I. Solução das dificuldades levantadas em nome da razão: 1º princípio de contradição; 2º princípio de identidade.
II. Introduções muito legítimas baseadas sobre a razão humana.
I. Confessemos, antes de tudo, que a Trindade é o mistério dos mistérios, porque esta palavra exprime o que há de mais essencialmente oculto e mais necessariamente incompreensível: a vida íntima de Deus. A razão não tentou compreender este dogma. Um dia o gênio de santo Agostinho quis penetrar naqueles abismos insondáveis, mas um anjo de Deus vem lembrar-lhe a sua impotência e fraqueza e fazê-lo desistir da sua louca empresa. Com efeito, que somos nós para pretendermos perscrutar o infinito? A razão humana, todas as vezes que tentou esta experiência, só conseguiu transviar-se. Não procuraremos pois demonstrar racionalmente a verdade deste dogma; pretendemos, porém, que é impossível provar racionalmente que é falso. Até acrescentamos que a verdadeira razão propende mais em acreditá-lo do que em rejeitá-lo.
Quais são, em primeiro lugar, as razões invocadas contra o mistério da Trindade? Opõem-se duas: o princípio de contradição, e o princípio de identidade.
1º O racionalismo alega o princípio de contradição: "um não pode ser três; três não podem ser um." É tão absurdo como dizer que 1+1+1=1.
Mas quando é que o catolicismo sustentou semelhante afirmação? O catolicismo diz: "Um Deus em três pessoas; três pessoas, isto é, três individualidades realmente subsistentes, inteligentes e distintas, em uma só essência ou natureza divina". Onde está a contradição? Por acaso os teólogos, enveredando pela mesma senda que os filósofos, entendem como estes o sentido das palavras: essência e pessoa? De certo que não; acham, e com razão, uma distinção entre a natureza e a personalidade. Se realmente essas duas palavras exprimissem a mesma idéia, então sim, haveria contradição. Mas tal não se dá, e afirmamos, com muita razão, que podem existir três pessoas na unidade de substância, assim como no homem, duas substâncias - a alma e o corpo - existem na unidade de pessoa.
2º Opõe-se ao mistério da Trindade este princípio em que se baseia toda a lógica e toda a ciência: "Várias coisas idênticas a outra são idênticas entre si." É o princípio da identidade. Ora diz-se, se o Pai é Deus, se o Filho é Deus, se o Espírito Santo é Deus, em uma palavra se estas três pessoas são idênticas à divindade, são também idênticas entre si, e então as pessoas não são mais distintas entre si, e não há mais Trindade. - Mas esse raciocínio cabe por causa de uma distinção muito simples: várias coisas idênticas a outra são idênticas entre si, à condição que a sua identidade seja absoluta, e no mesmo ponto de vista; se não for assim, é claro que não se poderá deduzir que sejam idênticas entre si. Assim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são idênticos à divindade a respeito da natureza divina, mas não o são a respeito da personalidade, pois que têm, cada um, alguma coisa que os distingue. O Pai gera e não é gerado; o Filho é gerado do Pai, e dele, assim como do Pai, procede o Espírito Santo; o Espírito Santo não é gerado mas procede simultaneamente do Pai e do Filho e não gera ninguém. Há portanto entre as três pessoas divinas caracteres diferentes de personalidade, e não identidade absoluta.
Por conseguinte não há, contra o mistério da Trindade, princípio algum evidente para o apresentar como contraditório ou impossível. A razão não o compreende, mas não o pode confundir nem depreciar.
II. Acrescentaremos até que a razão, sem o demonstrar positivamente, predispõe-nos à afirmação deste grande mistério. Com efeito, Deus possui eminentemente as perfeições que se encontram nas suas criaturas. Ora, na criação inteira, há um princípio de atividade e vida que se traduz pela fecundidade. O vegetal vive e se reproduz fatalmente; o animal move-se e reproduz-se espontaneamente num ser distinto e semelhante a si mesmo; a alma humana procede com inteligência e se reproduz nas suas obras. Mas, antes de aparecer fora nas suas obras, produz interiormente uma imagem de si mesma, gera a seu modo a sua expressão e o seu verbo, sem fazer, é verdade, do seu pensamento e da sua imagem uma pessoa igual a si mesma: contudo aí está a mais sublime fecundidade nos seres criados.
Ora, não nos convida a razão a supor em Deus uma fecundidade análoga, mas superior? Se tantos seres têm o poder de produzir por fora um ser semelhante a si mesmos, por que o Infinito não teria o poder de gerar o seu semelhante, igual a si próprio? E se a alma tem o poder de produzir, com o seu pensamento, uma imagem de si mesma, e verdadeiramente distinta de si mesma; se produz, com a sua vontade, o amor de uma e de outra; se esse pensamento e essa vontade, unidos ao princípio de que dimanam, têm entre si uma distinção real, por que, quando se trata do Infinito, essa distinção e essa relação não atingiriam o mais alto grau que se possa conceber, isto é, a personalidade mesma? Pouco importa que o mistério dessa fecundidade nos escape, contanto que a nossa razão o conceba e nos incline a aceitá-lo.
Não só a razão nos fornece essa indução; mas cultivada pela fé e sob a inspiração do gênio, chega a dar-nos uma idéia desta fecundidade, mostrando a Trindade católica.
Com efeito, Deus é ativo; por conseguinte, pode produzir. Mas Deus é necessariamente ativo, portanto produz necessariamente alguma coisa. É infinitamente ativo, pois o que ele produz é necessariamente infinito. Ora, não há nada necessário e infinito, senão Deus: por conseguinte, o que Deus produz necessária, infinitamente, é uma operação ad intra. Mas todas as suas operações ad intra são eternas, necessárias, infinitas: portanto, essas produções de Deus serão eternas, necessárias, infinitas e terão por termo a mesma essência divina. Ora, a essência divina é única, infinita, individual: logo, o termo da produção será único, infinito, individual e, por conseguinte, idêntico a Deus.
Mas quantas produções ad intra se devem admitir em Deus? A razão nos ensina que se podem admitir duas, e somente duas. Com efeito, o amor é posterior ao conhecimento, e o conhecimento posterior à atividade, pois o exercício supõe a faculdade.
Baseando-se neste princípio, a razão admite que Deus se conhece tal qual é; mas é infinito: portanto conhece a si mesmo de modo infinito, e este conhecimento infinito, perfeito, é em tudo igual a Deus, do qual contudo fica distinto, assim como o nosso pensamento fica distinto da nossa alma: ora, este conhecimento é o Verbo ou o Filho. Em seguida, Deus conhecendo-se tal qual é, como o soberano bem, não pode deixar de amar-se, e ama-se em proporção das suas perfeições, isto é, infinitamente. Mas o amor pressupõe o objeto amante e o objeto amado: estes dois termos são iguais, infinitos, distintos. Por conseguinte, o termo do amor de Deus é necessário, infinito, perfeito e distinto, e também idêntico à essência divina: é o Espírito Santo, amor do Pai e do Filho. E como o amor supõe o conhecimento, Deus ama pelo Verbo: pois o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, como de um mesmo princípio. É assim que a razão concebe duas operações de Deus ad intra, e elevando-se à mais alta perfeição, que é o ser e a personalidade, consegue ter certa idéia do Verbo e do Espírito Santo, os quais formam com o Pai a santa e augusta Trindade.
Mons. Cauly. Curso de Instrução Religiosa. Apologética Cristã, Tomo IV.
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