Por último, ainda que sem esgotar a intervenção de João Paulo II de fevereiro de 2000, quero ressaltar que ao referir-se à mentalidade renunciatória diante das leis iníquas o Santo Padre afirma: "A consciência civil e moral não pode aceitar esta falsa inevitabilidade, do mesmo modo que não aceita a idéia da inevitabilidade das guerras ou dos extermínios inter-étnicos."
A pressão social, o medo de sermos qualificados de fundamentalistas e um sincero, ainda que equivocado, espírito de salvar o que pode ser salvo frente à avalanche de projetos, leis e costumes iníquos, podem fazer-nos cair na tentação de negociar o que é inegociável e, portanto, ceder quanto ao que não nos pertence - a ordem natural e a doutrina de Jesus Cristo. Esta atitude nos fará cair na opção do mal menor, num malminorismo moralmente inadmissível.
Que sirva para ilustrar o exemplo do Servo de Deus Jerôme Lejeune. Aos 33 anos, em 1959, Lejune publicou sua descoberta sobre a causa da síndrome de Down, a "trissomia do 21", e isto o transformou em um dos pais da genética moderna. Em 1962 foi designado como especialista em genética humana na Organização Mundial de Saúde (OMS) e, em 1964, foi nomeado Diretor do Centro Nacional de Investigações Científicas da França; no mesmo ano, é criada para ele, na Faculdade de Medicina da Sorbonne, a primeira cátedra de Genética fundamental. Transforma-se assim em candidato número um ao Prêmio Nobel de Medicina.
Aplaudido e lisonjeado pelos grandes do mundo, deixa de sê-lo em 1970, quando se opõe ferozmente ao projeto de lei do aborto eugênico. Lejeune combateu o malminorismo que infectou os católicos na França; estes supunham que cedendo no aborto eugênico freavam as pretensões abortistas e evitavam uma legislação mais permissiva. Os argumentos de Lejeune eram muito claros: não podemos ser cúmplices, o aborto é sempre um assassinato, quem está doente não merece a morte por isso e, mais ainda, longe de frear males maiores o aborto eugênico abre as portas para a liberalização total desse crime. Sua postura lhe rendeu uma real perseguição eclesial que se juntou à perseguição civil, acentuada por sua defesa do nascituro nas Nações Unidas.
Também em 1970, participou de uma reunião na OMS, na qual se tentava justificar a legalização do aborto para evitar abortos clandestinos. Foi nesse momento, quando se referindo à Organização Mundial de Saúde, que disse: "eis aqui uma instituição de saúde que se tornou uma instituição para a morte." Nessa mesma tarde, ele escreveu para sua esposa e filha dizendo: "Hoje eu joguei fora o Prêmio Nobel". Em nenhum momento deu ouvidos aos prudentes, que o aconselhavam calar-se para chegar mais alto e assim mais poder influir.
João Paulo II, em uma carta ao Cardeal Jean-Marie Lustinger, então arcebispo de Paris, por ocasião da morte de Lejeune, disse:
"Como cientista e biólogo era um apaixonado pela vida. Ele se tornou o maior defensor da vida, especialmente a vida dos nascituros, tão ameaçada na sociedade contemporânea, de modo que se pode pensar que seja uma ameaça programada. Lejeune assumiu plenamente a particular responsabilidade do cientista, disposto a ser um sinal de contradição, ignorando a pressão da sociedade permissiva e do ostracismo do qual era vítima."
Mons. Sanahuja. Poder Global e Religião Universal. Campinas SP: Ecclesiae, 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fique à vontade para comentar. Mas, se for criticar, atenha-se aos argumentos. Pax.