Pe Jacques Leclercq
O Homem encaminha-se para o bem total, para o necessário, para o único, para Deus, na multiplicidade do contingente e através dela. É através de todos estes bens contingentes, não-necessários - que são bens e que podem ser perfeições, não sendo nenhuma delas o bem, nem podendo tornar-se a perfeição - que abro o meu caminho para o bem e para a perfeição.
Isto é a moral. A moral é a regra por que me encaminho para o necessário pelo contingente, para Deus pelas criaturas. Dirige a multiplicidade do meu amor à unidade do seu fim. Dá a fórmula por que me sirvo da multiplicidade dos bens exteriores para atingir o bem absoluto.
Sob este ponto de vista, a primeira regra da moral é viver pelo espírito, porque é o espírito que vê a verdade e o bem no ser. Poderia mesmo dizer-se, remontando mais alto, que é o espírito que vê o ser no ser. O espírito vê, assim, os seres absolutos nos seres contingentes, a verdade e o bem absolutos nas verdades e nos bens contingentes. Só o espírito pode conduzir o contingente ao necessário, compreender de que maneira e em que medida o contingente conduz ao necessário e de que maneira o Homem pode ir para o necessário, para o uno, através do múltiplo.
A maior parte das virtudes morais não tem outro fim além do de libertar o espírito da matéria, a fim de permitir coordenar o uso dos bens contingentes com esta busca da unidade. Primeiro unificando-se a si mesmo, unificando a ação nesta busca do uno, e depois, servindo-se de quanto nos rodeia.
Certas virtudes, como a humildade e a prudência, ou como a fé no plano sobrenatural, estão centradas na visão do verdadeiro; outras, como a fortaleza e, no plano sobrenatural, a caridade, estão centradas na busca do bem, umas mais intelectuais, outras mais voluntárias. As virtudes intelectuais sem vontade fazem espíritos clarividentes que não realizam o que vêem; as virtudes voluntárias sem inteligência fazem naturezas generosas que não realizam o bem por falta de clarividência. A perfeição do Homem está na coordenação de todas as virtudes, unidade de multiplicidade.
Quando o espírito está livre da paixão, quando a vontade dirige a vida no sentido em que o espírito o indica, e as paixões intensificam a ação ao serviço do espírito, o Homem torna-se capaz de se unificar na procura de Deus. Pelas suas próprias forças, o Homem pode identificar-se de certa maneira com Deus, identificando a sua vida com a vontade divina manifestada na Natureza. Para isso, deve conhecer a Deus tanto quanto o seu espírito pode conhecê-lo. Conhecer a Deus é conhecer o uno e ver o absoluto no relativo.
Identificar-se com a virtude divina manifestada na Natureza é escolher entre os bens aqueles que permitem desenvolvermo-nos plenamente, e se há vários, escolher um que se utilize até o fim. Na medida em que nos tornamos perfeitos, conhecemos a Deus e compreendemos que é o bem e a beleza. Esta única compreensão, ainda que abstrata, enche o espírito de uma alegria que ultrapassa qualquer outra.
Mas Deus não abandona o Homem a si mesmo. Ao Homem que empreende a conquista da sua perfeição, Cristo traz-lhe pela sua redenção uma vida realmente divina. Então o Homem já se não identifica unicamente com Deus pela identificação da sua ação com a vontade divina, mas possui a Deus e goza de Deus segundo um modo que é para nós misterioso, que é puro dom gratuito de Deus e que eleva a criatura a uma plenitude de ser e de felicidade realimente inexprimível.
E eis aqui toda a regra de vida.
LECLERCQ, Jacques. Diálogo do homem e de Deus. 6 ed, Coimbra: Casa do Castelo, 1965. p.107-109.
Percebi uma identificação muito ampla com os escritos de Sto Agostinho, sobretudo quando diz-se que a moral é a forma que o homem possui para chegar a Deus pelas criaturas.
ResponderExcluirSim, também, mas inspiração do Padre é sobretudo a filosofia de Sto Tomás, que tem, claro, muita coisa de Agostinho.
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