Toda vez que rezamos o Credo dizemos que acreditamos numa tal de Comunhão dos Santos. Mas e o que seria isso? Muitos de nós dizemos que cremos nisso ainda que não saibamos do que se trata. Se não sabemos o que é, como cremos? Não cremos. Aliás, a coisa anda tão ruim que pronunciamos o Credo sem nem mesmo atentar no que estamos a pronunciar, como se fôssemos robôs. Sobre isto, os que entendem o inglês, assistam a este vídeo.
Deveríamos compreender que este conjunto de dogmas que sempre rezamos e que o fazemos geralmente de modo tão distraído foi a causa da morte de muitos cristãos. Eles morriam justamente para não transgredir nenhum dos artigos de Fé que ali estão, de modo que recitar o Credo sem atenção chega a ser uma ofensa. Boa parte dos cristãos modernos, porém, o pronuncia de boca pra fora sem que ele adquira qualquer valor interno, como se fosse composto de meras afirmações gratuitas sem correspondência exata com a realidade. É pena... Porém, ninguém os ignorará para sempre. Haverá algum dia, nesta vida ou na outra, em que acordaremos para a terrível realidade dessas verdades.
Pois bem. E o que seria essa tal de Comunhão dos Santos? Será uma espécie de Eucaristia distribuída no Céu? Nada disso. Primeiramente, o que é que entendemos por comunhão? Não há segredo: é um vínculo entre pessoas. A questão toda é: que pessoas? Ora, a resposta a isto está claramente manifesta na própria expressão: os santos. Aqui é que reside o equívoco: quando pensamos ou ouvimos falar de santos, geralmente concebemos aqueles que já morreram e, canonizados ou não, estão no céu. Aqui, contudo, devemos estender um pouco o significado desta santidade.
Sabemos que a Igreja não é uma criação humana, mas divina. Isto significa que ela é muito mais do que aquilo que nós vemos. Por alta que seja a nossa concepção da Igreja, ela ainda permanece envolta em mistério e somente saberemos de fato o que ela é no fim dos tempos ou quando morrermos. De fato, dizemos com acerto que ela é o Corpo de Cristo. Mas este é um conceito cuja realidade correspondente nos ultrapassa. Pois bem. Dentre essas coisas que existem sem que nós tenhamos qualquer possibilidade de constatação sensível, está o vínculo que une os que pertencem à Igreja. Dizíamos que ela é o Corpo de Cristo e comumente afirmamos que somos membros deste corpo. Esta é uma comparação muito interessante, frequentemente usada por S. Paulo, e que pode nos esclarecer bastante. Se eu olhar para o meu pé e para a minha mão, é óbvio que são membros diferentes, seja no aspecto, seja na função. Nisso, todos concordamos. Porém, para além desta diferença ou distância, existe algo que os une: ambos fazem parte do mesmo corpo e, junto a ele, recebem vida e são animados. Há uma alma que está subjacente aí a todos os membros e a partir da qual eles adquirem vida e movimento. Assim também ocorre com os membros do Corpo de Cristo. Todos eles, por mais diferentes e distantes que sejam, recebem uma seiva em comum que lhes comunica a vida. Esta é o Espírito Santo que nos dá a graça da filiação divina e nos faz irmãos. Isto significa que, bem além do que percebemos, todos os que estamos na Igreja temos uma ligação, não apenas sugestiva, mas objetiva, real, ontológica. É esta ligação que faz da nossa multiplicidade uma unidade. E daí, podemos dizer com S. Paulo: somos um só corpo, pois temos uma só Fé, um só batismo e um só Senhor: o Cristo, cabeça da Igreja.
A Igreja, sendo divina, é transcendente, isto é, ela ultrapassa esta nossa realidade imediata, indo além da matéria, do tempo e do espaço. Assim sendo, não é pelo fato de morrermos que deixamos de pertencer à Igreja. Às vezes - e é o que se espera - a morte simplesmente perpetua a pertença a ela, assim como também pode perpetuar a separação dela. A comunhão dos santos é, portanto, este vínculo que nos liga enquanto membros da Igreja. Dizemos que a comunhão é dos santos porque tal Espírito que nos permeia a todos é fonte e condição de santidade, de modo que todos os católicos somos santos latentemente ou em potência, sobretudo os que estão em estado de Graça. Esta comunhão faz mais referência a estes últimos, embora também inclua de algum modo os que andam em pecado mortal, visto que estes podem, ainda, se arrepender e voltar.
Neste sentido, diz o Manual de Instrução Religiosa de Boulenger, o que segue:
"Não entram na comunhão dos Santos: os infiéis, os hereges, os cismáticos, os apóstatas e os excomungados, porque nunca foram, ou já deixaram de ser, membros da Igreja. E os pecadores? Estes, não possuindo a graça santificante, nenhuma contribuição trazem para o tesouro da Igreja, desde que suas obras são desprovidas de merecimento. Muito justo seria que não participassem dos seus favores. Entretanto, porque ainda pertencem ao corpo da Igreja, como membros paralisados que um dia, talvez, revivam, e se movam e trabalhem, não estão completamente privados das vantagens da comunhão dos Santos." (1927, p. 238)
Penso, porém, que ainda haja algo a considerar sobre os "infiéis" e "hereges". Por infiel, entendemos aquele que não tem a Fé Teologal. E por "herege", aquele que, separando-se da Fé Católica, escolhe acreditar, a partir de um critério pessoal, numa doutrina que mais lhe apraza. Tecnicamente, os protestantes são hereges. Porém, assim como o trecho de Boulenger mantém inclusos na Comunhão dos Santos os que estão em pecado mortal, por ainda fazerem parte do Corpo, consideramos que também devam ser incluídos neste sagrado vínculo aqueles que, embora não façam parte do Corpo, estejam, contudo, inseridos na Alma da Igreja. E quem são estes? São aqueles que não são católicos somente por estarem num estado de ignorância invencível, isto é, num estado cuja saída não lhes é, dadas as condições em que estão, pessoalmente acessível. Estas pessoas, se viessem a conhecer o que é a Igreja de fato, se tornariam católicas. Obviamente, somente Deus pode saber quais são as pessoas que se encontram em tal estado. Mas sabemos que elas existem. Estes tais, por participarem da alma da Igreja, são de algum modo católicos e, se forem salvos, é pela Igreja Católica que o serão. Neste sentido, é lógico inseri-los de algum modo, também, no conjunto dos que recebem os influxos desta Comunhão.
Fazem parte, portanto, da comunhão dos santos todos os católicos, isto é, tanto os que fazem parte do Corpo e Alma da Igreja - e estes gozam desta comunhão de modo mais completo -, quanto os que fazem parte somente do corpo ou somente da alma. Fazem parte do Corpo e Alma da Igreja, aqueles que estão inseridos na Igreja visível e se conservam em Graça. Fazem parte somente do Corpo, aqueles que, estando na Igreja visível, estão sem a Graça. E fazem parte da Alma da Igreja os que não são católicos por estarem em ignorância invencível, mas que se esforçam por serem pessoas justas dentro daquilo que eles conhecem da lei moral.
Até agora, tratamos bastante da comunhão dos santos com relação aos que ainda estão vivendo na terra. Porém, sendo vínculo entre os cristãos, esta comunhão ultrapassa esta vida mortal e inclui também os membros da Igreja Triunfante - os santos propriamente ditos, que já gozam da visão beatífica no céu - e a Igreja Padecente - as benditas almas do Purgatório. As almas dos condenados estão, obviamente, para sempre excluídas desta dinâmica.
"Ok, deu pra entender que a Comunhão dos Santos é esse vínculo aí. Mas, afinal, o que é que isso muda efetivamente?" Ora, muda tudo! Ela possibilita uma maravilhosa interação entre os cristãos. Esta Comunhão é, inclusive, a razão da possibilidade da intercessão dos santos. Quando pedimos a um amigo, ao padre ou a um santo em particular para que interceda por nós, estamos nos inserindo nesta dinâmica. Portanto, isto possibilita que mutuamente nos ajudemos e contribuamos para a santidade uns dos outros. Nós, na terra, podemos e devemos rezar pelas almas do Purgatório para que seu processo de purgação seja acelerado. Do mesmo modo, elas podem e rezam por nós. Os católicos de um lugar podem interceder pelos de outro. Podemos rezar, fazer mortificações e obter merecimentos para outras pessoas. E podemos fazê-lo consciente ou inconscientemente. Quando nós levamos uma vida santa, segundo a vontade de Deus, a nossa fidelidade pode ajudar quem nós sequer conhecemos. Nossas mortificações e sacrifícios podem ajudar na conversão de alguém do outro lado do mundo. Se adquirirmos Indulgências Plenárias e as aplicarmos às almas do Purgatório, teremos conseguido algo grandioso: tiraremos uma alma de lá e a introduziremos no Céu. Nós não temos a dimensão da imensidão disso! Se o tivéssemos, talvez não faríamos outra coisa.
Do mesmo modo, quando não correspondemos à vontade de Deus, estamos a dificultar ou negar o auxílio a tantas almas. É por isto que um pecado nunca é somente uma ofensa a Deus e a si mesmo, mas também uma ofensa a toda a Igreja. As nossas influências estão muito além daquilo que nós podemos fazer diretamente, através de pregações ou assistências sociais. S. Josemaria Escrivá, agudamente consciente disso, dizia: "Em primeiro lugar oração. Em segundo lugar, expiação. Em terceiro lugar, muito em terceiro lugar, ação". E é por isso, também, que a Igreja sempre submeteu a ação direta à contemplação, sendo o ato do amor a Deus e do sacrifício silencioso os maiores geradores de bens espirituais, dotados de uma eficácia que pode chegar às raias do infinito.
Eis, pois, o que se deve entender por Comunhão dos Santos. Saber que fazemos parte desta imensa amizade e que de modo algum estamos sozinhos é reconfortante e profundamente entusiasmante. Saber que quando rezamos e nos mortificamos, estamos nos unindo a um batalhão de outras pessoas e santos, é algo imensamente grandioso. Se o compreendermos, notaremos que há uma alegria descomunal subjacente a toda a vida espiritual. É a maior aventura que existe. Dizia o francês Léon Bloy que a única tragédia da vida é não ser santo. Depois de compreendermos tudo isso, haveremos de concordar. O pecado nos isola.. A santidade, no entanto, nos dá, desde esta vida, cem vezes mais amigos e irmãos.
Peçamos à Virgem Maria que nos dê a graça de apreciar dignamente esta imensa riqueza da qual fazemos parte. Que ela nos ensine a amar a Deus e a fazer o bem aos nossos irmãos, sejam aqueles que ainda labutam conosco neste exílio, sejam os que padecem no Purgatório. E que, enfim, ela nos dê a graça de vivermos e morrermos em estado de Graça para que, chegando a nossa hora, sejamos preservados da segunda morte e consumados neste feliz consórcio dos santos. Amém!
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"Ok, deu pra entender que a Comunhão dos Santos é esse vínculo aí. Mas, afinal, o que é que isso muda efetivamente?" Ora, muda tudo! Ela possibilita uma maravilhosa interação entre os cristãos. Esta Comunhão é, inclusive, a razão da possibilidade da intercessão dos santos. Quando pedimos a um amigo, ao padre ou a um santo em particular para que interceda por nós, estamos nos inserindo nesta dinâmica. Portanto, isto possibilita que mutuamente nos ajudemos e contribuamos para a santidade uns dos outros. Nós, na terra, podemos e devemos rezar pelas almas do Purgatório para que seu processo de purgação seja acelerado. Do mesmo modo, elas podem e rezam por nós. Os católicos de um lugar podem interceder pelos de outro. Podemos rezar, fazer mortificações e obter merecimentos para outras pessoas. E podemos fazê-lo consciente ou inconscientemente. Quando nós levamos uma vida santa, segundo a vontade de Deus, a nossa fidelidade pode ajudar quem nós sequer conhecemos. Nossas mortificações e sacrifícios podem ajudar na conversão de alguém do outro lado do mundo. Se adquirirmos Indulgências Plenárias e as aplicarmos às almas do Purgatório, teremos conseguido algo grandioso: tiraremos uma alma de lá e a introduziremos no Céu. Nós não temos a dimensão da imensidão disso! Se o tivéssemos, talvez não faríamos outra coisa.
Do mesmo modo, quando não correspondemos à vontade de Deus, estamos a dificultar ou negar o auxílio a tantas almas. É por isto que um pecado nunca é somente uma ofensa a Deus e a si mesmo, mas também uma ofensa a toda a Igreja. As nossas influências estão muito além daquilo que nós podemos fazer diretamente, através de pregações ou assistências sociais. S. Josemaria Escrivá, agudamente consciente disso, dizia: "Em primeiro lugar oração. Em segundo lugar, expiação. Em terceiro lugar, muito em terceiro lugar, ação". E é por isso, também, que a Igreja sempre submeteu a ação direta à contemplação, sendo o ato do amor a Deus e do sacrifício silencioso os maiores geradores de bens espirituais, dotados de uma eficácia que pode chegar às raias do infinito.
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Peçamos à Virgem Maria que nos dê a graça de apreciar dignamente esta imensa riqueza da qual fazemos parte. Que ela nos ensine a amar a Deus e a fazer o bem aos nossos irmãos, sejam aqueles que ainda labutam conosco neste exílio, sejam os que padecem no Purgatório. E que, enfim, ela nos dê a graça de vivermos e morrermos em estado de Graça para que, chegando a nossa hora, sejamos preservados da segunda morte e consumados neste feliz consórcio dos santos. Amém!
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