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Octávio de Faria sobre Léon Bloy


Assim como sua vida pode ser considerada, em seu todo, como o testemunho vivo de sua fé em Deus, também seu pensamento pode se sintetizar em uma frase: Deus existe. Esse homem, Léon Bloy, acreditava em Deus, e sua mensagem, por mais rica e complexa que se nos apresente, é apenas a expressão disso, a afirmação, não importa em quantos tons e sob que variantes, dessa realidade fundamental. É de que, em consequência, existe entre o mundo divino e o mundo humano uma constante intercomunicação. Sua maior grandeza, sua força principal para nós que vivemos home, vem daí, desse fato de ter acreditado na existência de Deus como nenhum outro homem, e de ter consagrado uma obra e uma existência inteira a essa afirmação nuclear: Deus existe. Deus existe e Jesus Cristo, seu Filho, morreu por nós, e o Espírito Santo, Terceira Pessoa da Trindade Divina, virá um dia varrer a terra com o seu fogo de purificação - Tal é a sua mensagem essencial.

Da intensidade com que esse cristão privilegiado acreditava em Deus, não sei como dar uma idéia, aqui. Não sei que trechos escolher numa obra que, toda ela, diz a mesma coisa, mostrando a todos os momentos a presença ou a ausência de Deus em tudo, nas coisas que acontecem tão bem quanto nas que deixam de acontecer. Mas, não será suficiente relembrar que para ele o visível era, apenas, "o rastro dos passos do invisível"? ... Ou, simplesmente, recordar o que sua existência foi, como toda ela o exprime, e diariamente, a mesma idéia fundamental: a diferença entre o mundo e eu, Léon Bloy, é que eu, Léon Bloy, acredito em Deus e a Ele me entreguei por inteiro, e o mundo não acredita em Deus, renegando-o a todos os instantes. Daí meu sofrimento - daí a glória do mundo...

Acreditou em Deus nos detalhes mais ínfimos das horas que passavam e no desenrolar dos destinos maiores de que a história deu notícia, no dos Imperadores de Bizâncio, no de Joana D'Arc, no de Cristóvão Colombo, no de Maria Antonieta e no de seu pobre filho, no de Napoleão ("face de Deus nas trevas") e, sobretudo, no seu próprio. Viu-O por toda a parte, até mesmo por detrás da linguagem despreocupada do burguês - nessas espantosas exegeses de lugares-comuns que valem como o "police-verso" dirigido contra o mundo da Burguesia - e viu_o na glória dos seus maiores santos e dos místicos que mais perto d'Ele chegaram. Acreditou n'Ele, esperou n'Ele e por Ele, "discutiu" com Ele, sofreu aos Seus pés e ao Seu lado. E foi mesmo mais longe ainda, para escândalo do mundo, dos homens da ciência e dos filósofos que tudo sabem e demonstram: acreditou realmente no demônio, temeu-o, distinguindo nas coisas do mundo, as suas coisas das de Deus. Proclamou-o sem medo, fez até, dessa distinção, uma de suas principais revelações. Chegou mesmo a declarar (cubram a cara os que quiserem): "Tudo, nesse mundo, é inexplicável sem a intervenção do Demônio."

É que seu catolicismo era um catolicismo vivo, catolicismo de quem só conhecia uma regra fundamental: o Evangelho. E, o Evangelho sem a distinção, a seus olhos odiosa, demoníaca, entre o preceito e o conselho. O Evangelho, que ensina: é preciso ser pobre para se salvar, o Evangelho que ele próprio propõe: "Vender tudo, deixar tudo, destruir em si o espírito do mundo." O Evangelho, a quem todos deviam configurar suas vidas diárias, porque nele está escrito, para sempre, a história de todos os homens. Dirá mesmo: "A ressurreição de Lázaro é a história de todo o mundo, a cura do cego de nascença, do surdo-mudo, do paralítico ou dos dez leprosos, todos os milagres do Evangelho são a história de todo o mundo, mas ninguém o percebe. Aliás, como percebê-lo, se mais de uma vez ele próprio nos adverte: "A nenhum homem é dado conhecer a sua própria história"?

Catolicismo vivo, intransigente, de quem sabe que, se Deus existe, existe em todas as coisas e a todos os momentos, na dor como na alegria, na glória dos céus como pregado no Madeiro, sangrando e sofrendo. Catolicismo de quem, como já tivemos ocasião de ver, aprendeu com Pascal que Jesus o Cristo está em agonia até a consumação dos séculos, até que os homens tenham suficiente piedade dele pra ir tirá-lo da Cruz, abandonando as riquezas e os prazeres do mundo, renegando o Dinheiro que é o "Sangue do Pobre". Catolicismo de todos os instantes, que sabe perfeitamente: nada se faz, nada se diz, nada se pensa, que não vá diretamente tocar as pessoas da Trindade Divina, o Pai que é Amor e Glória, o Filho que é Sofrimento e Pobreza, o Espírito Santo que é Fogo e Mistério. Catolicismo de quem, de tanto caminhar à sombra do Espírito Santo, conseguiu descobrir: "Quer o queira ou não, quer o saiba ou o ignore, cada homem é forçado, a todos os instantes de sua vida, a declarar a morte de Jesus Cristo. Aquele que compra um pão, anuncia a morte de Jesus Cristo." - e que diz também, com igual inspiração divina: "Jesus está no centro de tudo, assume tudo, sofre tudo. É impossível golpear uma criatura sem golpeá-lo, humilhar alguém sem humilhá-lo, amaldiçoar ou matar quem quer que seja sem amaldiçoá-lo ou matá-lo. O mais vil de todos os miseráveis é obrigado a tomar emprestada a Face do Cristo para receber uma bofetada, de não importa que mão."

Catolicismo, portanto, de quem tem de ver tudo de modo diferente do comum dos homens, de quem tem de denunciar os perigos que o mundo corre, de quem tem de lhe gritar - já que esse mundo criminoso esqueceu completamente o Cristo e a verdadeira prática de sua religião -: "É preciso rezar. Tudo mais é vão e estúpido. É preciso orar para suportar o horror desse mundo, é preciso rezar para ser puro, é preciso rezar para obter a graça de "esperar". Catolicismo profundo, visceral, de quem orava incessantemente, de quem trazia nas calças as marcas das constantes genuflexões que fazia. E Léon Bloy, realmente, andava pelas ruas rezando, de rosário no bolso, sem que os homens o percebessem, como também não viam o rosário no bolso de Péguy - desse Péguy que passou, provavelmente mais de uma vez, rezando, a seu lado nas ruas de Paris, sem que nenhum dos dois tivesse consciência disso...

Rezar, portanto. Rezar para que os homens tenham noção do perigo que estão correndo - outro não tendo sido o aviso da Virgem na Salette - e voltem enfim a Deus. Pois, como Bloy tão bem disse: "Ninguém, seja entre os melhores cristãos, parece procurar Deus, nem mesmo pensar n'Ele. Todos se sentam à mesa como cães e vão pra a cama como porcos. Impossível conseguir a menor atenção, quando se fala de Deus."

Esquecimento de Deus - esquecimento de Cristo. E, se Dostoievsky, nessa época, do fundo da Rússia, denunciava na perda do Cristo o motivo fundamental da decadência da civilização ocidental, Léon Bloy, em pleno campo de batalha, não vê diferentemente o problema. Também para ele, a renegação do Cristo, tácita ou explícita, o esquecimento ou a deturpação do seu ensino, é a razão decisiva do esboroamento do mundo moderno, desse universo católico que via marchando tão violentamente para as anunciadas catástrofes finais que não havia terremoto na Sicília, naufrágio no Atlântico ou incêndio na Ópera ou num Bazar de Caridade qualquer, que não lhe parecesse logo o mais evidente sinal de que o castigo último ia enfim começar - o dilúvio esperado, ardentemente esperado, não devendo demorar muito...

O mundo e Judas traíram o Cristo. Bloy, no entanto, ao mundo, ainda prefere Judas. Pelo menos, esse pobre miserável, que reuniu contra si o universo inteiro, teve o movimento final de revolta contra sua miséria, contra sua traição. Renegou-se publicamente. O mundo, não. Dele, nenhum desespero a esperar, nada que se pareça com a devolução dos trinta dinheiros. (...) Tal é o mundo que odiou tanto (talvez como ninguém mais), e de um modo tal que frequentemente o surpreendia, já que, na verdade, era capaz de muito amor, de grandes movimentos de ternura, como o provam inúmeros trechos de sua obra, especialmente os consagrados à glorificação da Virgem e à propagação de sua mensagem da Salette. No entanto, para o mundo propriamente, eram bem outros seus impulsos, e mais de uma vez teve de fazer dessas confissões: "Sim, é verdade, sinto-me cheio de ódio desde a minha infância e ninguém jamais amou os homens mais ingenuamente do que eu. Detestei, porém, as coisas, as instituições, as leis do mundo. Odiei infinitamente o Mundo e as experiências de minha vida não serviram senão para exasperar essa paixão."

nenhuma dúvida: entre Deus e Mamon, não teve vacilações. Não as compreenderia, nesse terreno. Considerando-se, como sabemos, um apóstolo "do cristianismo absoluto", não transigia em nada, não abandonava coisa alguma para que, em troca, lhe fizessem concessões vantajosas. Seu catolicismo é absoluto, repitamos mais uma vez. E os exemplos acorrem para desacoroçoar, de início, os que acaso sonhem em em adaptá-lo à meia-luz e aos meios-tons de suas tristes telas. A Alguém que, na Dinamarca, certa vez, lhe oferece jornais do dia para ler as novidades, responde: "Quando quero saber as últimas novidades, leio São Paulo." A um inquérito sobre "clericalismo", replica, furioso: "Clericalismo é uma palavra vaga e covarde, uma palavra podre que rejeito com asco. Se se quer designar, desse modo, o Catolicismo romano, isto é: a única forma religiosa, eis a minha resposta, bem nítida, às três questões propostas: I) - Eu sou pela Teocracia absoluta, tal qual é afirmada na Bula "Unam Sanctam", de Bonifácio VIII. II) - Eu penso que a Igreja deve deter em suas mãos as duas Espadas, a Espiritual e a Temporal, que tudo lhe pertence, as almas e os corpos, e que, fora dela, não pode haver salvação, nem para indivíduos nem para sociedades. III) - Enfim, acho que é ofensivo para a razão humana por em discussão princípios tão elementares."

Mais intransigentemente, ainda, declara adiante: "Vazio de tudo o que não é divino." ou, variando, "insuficiência e miséria de tudo o que não é divino." E, cumula sua intransigência com essa afirmação que, por certo, desorientará a muitos, mas vale por um de seus melhores retratos de corpo inteiro que conheço: "Enfim, tudo o que não é estritamente, exclusivamente, desesperadamente católico, deve ser atirado às latrinas" ...

Octávio de Faria. Léon Bloy. Rio de Janeiro: Gráfica Record, 1968. p. 60-64
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2 comentários:

  1. Estimado:

    Buscando alguna referencia sobre este libro, dí con su blog y me alegra saber que se da a conocer la vida y obra de este gran escritor francés.

    Suyo in Christo,

    Administrador de http://engloriaymajestad.blogspot.com.ar/

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    Respostas
    1. Caríssimo, desculpe a demora em responder-lhe.
      Fico felicíssimo que tenhas dado com este blog, e seja muito bem vindo.
      Deus o abençoe,

      Fábio.

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