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Semana Santa - Reviver mais que relembrar


Hoje damos início à grande Semana Santa, época em que revivemos os sagrados e profundos mistérios da Redenção. Utilizamos o termo "reviver" ao invés de "relembrar" porque o contato com as realidades em questão não se darão apenas a nível mental, mas, antes, a nível existencial. Lembrar, mais do que receber a influência de algo, é reconstruir psicologicamente um fato ocorrido, motivo pelo qual a fidelidade entre a lembrança e o fato em si pode não ser - e geralmente não é - total. A nossa relação com Deus, portanto, não pode ser baseada numa construção nossa, sob pena de seguirmos uma invenção da nossa cabeça. Expressamos melhor o que ocorre quando falamos de "intuição", isto é, do contato passivo do nosso ser diante de uma presença externa e real.

Isto com que teremos contato, porém, é aquilo que aconteceu no passado, há quase dois séculos. Sabemos que as realidades passadas só podem ser abordadas de modo indireto, uma vez que o passado, em si mesmo, é inacessível. Não se muda o passado pelo fato de contá-lo diferentemente. O que ocorreu já ocorreu, e se tornou, depois disso, inacessível a não ser memorativa, simbólica ou discursivamente. De que modo, então, poderíamos ter um contato real com as realidades da Redenção, já que elas se deram há tanto tempo?

Vejamos...

Primeiramente, tomemos a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na leitura de hoje, Paulo nos diz que Ele se esvaziou de Si, e é por isto que Ele se encarnou no seio da Santíssima Virgem. Ao fazê-lo, Jesus, que é de natureza divina, assume também a natureza humana. Enquanto Deus, Jesus não vive no tempo, mas fora dele. O tempo, isto é, o suceder gradativo dos fatos, isto que dividimos em passado, presente e futuro, é só mais uma criatura de Deus. Deus não depende dele. O Seu modo de vida é atemporal, isto é, fora do tempo. No entanto, a partir da Encarnação, Jesus passa a viver também no tempo histórico, como um verdadeiro homem que foi. Temos então o seguinte: Jesus é homem e Deus; enquanto homem, vive temporalmente; enquanto Deus, vive atemporalmente. Quando duas naturezas andam unidas, a natureza superior tende a elevar os atos da natureza inferior à sua dignidade. Tomemos por exemplo o próprio ser humano: somos a união de corpo material e alma espiritual numa só pessoa. Em virtude disso, os nossos atos físicos tendem a ser elevados à dimensão espiritual por causa da nossa alma. Também em Jesus, os atos humanos eram elevados à dimensão divina. E, assim, aquilo que ocorria historicamente assumia um alcance eterno.

É exatamente por isso que a Santa Missa é possível: embora ela tenha ocorrido historicamente, por ser ato de um Deus, ela não cabe no tempo, e como que o transborda. Deste modo, por ser atemporal, ela se torna disponível a qualquer tempo. É por isso que a Missa é celebrada por Jesus ainda antes de Ele sofrer historicamente a Sua Paixão. É também por isso que a Virgem Maria é preservada do pecado, pois tal preservação foi também um efeito da Redenção, embora tenha ocorrido vários anos antes do fato histórico da Cruz. É nisto que reside ainda o fundamento da afirmação de João Paulo II, segundo a qual, na Missa, somos transportados ao Calvário.

Pois bem. Ocorre que não apenas a Santa Missa está disponível para nós, mas toda a vida do Cristo. Isto é dito pelo monge trapista Thomas Merton que aproveitava desta verdade para ensinar que podemos consolar realmente a Jesus durante a Sua agonia no Getsêmani. Se vigiarmos com Ele, de fato estaremos com Ele. Sta Teresa D'Avila, por sua vez, afirmava que nisto consistia a sua meditação favorita: em fazer companhia ao Cristo na noite da Sua agonia. Ela dizia que costumava ficar sentada, ao lado, em silêncio, diante do Deus que sofria e suava sangue, carregado que estava pelo pecado de toda a humanidade. Lemos, ainda, no livro "Ele e eu", da mística moderna Gabrielle Bossis, uma passagem em que o Cristo lhe diz enquanto ela tomava um suco: "que alegria me darias se, durante o momento em que tomas este suco, pensasses em mim, na minha sede durante o Calvário, e o oferecesses por mim".

Ao nos depararmos com esta possibilidade imensa, que é a de fazer companhia a Jesus, de fato, durante toda a Sua vida e, em especial, na Sua Paixão, onde Ele humildemente nos pede para vigiar com Ele, pois Sua alma está triste até a morte, que mais devemos fazer senão ouvir-Lhe a voz e Lhe obedecer, não tanto como uma obrigação, mas, antes, como um privilégio único?

Nestes dias que se avizinham, nós podemos não somente relembrar, mas reviver os fatos centrais da nossa Fé. Contemplaremos realidades que, não obstante serem invisíveis e estarem veladas sob os símbolos litúrgicos, estão concretamente presentes e podem ser, por baixo dos símbolos, intuídas. É um tempo em que o Mistério se adensa. Mesmo que não tenhamos vivido a quaresma do modo que deveríamos, relembremos dos trabalhadores da undécima hora, e aproveitemos este restinho de quaresma e o tríduo pascal para que, fazendo companhia a Jesus e participando da Sua morte, como membros Seus que somos, possamos também participar da Sua ressurreição.

Que a Virgem Maria, mãe do Verbo de Deus, nos fortaleça e nos ensine a amar Jesus.

Fábio.
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