo que está em segundo lugar: ela pressupõe algo diferente de si mesma: a saber, que haja alguém a quem algo é devido e que aquele que é convidado a exercer a Justiça aceite esse "dever".

Agora, quanto à pergunta sobre se e por que razão algo é devido ao outro (e, naturalmente, também a mim), e sobre o que se lhe deve dar ou conceder - esta pergunta não é facilmente respondida. Que ao trabalhador é devido o justo salário, ainda é o mais fácil de evidenciar. Ainda que na época dos campos de trabalhos forçados isto não seja tão evidente quanto parece.

No que deve residir então a causa de que a todo aquele que porta uma face humana, simplesmente pelo seu ser-homem, inalienavelmente algo lhe seja devido? Por exemplo, que sua honra como pessoa seja respeitada. O conceito de pessoa, de fato, é aqui decisivo - enquanto se compreende "pessoa" como um ente que existe para seu próprio aperfeiçoamento e realização. Mesmo assim, em caso de conflito, ao se chegar aos extremos, não basta retroceder ao mero ser-pessoa (como supunham alguns filósofos idealistas). É necessário nesses casos, poder colocar em jogo uma instância absoluta, mais além de qualquer instância humana, ou, dito de outro modo: o outro deve ser-me intocável por eu o ver como ente criado por Deus como pessoa.

Não se pense ser esta uma concepção especificamente cristã ou teológica. Foi um chinês confuciano quem declarou, - aos seus, presumivelmente atônitos, colegas da comissão da UNESCO para a reformulação dos direitos humanos -, que lhe havia sido transmitido por tradição, como fundamento dos direitos humanos, que: "O Céu ama o povo e o que exerce o poder deve obedecer ao Céu". E Emanual Kant - que não era lá propriamente um teólogo cristão - diz: "Temos um santo regedor e o que ele deu ao homem de sagrado é o direito dos homens".

Garantir e proteger esse direito é o sentido intrínseco do Poder. E quer se trate do poder político ou da autoridade em círculos menores (família, unidade militar, empresa) sempre vale: quando o poder não cuida da Justiça, ocorre invariavelmente a injustiça, e não há injustiça mais desesperadora no mundo dos homens do que o uso injusto do poder. E, no entanto - e é uma idéia tão desagradável -, poder do que não se pode abusar, no fundo não é poder...


Mas, aquele que se aprofunda mais, deparará com uma nova complicação, ainda mais radical, no tema da Justiça. Pois o mundo dos homens está feito de maneira tal que, em alguns casos determinados e altamente significativos, é impossível dar de fato ao outro aquilo que - sem sombra de dúvida - lhe é devido. Os antigos pensavam aqui, antes de mais nada, nas relações com Deus; a Ele não podemos, na verdade, dizer nem a respeito de um instante sequer: "Já te dei o que te devia, agora estamos quites".

Por isso, os grandes mestres do cristianismo afirmavam que, dada a incapacidade da Justiça, ao invés de Justiça, no caso das relações com Deus, deveria entrar como substituto, como Ersatz, a modo de recurso improvisado, a religio; entrega, adoração, disposição para o sacrifício, atitude de reparação.

Mas também no âmbito do convívio humano há dívidas que por natureza não podem ser realmente pagas e quitadas. Também à minha mãe, aos meus professores, aos justos administradores das funções públicas não posso, em sentido estrito, restituir na medida em que lhes devo; se olharmos exatamente nem sequer sou capaz de "pagar", de tal maneira  que recebam tudo o que lhes devo, a amabilidade de um garçom ou a lealdade de uma empregada doméstica.

E assim deve - quando os casos são como devem ser - novamente entrar no lugar da Justiça (impossibilitada de realizar-se), outra coisa: piedade. A atitude de honrá-los e o respeito (não realizado apenas interiormente) que diz: devo-te algo que não posso pagar, e manifesto que estou consciente disso através dessas atitudes.

Quando nos sabemos assim agraciados e endividados diante de Deus e dos homens, não colocamos tão facilmente nossa vida em atitude de reivindicações pela pergunta: "O que me é devido?"

Josef Pieper In: LAUAND, Jean. Linguagem e Ética; Ensaios. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1989.

História de S. João da Cruz em Cordel


Recomendo o download. História de S. João da Cruz em Cordel, disponibilizada pelo Alexandria Católica. Para ir ao blog, clique na imagem.

A Prudência: Ver Aquilo que É


Josef Pieper

Se perguntarmos, então, sóbria e objetivamente, o que se pode exigir e esperar em termos de "ser-bom" do homem comum - e, portanto, de cada um de nós -, logo pede a palavra a antiga sabedoria que fala do espectro de quatro cores em que se desdobra a luz da perfeição. É a doutrina das "Virtudes Cardeais": Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança. O termo latino cardo significa gonzo, que abre o portal da vida.

Esses quatro nomes certamente já foram ouvidos muitas vezes, sem que se significado fosse levado a sério. No momento, porém, em que isto se faça, a situação torna-se complicada. Por exemplo: como pode a Prudência ser virtude? - é o que já à primeira vista cabe perguntar. E a compreensão tornar-se-á ainda mais difícil quando nos disserem que a seqüência não é casual, mas obedece a um significado e a uma hierarquia: à Prudência, cabe, portanto, o primeiro e mais elevado posto. E mais ainda, tal formulação nem ao menos é precisa; a rigor, a Prudência não ocuparia um lugar como elo dessa série: ela não é algo assim como a irmã das outras virtudes; ela é sua mãe e já foi designada literalmente como "genitora das virtudes" (genitrix virtutum).

Desse modo, ninguém poderia - e, por estranho que possa parecer, de fato é a assim - praticar a Justiça, a Fortaleza ou a Temperança a não ser que seja ao mesmo tempo prudente. Ao mesmo tempo e até antes.

Pelo uso comum da linguagem e pelos hábitos de pensamento temos alguma dificuldade não só para concordar com o acima afirmado, mas até para entendê-lo. Pois não dizemos na língua alemã que é "prudente" (klug em alemão significa prudente e esperto) quem é esperto e com ágil inteligência logo percebe como levar vantagem? E não dizemos que Fulano ou Sicrano é "prudente demais" e, portanto, não defende com determinação e coragem suas convicções? Tudo isto, sem dúvida, é certo. No entanto, devemos esquecer estes casos, deixá-los de lado e lembrar-nos de outras situações que nos são igualmente familiares - por exemplo, de que, digamos, em caso de conflito, ninguém pode tomar uma decisão justa se não conhece a realidade: como são as coisas e em que pé estão. O mais puro desejo de Justiça, a "melhor das boas vontades", a "boa intenção" - tudo isto não basta. Antes, a realização do bem concreto pressupõe o conhecimento da realidade.

Isso se pode exprimir também do seguinte modo: o agir humano é bom e ordenado quando procede da verdade, que afinal de contas nada mais é que o vir-a-encarar a realidade. E precisamente este é o sentido da prudência e de sua posição privilegiada: que - tanto quanto possível - vejamos a realidade, que eu veja como realmente são os elementos que compõem a situação que exige de mim uma decisão.

Este "ver as coisas", entretanto, não é de modo algum assunto acessório, que se possa considerar com ligeireza. Além do mais, a capacidade de "ver a realidade" é ameaçada de diversas maneiras. Pois não se trata  de uma neutra contemplação da natureza, mas da incorruptível "busca da verdade" a respeito de situações nas quais costumam estar fortemente envolvidos fatores de interesse. O que importa, portanto, é fazer calar nosso interesse - e, talvez também, ouvir o outro, possivelmente oponente. Quem não consegue isto, ou a isto não está disposto, jamais chegará a ver a realidade como ela é.

Mas isso é apenas o começo e a primeira metade da Prudência. A outra, bem mais difícil, consiste em transformar aquilo que foi visto, a verdade das coisas, em diretriz do próprio querer e agir. Só então se perfaz a virtude da Prudência, que com razão foi definida como sendo "a arte de decidir-se corretamente".

Só quem domina esta arte pode ser considerado como um homem moralmente maior, adulto. Para ele foi cunhada a palavra da Sagrada Escritura: "Se o teu olho é simples (simplex), então todo teu corpo estará na luz" (Mt 6,22)

Josef Pieper In: LAUAND, Jean. Linguagem e Ética; Ensaios. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1989.

A Virtude como "Ultimum Potentiae" - Josef Pieper


Josef Pieper

O último grande mestre da cristandade ocidental ainda unificada, Tomás de Aquino, designou a virtude humana como "ultimum potentiae", ou, em linguagem de hoje, o máximo daquilo que uma pessoa pode ser.

É evidente que a concepção expressa nessa breve sentença nem sequer permite o aparecimento das famigeradas deformações que, de diversos modos, costumamos associar à palavra virtude. Nem vale a pena falar muito a respeito delas. O que sim vale a pena é procurar compreender de forma mais exata alguns elementos que a definição de Tomás traz consigo e, à primeira vista, talvez também esconda consigo.

Quem, por exemplo, fala do ultimum e, portanto, do máximo, já pensou ao mesmo tempo que há também um penúltimo e um primeiro. Com isso, afirma-se também algo a respeito do homem: que a sua vida quotidiana se situa em meio a esses diferentes graus de realização, procurando, é certo, o máximo do poder ser, mas não necessariamente atingindo-o. Que o ser humano é, no seu núcleo mais profundo, um ser-que-se-torna; em todo caso, não é meramente um ser conformado desta ou daquela maneira, não é algo pura e estaticamente existente mas sim sujeito do acontecer, realidade dinâmica, como aliás todo o Cosmos.

Naturalmente, isto não é uma concepção especificamente cristã. O poeta grego Píndaro já há mais de dois mil anos formulou-a na famosa frase: "Torna-te aquilo que és" - com o que, na realidade, se diz, (e parece tão estranho) que nós ainda não somos o que entretanto somos. Disto também está convencida a sabedoria teológica do cristianismo, quando reconhece verdadeira virtude somente naquele que realiza o máximo do que lhe é possível ser.

Já algo especificamente cristão se encontra na resposta à pergunta sobre como se deveria pensar o primeiro começo desse processo de auto-realização: assume-se claramente que o início já vem dado previamente. O homem - quando com liberdade faz o bem - não está pondo os pés pela primeira vez num caminho ainda não trilhado ou sequer aberto; o agir moral (isto é, todo agir humano baseado em decisão e responsabilidade) vem a ser antes uma continuação, um levar adiante pelo caminho algo já começado e que se encontra em processo.

Muito antes de se decidir livremente, já há algo que orienta o homem para seu alvo; como uma seta disparada ele já está a caminho. A Teologia fala aqui de um querer natural, de um impulso que nos é inerente por natureza e que seguimos quando fazemos o bem. No entanto, essa afirmação a respeito da natureza humana e do querer natural é apenas algo precário e, por assim dizer, provisório. Somente a compreendemos bem, quando entendemos "natureza humana" como aquilo que o homem é em função da Criação. No ato de Criação, foi o homem posto por Deus a caminho, num caminho ao final do qual está aquele máximo que pode chamar-se, em sentido pleno, Virtude: a realização do projeto divino incorporado à criatura.

Quem pensa nisto consegue entrever a exigência quase inatingível que reside no conceito de virtude. E, talvez, torne-se-lhe claro, de repente, aquela certeira sentença um tanto enigmática do Novo Testamento: "Ninguém é bom senão só Deus" (Mc 10,18).

Joseph Pieper In: LAUAND, Jean. Linguagem e Ética; Ensaios. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1989.

Recomendação do texto: "É melhor a "dádiva" da ignorância ou a "dor" da consciência?"


Pessoal, quero recomendar a leitura deste excelente texto, do amigo André Brandalise, no qual ele nos conta o seu processo pessoal e gradativo de conversão, conhecimento e aprofundamento sobre a Sagrada Liturgia. Com linguagem muito amigável e sem pretender ferir susceptibilidades alheias, o texto é especialmente voltado aos que lidam com este assunto e, sobretudo, aos que ainda discordam do pretenso "legalismo" destes católicos tradicionais tão chatos! ^^

Enfim, leiam. Grande abraço.

A Lei da Superabundância - Joseph Ratzinger


“Porque eu vos digo: se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no reino do Céu (Mt 5, 20). A palavra-chave deste versículo é “superar”. O texto original grego é ainda mais forte, tornando evidente a intenção original. Traduzido ao pé da letra, diz: “se a vossa virtude não for mais superabundante do que a dos doutores da Lei e dos fariseus [...].” Deparamo-nos assim com um tema fundamental que atravessa toda a mensagem de Cristo. Cristo é o ser humano que não faz contas, mas que faz o que é gratuito. Ele é precisamente aquele que ama sem perguntar até onde é que ainda pode ir, de modo a permanecer dentro dos limites dos pecados admissíveis, sem ultrapassar a fronteira dos pecados mortais. Pelo contrário, Cristo é aquele que procura simplesmente o bem, sem qualquer tipo de cálculos.

Aquele que se limita, pura e simplesmente, a ser decente, que só se preocupa em fazer o que está correto, esse é o fariseu; só aquele que não se limita, pura e simplesmente, a ser decente começa a ser Cristo. O que não significa, de modo algum, que um cristão seja uma pessoa que nunca faz nada de errado e que não tem qualquer defeito. Pelo contrário: ele é aquele que sabe que tem defeitos, e que é generoso para com Deus e para com os homens, porque sabe o quanto depende da generosidade de Deus e dos seus semelhantes humanos.

[...] Mas se observarmos com mais atenção, depressa concluímos que a estrutura fundamental que descobrimos ao fazer nossas reflexões sobre a superabundância caracteriza toda a história de Deus com os homens. Sim, e que, além disso, ela já é, por assim dizer, a marca d’água da criação: o milagre de Caná, o milagre da multiplicação dos pães, todos eles são sinais da superabundância de generosidade que é essencial à forma de agir de Deus; aquela forma de agir que, na altura da criação, desperdiça milhões de germes para salvar um ser vivo. Aquela forma de agir que desperdiça todo um universo para criar na Terra um lugar para este ser humano tão misterioso. Aquela forma de agir que, num último desperdício, absolutamente inaudito, se oferece a si própria para redimir os “caniços pensantes”, os seres humanos, a para os conduzir ao seu destino. Este último acontecimento, absolutamente inaudito, vai sempre escapar à compreensão calculista do pensador meticuloso. Na verdade, só pode ser entendido à luz da loucura de um amor que baralha todo e qualquer cálculo, e que não recua perante qualquer desperdício. E, no entanto, mais uma vez, não é mais do que o desfecho coerente daquele desperdício que é, em toda a parte e por assim dizer, o sinal de propriedade do Criador e que, agora, também se deve transformar em lei fundamental da nossa própria existência perante Deus e os homens.

Mas voltemos um pouco atrás. Afirmamos que, com base nesta percepção (que, por sua vez, é apenas uma utilização do princípio do “amor”), se tornou visível não só a estrutura tanto da criação, como da História Sagrada, mas também o significado da exigência que Jesus nos faz, tal como nos é apresentada no Sermão da Montanha. Claro que começa logo por ser uma grande ajuda saber que esse Sermão não deve ser entendido como uma obrigação, como um grupo de leis. Instruções como “se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. E se alguém quiser litigar contigo para te tirar a túnica, dá-lhe também a capa” (Mt 5,39-40), não são artigos de uma lei que tenhamos de cumprir à letra, como decretos isolados. Não são artigos, mas exemplos e imagens evidentes que, no seu conjunto, pretendem indicar uma direção. Mas isso não é suficiente para se alcançar uma compreensão verdadeira. Para a conseguirmos, temos de chegar ainda mais a fundo, e de concluir que, por um lado, não basta uma interpretação meramente moral do Sermão da Montanha, à luz da qual tudo o que nele foi dito é tido como um mandamento cujo incumprimento nos conduz ao inferno: encarado desta maneira, em vez de nos erguer, o Sermão aniquilar-nos-ia. 

Mas, por outro lado, também não é suficiente a interpretação meramente piedosa que afirma que este Sermão só mostra o quão insignificantes são todas as nossas ações e formas de agir humanas; que só torna evidente que nós não corrigimos nada e que tudo não passa de graça. O texto só torna evidente que, na noite dos pecados dos homens, todas as diferenças são insignificantes, e que, seja como for, ninguém tem de reclamar, porque todos merecem a condenação e só podem ser redimidos pela misericórdia. 

É certo que o texto faz com que tomemos consciência, de forma assustadoramente clara, da necessidade que temos de misericórdia; ele mostra quão poucas razões qualquer pessoa tem para se vangloriar e se considerar justa e se julgar melhor do que os pecadores. O texto pretende, todavia, ir ainda mais longe. Não nos quer colocar sob o ferro do tribunal e do perdão, pois isso faria com que todas as formas de agir humanas fossem indiferentes. Ele também tem por objetivo dar-nos uma orientação para a nossa existência. Quer orientar-nos para aquele “mais”, aquela superabundância e aquela generosidade; o que não significa que, de repente, nos transformemos em “pessoas perfeitas”, sem qualquer defeito, mas que devemos procurar a postura do amante que não faz contas, que se limita simplesmente a amar.

De tudo isto faz também parte o enquadramento cristológico muito concreto do Sermão da Montanha. O incitamento ao “mais” não provém, simplesmente, da distância da majestade eterna de Deus, provém da boca do Senhor, no qual o próprio Deus se ofereceu à miséria da história da humanidade. O próprio Deus vive e age sob a lei fundamental da superabundância, sob a lei daquele amor cuja dádiva não pode ser senão dar-se a si próprio. É cristão quem tem o amor. Esta é a resposta simples à pergunta sobre o caráter do cristianismo, à pergunta com que, no fim, nos voltamos a defrontar, e que, quando devidamente entendida, engloba tudo.

Joseph Ratzinger, Do Sentido de Ser Cristão, A Lei da Superabundância.

Lane Craig responde a bobagens ateísticas

Parabéns, Santidade! Mais uma Vez ^^


'A primeira coisa a atrair-me no catolicismo" Chesterton


"Creio poder assegurar que a primeira coisa a atrair-me no catolicismo foi, em verdade, o que devia ter-me afastado dele [...]. Recordo especialmente os casos em que as inculpações de dois autores sérios fizeram que me parecesse desejável precisamente o condenado. No primeiro, mencionavam [...] com tremor e estremecimento, uma espantosa blasfêmia que tinham encontrado num místico católico a falar da Santíssima Virgem: 'Todas as demais criaturas devem tudo a Deus, mas a ela Deus mesmo tem de estar agradecido'. Eu, pelo contrário, estremeci como se ouvisse um alto som de trombeta e disse quase em voz alta: 'Que magnífico é isto!' Pareceu-me como se o milagre da encarnação [...] mal se pudesse expressar melhor nem mais claramente."

G.K. Chesterton, Sto Tomás de Aquino.

Lefebvrianos, a resposta positiva chegou. Deo Gratias!

O superior da Fraternidade São Pio X subscreveu o preâmbulo doutrinal proposto pela Santa Sé, embora com algumas leve mudanças.


Andrea Tornielli – Cidade do Vaticano | Tradução: Giulia d’Amore.

A resposta da Fraternidade São Pio X chegou ao Vaticano e é positiva: de acordo com as indiscrições recolhidas por Vatican Insider, o superior dos lefebvrianos, o bispo Bernard Fellay, teria assinado o preâmbulo doutrinal que a Santa Sé havia proposto em setembro passado, como condição para chegar à plena comunhão e ao enquadramento canônico.

Um confirmação oficial da resposta positiva deverá chegar nas próximas horas. Pelo que se sabe, o texto do preâmbulo enviado por Fellay propõe algumas alterações não substanciais em relação à versão entregue pelas autoridades vaticanas: como se lembrarão, a mesma Comissão Ecclesia Dei não quis tornar público o documento (duas páginas, bastante densas), justamente porque havia a possibilidade de introduzir eventuais pequenas alterações, que não mudariam o sentido.

Em essência, o preâmbulo contém a “professio fidei,” a profissão de fé exigida por aqueles que assumem um ofício eclesiástico. Então, estabelece que deve ser dado “um religioso obséquio da vontade e da inteligência” aos ensinamentos que o Papa e o colégio dos bispos “propõem, quando exercem o seu magistério autêntico”, mesmo que não sejam proclamados e definidos em modo dogmático, como no caso da maioria dos documentos do Magistério. A Santa Sé tem repetidamente dito aos seus interlocutores da Fraternidade São Pio X que assinar o preâmbulo doutrinal não significaria colocar um fim à “legítima discussão, ao estudo e à explicação teológica das expressões ou declarações individuais constantes dos documentos do Concílio Vaticano II”.

Agora, o texto do preâmbulo com as alterações propostas por Fellay, e por ele assinado como superior da Fraternidade São Pio X, será submetido a Bento XVI, que, no dia seguinte ao octogésimo quinto aniversário e na véspera do sétimo aniversário da eleição, recebe uma resposta positiva dos lefebvrianos. Uma resposta muito aguardada e desejada por ele, que, nas próximas semanas, colocará fim à ferida aberta em 1988, com as ordenações episcopais ilegítimas celebradas pelo arcebispo Marcel Lefebvre.

Não está excluído que a resposta de Fellay seja examinada pelos cardeais da Congregação para a Doutrina da Fé, na próxima reunião da “Feria quarta”, que deverá ser realizada na primeira metade de maio. Enquanto a acomodação canônica deverá demorar mais algumas semanas: a proposta mais provável é a de instituir uma “prelazia pessoal”, figura judicial introduzida no Código de Direito Canónico em 1983 e até agora só utilizada pela Opus Dei. O prelado depende diretamente da Santa Sé. A Fraternidade São Pio X continuará a celebrar a Missa segundo o Missal antigo, e a formar os seus padres em seus seminários.

Catolicismo X "Cristianismo" Meramente Moral

Ser "bonzinho", educado, tolerante... suficiente?

Dia a dia, é comum que os católicos se deparem com certas críticas à sua religião ou ao seu modo de entender a religião. Dentre as inúmeras ressalvas que outros costumam fazer, está a de que a religião deveria nos tornar pessoas mais tolerantes e mais gentis, ao contrário do que acontece com certos meios tradicionais em que se notam grupos de sujeitos irredutíveis e de resposta rápida e um tanto ríspida quando o assunto diz respeito à sua Fé ou Moral.

Por causa disso, não poucas pessoas, até sinceras e bem intencionadas, ficam um tanto confusas e lhes parece estarem assistindo a qualquer coisa de contraditória e avessa ao que seja o cristianismo. Esta impressão negativa tende a despertar neles uma reação de repúdio e, então, alguns passam a julgar terem visto claros sinais de hipocrisia. Mas.. será possível que estes sujeitos - os católicos - sejam todos assim tão superficiais ao ponto de sequer entenderem direito o Evangelho de Jesus, que prega a mansidão, o amor, a fraternidade, etc, etc..., eles que vivem tanto na Igreja?

Primeiro, convém iniciar a tentativa de resolução deste problema dizendo que o que, na verdade, difere os dois grupos - o de católicos e o de observadores espantados - é a concepção do que seja o Cristianismo ou de Quem seja Jesus. É natural que, enquanto homens, ajamos segundo as nossas concepções. A ação sempre segue a compreensão. Se algumas pessoas julgam que ser cristão é tão somente ser bonzinho e educado, isto se dá porque elas aderiram a uma certa compreensão do cristianismo. Cumpre, porém, pesquisar se tal concepção seja a correta.

Primeiramente, mostremos que, por trás das pretensões aparentemente modestas dos que tendem a reduzir o Cristianismo a um moralismo agradável a todos, existe, na verdade, um senso de auto-suficiência e um orgulho disfarçado. E por quê? Vejamos.

O catolicismo tradicional - que, convenhamos, é o único sustentável, por razões infinitamente lógicas e evidentes - só pode ser compreensível se for observado no contexto do sobrenatural, da presença constante de algo sobre-humano, supra-natural. Há um contínuo influxo da Graça divina sobre a Igreja e é isto o que permite que os homens possam efetivamente caminhar rumo à santidade, fazendo atos sobrenaturais e, por recorrerem continuamente aos sacramentos como à Fonte de toda e qualquer virtude, é-lhes possível anelar à perfeição sem soberba, pois sabem que ela só se atinge porque Deus lha concede. "Senhor meu, como a Ti elevará o homem que criaste se Tu não o levantares?", já dizia S. João da Cruz. Isto tudo significa que um autêntico catolicismo só se torna praticável a partir de um senso agudo da nossa própria fraqueza e da necessidade absoluta que temos de um auxílio constante de um Outro, detentor exclusivo da bondade, para que os nossos atos sejam, de fato, algo bons. "Só Deus é bom". Tudo isto quer apenas significar que a humildade ou a pobreza interior é um dos primeiros pressupostos do cristianismo real. É o "sem Mim nada podeis fazer" visto de um modo claro e levado a sério.

Se é necessário esta contínua intervenção do sagrado na vida católica, torna-se, também, possível e efetivo um conhecimento íntimo deste Interventor. Se estamos incessantemente a Ele recorrendo, nada mais natural que O venhamos a conhecer gradativamente, na proporção da nossa busca e na generosidade da nossa entrega. Isto significa que, conforme O conheçamos, conheceremos a Verdade, pois Ele é a verdade. E é a verdade o que fundamenta todo e qualquer valor. De nada vale eu fazer campanhas e me doar e me cansar e me desgastar no intuito de promover uma ilusão. De nada vale eu aplicar à minha própria vida o meu conceito de virtude se, objetivamente, a virtude real não se afina com esta minha concepção. E o mais fácil, hoje em dia, é que vivamos segundo as nossas suposições mui subjetivas e que surgem, quase sempre, de movimentos da alma em função dos nossos próprios interesses.

Os que pregam ser o cristianismo apenas um caminho gradativo para se tornar cada vez mais agradável e aceitável às pessoas estão, primeiramente, fazendo uma abstração do próprio Cristo, reduzindo-O a um mero exemplo; um dentre outros tantos, como Ghandi, Buddha, etc, etc. Jesus deixa de ter uma influência efetiva sobre a vida do sujeito ou, se continua a ter, esta se reduz apenas a certos apoios morais ou a certas inspirações sentimentais e auto-afirmativas; qualquer coisa de muito genérico. Além disto, se ser cristão fosse somente desenvolver algumas virtudes morais, teria sido realmente necessário que Ele morresse por nós? Não existiram homens, desde o início do mundo, que eram capazes de nos espantar por sua eminente integridade de vida? Tode este equívoco somente advoga em favor de uma auto-suficiência humana, pois ser educado está ao meu alcance. Cumprimentar a todos e respeitar todas as diferenças sem complicar a minha vida na defesa de algo absoluto e exclusivo é o que há de mais fácil. Passar a vida assim, escorregando aqui e ali, conforme as conveniências, e ainda vender a imagem de ser um sujeito mente aberta e respeitoso de todas as diferenças é, convenhamos, muito confortável. Não preciso ser católico para fazer isto. Basta-me aderir a qualquer coisa que absolutize a ética, ou a qualquer movimento romântico demagógico moderno, existente aos montes por aí, cujo discurso esteja cheio de lugares comuns e faça corar pela mediocridade.

Os católicos sabem que tudo isto existe. Porém, sabem também que nada disso vale. E mais: sabem que, sem Deus, sequer são capazes de um ato verdadeiramente generoso, desprendido e honesto. Encenar é-nos possível, mas não nos é permitido e nem nos interessa. Temos sede da verdade e é a Ela que acorremos. Não é que n'Ele nos escoremos como que para completar o que já fazíamos de bom; é que, sem Ele, não há bondade possível; não existe bondade alternativa e, portanto, a verdadeira fonte de toda e qualquer virtude é Ele. Tudo, por isso, deve estar submetido à Verdade. E isto não é tão difícil de notar. Se perguntarmos a alguém: "o que é preferível? Ser bom ou ser ruim?", por certo, uma pessoa honesta dirá: "ser bom". Então, poderíamos retrucar: "é verdade que ser bom é preferível?". O que fizemos aqui foi somente mostrar que, qualquer que seja a afirmação, ela pretende ser verdade e não teria valor se estivesse dissociada da verdade. Portanto, não é capricho dos cristãos esse apego extremo à verdade; é que eles sabem que, por mais agradável que seja o que quer que seja a quem quer que seja, nada tem valor se é falso.

Humildade e verdade são, pois, os grandes pressupostos do Cristianismo. Conviria, então, saber o que são, de fato, a humildade e a Verdade. Não será pretensioso que os cristãos se afirmem de posse da Verdade absoluta?  Será possível conhecer esta Verdade absoluta? Será, ainda, compatível com a humildade esta certa atitude de altivez e excessiva segurança com que eles, os cristãos, partem em defesa do que crêem? Tentarei responder isto num próximo artigo.

Feliz Aniversário, Santidade! Viva o Papa!


Neste dia em que Sua Santidade, o Papa Bento XVI, Sumo Pontífice da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, completa mais um ano de vida, queremos também nós render-lhe a nossa modesta homenagem e rogar a Deus que lhe conceda ainda muitos anos de vida, desta vida que tem sido um presente para todos. Na verdade, muitos são os que o difamam e atacam; porém, é fato que ele é um grande homem, um sujeito de fibra, um magistral filósofo e teólogo. Além disso, como dizia Sta Catarina de Sena, o Papa é a doce sombra de Cristo na terra; ele é ainda a pedra escolhida por Nosso Senhor para sustentar a Santa Igreja e para conduzi-la nestes tempos difíceis. Há muitos, no entanto, que cometem a temeridade de fazer uma espécie de livre exame de cada ato do Santo Padre. Se ele não corresponde às expectativas ou aos acentos místicos ou teológicos que um ou outro dão, já veem nisso um motivo para lhe lançar pedradas. E tudo isto em nome do catolicismo quando, na verdade, é o respeito pelo Santo Padre a verdadeira herança dos santos e doutores da Igreja. 

Enfim, neste dia feliz, em plena Páscoa, o nosso coração se alegra por tê-lo conosco. Rogamos a Deus que lhe dê forças e coragem ainda por muito tempo. Reforçamos, aqui, nossa submissão ao sucessor de Pedro, gloriosamente reinante, e proclamamos juntamente com S. Josemaria Escrivá: Os três amores da nossa vida são Nosso Senhor, a Virgem Santíssima e o Papa. 

Viva Bento XVI! 



Deixo-vos com Sua Santidade: 

***

“Conhecendo um pouco da história dos santos, sabendo que nos processos de canonização se procura a virtude “heroica”, podemos, quase inevitavelmente, formar um conceito equivocado da santidade porque tendemos a pensar: “Isso não é para mim”, “eu não me sinto capaz de praticar virtudes heroicas”, “é um ideal alto demais para mim”... Nesse caso, a santidade estaria reservada a alguns “grandes” cujas imagens vemos nos altares e que são muito diferentes de nós, pecadores comuns. No entanto, seria uma ideia totalmente errada da santidade [...]. 

Virtude heroica não quer dizer que o santo seja uma espécie de “atleta” da santidade, que consegue fazer uns exercícios inexequíveis para as pessoas normais. Quer dizer, pelo contrário, que na vida de um homem se revela a presença de Deus, e se torna mais patente tudo aquilo que o homem não é capaz de fazer por si mesmo. No fundo, talvez se trate de uma questão terminológica, porque o adjetivo “heroico” foi com frequência mal interpretado. Virtude heroica não significa propriamente que alguém faz coisas grandes por suas forças pessoais, mas que na sua vida aparecem realidades que não foi ele quem fez, porque ele só esteve disponível para deixar que Deus atuasse. Noutras palavras, ser santo não é senão falar com Deus como um amigo fala com o amigo. Isto é a santidade.” 

Bento XVI, Santidade e Alegria

Dia da Divina Misericórdia


Os dois raios [na imagem] representam o Sangue e a Água: 
o raio pálido significa a Água que justifica as almas; 
o raio vermelho significa o Sangue que é a vida das almas. 
Esses dois raios jorraram das entranhas da Minha misericórdia 
quando na Cruz o Meu Coração agonizante foi aberto pela lança” 

(Diário de Sta Faustina, 299)

Aborto, em qualquer caso, é assassinato.

Marcela de Jesus, anencéfala que viveu por 20 meses.

Participei de uma discussão em que um médico, dono de diversas clínicas, defendia o aborto. Dizia ele que, com uma aparelhagem de ultra-som, pode-se saber com 80% de certeza se o feto é mongolóide, e que nesse caso, poderia ser abortado. Perguntei se, já que admitia 20% de incerteza, por que não deixar nascer a criança e depois trucidá-la ao vivo? Então haveria 100% de certeza. Ele não teve resposta e ficou irritado.

Testemunho dado pelo jurista Celso Bastos, renomado constitucionalista brasileiro, em entrevista à revista Catolicismo (nº 525, setembro/1994)

Recomendo a leitura de todo o artigo "Perguntas e Respostas Sobre os Casos de Anencefalia", disponibilizado pelo blog Sociedade Apostolado.

Recomendo ainda a leitura do livro "Catecismo Sobre o Aborto", disponibilizado pelo mesmo blog.

E que Deus ajude o Brasil.
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