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Homilia de Santo Efrém sobre o Natal


Hoje, Maria, ao levar a divindade, se tornou para nós céu; e Cristo, sem deixar a glória paterna, se encerrou nos apertados limites do ventre materno, para exalçar os homens à dignidade mais elevada. Escolheu só esta Virgem, dentre todas as virgens, para instrumento de nossa salvação.

Nela se realizaram todos os vaticínios de todos os justos e profetas. Dela própria saiu aquele esplendidíssimo astro sob cuja guia o povo que andava em trevas viu grande luz. (Is 9,2)

De diversos nomes pode ser Maria acertadamente designada. E, com efeito, é ela o templo do filho de Deus que dela saiu de modo diverso do que entrou, pois no ventre entrara sem corpo e dele saíra revestido de nossa humanidade.

É ela o místico novo céu (Ap 21,1) em quem habitou, como em sua sede, o Rei dos reis, e donde baixou à terra, levando diante de si forma e semelhança terrenas. É ela a videira de frutificação de suave odor (Ecle 24,23), cujo fruto, embora diferente da natureza da árvore, dela devia ter tomado algo semelhante.

É ela a fonte que brota (Joel 3,18) da casa do Senhor da qual jorraram para os sedentos águas vivas que matarão a sede para sempre (Jo 4,13) de todo aquele que apenas com os lábios as tiver provado.

Erra, portanto, caríssimos, quem julga poder comparar-se o dia de hoje de reparação ao da criação! E, de fato, no princípio, a terra foi criada; hoje, foi renovada. No início, dado o crime de Adão, foi maldita por causa da obra dele (Gn 3,17); hoje, porém, a paz e a segurança lhe foi restituída. No início, pelo delito dos  primeiros pais, a morte passou a todos os homens (Rm 5,12); hoje, no entanto, por Maria, passamos da morte à vida (1Jo 3,14) No início, a serpente penetrou nos ouvidos de Eva, donde o veneno infeccionou todo o corpo: hoje, Maria deu ouvidos à afirmação da felicidade perpétua. O que, portanto, fora de morte passou a ser, ao mesmo tempo, instrumento de vida.

Aquele cujo trono assenta sobre os querubins (Sl 98,1) ei-lo sentado nos braços de uma mulher; aquele que o mundo todo não encerra, só Maria o abraça; aquele que os tronos e as dominações reverenciam, a donzela acaricia; aquele cuja sede se acha nos séculos dos séculos (Sl 44,7), eis que se senta nos joelhos virginais; a terra é escabelo de seus pés, tocando-a com as plantas dos pés infantis.

Ó feliz e afortunado Adão, que, ao nascer o Senhor, recobrou a honra e o esplendor perdidos! Felicíssimos mortais que, vasos de ira para a morte (Rm 9,22) lhe deram o revestimento da própria argila! Redirei felicíssimos aqueles a quem foi dado ver o fogo de nossos corações envolto em seus paninhos!

Tamanhas coisas fez Deus para corrigir a estultície de um só homem! Visto que o servo caíra pela própria soberba, o Senhor o levantara em sua humildade.

Demos, pois, irmãos caríssimos, graças a Deus Pai que, para remir servos, entregou o próprio Filho. Exaltemos igualmente a Jesus com os máximos louvores, pois curou com tanta felicidade as feridas dos homens. E, por fim, veneremos piamente o Espírito de ambos, que nos foi dado (Rm 5,5) para que tenhamos a vida e a tenhamos em abundância. (Jo 10,10)

Santo Efrém, Doutor da Igreja. Sermão III de diversis.

Qualidades para a gravidade do pecado


As condições para que um pecado possa ser qualificado como mortal ou venial são três: Matéria, Consciência e Liberdade. Explico:

A Matéria é a situação específica, se foi grave ou não, se se roubou ou se se mentiu, se houve ou não agravantes, etc. Assim, uma mentira pode ser venial ou mortal a depender das circunstâncias ou das consequências. Tais circunstâncias ou consequências são agravantes. Uma coisa é mentir a idade apenas por vaidade; outra é menti-la para que se obtenha um benefício, como um emprego; outra, ainda, é dissimulá-la a fim de isentar-se de um serviço obrigatório.

A consciência é naturalmente a auto-percepção de estar a fazer algo errado. Um ato errado sem consciência obviamente não pode ser culpabilizado. Se eu aperto um botão crendo que ele irá libertar animais presos, e, no entanto, o que ele faz é detonar uma bomba numa escola infantil, eu não posso ser culpado pelas consequências uma vez que não tinha consciência delas. Óbvio que se pode aqui questionar se tal ignorância é ou não culpável. Isto envolve um outro exame. Mas, a rigor, se faltou consciência, a culpa não pode ser aplicada. É o caso de pessoas que se casam e, depois de muitos anos, percebem que são parentes de primeiro grau. Neste caso, a culpa não lhes é imputada.

Por fim, a liberdade é a livre decisão de fazer ou não o ato referido. Roubar é errado. Porém, a gravidade da fome ou da pobreza dos parentes pode minorar - sem tornar lícito, frise-se - este ato. Do mesmo modo, certas compulsões mentais tiram ao sujeito a liberdade de agir de um modo diferente. A necessidade do ato torna-o, novamente, isento de culpa, ainda que a pessoa tivesse consciência da imoralidade do feito. Suponhamos ainda que alguém tem fobia por aranhas e está num hospital de idosos em que o silêncio é necessário. Ao ver o objeto temido, a descarga de ansiedade lhe faz gritar, e isto causa um incômodo considerável nos velhinhos, fazendo inclusive com que alguns precisem ser atendidos. Se estava em posse da pessoa não gritar, o fato de ter gritado torna-se culpável. Mas se não lhe era possível não fazê-lo, então ela não pode ser responsabilizada. Deve ser, obviamente, retirada do ambiente, mas não tem culpa. Algo similar ocorre com a blasfêmia: se feita livremente, é pecado gravíssimo. Se feita num momento de crise, a culpa pode ser minorada. Se feita porque alguém nos pôs uma arma na cabeça e ameaçou disparar se não blasfemássemos, a culpa poderá ser até nula.

Há, porém, um outro componente que julgo importante constar para que se avalie a moralidade de uma ação: é a intenção. Uma pessoa pode ter consciência de que um ato é mau, pode estar livre para fazê-lo, pode querer fazê-lo, mas ainda assim pode ter uma intenção que não é má. É o caso, por exemplo, de quem, conhecendo as regras da Igreja sobre o estado de graça necessário à comunhão, decide, num momento de inspiração, arriscar, fazer um ato de confiança cega na misericórdia divina, e tomar a santíssima espécie. Esta situação parece mais frequente do que se imagina. É claro que isto não a isenta da gravidade do ato, mas consideremos que uma coisa é que ela vá a comungar com a intenção de cometer um sacrilégio, e outra, muito diferente, é a de que esteja a fazer um ato extremado de Fé. Vê-se como a intenção é importante para uma justa avaliação dos atos. E os santos insistem particularmente nisto: a pureza de intenção. Pode-se, porém, esclarecer que, no exemplo citado, a consciência da pessoa está reduzida, uma vez que, embora conheça os ditames da Igreja, parece neles não confiar de todo, o que implica uma falta de consciência. Assim, nos casos em que a intenção é boa mas a ação não o é, tem-se um caso de ignorância, e, como dissemos, há que se investigar as causas desse defeito para se descubra se há culpa pessoal nisso ou não. Assim, embora a intenção só não seja suficiente para a moralidade de um ato, ela tampouco é dispensável.

Maquiadores do crime


Lenin dizia que, quando você tirou do adversário a vontade de lutar, já venceu a briga. Mas, nas modernas condições de “guerra assimétrica”, controlar a opinião pública tornou-se mais decisivo do que alcançar vitórias no campo militar. A regra leninista converte-se portanto automaticamente na técnica da “espiral do silêncio”: agora trata-se de extinguir, na alma do inimigo, não só sua disposição guerreira, mas até sua vontade de argumentar em defesa própria, seu mero impulso de dizer umas tímidas palavrinhas contra o agressor.

O modo de alcançar esse objetivo é trabalhoso e caro, mas simples em essência: trata-se de atacar a honra do infeliz desde tantos lados, por tantos meios de comunicação diversos e com tamanha variedade de alegações contraditórias, com freqüência propositadamente absurdas e farsescas, de tal modo que ele, sentindo a inviabilidade de um debate limpo, acabe preferindo recolher-se ao silêncio. Nesse momento ele se torna politicamente defunto. O mal venceu mais uma batalha.

A técnica foi experimentada pela primeira vez no século XVIII. Foi tão pesada a carga de invencionices, chacotas, lendas urbanas e arremedos de pesquisa histórico-filológica que se jogou sobre a Igreja Católica, que os padres e teólogos acabaram achando que não valia a pena defender uma instituição venerável contra alegações tão baixas e maliciosas. Resultado: perderam a briga. O contraste entre a virulência, a baixeza, a ubiqüidade da propaganda anticatólica e a míngua, a timidez dos discursos de defesa ou contra-ataque, marcou a imagem da época, até hoje, com a fisionomia triunfante dos iluministas e revolucionários. Pior ainda: recobriu-os com a aura de uma superioridade intelectual que, no fim das contas, não possuíam de maneira alguma. A Igreja continuou ensinando, curando as almas, amparando os pobres, socorrendo os doentes, produzindo santos e mártires, mas foi como se nada disso tivesse acontecido. Para vocês fazerem uma idéia do poder entorpecente da “espiral do silêncio”, basta notar que, durante aquele período, uma só organização católica, a Companhia de Jesus, fez mais contribuições à ciência do que todos os seus detratores materialistas somados, mas foram estes que entraram para a História – e lá estão até hoje – como paladinos da razão científica em luta contra o obscurantismo. (Se esta minha afirmação lhe parece estranha e – como se diz no Brasil – “polêmica”, é porque você continua acreditando em professores semi-analfabetos e jornalistas semi-alfabetizados. Em vez disso, deveria tirar a dúvida lendo John W. O’Malley, org., The Jesuits: Cultures, Sciences, and The Arts, 1540-1773, 2 vols., University of Toronto Press, 1999, e Mordecai Feingold, org., Jesuit Science and the Republic of Letters, MIT Press, 2003).

Foi só quase um século depois desses acontecimentos que Alexis de Tocqueville descobriu por que a Igreja perdera uma guerra que tinha tudo para vencer. Deve-se a ele a primeira formulação da teoria da “espiral do silêncio”, que, em extensa pesquisa sobre o comportamento da opinião pública na Alemanha, Elizabeth Noëlle-Neumann veio a confirmar integralmente em The Spiral of Silence: Public Opinion, Our Social Skin(2ª. ed., The University of Chicago Press, 1993). Calar-se ante o atacante desonesto é uma atitude tão suicida quanto tentar rebater suas acusações em termos “elevados”, conferindo-lhe uma dignidade que ele não tem. As duas coisas jogam você direto na voragem da “espiral do silêncio”. A Igreja do século XVIII cometeu esses dois erros, como a Igreja de hoje os está cometendo de novo.

A sujidade, a vileza mesma de certos ataques são plenejadas para constranger a vítima, instilando nela a repulsa de se envolver em discussões que lhe soam degradantes e forçando-a assim, seja ao silêncio, seja a uma ostentação de fria polidez superior que não tem como não parecer mera camuflagem improvisada de uma dor insuportável e, portanto, uma confissão de derrota. Você não pode parar um assalto recusando-se a encostar um dedo na pessoa do assaltante ou demonstrando-lhe, educadamente, que o Código Penal proíbe o que ele está fazendo.

As lições de Tocqueville e Noëlle-Newman não são úteis só para a Igreja Católica. Junto com ela, as comunidades mais difamadas do universo são os americanos e os judeus. Os primeiros preferem antes pagar por crimes que não cometeram do que incorrer numa falta de educação contra seus mais perversos detratores. Os segundos sabem se defender um pouco melhor, mas se sentem inibidos quando os atacantes são oriundos das suas próprias fileiras – o que acontece com freqüência alarmante. Nenhuma entidade no mundo tem tantos inimigos internos quanto a Igreja Católica, os EUA e a nação judaica. É que viveram na “espiral do silêncio” por tanto tempo que já não sabem como sair dela – e até a fomentam por iniciativa própria, antecipando-se aos inimigos.

A única reação eficaz à espiral do silêncio é quebrá-la – e não se pode fazer isso sem quebrar, junto com ela, a imagem de respeitabilidade dos que a fabricaram. Mas como desmascarar uma falsa respeitabilidade respeitosamente? Como denunciar a malícia, a trapaça, a mentira, o crime, sem ultrapassar as fronteiras do mero “debate de idéias”? Quem comete crimes não são idéias: são pessoas. Nada favorece mais o império do mal do que o medo de partir para o “ataque pessoal” quando este é absolutamente necessário. Aristóteles ensinava que não se pode debater com quem não reconhece – ou não segue – as regras da busca da verdade. Os que querem manter um “diálogo elevado” com criminosos tornam-se maquiadores do crime. São esses os primeiros que, na impossibilidade de um debate honesto, e temendo cair no pecado do “ataque pessoal”, se recolhem ao que imaginam ser um silêncio honrado, entregando o terreno ao inimigo. A técnica da “espiral do silêncio” consiste em induzi-los a fazer precisamente isso.
Olavo de Carvalho, disponível aqui.
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