Judeus degustando um mé... |
É surpreendente que algumas correntes protestantes considerem que a mera ingestão de álcool seja um pecado. Mas é fácil demonstrar que não é.
Primeiramente, recordemos que Paulo recomenda a Timóteo um pouco de vinho (1Tm 5,23), no caso de que precise como remédio. A objeção aqui é fácil: "mas é um caso de saúde". O leitor pense, então, se consegue imaginar Paulo recomendando um pecado por questão de saúde. Os mártires do Antigo Testamento doavam a vida apenas para não ingerir carne de porco. Veja o caso dos macabeus. Morriam violentamente para não transgredir a lei. Se álcool fosse proibido, os judeus não fabricariam vinho. Porém, há casos descritos em que o vinho do templo era ingerido e provocava a embriaguez.
Além disso, lemos em Provérbios 31:6:
"Dai a bebida forte àquele que desfalece e o vinho àquele que tem amargura no coração: que ele beba e esquecerá sua miséria e já não se lembrará de suas mágoas."
A frase está no imperativo. Está longe de ser uma proibição. Vamos mais?
O caso mais claro é o do Evangelho. Jesus é convidado para um casamento, as famosas bodas de Caná.
A primeira coisa: é uma festa religiosa. Jesus e Maria vão. O vinho que então se consumia tinha álcool: embriagava. Tanto é que quando Jesus realiza o milagre, o chefe dos serventes disse: "É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora." (Jo 2,10)
Aqui há que se notar o seguinte:
1- O vinho (alcoólico) falta, e é um problema.
2- Maria fala com Jesus e Jesus resolve.
3- O vinho de Jesus é melhor ainda que o primeiro.
Os que são contra qualquer consumo de bebida alcoólica gostam de dizer, contra toda evidência, que o que Jesus deu foi suco de uva. Ocorre que o mero suco de uva não tem o sabor característico do vinho fermentado. Logo, não teria sido possível dizer que era um vinho melhor. Depois, se Jesus comparece a uma festa onde o vinho consumido era alcoólico, e Ele não estranha, é porque consumir vinho alcoólico não tem problema. Por fim, se era uma festa judaica, então é prova suficiente que o consumo de vinho não era problema para os judeus, e, tampouco, para Jesus.
Isso significa, então, que tá liberado geral? Óbvio que não. O mal está no excesso, que provoca a embriaguez. Assim, o consumo de álcool seria legítimo dentro dos limites da temperança. Também o contato com as mulheres é advertido. No mesmo capítulo de Provérbios que o supracitado, lemos: "Não dês teu vigor às mulheres e teu caminho àquelas que perdem os reis". (v.3) Alguém poderia aqui querer indicar que o contato com mulheres deve ser proibido, o que é obviamente nonsense. O que se recomenda é o cuidado, a prudência, o manter o juízo. O mesmo se deve fazer com a bebida. O seu excesso é que provoca ruína. Mas, como diz o ditado, o abuso não tolhe o uso.
É certo que os nazireus e os sacerdotes de Israel eram proibidos de consumirem bebidas alcoólicas, mas em função da sua função (e mesmo assim podiam em certa ocasião: Nm 6,20). Essa, no entanto, não era uma proibição para todo mundo.
Vamos a mais uns trechinhos:
"Comprarás ali com esse dinheiro tudo o que te aprouver, bois, ovelhas, vinho, bebidas fermentadas, tudo o que desejares, e comerás tudo isso em presença do Senhor, teu Deus, alegrando-te com tua família" (Deut 14,26).
Será que a Escritura está recomendando pecar na presença do Senhor?
"Fazeis brotar a relva para o gado, e plantas úteis ao homem, para que da terra possa extrair o pão e o vinho que alegra o coração do homem." (Sl 103, 14-15).
Por que será que é dito que o vinho alegra o coração do homem? Obviamente aqui se faz referência a um dos seus efeitos. Ocorre que este efeito é próprio do vinho legítimo, isto é, do que contém álcool. A versão tabajara suquinho de uva não alegra nada..
"Aqueles que colherem o trigo o comerão louvando ao Senhor; aqueles que vindimarem beberão o vinho no átrio de meu santuário". (Isa 62,9)
Neste capítulo, Deus diz que não deixará os estrangeiros beberem o vinho de Israel. Este vinho, algo precioso, será bebido por Israel nos átrios do santuário. Logo, longe de ser proibido, ele é recomendado.
O livro dos Cânticos, pelo qual tenho certa predileção, traz no seu começo: "tuas carícias me inebriarão mais que o vinho". (Ct 1,4) Esta referência ao efeito do vinho só é feita porque era comum que ele fosse consumido.
Já o livro do Eclesiástico - que não consta na bíblia protestante, mas que importa isso? - se harmoniza com tudo isso que já dissemos em não proibir o consumo do vinho, mas apenas o seu excesso:
"Não é um pouco de vinho suficiente para um homem bem-educado? Assim não terás sono pesado, e não sentirás dor." (Eclo 31,22)
"O vinho bebido sobriamente é como uma vida para os homens. Se o beberes moderadamente, serás sobrio. Que é a vida do homem a quem falta o vinho? Que coisa tira a vida? A morte. No princípio o vinho foi criado para a alegria e não para a embriaguez. O vinho, bebido moderadamente, é a alegria da alma e do coração. A sobriedade no beber é a saúde da alma e do corpo. O excesso na bebida causa irritação, cólera e numerosas catástrofes. O vinho, bebido em demasia, é a aflição da alma. A embriaguez inspira a ousadia e faz pecar o insensato; abafa as forças e causa feridas. Não repreendas o próximo durante uma refeição regada a vinho; não o trates com desprezo enquanto ele se entrega à alegria. Não lhe faças censuras, não o atormentes, reclamando o que te é devido." (Eclo 31,32-42)
O que o autor do Eclesiástico está dizendo basicamente é: "O vinho é bom. Evite o excesso e não encha o saco."
Se alguém, porém, já foi viciado ou tem a tendência de sê-lo, ou convive com quem o é, é bom evitar de todo o consumo de álcool. Mas se não é o caso, experimente deste prazer lícito que Deus nos deu para a NOOOOOSSSA ALEGRIA!! ♪♫
Fábio
Belo texto, Fábio.
ResponderExcluirO senso comum sempre se refere ao excesso do uso e da prática de alguma como sendo ruins e prejudiciais. A bebida, quando mal usufruída, traz discórdia entre as pessoas e um enorme prejuízo social, pessoal e moral para quem é descontrolado no uso. A vinho, segundo pesquisas científicas, é bastante salutar. É a bebida que mais gosto. Como diz você ao final do texto: "Para nooooossa alegria!"
Sim.. Esse natural desapreço pelas bebidas vem, acho, de um certo puritanismo protestante que adentrou na Igreja há já algum tempo. Eu mesmo já o defendi. Mas ainda hoje o natural é alguém estranhar se um católico é visto bebendo cerveja. Também gosto de vinho, mas tomo mais frequentemente cerveja.
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