SÓCRATES: Chegamos agora ao teu próximo ponto, o clamor comunista pela abolição da família. Aqui, mais do que nunca, creio que a compreensão - mais que a discussão - é suficiente, que a simples percepção de que falas com seriedade e que queres dizer aquilo que dizes será suficiente para a grande maioria das pessoas, especialmente para aquelas a quem apelas: o proletariado, os pobres.
Talvez eu devesse começar elogiando-te por tua consistência lógica, pois percebes que a família, a religião e um "eu", ou uma alma, e também aquilo que chamas de senso burguês de individualidade vigoram ou fenecem juntos.
Tua resposta à objeção de que o comunismo abole a família começa pela asserção de que "a família atual, a família burguesa [...] baseia-se no capital, no ganho individual". Portanto, crês que ela desaparecerá uma vez que sua causa houver desaparecido. Estou certo?
MARX: Sim.
SÓCRATES: E sua causa é - o capital!
MARX: Sim, é.
SÓCRATES: Acreditas realmente no que escreveste, que, para o marido burguês, "sua mulher nada mais é que um instrumento de produção"?
MARX: Eu teria escrito isso se não acreditasse no que digo?
SÓCRATES: Não sei; terias?
MARX: Digamos apenas que aquilo que eu escrevi, eu escrevi.
SÓCRATES: Dize-me, formulaste os princípios do comunismo antes ou depois que conheceste a mulher com quem te casaste?
MARX: Depois.
SÓCRATES: Então, antes disso, não eras um comunista.
MARX: Verdade.
SÓCRATES: E em que tipo de sociedade cresceste? Uma sociedade feudal?
MARX: Em uma sociedade burguesa.
SÓCRATES: Logo, eras um dos membros da burguesia, então?
MARX: Sim.
SÓCRATES: Assim, como burguês, quando pediste tua mulher em casamento, disseste algo como isto? - "Ó Jenny, consentes em seu meu instrumento de produção?"
MARX: Sarcasmo não é lógica, Sócrates.
SÓCRATES: Respondes à minha questão?
MARX: Meu argumento é simplesmente que a família burguesa se baseia na opressão.
SÓCRATES: De mulheres ou crianças?
MARX: De ambos.
SÓCRATES: E a tua própria experiência confirma esse juízo?
MARX: Sim, eu cresci em uma família opressiva.
SÓCRATES: E tu, por tua vez, oprimiste a tua mulher e teus filhos? Como fazem todos os pais burgueses, de acordo com tua própria teoria?
MARX: Injusto, injusto!
SÓCRATES: Mas, se Jenny estivesse aqui, tenho certeza de que confirmaria tua teoria, assim como o fariam o "Mosquinha" (Apelido do filho de Marx, Edgar) e Franziska. No entanto, eles também já seguiram adiante, e Freddy não virá antes de muitos anos.
MARX: Como sabes acerca de Henry Frederick?
SÓCRATES: Engels, antes de sua morte em 1895, contou a Tussy (apelido da filha de Marx, Eleanor) que Freddy era teu filho bastardo.
MARX: Então Eleanor sabe? Engels contou à minha Eleanor? Traidor! Mas como podes saber do futuro?
SÓCRATES: Aqui, todo tempo é presente.
MARX: Isso é simplesmente intolerável. Não hei de suportá-lo! Quem quer que esteja por trás de ti, tua imitação de Sócrates, hei de aniquilar-te e a eles também!
SÓCRATES: Agora pareces exatamente com o homem descrito pelo irmão de Bruno Bauer: "Estourando de fúria, cerra-se o punho maligno, e o homem urra interminavelmente, como se dez mil demônios estivessem a puxá-lo pelos cabelos." Ou, melhor ainda, tu te pareces com a descrição que Karl Heinzen fez de ti: "um cruzamento entre um gato e um símio [...] a cuspir jatos de fogo cruel". Ou Lassalle...
MARX: Lassalle era um tolo completo. Deves primeiro ouvir minha descrição dele e, sob essa luz, avaliar a descrição que ele fez de mim.
SÓCRATES: Se insistes. Em uma carta a Engels (30 de julho de 1862), descreveste teu amigo, o primeiro grande líder trabalhista alemão, como "o Preto Judeu" e "um judeu ensebado que se disfarça sob brilhantina e jóias baratas. Como o formato de sua cabeça [...] indica, ele descende dos pretos que se juntaram à fuga de Moisés do Egito (a menos que sua mãe ou sua avó paterna tenham cruzado com um negro)".
MARX: Onde queres chegar?
SÓCRATES: Quero dizer apenas que teus leitores poderão decidir por si mesmos se és aquele homem em quem podem confiar pra substituir a instituição da família por um suplente radicalmente novo, de tua própria criação.
MARX: Eu hei de abolir a exploração das crianças por seus pais!
SÓCRATES: Farias isso, de fato - e o farias pela abolição das crianças e dos pais! É como abolir uma doença pela abolição de todos aqueles que sofrem dela. Devo admitir que isso realmente parece ser cem por cento efetivo. Mas a um custo de cem por cento. De acordo com a tua economia, pois, essa é uma boa relação custo-benefício?
MARX: Sim, é! Pois que o Estado será a família universal, o pai universal e a criança universal, já que o Estado será as pessoas e as pessoas serão o Estado.
SÓCRATES: Entendo: com a abolição da propriedade privada, vem a abolição da família privada, já que mulheres e filhos nada mais são que propriedades.
MARX: No capitalismo, sim.
SÓCRATES: E a própria privacidade desaparecerá quando sua causa econômica, a propriedade privada, for abolida.
MARX: Sua forma burguesa, sim. A forma comunista será totalmente diferente.
SÓCRATES: Teus contemporâneos já sabem, em função de seu presente e de sua experiência, qual é a forma burguesa da privacidade. Porém, nada podem saber da forma comunista ainda, não até que ela se torne presente e deixe de ser futuro. Até que isso ocorra, essa forma não é um dado de experiência, mas uma mera "idéia" - categoria da qual pareces escarnecer, embora dependas aqui da idéia para mudar a realidade. E certamente o futuro, em si mesmo, é apenas uma idéia no tempo presente, enquanto o presente e o passado são, ambos, dados e fatos reais, das formas mais concretas, materiais e científicas possíveis. Entretanto, destruiriras o presente e o passado em prol de teu sonho de futuro. Creio que és precisamente o idealista que criticas!
MARX: Por um momento, pensei que tu me compreendias.
SÓCRATES: Acho que te entendo até bem demais.
KREEFT, Peter. Sócrates encontra Marx. São Paulo: Vide Editorial. 2012. p.135-139
KREEFT, Peter. Sócrates encontra Marx. São Paulo: Vide Editorial. 2012. p.135-139
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