Thomas Merton
Deus quis em todas as vocações se manifestasse o seu amor no mundo. Em cada vocação especial, Ele dá ao homem um lugar especial no mistério de Cristo, um papel a cumprir na salvação de toda a humanidade. A diferença entre as vocações reside na diversidade dos meios que cada uma dá aos homens para descobrir o amor de Deus, apreciá-lo, corresponder a Ele, e d'Ele participar em companhia de outros homens. Cada vocação tem por objeto propagar a vida divina no mundo.
No casamento, o amor de Deus torna-se conhecido e participado sob os véus sacramentalizados do afeto humano. A vocação para o matrimônio é um chamado à sobrenatural união que santifica e propaga a vida humana e estende o reino de Deus no mundo pela criação de filhos, futuros membros de Cristo místico. Tudo o que é mais humano e mais instintivo, tudo o que é melhor nos afetos naturais do homem, é aqui consagrado a Deus, e torna-se sinal do amor divino e ocasião de graça.
Na vida conjugal, o amor divino é mais plenamente encarnado do que em outras vocações. Por esta razão, ele é aí mais fácil de ver, de apreciar. Mas a sua extensão, por ser menos espiritual, é também menos vasta. A esfera de ação do amor do pai e da mãe estende-se apenas aos próprios filhos e parentes, e a um círculo de amigos e de relações.
A fim de estender a eficácia da caridade divina, as outras vocações espiritualizam pouco a pouco as nossas vidas e atos, para que influenciem áreas cada vez mais largas. Assim, na vida religiosa ativa ou no sacerdócio secular, a expressão física do amor humano é sacrificada, a vida de família é dada em renúncia, e, assim, as forças de amar, postas em liberdade, podem aplicar-se a toda uma paróquia, a um hospital ou a uma escola.
Na vida ativa, os afetos humanos instintivos são mais plenamente consagrados a Deus do que na vida de família, e dum modo menos carnal. Mas ainda é fácil ver e apreciar a ação do amor de Deus nas obras corporais de misericórdia - cura dos doentes e dos pobres, e a carinhosa solicitude com as crianças, os velhos, etc. Aqui também, os trabalhos, dificuldades e sacrifícios da vida servem para proteger os valores humanos na alma do que é "chamado". Ocupando-se com os outros, ele guarda o senso da relatividade e da integração.
Na vida contemplativa, os problemas e dificuldades são mais interiores e também muito maiores. Aí, o divino amor é menos encarnado. Devemos compreendê-lo e corresponder de formação ainda mais espiritual. A fidelidade torna-se muito mais difícil. Em uma vida de silêncio e solidão, os afetos humanos não recebem muito da sua normal satisfação. A ausência quase total de expressão pessoal, a frequente impossibilidade de "fazer coisas por" outros segundo um critério visível e tangível, será, às vezes, uma tortura, e pode levar a grandes decepções. Eis a razão pela qual a vocação puramente contemplativa não convém a quem não é maduro. É preciso ser muito forte e muito sólido, para viver na solidão.
Afortunadamente a vida monástica não é assim tão puramente contemplativa que não proporcione certa soma de atividade e de expressão pessoal. Vivendo e trabalhando juntos em uma comunidade monástica, os monges normalmente preservam o seu senso de relatividade e de humanidade. Pelo contrário, se são fiéis ao espírito da sua regra, achar-se-ão aprofundadas e espiritualizadas as afeições humanas em uma grande união de caridade que não dependerá mais do humor e dos caprichos subjetivos. E, assim, eles virão a perceber um pouco da sua missão de abraçar o mundo inteiro em um afeto espiritual que não se limita ao tempo e ao espaço.
Quanto mais alto subimos na escala das vocações, tanto mais cuidadosa deve ser a seleção dos candidatos. Normalmente, na vida conjugal, a seleção se faz por si mesma: a vontade de Deus pode ser encarnada numa decisão baseada na atração natural. Na vida ativa, a atração e a aptidão normalmente vão juntas, e a pessoa "chamada" pode ser aceita sob o fundamento da sua habilidade a fazer em paz e com alegria espiritual o trabalho requerido.
Normalmente, mais da metade dos que se apresentam à admissão nos mosteiros contemplativos não têm vocação. A "atração" pela vida contemplativa é um critério de vocação muito menos sério do que a atração pela vida ativa. Quanto mais estrita e solitária uma Ordem contemplativa, tanto maior será o hiato entre "atração" e "aptidão". Isso é especialmente verídico em um tempo como o nosso, em que os homens não podem encontrar o quinhão normal de silêncio e solidão que a natureza humana exige para o seu funcionamento sadio. Há, talvez, muitas freiras e irmãos nas Ordens ativas, de vocação ativa perfeitamente boa, mas que são a tal ponto sobrecarregados de trabalho e famintos por uma vida normal de oração, que eles imaginam a necessidade de converter-se em trapistas ou cartuxos. Em alguns casos, a solução pode ser, de fato, a passagem para uma Ordem claustral, mas na maior parte das vezes o que se requer é um adequado ajustamento do seu próprio instituto. O problema desses ajustamentos é por demais amplo para ser sequer mencionado aqui.
Mais sobe um homem na escala das vocações, e mais deve poder espiritualizar e estender as suas afeições. Para viver só com Deus, ele precisa realmente poder viver solitário. E ninguém pode viver solitário, se não pode suportar a solidão. E ninguém pode suportar a vida à parte, se o seu desejo de "solidão" é formado por um desejo recalcado de afeto humano. Para pô-lo em linguagem clara, é inútil tentar alguém viver num claustro a sua vida, se o coração é devorado pelo pensamento de que ninguém o ama. É preciso ser capaz de não fazer caso de tudo isso, e simplesmente amar o mundo inteiro em Deus, abraçando todos os irmãos nesse mesmo amor puro, sem querer saber de sinais de afeto, e sem cuidar se estes serão, ou não, jamais dados. Se pensam que isto é muito fácil, asseguro-lhes que estão enganados.
Dizer que a vida claustral e contemplativa é mais rigorosa do que a vida ativa não é dizer que o contemplativo trabalha mais rigorosamente, ou que ele possui maiores responsabilidades e obrigações a saldar. A vida contemplativa é sob muitos aspectos mais fácil do que a vida ativa. O que não é mais fácil é vivê-la bem.
É relativamente fácil "escapar" num mosteiro contemplativo, observar a regra, estar no devido lugar às horas dadas, e executar todos os movimentos devidos. A rotina é reconhecidamente laboriosa e fatigante, mas é possível a alguém acostumar-se com ela. O que é duro não é produzir esforço físico, mas o trabalho de realmente levar uma vida inteira de oração debaixo de todo esse esforço.
O simples fato de ser tudo, num mosteiro contemplativo, ordenado a uma vida de oração, é precisamente o que torna difícil a quem não tem verdadeira vocação viver frutuosamente no claustro. Esses levam mais facilmente uma vida de oração, quando há mais trabalho do que oração no emprego cotidiano do tempo. Em uma vida onde tudo é oração, aqueles que não tiverem a verdadeira vocação contemplativa acabam muitas vezes por rezar menos do que faram na vida ativa.
A atração por certo tipo de vida e a aptidão para a mesma ainda não são suficientes para estabelecer a certeza da vocação. De fato, a atração, que pode ser importante em muitos casos, não é sempre aparente. Um homem pode ser chamado ao sacerdócio e ainda assim experimentar sensível repugnância por certos aspectos da sua vocação. Uma vocação trapista não exclui necessariamente o receio da austeridade dessa vida. A coisa que resolve em definitivo uma vocação é a capacidade de tomar a firme decisão de abraçar certo estado de vida, e de agir segundo esta decisão.
Se uma pessoa não consegue jamais decidir-se, jamais resolver-se a fazer o que é preciso para seguir uma vocação, não tem provavelmente vocação. Ela pode ter-lhe sido oferecida: mas isso é coisa que não se pode decidir com certeza. Se resiste ou não à graça, o que parece certo é que ele "não é chamado". Mas, uma calma e definida decisão, que não desanima com os obstáculos nem se quebra ante a oposição, é um bom sinal de que Deus deu a graça de responder ao seu chamado, e que é correspondido.
Para decidir uma vocação, é comum consultar-se um diretor espiritual. Sua função é dar conselhos, encorajamento, sugestões e ajuda. Ele pode, em certos casos, proibir uma pessoa de levar avante a idéia de tornar-se padre ou religioso. Mas, se ele julga que alguém pode, prudentemente, seguir uma vocação, é a essa pessoa que compete decidir afinal. Ninguém nem mesmo um confessor ou um diretor, nem mesmo um superior eclesiástico, pode decidir por ela. Deve decidir por si mesma, pois a sua decisão é a expressão da sua vocação. Se o interessado, então, pede admissão num seminário ou num mosteiro, e se é aceito o seu pedido, ele pode dizer que provavelmente "tem a vocação".
MERTON, Thomas. Homem Algum É Uma Ilha. Rio de Janeiro: Agir, 1968. p. 135-139.
VOCAÇÃO: Um mistério de Deus,um chamado que muitas vezes é difícil discernir...Mas aquele que se torna dócil á Vontade de Deus, esse realmente é Feliz!!! Essa é a Felicidade da Vida; cada qual com a sua Vocação,semeia, cresce, floresce e produz frutos,para Glória de Deus e bem das almas...A essência de todaVocaçã é permaner nEle! Jo 15,4
ResponderExcluirVerdade, Maria.
ResponderExcluirÉ sempre um prazer tê-la por aqui.
Lembre-se de rezar por este pobre pecador.
Lembre-se vós de rezar por esta pobre pecadora, preciso sempre e agora mais
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