Esquema feito por S. João da Cruz sobre a vida espiritual |
Caro Fábio, primeiro gostaria de parabenizá-lo pelo excelente blog, principalmente pelos seus textos sobre mística. Lendo seu texto sobre a mística de São João da Cruz, surgiu-me uma dúvida, é possível viver esse caminho mesmo sendo leigo? Grato
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É uma ótima pergunta. Primeiramente agradeço os elogios ao nosso apostolado. Reze sempre por nós para que o façamos segundo a vontade de Deus.
Vamos lá.
De fato, isso tudo é mais "fácil" e mais comum para os religiosos e monges. E por quê? Porque eles podem se dedicar integralmente a todo esse mundo. Já dizia S. Paulo que os que vivem no século precisam se preocupar com os que estão à sua volta, como família, trabalho, etc. E isto tudo, embora justo e digno, pode e tende a distrair. No livro "O Diálogo", Deus Pai fala a Sta Catarina de Sena que o amor de um leigo, comparado ao de um religioso, deveria ser como um pedaço de gelo comparado a uma chama ardente. Isto nos mostra a diferença ideal entre a dedicação de um e a do outro. Porém, embora a gente possa falar de uma maior incidência de religiosos à vida mística, isto não é determinante.
Sta Teresa D'Avila diz que Deus pode levar a quem Ele bem queira ao cume da vida mística de um modo até rápido, embora não seja comum que Ele o faça. Neste ponto, S. João da Cruz se diferencia dela, pois para o Doutor da Noite, aquela gradação de que tratamos no outro post é uma regra da vida espiritual. Deus pode acelerar o processo, mas não "saltaria" os degraus. O ponto a que quero chegar aqui é este: se agradar a Deus que um leigo alcance tais alturas e, ao mesmo tempo, se o leigo se dispuser, de fato, ele o alcançará.
A vida mística, antes de estar destinada a religiosos, está ordenada à vida humana. Os estágios pelos quais alguém passa dizem respeito às nossas necessidades interiores. O que pode acontecer, porém, é que as purgações necessárias sejam dadas de um ou de outro modo, a depender do modo de vida da pessoa. Um contemplativo estrito terá muitas purgações interiores, por exemplo. Já alguém de vida ativa provavelmente sofrerá doloridas perseguições e abandonos. Mas tudo isto visa contribuir para que a alma se despoje da sua soberba e dos seus apegos. S. João da Cruz avisa, por exemplo, desde o momento em que um novo religioso adentra no convento: "considera que todas estas pessoas não foram postas aqui por Deus senão para te aperfeiçoar", e assim as dificuldades da vida comum também servirão de purgações, se forem vividas de um modo correto, com olhar sobrenatural.
Esta perspectiva se aproxima das afirmações de S. Josemaria Escrivá que pregava a possibilidade de sacralização de toda a vida ordinária, desde que vida digna. Veja só: aqui temos uma coisa interessante. Costumamos ver o convento ou mosteiro como o lugar estrito do Sagrado e o separamos do nosso cotidiano de leigos. No entanto, estes santos estão dizendo que, se tivermos um bom olhar, toda a nossa vida se torna chão consagrado de onde podemos, para usar a expressão de S. Josemaria, fazer transbordar a transcendência divina.
Então, sim! É possível atingir os auges da mística também na vida leiga embora, repito, isto seja menos comum, por causa das distrações e do comodismo geralmente não trabalhado. Veja sobre isso o que escreve S. João da Cruz:
"Se há tão poucos que chegam a tão alto estado, de perfeita união com Deus... não é porque Deus queira haja poucos desses espíritos elevados... mas é que acha poucos... que se disponham a operação tão alta e sublime". A maioria "foge ao trabalho, não querendo sujeitar-se ao menor desconsolo e mortificação", nem trabalhar com paciência perseverante. "Assim, (Deus) já não prossegue a obra de purificá-los pela abnegação e renúncia e levantá-los do pó da terra... Ó almas que quereis andar seguras e consoladas nas coisas do espírito! Se soubésseis quantos sofrimentos convém padecerdes para alcançar tal segurança e consolo... tomaríeis a cruz e, nela cravados, haveríeis de querer beber fel e vinagre puro, considerando-o grande ventura, ao verdes que, assim morrendo para o mundo e para vós mesmos, viveríeis para Deus, em deleites do espírito..."
Portanto, se Deus encontra generosidade por parte da alma, ela será por Ele lapidada e se tornará santa. Isto, porém, exige um grau cada vez maior de renúncia até o abandono total de si mesma. Por qualquer que seja a via, é algo bastante doloroso e exige uma Fé total. Faz parte do processo que a alma seja "cegada", isto é, que não veja para onde vai nem como vai. Diz o santo, porém, que é neste estágio que ela caminha mais ligeira, pois a sua cegueira é efeito da grande luminosidade na qual está inserida. O grande ponto da vida mística é a Fé. "O justo viverá por Fé", diz S. Paulo.
Agora, outra coisa: alguém que queira empreender este caminho, deve fazê-lo por amor a Deus. Se estiver movido de outros interesses, ou será purificado no meio do caminho, ou não encontrará o caminho. É como Moisés diante da Sarça Ardente a quem Deus ordena tirar as sandálias. A alma que quiser se achegar a Deus deve despojar-se de todas as intenções curvas. Já diz a Imitação que o coração puro abraça a Deus e a intenção reta o alcança. E diz Jesus: se os teus olhos forem puros - os olhos aqui simbolizam a intenção -, todo o teu ser estará na luz.
No que se refere à vida leiga, é preciso adquirir um profundo senso espiritual. Para isto, ajudam as práticas espirituais como a recitação constante de jaculatórias, sinais de devoção e a prática da presença de Deus, além de um devotado amor à Virgem Santíssima - sem Ela ninguém chega lá. O objetivo é dar-se conta de que a vida ordinária não está fora, mas dentro da vida espiritual que a abarca e a transcende.
Abraço.
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Fantástico. Recomendo a leitura.
ResponderExcluirAbração Fábio e Feliz Natal.
Abração, Claudemir! Feliz Natal! ^^
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