A alma e a divindade de Jesus não estão simplesmente em segundo plano, de maneira latente, inerte e mais ou menos abstrata. Neste sacramento do seu amor, Cristo está presente com todas as suas potências e capacidades dispostas a agir e operar com todas as ações e ‘paixões’ (no sentido metafísico) que pertencem à sua vida glorificada, no céu. Há somente uma exceção a assinalar. Desde que o Corpo de Jesus não está em relação com a realidade material por contato de dimensões quantitativas, neste Sacramento Ele não exerce suas faculdades sensitivas, pelo menos de um modo natural. Não nos vê com os olhos corporais. Mas, afinal, não necessita faze-lo, pois que a visão divina que possui, ilumina-lhe a mente com um conhecimento de todos nós muito mais profundo e íntimo do que possamos imaginar.
No tabernáculo, Cristo nos vê e nos conhece de maneira muito mais nítida do que nos vemos a nós mesmos. O conhecimento que de nós existe no Cristo sacramentado, que recebemos na comunhão, é um conhecimento que Ele já possui das próprias profundezas do nosso ser. Portanto, Jesus no SS. Sacramento não nos perscruta examinando-nos friamente como se fôssemos objetos, seres dele muito remotos, conservando ainda alguns traços enigmáticos. Conhece-ns em Si mesmo, como seus ‘outro eu’. Conhece-nos subjetivamente como se fôssemos uma extensão – o que de fato somos – da sua própria Pessoa. Esse conhecimento por identidade é o que vem, não apenas da ciência, mas do amor. A psicologia moderna forjou a palavra ‘empatia’. É o conhecimento que se tem de outro ‘por dentro’, por uma simpatia que se projeta e vive as experiências desse outro tais quais se lhe apresentam. Mas essa empatia humana é, ainda, algo de incerto e remoto que não consegue vencer a distância que existe entre dois espíritos distintos. A ‘empatia’ de que somos alvo por parte de Cristo, com a qual Ele nos compreende, procede das profundezas do nosso próprio ser e é tão profunda que, se quisermos saber a verdade a nosso respeito, temos de procurá-la nEle no momento da santa comunhão. Pois Cristo é o nosso mais profundo e íntimo ‘ser’, nosso ser mais alto, nosso novo ser como filhos de Deus. É isso que significa para nós dizer com S. Paulo: “viver para mim é Cristo” (Filip 1, 21). A paz que desabrocha nas profundezas de nossa alma, o silêncio espiritual, o repouso, a segurança e a certeza que recebemos na comunhão com a consciência da presença dEle é um sinal de que abrimos a porta que dá acesso ao santuário íntimo do nosso ser, o lugar secreto onde nos unimos a Deus. É este o ‘aposento’ no qual devemos entrar quando oramos ao Pai em segredo (Mt 6, 6). Na verdade, só aquele que nos ensinou que esse é o lugar onde devemos nos retirar pra orar é quem no-lo pode abrir.
Aos olhos humanos, o Cristo no SS. Sacramento pode parecer inerte e passivo. Contudo, é Ele quem nos chama à comunhão pela ação das inspirações interiores e secretas, porque sabe que precisamos desse alimento místico. Quando recebemos a sagrada hóstia é não só porque temos o desejo de receber a Cristo, mas também, e sobretudo, porque Ele, neste Sacramento, deseja dar-se a nós. Nas palavras de Santo Ambrósio: “vieste ao altar? É o Senhor Jesus que te chama...dizendo-te ‘Deixai-o beijar com um beijo de sua boca’”... Ele te vê livre de pecados, pois foram apagados. Portanto, julga-te digno dos sacramentos celestes e por isso te convida ao banquete celestial.
A caridade de Cristo que lhe impulsiona a vontade, oculta na santa Eucaristia, é o mesmo infinito amor que tem por todos os homens e que os atrai pela graça do Espírito Santo, à união com o Pai no Filho. Esse amor, dizemo-lo mais uma vez, não é apenas caridade universal que abraça a todos, sem exceção, mas atinge igualmente a cada um no inescrutável ocultamento da sua própria e singular individualidade. Assim como Cristo me amou e se entregou por mim (Gál 2, 20), assim, também Ele me ama e vem a mim no SS. Sacramento. Quando se vê unido a mim na comunhão, de modo algum se admira de saber que sou um pecador. Já o sabia; e me amou tal qual sou. Vem a mim porque é sempre o amigo, o refúgio e o Salvador dos pecadores. De minha parte, devo fazer todo o possível para corresponder ao seu amor, mesmo se não sou digno desse amor. E o melhor modo de a Ele corresponder é crer na sua inexprimível realidade e agir de acordo com minha crença.
Neste Sacramento, o Amor de Cristo aumenta a nossa capacidade de receber a graça e nos move a produzir atos de uma caridade mais fervorosa e espiritual. É por uma moção da vontade de Cristo que recebemos o Espírito Santo que, como diz Scheeben, é o fogo espiritual que prorrompe, com ímpeto, do Cordeiro imolado, na Eucaristia. Temos aqui alguns textos em que esse grande teólogo do Séc XIX nos dá a própria medula da doutrina dos santos padres.
“No estado glorioso em que se acha, o Corpo de Cristo é, por assim dizer, o trigo que vive pelo poder do Espírito Santo; na Eucaristia é o pão cozido pelo fogo do Espírito Santo, por onde esse divino Espírito confere a vida a outros. A Carne de Cristo dá vida... pelo Espírito, energia divina que nela reside. “A carne do Senhor é espírito vivificante”, diz stº Atanásio...”porque foi concebido por Espírito Vivificador. Aquilo que nasce do Espírito é espírito...” Ora, o Cordeiro de Deus, imolado desde o princípio do mundo ante os olhos de Deus, se deve manter diante de Deus como eterno holocausto ardendo no fogo do Espírito.”
A vontade humana de Cristo, Salvador do mundo, perfeitamente unido para sempre à vontade de Deus Pai neste sacrifício, produz cada movimento pelo qual o Espírito Santo procede no íntimo de nossos corações atraindo-nos à união com o Logos. Por sua vez, o Espírito desperta em nosso coração uma profunda e mística correspondência à ação do Verbo Encarnado que recebemos na comunhão. O Espírito Santo nos revela a realidade da presença de Cristo e a imensidão do Seu amor por nós. O Espírito Santo abre o ouvido secreto, íntimo, do nosso espírito de maneira que possamos distinguir os puros acentos da voz de Cristo, o Homem Deus, que fala no interior de nossas almas, que uniu tão intimamente à Sua. E, por nossa correspondência a essa moção do Espírito de Deus enviado aos nossos corações pela ação do amor pessoal de Cristo por nós, unimos plenamente a nossa vontade à dEle, nosso coração ao Seu Sagrado Coração e nos tornamos ‘um espírito’ com Ele, conforme a palavra de S. Paulo: “Aquele que está unido ao Senhor é um espírito com Ele” (1 Cor 6, 17). O Pai, então, ao nos contemplar não vê senão a Cristo, Seu Filho muito amado no qual põe as Suas complacências.
Thomas Merton, O Pão Vivo.
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