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Necessidade da mortificação para a perfeição - Adolph Tanquerey


A - Esta necessidade promana da natureza da perfeição que, como acima dissemos, consiste no amor de Deus até o sacrifício e imolação de nós mesmos, de tal sorte que, segundo a Imitação, a medida do nosso progresso espiritual depende da violência que a nós mesmos nos fazemos. Bastará, pois, recordar sumariamente alguns motivos que poderão influir sobre a nossa vontade, para a ajudar a cumprir este dever. Esses motivos tiram-se da parte de Deus, de Jesus Cristo, e da nossa santificação pessoal.

Da parte de Deus

O fim da mortificação, como dissemos, é unir-nos a Deus. Ora, é impossível conseguir essa união, se nos desprendermos do amor desordenado das criaturas.

B – No dia do nosso batismo, firmou-se entre Deus e nós um verdadeiro contrato. a) Do seu lado, purificou-nos Deus da mácula original e adotou-nos por filhos, comunicou-nos uma participação da sua vida e empenhou-se a dar-nos todas as graças necessárias para a conservar e acrescentar. E bem sabemos nós com que liberalidade cumpriu Deus as suas promessas. b) Do nosso lado, comprometemo-nos a viver como verdadeiros filhos de Deus, a aproximar-nos da perfeição do nosso Pai celeste, cultivando essa vida sobrenatural. Ora, tudo isso é impossível sem a prática da mortificação. Porquanto, duma parte, o Espírito Santo, que nos foi dado no batismo, “nos leva a buscar o desprezo, a pobreza, os sofrimentos, e por outra, a nossa carne deseja a honra, o prazer, as riquezas”. Há, pois, em nós um conflito, uma luta incessante; nem podemos ser fiéis a Deus, sem renunciarmos ao amor desordenado da honra, do prazer e das riquezas. É por isso que o sacerdote, ao administrar-nos o batismo, traça duas cruzes sobre nós, uma sobre o coração, para imprimir em nós o amor da cruz, outra sobre os ombros, para nos dar a força de a levar. Faltaríamos, pois, às promessas do nosso batismo, se não carregássemos com a nossa cruz, combatendo o desejo da honra com a humildade, o amor do prazer com a mortificação, a sede das riquezas com a pobreza.

Da parte de Jesus Cristo

A) Somos-lhe incorporados pelo batismo, e, como tais, devemos receber dele o movimento e as inspirações, e, por conseguinte, conformar-nos com Ele. Ora, como diz a Imitação, a sua vida inteira não foi senão um longo martírio:“Tota vita Christi crux fuit et martyrium”. A nossa, por conseguinte, não pode ser vida de prazer e honras, senão vida mortificada. É afinal o que nos diz claramente o nosso divino Chefe: “Si quisvult post me venire, abneget semetipsum, et tollat crucem suam quotidie et sequatur me” (Lc IX, 23). Pois, se há alguém que deva seguir a Jesus, é seguramente aquele que tende à perfeição. Ora, como seguir a Jesus que, desde a entrada no mundo abraçou a cruz, que toda a sua vida suspirou pelo sofrimento e humilhação, que desposou a pobreza no presépio e a teve por companheira até o Calvário, se amamos o prazer, as honras, as riquezas, se não levamos a nossa cruz de cada dia, a que o próprio Deus nos escolhe e envia? É uma vergonha, exclama S. Bernardo, que, debaixo duma cabeça coroada de espinhos, sejamos membros delicados, com temor dos menores sofrimentos “pudeat sub spinato capite membrum fieri delicatum”. Para sermos, pois, conformes a Jesus Cristo e nos aproximarmos da sua perfeição, é necessário levar a nossa cruz com Ele.

B) A) Se aspiramos ao apostolado, aí temos novo motivo para crucificar a carne: Foi pela cruz que Jesus Cristo salvou o mundo; será, pois, pela cruz que havemos de colaborar com Ele na salvação de nossos irmãos, e o nosso zelo será tanto mais fecundo quanto maior for a parte que tivermos nos sofrimentos do Salvador. Era este, seguramente, o motivo que animava S. Paulo, quando completava em sua carne a paixão do divino Mestre, a fim de obter graças para a Igreja. É isto que sustentou no passado e sustenta ainda no presente tantas almas que se oferecem como vítimas, para ser Deus glorificado e as almas salvas. É áspero, em dúvida, o sofrimento; mas, ao contemplarmos Jesus caminhando diante de nós com a cruz aos ombros, para nos salvar a nós e aos nossos irmãos, ao vermos a sua agoniam, a sua condenação injustíssima, a flagelação, a coroação de espinhos, a crucifixão, ao ouvirmos as mofas, os insultos, as calúnias, que Ele aceita em silêncio, como ousaremos queixar-nos? Ainda não chegamos a derramar o sangue: “nondum usque ad sanguinem restitistis” (Hebr. XII,4). E se estimamos no seu justo valor a nossa alma e a de nossos irmãos, não valerá a pena suportar alguns sofrimentos passageiros por uma glória que jamais findará, e para cooperar com Cristo Senhor Nosso na salvação dessas almas, pelas quais Ele derramou, até a última gota, o seu sangue?

Estes motivos, por mais elevados que sejam, são compreendidos por algumas almas generosas, logo desde o começo da sua conversão; propor-lhos, é adiantar a obra da sua purificação e santificação.

Da parte da nossa santificação

A) Necessitamos de assegurar a perseverança; ora, a mortificação é, sem dúvida alguma, um dos melhores meios de preservação do pecado. O que nos faz sucumbir à tentação é o amor do prazer ou o horror da pena, da luta, horror difficultatis, labor certaminis. Ora, a mortificação combate esta dupla tendência, que em realidade é uma só. Desquitando-nos de alguns prazeres legítimos, a mortificação arma-nos a vontade contra os prazeres ilícitos, tornando-nos fácil a vitória sobre a sensualidade e o amor próprio, “agendo contra suam propriam sensualitatem et contra suum amorem carnalem et mundanum”, como diz com razão S. Inácio. Se, pelo contrário, capitulamos diante do prazer, concedendo-nos todas as alegrias permitidas, como saberemos resistir no momento em que a sensualidade, ávida de novos gozos, perigosos ou ilícitos, se sente como arrastada pelo hábito de ceder às suas exigências? A ladeira é tão escorregadia, em matéria de sensualidade , sobretudo é tal a fascinação da vertigem, que não há nada mais fácil que resvalar ao abismo. Até mesmo tratando-se de orgulho, o declive é mais rápido que se imagina: mente-se, por exemplo, em matéria leve, para dar uma desculpa e evitar assim uma humilhação; e depois, no sagrado tribunal, corre-se perigo de faltar à sinceridade por medo duma confissão humilhante. A própria segurança exige, pois, a luta contra o amor próprio tanto como contra a sensualidade e a cobiça.

B) Não basta evitar o pecado; é mister avançar na perfeição. Ora, qual é ainda aqui o grandíssimo obstáculo, senão o amor do prazer e o horror da cruz? Quantos desejariam ser melhores, tender à santidade, se não fosse o temor do esforço necessário para adiantar e das provações que Deus envia aos seus melhores amigos? É necessário, pois, recordar-lhes o que S. Paulo tantas vezes repetia aos primeiros cristãos, a saber, que a vida é um combate, que devemos ter vergonha de ser menos corajosos que os que lutam por uma recompensa terrestre, e, para se prepararem para a vitória, se privam de muitos prazeres lícitos e se impõem duros e penosos exercícios, e tudo isso por uma coroa perecedora, enquanto a coroa, que nos está prometida, é imortal. Temos medo do sofrimento; mas já refletimos nas terríveis penas do Purgatório que teremos de padecer durante longos anos, se quisermos viver na imortificação e conceder-nos todos os prazeres que nos lisonjeiam? Quanto mais prudentes não são os homens do século?! Quantos se não impõem ásperos trabalhos, e quantas vezes se não sujeitam a passos humilhantes, para ganharem um pouco de dinheiro e assegurarem uma aposentação honrosa! E nós não havíamos de nos dar à mortificação, para assegurar uma aposentação eterna na cidade do céu? É isto razoável?

É, pois, necessário convencermo-nos de que não há perfeição nem virtude possível sem mortificação. Como ser casto, sem mortificar essa sensualidade que nos inclina tão fortemente aos prazeres perigosos e perversos? Como guardar a temperança, senão reprimindo a gula? Como praticar a pobreza ou até mesmo a justiça, sem combater a cobiça? Como ser humilde, manso e caritativo, sem dominar essas paixões de orgulho, de cólera, de inveja e de ciúme que dormitam no fundo de todo o coração humano? Não há uma só virtude que, no estado de natureza decaída, se possa praticar muito tempo sem esforço, sem luta e, por conseguinte, sem mortificação. Pode-se, pois, dizer com M. Tronson, que, “assim como a imortificação é a origem dos vícios e a causa de todos os males, assim a mortificação é o fundamento das virtudes e a fonte de todos os bens”.

C) Pode-se até acrescentar que a mortificação, apesar de todas as privações e sofrimentos que impõe, é, ainda mesmo neste mundo, a fonte dos maiores bens, e que, afinal, os cristãos mortificados são em geral mais felizes que os mundanos que se entregam a todos os prazeres. É o que ensina o próprio Cristo Senhor Nosso, ao dizer-nos que os que deixam tudo, para o seguirem, recebem em retorno cento por um ainda mesmo nesta vida. S. Paulo não se exprime diversamente, quando, depois de haver falado da modéstia, isto é, da moderação em todas as coisas, acrescenta que quem a pratica goza daquela paz verdadeira que supera toda a consolação. Oh! Quanto não teve ele que sofrer! As provações terríveis, por que houve de passar na pregação do Evangelho, bem como na luta contra si mesmo, descreve-no-las ele longamente; mas acrescenta que abunda e superabunda de alegria no meio das suas tribulações: “superabundo Gaudio in omni tribulatione nostra” (II Cor. VII, 4)


TANQUEREY, Adolph. Compêndio de Teologia Ascética e Mística. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1955 [1924].

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