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Solidão

Uma solidão material, um silêncio exterior e um verdadeiro recolhimento são uma necessidade moral seja para quem for que deseje levar uma vida contemplativa, mas, como tudo na criação, são apenas meios e não um fim, e, se não compreendermos qual o fim, utilizaremos mal os meios.

Devemos, portanto, lembrar-nos de que procuramos a solidão com o objetivo de, nela, aumentar o nosso amor por Deus e o nosso amor pelos outros homens. Não vamos para o deserto com o intuito de fugir dos homens mas para aprender como encontrá-los: não os deixamos para cessar de manter quaisquer relações com eles, mas para encontrarmos a maneira de lhes fazer todo o bem possível. Mas, isto mesmo, é ainda um objetivo secundário. O fim único, que abrange todos os outros, é o amor de Deus.

A verdadeira solidão não é qualquer coisa exterior a vós, não é a ausência de gente e de ruído em torno de vós: é um abismo a abrir-se no centro da vossa própria alma. E esse abismo de solidão interior é criado por uma fome que nenhuma coisa criada pode satisfazer.

O caminho único para encontrar a solidão é a fome, a sede, a tristeza, a pobreza e o desejo, e o homem que pôde achá-la está tão vazio como se a morte o tivesse esvaziado. Ultrapassou todos os horizontes. Já não lhe resta qualquer caminho por onde possa enveredar. Ela é uma zona cujo centro está em toda parte e a circunferência em parte alguma. Não é viajando que a encontrareis, mas permanecendo imóvel.

No entanto, é em tal solidão que as mais fecundas atividades têm seu começo. É aí que conhecereis a ação sem movimento, o esforço que é profundo repouso, a visão nas trevas, e, para mais além de qualquer desejo, uma plenitude cujos limites se estendem até o infinito.
Embora, na verdade, tal solidão esteja em toda a parte, há um processo de a encontrar que, dalgum modo, se relaciona com certas condições materiais e topográficas, com o afastamento das cidades e aglomerados humanos.

Deveria existir, ao menos, um quarto ou qualquer recanto onde ninguém vos descobrisse, perturbasse ou se apercebesse de vós. Deveríeis ter a possibilidade de vos desligar do mundo, de vos libertar, desatando todos os engenhosos fios, todos os elos sutis que, pela vista, pelo ouvido, pelo pensamento, vos prendem a outras presenças humanas. Uma vez encontrado tal lugar, contentai-vos com ele e não vos inquieteis se qualquer boa razão dele vos afasta. Amai-o, regressai a ele logo que puderdes e não vos apresseis demasiado a trocá-lo por outro.

Dissemos que a solidão, importante para uma vida contemplativa, é, acima de tudo, algo de interior e espiritual. Admitimos ser possível viver em profunda e pacífica solidão interior no meio do mundo e do seu tumulto. Mas, sob o ponto de vista religioso, esta verdade é, por vezes, mal interpretada. Há homens devotados a Deus cujas vidas estão cheias de agitação e que não têm realmente o desejo de estar a sós. Admitem que a solidão exterior é boa, teoricamente, mas insistem em que muito melhor é salvaguardar a solidão interior, enquanto se vive no mundo. Praticamente, as suas vidas são devoradas por atividades e sufocadas por quaisquer prisões. A solidão interior, é para eles, impossível. Temem-na. Fazem quanto podem para lhe fugir. Pior ainda: esforçam-se por arrastar os outros para atividades tão contínuas e absorventes como as suas. São grandes promotores de tarefas inúteis. Gostam de organizar reuniões, banquetes, discussões públicas e conferências. Imprimem circulares, escrevem cartas, conversam, horas, ao telefone, com o intuito de juntar umas cem pessoas em ampla sala cujo ar todos encherão de fumo de tabaco, no meio do enorme barulho, berrando uns com os outros, aplaudindo com palmas, até que, por fim, retiram para casa, estonteados, a bater pancadinhas nas constas uns dos outros, convictos de que todos realizaram grandes coisas no sentido de dilatar o Reino de Deus.

Nunca encontrareis solidão interior sem que façais qualquer esforço consciente para vos libertar dos desejos, preocupações e interesses de uma existência temporal e mundanal.

Fazei quanto puderdes para evitar os divertimentos, a ruidosa agitação e o que interessa aos negócios dos homens. Conservai-vos tão longe quanto possível donde eles se juntam para se ludibriarem e insultarem, para se explorarem, rirem uns dos outros, zombarem uns dos outros, sob falsas manifestações de amizade. Ponde de parte a leitura dos seus jornais, a não ser que sejais realmente obrigados a inteirar-vos do que se passa. Os jornais são penitência e não recreio. Regozijai-vos, se puderdes manter-vos fora do alcance dos seus aparelhos de rádio. Não vos interesseis por suas etéreas canções ou por suas intoleráveis preocupações sobre o aspecto e saúde corporal.

Não fumeis os seus cigarros, não bebais das suas drogas, não compartilheis das suas inquietações acerca do que se há de comer. Não compliqueis a vossa vida contemplado as gravuras das suas revistas ilustradas. Conservai os vossos olhos puros e os vossos ouvidos tranqüilos e o vosso espírito sereno. Respirai o ar de Deus. Trabalhai, se puderdes, sob o Seu céu.

Se no entanto, tiverdes de viver numa cidade e de trabalhar entre máquinas, viajar no metropolitano e comer num lugar onde a rádio vos ensurdeça com notícias adulteradas, onde o alimento vos arruíne a saúde, e onde a maneira de sentir dos que vos cercam vos envenene o coração com o veneno do tédio, não vos perturbeis mas aceitai tudo como o amor de Deus e como uma semente de solidão depositada na vossa alma. Alegrai-vos com tal sofrimento, porque vos manterá ansiosos pela próxima oportunidade de lhe fugir e estar a sós, no tonificante silêncio do recolhimento e na imperturbável presença de Deus.

Mas, mesmo assim, lembrai-vos de que, se apenas procurais evadir-vos do mundo e dele afastar-vos só porque é (como tem de ser) infinitamente desagradável, não achareis paz e não achareis solidão. Se só procurais a solidão por ela ser o que preferis, nunca vos libertareis do mundo e do seu egoísmo; não alcançareis nunca a liberdade interior que vos manterá realmente sós.

Thomas Merton, Sementes de Contemplação, 1956, p.79-85
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