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A Igreja e o Batismo de Crianças


Um outro ponto que comumente é levantado pelos protestantes contra a Igreja é o fato de Ela batizar crianças quando a Bíblia supostamente não fala nada a respeito. Além disto, lê-se nos Evangelhos que Jesus foi batizado já adulto, motivo pelo qual os cristãos deveriam, também, receber o batismo somente depois de uma certa idade. Há ainda um critério psicológico nisso: o de que somente a partir de uma certa maturidade a pessoa estaria apta para comprometer-se, ficando, portanto, a criança isenta desta possibilidade por ainda não ter chegado à idade da razão.

Então, retomando os argumentos:

1- Não há evidências bíblicas para o batismo de crianças;
2- Jesus foi batizado adulto;
3- Somente um adulto pode oferecer conscientemente a sua adesão pessoal a Cristo.

Não parece tudo razoável? Para um católico que não conhece nada da Igreja, uma discussão desse tipo pode até suscitar-lhe dúvidas sinceras. Porém, se analisarmos isso com o mínimo de seriedade, veremos que se trata de um "ovo gorado", no dizer de Sócrates, isto é, de um sofisma, de uma argumentação falsa, pois os pressupostos destes  pressupostos não se sustentam. Vejamos um a um.

1- Não há evidências bíblicas.

a - Nota-se aí o pressuposto de que seria preciso haver evidências bíblicas para algo ser verdadeiro. Ora, isso é falso, obviamente! Já falamos, no outro artigo, que a Bíblia completa é posterior à Igreja e não anterior a ela. E, como apesar de ser a Palavra de Deus, ela segue sendo um livro - ou conjunto de livros, se quiserem - logo ela também tem, naturalmente, uma certa limitação. O Apóstolo João, afirmando que Jesus fizera muitas coisas que não tinham sido escritas, evidencia em seguida o porquê de não terem sido escritas: "penso que nem todos os livros do mundo seriam capazes de conter todos os relatos" (Cf. Jo 21,25). Logo, há muitas outras coisas que não foram escritas, oras! Depois, há coisas que simplesmente não precisavam ser escritas porque procedem de uma mera dedução lógica. Como veremos, a confusão protestante sobre este ponto reside no fato de eles pensarem que o batismo de João, ao qual Jesus se submeteu, é da mesma natureza do batismo cristão, o que é falso. Mas, a seu tempo, trataremos disso. Então, o primeiro pressuposto fica, assim, demonstrado ser falso. O martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo, por exemplo, não possui relato bíblico e nem por isso ele inexistiu.

b - Embora não existam, de fato, evidências absolutamente explícitas, no entanto, há sim evidências indiretas, na própria Bíblia, do batismo de crianças. Em vários lugares, a Bíblia mostra os Apóstolos batizando toda uma família (Cf At 2,38-39; 16,33; At 16,14-15; 1Cor 1,16). Ora, as famílias naquele tempo, conforme se sabe, eram numerosas. Logo, era totalmente comum que houvesse muitas crianças. Os antigos também não eram adeptos das nossas besteiradas e tolices, segundo as quais as condições econômicas devem ser o grande determinante da quantidade de filhos. Para eles, ter uma família numerosa era sinal de bênção. Pois bem! Nesses relatos bíblicos não se diz que os Apóstolos faziam exceção de alguém, mas que batizavam o chefe da família juntamente com toda a sua casa, o que inclui naturalmente as crianças. Ora, isso não pode ser considerado uma evidência?!

2- Jesus foi batizado adulto

O batismo de João era um ritual onde a pessoa, consciente de seus pecados, se arrependia e se comprometia a iniciar vida nova. A essência deste batismo era, então, a do arrependimento das próprias faltas. Por que é, então, que Jesus se deixa batizar por João, se Ele não tinha falta alguma? Essa é uma pergunta que o próprio João faz; "Sou eu quem deve ser batizado por ti, e tu vens a mim?", ao que Jesus responde: "é necessário que se cumpra toda a Justiça". Qual era a justiça? O homem tinha ofendido a Deus; desde então, pesava sobre Ele a culpa infinita de tal ofensa, exigindo a satisfação da Justiça. Tal satisfação será dada pelo Cristo.

João nos ajuda a entender os motivos do batismo de Nosso Senhor quando se refere a Ele como o "Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo". Era preciso que Jesus assumisse sobre si os nossos pecados para, então, poder retirá-los. Paulo refere-se a isto quando escreve que Ele se tornou maldição por nós. Assim como, nos antigos sacrifícios judaicos, o Sumo Sacerdote sacrificava um Cordeiro sobre o qual eram "lançados" os pecados dos homens, agora o verdadeiro "Cordeiro de Deus" será também sacrificado de modo que possa retirar todos os pecados dos homens. No próprio batismo, temos já uma prefiguração do que se dará na Cruz: os céus se abrem e a voz de Deus comunica-se com os homens, pedindo-lhes ouvirem o Seu Filho, n'O qual Ele põe toda a sua afeição. Na Cruz, a humanidade será reconciliada com Deus, isto é, os céus estarão de novo abertos aos homens. Atraídos ao Cristo, todos os povos poderão ouvir d'Ele e de Sua Igreja a santa doutrina da Verdade e, desse modo, tomar parte na Sua filiação, tornando-se também, todos e cada um, filhos diletos do Altíssimo. Porém, o batismo de João não era suficiente para provocar tal efeito. Ele mesmo o afirma: "Eu vos batizo com água; virá, porém, Outro que é maior do que eu e de Quem eu não sou digno de sequer desatar-lhe as sandálias dos pés. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo".

João fala, portanto, da necessidade de um outro batismo. Este outro batismo, instituído por Nosso Senhor, conterá em si um outro nível de eficácia; será de uma ordem totalmente diferente. Esta reconciliação com Deus, prefigurada no batismo de João e efetivada no Sacrifício de Jesus, só pode vir a termo se aquilo que separava os homens e Deus for apagado. Ora, este algo funesto estava em todos as pessoas e era transmitido junto com a geração. Por um só entrou a morte do mundo, diz S. Paulo, de modo que todos pecaram. Por causa disso, frustraram a vocação sobrenatural a que foram chamados. Para remediar esta situação, seria preciso apagar o pecado original e, para tal, não era suficiente apenas arrepender-se; daí que o batismo de João não era suficiente. Foi preciso a morte de Nosso Senhor e, a partir de então, a instituição de um novo batismo, a que Ele já tinha feito referência numa conversa com Nicodemos: "Quem não renascer da água e do Espírito, não terá o Reino dos Céus". Este "renascer" é feito pelo batismo cristão que utiliza um sinal visível - a água - pelo qual é transmitido à alma a realidade invisível - o Espírito Santo, apagando o Pecado Original, imprimindo-lhe um caráter indelével e abrindo ao batizado o acesso ao que foi adquirido por Jesus na Cruz. Eis o batismo cristão: por ele, os homens são incorporados ao Corpo de Cristo, participando da Sua filiação, da Sua comunhão com o Pai, da Sua Paixão e caminhando para a participação, um dia, da Sua ressurreição.

Se tal é assim, podemos concluir que sem sermos batizados não podemos ser salvos. Ora, se somente fosse legítimo batizar adultos, isto significa que as crianças que morressem antes de atingir a vida adulta seriam forçosamente excluídas da Salvação. É óbvio, porém, que tal idéia não concorda muito bem com a misericórdia divina e a sua vontade de que todos os homens se salvem (cf 1Tm 2,4).

A Igreja, entendendo isto desde o início, e aprendendo diretamente dos Apóstolos, se interessou sempre pela salvação também dos infantes, pelo que adotou desde cedo o costume de batizá-las. A própria frase de Jesus: "deixai vir a mim as criancinhas", implica na legitimação e até na ordem de batizar também a elas. A objeção protestante, portanto, carece de base, de lógica, de qualquer fundamento. Analisemos, porém, o último dos seus argumentos:

- Somente um adulto pode oferecer conscientemente a sua adesão pessoal a Cristo.

Primeiramente, reafirmemos que o batismo não é, primeiramente, uma atitude de deliberação, mas de entrada no corpo de Cristo. E é sumamente importante que isto se dê, mesmo antes que o pequeno saiba bem o que seja tal coisa. Na vida adulta, porém, será importante que ao batismo preceda a adesão consciente e refletida. Mas, notemos que este modo de proceder é absolutamente natural: também não costumamos esperar que os nossos filhos cresçam para lhes colocar na escola, ou para lhes escovar os dentes ou para fazer-lhes outros tantos benefícios. Também o batismo, permitindo que a alma tenha comunhão real com Deus, deve ser visto como um direito dos infantes, infinitamente mais importante do que todos os demais direitos meramente naturais. Se todo bem, para ser acolhido, exigisse, antes, uma deliberação consciente, ninguém teria o direito sequer de nascer. Mas assim como nascemos para esta vida e, embora isto aconteça sem que peçamos, consideramos depois isto o maior dos bens, assim também o nosso nascimento para a vida da Graça.

A pessoa, porém, terá a oportunidade de ratificar ou não a escolha dos seus pais, quando for se crismar. Não à toa o Sacramento da Crisma recebe o nome de "Confirmação", pois é onde o católico, agora de um modo absolutamente pessoal, tem a oportunidade de se decidir por Cristo e pela Igreja. Logo, o batismo de crianças não contraria ou não avilta a dignidade ou a liberdade pessoal da criança, assim como não a ofende o fato de matriculá-la num colégio sem que ela manifeste explicitamente o interesse para tal.
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