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Profecia do Santuário IV - O princípio Dia-Ano aplicado a Dn 9,24-27



Dando prosseguimento ao nosso estudo sobre a Profecia do Santuário (PS), trataremos, nesse texto, do Princípio Dia-Ano e suas aplicações.

Princípio Dia-Ano


Como dito no texto de exposição, o fundamento para a contagem dos dias relacionados à purificação do santuário é o princípio dia-ano, onde, profeticamente, um dia equivale a um ano. Segundo vimos também, essa equivalência se baseia sobretudo em dois textos do Antigo Testamento:

"Quando esse período estiver terminado, tu te deitarás sobre o lado direito, para de novo levar a iniquidade da casa de Judá durante quarenta dias; cada dia que te concedo corresponde a um ano." (Ez 4,6)

"Explorastes a terra em quarenta dias; tantos anos quantos foram esses dias pagareis a pena de vossas iniquidades, ou seja, durante quarenta anos, e vereis o que significa ser objeto da minha vingança." (Nm 14,34)

Há outros textos, mas estes dois são os principais. O "Questões sobre doutrina" diz: 

"O princípio a ser adotado na interpretação de tempo simbólico é: '[Eu] te dei cada dia por um ano' (Ez 4,7; comparar com Nm 14;34). Acreditamos, portanto, em harmonia com muitos sábios eminentes ao longo dos anos, que os 2.300 'dias' proféticos indicam 2.300 anos literais no cumprimento, e que algo mais, ou algo menos, seria contrário ao princípio básico do simbolismo de tempo." (2008, p.201)

A primeira impressão que nos dá é que essa base é por demais frágil para sustentar uma regra profética. Estes dois textos em nada se relacionam com questões apocalípticas ou com o livro de Daniel. No entanto, o texto de Ezequiel, que é escolhido na citação acima não por acaso, é truncado, bastante simbólico, e de fato profético. Mas, ainda assim, basear-se num único texto, e tão obscuro, para tomar um princípio profético geral, nos parece temerário.

O texto de Números fala de uma ameaça que Deus faz aos israelitas que reclamavam pouco tempo depois de terem saído do Egito. "'Oxalá tivéssemos morrido no Egito ou neste deserto! Por que nos conduziu o Senhor a esta terra para morrermos pela espada? Nossas mulheres e nossos filhos serão a presa do inimigo. Não seria melhor que voltássemos para o Egito?' E diziam uns aos outros: 'Escolhamos um chefe e voltemos para o Egito'." (14, 1-4)

No trecho usado como uma das fontes do princípio dia-ano, Deus diz que este é o tempo em que eles ficarão no deserto e lá morrerão:

"'Até quando sofrerei eu essa assembléia revoltada que murmura contra mim? Ouvi as murmurações que os israelitas proferem contra mim. Dir-lhes-ás: juro por mim mesmo, diz o Senhor, tratar-vos-ei como vos ouvi dizer. Vossos cadáveres cairão nesse deserto. Todos vós que fostes recenseados da idade de vinte anos para cima, e que murmurastes contra mim, não entrareis na terra onde jurei estabelecer-vos, exceto Caleb, filho de Jefoné, e Josué, filho de Nun. Todavia, introduzirei nela os vossos filhinhos, dos quais dizíeis que seriam a presa do inimigo, e eles conhecerão a terra que desprezastes. Quanto a vós, os vossos cadáveres ficarão nesse deserto, onde os vossos filhos guardarão os seus rebanhos durante quarenta anos, pagando a pena de vossas infidelidades, até que vossos cadáveres apodreçam no deserto. Explorastes a terra em quarenta dias; tantos anos quantos foram esses dias pagareis a pena de vossas iniquidades, ou seja, durante quarenta anos, e vereis o que significa ser objeto de minha vingança. Eu, o Senhor, o disse. Eis como hei de tratar essa assembléia rebelde que se revoltou contra mim. Eles serão consumidos e mortos nesse deserto!" (Nm 14, 26-35)
O que se diz é que, por terem explorado a terra por 40 dias e já estarem cheios de reclamação, por 40 anos - punição - sofrerão. Aqui não há uma equivalência, mas um justiçamento. É só observar o contexto.

O texto de Ezequiel, de que referimos a dificuldade, citamo-lo inteiro para que o leitor fique consciente da sua obscuridade. Estamos no capítulo 4. Os versículos do 1 ao 4 são bastante herméticos.

"Filho do homem, toma um tijolo, põe-no diante de ti, e desenha nele a cidade de Jerusalém. Farás contra ela trabalhos de assédio, contra ela construirás terraços e trincheiras, estabelecerás campos e prepararás aríetes. tomarás em seguida uma frigideira de ferro, e a colocarás como uma muralha de ferro entre ti e a cidade. Em seguida voltarás contra ela a tua face; ela será atacada e farás então o assédio. Será isto um símbolo para a casa de Israel."
O que se depreende do texto é que Jerusalém seria cercada. Do versículo 4 em diante, temos:

"Deita-te sobre o lado esquerdo e toma sobre ti a iniquidade da casa de Israel; todo o tempo em que ficares assim deitado levarás sua iniquidade. E eu fixo o número dos anos do seu pecado, segundo o número de dias que te concedo, trezentos e noventa dias, durante os quais carregarás a iniquidade da casa de Israel. Quando esse período estiver terminado, tu te deitarás sobre o lado direito, para de novo levar a iniquidade da casa de Judá durante quarenta dias; cada dia que te concedo corresponde a um ano."

O texto nos parece bastante confuso, e talvez por isso não pudemos encontrar nenhuma explicação mais detida sobre ele em fontes adventistas. Também não encontramos uma explicação do que seriam os "trezentos e noventa dias". Pegar, portanto, esta idéia e usá-la como critério para o cômputo das demais profecias parece-nos arbitrário. E muito mais quando um dos critérios da hermenêutica adventista é nunca basear nada em apenas um texto da Bíblia. 

Não obstante, este princípio de fato foi muito utilizado não só por adventistas, mas por outras várias denominações protestantes, e inclusive por católicos, e, como veremos, ele de fato parece funcionar, ainda que a coisa às vezes se torne um tanto problemática. É preciso saber quando ele deve ser aplicado e quando não. Para resolver esse problema, não basta observar se o livro é profético ou histórico, como às vezes se faz, pois, como veremos depois, o termo "dia" (yom) é naturalmente polissêmico. A nossa idéia com este texto, então, não é exatamente refutar o princípio, mas problematizá-lo e questionar a sua aplicação em certas questões. Embora presumidamente óbvio, pareceu-nos este um dos pontos mais complexos de todo este estudo.

Um aparente sucesso na sua aplicação se dá no caso das setenta semanas, porque, calculadas como anos desde o ano 457, supostamente a data do Decreto de Artaxerxes, as 70 "setes", que são "semanas de anos", nos levam a pelo menos datas aproximadas do nascimento do Cristo, do Seu batismo e da Sua morte, considerando a identificação do "Ungido" com o Cristo, que eu penso ser coerente, embora alguns o identifiquem com Ciro ou Onias III.

O primeiro problema é que, neste caso das 70 semanas, a Bíblia não especifica se se trata de dias ou de anos. A primeira sugestão de que não se referem a dias vem da própria redação: "setenta setes" (Shebuah), e não "semanas". Em segundo lugar, a profecia dada a Daniel por Gabriel diz respeito aos 70 anos de Jer 25,11-12, e que, conforme 2Cr 36,21, é uma aplicação das ameaças divinas em Lv 25,1-5 por não terem guardado o 7º ano: 

"O Senhor disse a Moisés no monte Sinai: 'Dize aos israelitas o seguinte: quando tiverdes entrado na terra que vos hei de dar, a terra repousará: este será um sábado em honra do Senhor. Durante seis anos semearás a tua terra, durante seis anos podarás a tua vinha e recolherás os seus frutos. Mas o sétimo ano será um sábado, um repouso para a terra, um sábado em honra do Senhor: não semearás o teu campo, nem podarás a tua vinha; não colherás o que nascer dos grãos caídos de tua ceifa, nem as uvas de tua vinha não podada, porque é um ano de repouso para a terra." (Lv 25,1-5)

No versículo 8, lemos:

"Contarás sete semanas de anos, sete vezes sete anos, isto é, o tempo de sete semanas de anos, quarenta e nove anos."

Aqui se fala claramente das "semanas de anos", e, como vimos, isto está intimamente ligado às angústias de Daniel e à resposta de Gabriel. Logo, nada mais natural que a interpretação anual das sete semanas que o Arcanjo deu ao profeta de fato se apliquem. Se assim é, esta não seria exatamente uma prova da funcionalidade do princípio "dia-ano", visto que a palavra "dia" nem aparece.

Outra coisa que bate é a menção que o Anjo Gabriel faz a "um tempo, dois tempos e metade de um tempo", em Dn 7,25 e 12,7. Considerando que "um tempo" equivale a "um ano", teríamos 3 anos e meio. Convertidos em grupos de doze meses de trinta dias, temos 1260 dias. O curioso é que nós encontramos a mesma quantidade de dias, transmutada de modos diferentes, também em duas passagens de Apocalipse: 12,6 e 13,5. A primeira fala explicitamente de 1260 dias, e a segunda de 42 meses, o que lhe é equivalente.

Há aqui um porém. Esses 1260 dias, correspondentes ao "um tempo, dois tempos e metade de um tempo", o que equivaleria a 3,5 tempos, corresponde exatamente à "meia semana" de Dn 9,27. 

Analisemos, então, o contexto de cada trecho:

Dn 7,25 - "Proferirá insultos contra o Altíssimo e porá à prova os santos do Altíssimo; ele tentará mudar os tempos e a Lei, e os santos serão entregues em suas mãos por um tempo, tempos e metade de um tempo.

Parte da nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém diz que este trecho "exprime (...) um período de calamidades permitidas por Deus, mas cuja duração, para consolo dos aflitos, será limitada."

Dn 12,7 - "Ouvi o homem vestido de linho, que se achava contra a correnteza do rio, o qual ergueu para o céu a mão direita e a mão esquerda, jurando por Aquele que vive eternamente: 'Será por um tempo, tempos e metade de um tempo. E quando se completar o esmagamento da força do povo santo, essas coisas todas se consumarão!"

Apo 12,6 - "E a Mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe havia preparado um lugar em que fosse alimentada por mil duzentos e sessenta dias."

Parte da nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém: "[O deserto é o] refúgio tradicional dos perseguidos do AT (cf. Ex 2,15, 1Rs 19,3, 1Mc 2,29-30)"

Apo 13,5 - Foi-lhe dada uma boca para proferir palavras insolentes e blasfêmias, e também poder para agir durante quarenta e dois meses.

Sendo que 42 meses de 30 dias dão, de novo, 1260 dias.

Como se vê das passagens acima, o período referido sempre se refere a um tempo em que os inimigos do povo de Deus encontram liberdade e ocasião para agir. É um tempo em que o povo de Deus está sendo oprimido. Mesmo em Apo 12,6, a Mulher só vai ao deserto porque está sendo perseguida. 

E o que será que diz Dn 9,27? Vejamos:

"Ele confirmará uma aliança com muitos durante uma semana; e pelo tempo de meia semana fará cessar o sacrifício e a oblação. E sobre a nave do Templo estará a abominação da desolação até o fim, até o termo fixado para o desolador."

Este trecho é interpretado pela IASD como se referindo a Jesus: a aliança durante a semana seria a pregação do Evangelho até a morte de Estêvão, o que iria supostamente do ano 27 ao 34 d.C.. O sacrifício e a oblação cessados se referiria à morte de Jesus, que fez encerrar a Antiga Aliança.

Porém, vamos analisar o texto. Quem é o "ele" com que começa o versículo 27? O 26 responde: "E a cidade e o Santuário serão destruídos por um príncipe que virá. Seu fim será num cataclismo e, até o fim, a guerra e as desolações decretadas."

Então, o "Ele" não é Jesus, mas o "príncipe que virá" e destruirá a cidade e o Santuário, isto é, o imperador romano Tito, aqui aparecendo como um tipo dos perseguidores, já que o mesmo período de tempo está referido no Apocalipse.

E este imperador, destruindo o Templo de Jerusalém, fará cessar o sacrifício e a oblação, naturalmente. 

"E sobre a nave do Templo estará a abominação da desolação até o fim, até o termo fixado para o desolador."

Duas coisas aqui: "o termo fixado para o desolador" parece se referir ao período de 1260 dias, isto é, os três anos e meio. Se se aplicar aqui o princípio dia-ano - que, lembramos, é problemático -, temos 1260 anos. Uma vez que a invasão do templo se deu no ano 70 d.C., a desolação teria de ir pelo menos até 1330, que é o resultado da soma de 1260 e 70. Há algum fato marcante nesse ano? Parece que não. Isso, claro, considerando que quem faz cessar os sacrifícios seja Tito. Se o aplicarmos a Jesus, considerando a interpretação adventista, temos o ano de 31 d.C. No entanto, "o termo fixado para o desolador" fica uma expressão flutuante. Parece haver aí um salto forçado de repente para o ano 70. Mas, ainda assim, em que consistiria o "termo fixado para o desolador"? Vimos que todas os textos bíblicos que falam de um desolador datam o seu período limitado de dominação em 1260 dias.

A outra questão é a seguinte: Devemos observar o trecho "sobre a nave do Templo estará a abominação da desolação." Antes de saber o significado disso, notemos que Jesus faz menção exata à expressão quando está falando da destruição do Templo: "Quando virdes estabelecida no lugar santo a abominação da desolação que foi predita pelo profeta Daniel, então os habitantes da Judéia fujam para as montanhas." (Mt 24,15-16).

Como nota de rodapé, a Bíblia Ave Maria traz: "a abominação da desolação: esta expressão deve designar os estandartes romanos que os exércitos de Tito implantaram no Templo de Jerusalém."

Já a de Jerusalém diz: "Ao que parece, Daniel designava com essa expressão um altar pagão que Antíoco Epífanes ergueu no Templo de Jerusalém em 168 a.C."

Com efeito, antes de Daniel, o Templo de Jerusalém já havia sido destruído por Nabucodonosor e seria depois profanado por Antíoco. A profecia de Daniel, embora se refira naturalmente ao "tempo do fim", parece também fazer menção à profanação efetuada por Antíoco Epífanes, pois já se fala dele em Dn 11, do versículo 21 em diante. Em 1Mc 41 e seguintes, vê-se que Antíoco tinha publicado um edito prescrevendo que todos, judeus e gentios, formassem um único povo e tivessem uma única religião, "sacrificando aos ídolos e violando o sábado" (1Mc 1,43) Pediu que os israelitas suspendessem os holocaustos diários e os demais ritos, e colocassem altares de ídolos no templo, sacrificando animais considerados imundos e não mais circuncidando seus filhos. Os que não obedeciam tinham de ser mortos. Nos versículos 54 a 60, lemos:

"No dia quinze do mês de Casleu, do ano cento e quarenta e cinco, edificaram a abominação da desolação por sobre o altar e construíram altares em todas as cidades circunvizinhas de Judá. Ofereciam sacrifícios diante das portas das casas e nas praças públicas, rasgavam e queimavam todos os livros da lei que achavam; em toda parte, todo aquele, em poder do qual se achava um livro do Testamento, ou todo aquele que mostrasse gosto pela lei, morreria por ordem do rei. Com esse poder que tinham, tratavam assim, cada mês, os judeus que eles encontravam nas cidades e, no dia vinte e cinco do mês, sacrificavam no altar, que sobressaía ao altar do templo. As mulheres, que levavam seus filhos a circuncidar, eram mortas conforme a ordem do rei, com os filhos suspensos aos seus pescoços. Massacravam-se também seus próximos e os que tinham feito a circuncisão."

De novo é dado aos inimigos poder durante um período e se fala aqui claramente de "abominação da desolação", certamente fazendo referência à profecia de Daniel. Há também uma interpretação das 70 semanas que, com outros critérios, faz referir-se a estes eventos do tempo da profanação de Antíoco.

Seja como for, não é possível que Dn 9,27 se refira a Jesus, pois o fazer cessar o holocausto é obra dos inimigos de Deus. Outra razão para isso é que, segundo a descrição profética, a morte de Jesus é dita no versículo 26. Portanto, a "aliança" do v. 27 e a cessação do sacrifício não podem referir-se ao "Ungido".

Vejamos os dois versículos agora em sequência:

"Depois das sessenta e duas semanas um Ungido será eliminado, e ninguém será a favor dele. E a cidade e o Santuário serão destruídos por um príncipe que virá. Seu fim será num cataclismo e, até o fim, a guerra e as desolações decretadas. Ele confirmará uma aliança com muitos durante uma semana; e pelo tempo de meia semana fará cessar o sacrifício e a oblação. E sobre a nave do Templo estará a abominação da desolação até o fim, até o termo fixado para o desolador."

A Bíblia de Jerusalém, em nota de rodapé, confirma essa visão:

"A abolição do sacrifício antigo não significa aqui a sua substituição pelo sacrifício da nova aliança; as passagens paralelas e o contexto mostram que se trata de obra dos ímpios.

A meia semana, então, seria o equivalente aos 1260 dias, que no decorrer dos livros da bíblia simbolizam o tempo dado ao inimigo de Deus sobre os seus.

As dificuldades dessa interpretação residem no seguinte:

- O fazer cessar o sacrifício ocorre na metade da septuagésima semana, isto é, na metade dos últimos sete anos. A invasão de Jerusalém, no entanto, se dá cerca de 40 anos depois da morte de Jesus, em 70 d.C.

- Quais seriam as alianças que Tito teria feito com muitos?

- Ao contrário, parece ser possível estabelecer uma relação entre a "aliança feita com muitos" e o "sangue da nova aliança derramado por muitos" da Santa Ceia. 

Diz o C, Mervyn Maxwell:

"O uso feito por Cristo da palavra 'aliança' e da expressão 'em favor de muitos', mostra que durante a última ceia Ele estava pensando em Daniel 9,27. 'Ele fará firme aliança com muitos por uma semana.' A referência ao Seu sangue significava que o concerto somente poderia tornar-se efetivo se Ele ofertasse o Seu próprio corpo na cruz. Sem derramamento de sangue não há remissão. (Hb 9,22)" (Uma nova era segundo as profecias de Daniel, 2013, p. 234)
Sobre a nossa sugestão de que o "Ele" que inicia o versículo 27 de Dn 9 refira-se não ao Cristo, mas ao invasor do Templo, isto é, ao general romano Tito, o mesmo autor nos diz o seguinte:

"Não é de surpreender que ao longo dos séculos alguns estudiosos da Bíblia tenham mantido a errônea suposição de que o 'ele' desta porção do texto seja o príncipe desolador, e não o Messias Príncipe. Até mesmo o conhecimento comentarista romano Hipólito cometeu esse erro no terceiro século, concluindo que seria um futuro anticristo - e não Jesus Cristo - que faria cessar os sacrifícios. É lamentável que o erro de Hipólito seja ainda hoje por vezes citado, como se fosse verdade." (p. 222-223)

- Em todo caso, mesmo que a cessação dos holocaustos fosse devida ao sacrifício de Cristo, a abominação da desolação só pode ir até o final das 70 semanas, pois é dito na profecia que este era o tempo para acabar a transgressão, embora, de novo, Jerusalém só seja invadida no ano 70 d.C. e, portanto, depois do tempo referido das setenta semanas de anos, se as começarmos a contar a partir de 457 a.C., o que também é controverso. Parece-nos que este trecho - acabar com a transgressão - se encontra no mesmo contexto de Dn 8,14 - de que trataremos longamente depois - que fala da "purificação do santuário". Portanto, "cessar a transgressão" ou "purificar o santuário" - uma vez que a agressão é contra o Templo - seria trazer o santuário à sua ordem natural, isto é, afastar ou destruir os que o transgrediam, embora talvez se possa dizer que o "cessar a transgressão" é a primeira etapa ou negativa da "purificação do santuário", a parte posterior e positiva, uma vez que as 70 semanas comumente se entendem deverem ser cortadas dos 2.300 dias. O "Questões sobre Doutrina", no entanto, traz uma explicação que nos pareceu bastante infundada:

"Para fazer cessar a transgressão - o sentido desta frase é o de levar a transgressão ao máximo. O ato de os judeus encherem a medida da iniquidade foi mencionado por nosso Senhor, ao dizer: 'Enchei vós, pois, a medida de vossos pais' (Mt 23,32; comparar com Gn 15,16). Seu pecado culminante foi, naturalmente, a rejeição e crucifixão do Messias. Dessa maneira, a nação ultrapassou o limite além do qual não haveria retorno. 'Eis que a vossa casa os ficará deserta', declarou Jesus (Mt 23,38). Isso cumpriu a profecia do Mestre: 'O reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que Lhe produza os respectivos frutos.' (Mt 21,43)" (2008, p. 217)

Não nos parece que isso tudo signifique "fazer cessar a transgressão". O que o leitor pensa?

Uma outra obra adventista, já citada, o "Uma nova era segundo as profecias de Daniel", tentando explicar essa expressão, discorda da anterior:

"O livro de Hebreus representa grande auxílio na compreensão de Daniel 9,24. Hebreus 9,26 fala de Jesus como Aquele que 'Se manifestou uma vez por todas para aniquilar pelo sacrifício de Si mesmo o pecado.' Esta afirmação corresponde obviamente à parte A de Daniel 9,24, 'para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniquidade.' Hebreus também nos incentiva a olhar a Jesus Cristo como o 'Autor da salvação eterna' (Hb 5,9) - conselho que corresponde à promessa de Deus em Daniel 9,24, de que o Messias traria 'justiça eterna'." (2013, p. 218)
Aqui há dois detalhes. A citação em negrito, note, está sem a conjunção aditiva "e", o que dá a entender falsamente que as três expressões "cessar a transgressão", "dar fim aos pecados" e "expiar a iniquidade" são sinônimos exatos. Neste caso, a conjunção geralmente vem no final da citação, dando a entender que cada uma das expressões usadas possui um sentido específico. Por isso, se não a citou inteiramente, o autor deveria ter posto uma reticência ao final. Vejamos outras traduções

Ave Maria - "... para dar fim à prevaricação, selar os pecados e expiar a iniquidade..."

De Jerusalém - "... para fazer cessar a transgressão e apagar a iniquidade e instaurar uma justiça eterna..."

Almeida Corrigida e Revisada - "... para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados, e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna..."

Nova Versão Internacional - "... Setenta semanas estão decretadas para o seu povo e sua santa cidade para acabar com a transgressão, para dar fim ao pecado, para expiar as culpas, para trazer justiça eterna, para cumprir a visão e a profecia, e para ungir o santíssimo." (citamos inteira por causa da conjunção no final, que tira a idéia da equivalência entre as expressões. No caso da citação utilizada pela obra adventista, que termina com um ponto final, isto torna o sentido da frase ambíguo e permite o sentido que eles querem forçar.

Sociedade Bíblia Britânica - "... para consumir a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniqüidade, para trazer a justiça eterna, para selar a visão e profecia e para ungir o santíssimo." (Mesmo caso de cima)

No entanto, é óbvio que cada uma dessas expressões traz um significado próprio. Neste sentido, o "Questões sobre doutrina" parece-nos mais completo e correto, pois ele explica expressão por expressão.

O segundo detalhe é que a citação diz que o texto de Hebreus 9,26 corresponde obviamente às três primeiras expressões de Dn 9,24, o que significa dizer que o "Questões sobre doutrina" estaria obviamente errado. E aí temos uma fonte adventista discordando obviamente de outra.

Fica, então, a pergunta: o que danado significa "fazer cessar a transgressão?" Consideramos mais coerente relacioná-la à cessação de uma força inimiga que atenta contra o Templo, como em todos os demais casos correspondentes. Mas disso surgem outros problemas, como vimos. Outra coisa: qual é o "tempo fixado para o desolador", do final de Dn 9, 27? Isto, de novo, parece-nos harmonizar-se com o "fazer cessar a transgressão" de modo que poderíamos juntar as duas idéias do seguinte modo:

"A transgressão será cessada quando se completar o tempo fixado para o desolador." Mas ficam ainda outras questões por responder.

Pois é, amigo, não resolveremos esse impasse. Mas tampouco era nossa intenção. Apenas queremos indicar que a aplicação que a IASD faz não é assim tão óbvia. E tampouco há algum interesse particular nosso em negar este ponto, visto que várias denominações, incluindo a Igreja Católica, geralmente aplicam as 70 semanas ao tempo messiânico, o que ainda nos parece mesmo o mais conveniente, embora, diferentemente da IASD, a cessação dos sacrifícios nos pareça se referir aos profanadores.

Veja o que diz a nota de rodapé da Bíblia Ave Maria sobre o versículo 27 de Dn 9:

"Este oráculo recebeu duas principais interpretações: a que vê em toda a profecia uma descrição dos tempos macabeus, e a que vê nela um pré-anúncio dos tempos messiânicos. Os partidários da primeira admitem, no entanto, por trás da descrição dos tempos macabeus, a existência de um segundo plano referente aos tempos messiânicos. A interpretação puramente messiânica, entretanto, prevalece na Igreja e na tradição católicas. Em cada um dos dois sistemas, o modo de contar as 'semanas de anos' será necessariamente diferente. Mas em caso algum as setenta semanas devem ser consideradas como um cálculo exato. Finalmente, é preciso reconhecer que o profeta entrevê uma terceira perspectiva, a do fim dos tempos."

Aqui está uma advertência para que as semanas não sejam calculadas literalmente, como semanas de dias. Mas mesmo em se tratando de semanas de anos - que seria o intuito profético -, é comum que os números tenham um simbolismo místico - como os frequentes números 40, 400, 12, 7, etc - e que eles às vezes sejam, mesmo com a transposição, literalmente imprecisos e somente aproximados. Um exemplo:

Em Jer 25,11-12, a profecia que está no background do que o Anjo Gabriel diz a Daniel, lemos:

"Converter-se-á esta terra em angústia e solidão, e por setenta anos lhe há de perdurar a servidão ao rei de Babilônia."

Nota de rodapé da Bíblia Ave Maria: "Setenta anos: na realidade, o cativeiro em Babilônia durou sessenta e cinco anos, ou seja, aproximadamente, de 604 a 539, data da queda de Babilônia sob o domínio persa."

Nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém: "Número arredondado da duração do exílio, retomado em 29,10 e numa outra forma em 27,7. O tema se encontra em 2Cr 36,21 e fundamenta Dn 9."

E se às vezes o número, mesmo transmutado, não é exato, como ficam as suas aplicações?

No próximo artigo, pois este já vai longo, trataremos do princípio dia-ano aplicado a Dn 8,14.

Até lá.

Fábio
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