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O que é Filosofia I


Jacques Maritain

Definição da Filosofia

A filosofia apresentou-se primeiramente como sendo a sabedoria humana. Agora que sabemos melhor, pela história da sua própria gênese, em que consiste esta sabedoria e de que se ocupa, podemos dizer com mais precisão o que é a Filosofia.

Consideremos para isto a filosofia por excelência (Filosofia primeira ou Metafísica). O que dela dissermos em sentido absoluto (simpliciter) poderá aplicar-se sob certo ponto de vista (secundum quid) às demais partes da Filosofia.

1) Podemos perguntar agora se a Filosofia é uma sabedoria no sentido de sabedoria de comportamento, de regra de vida, que faz agir bem; chamamos por vezes de sábio àquele que é virtuoso. (Os ingleses empregam neste caso o termo bom.) Será neste sentido que a Filosofia é uma sabedoria? Não, a Filosofia é uma sabedoria que consiste em
CONHECER.
2) Conhecer como? - Conhecer no sentido pleno e perfeito da palavra, isto é, com certeza, e podendo dizer por que a coisa é tal e não pode ser de outro modo.
CONHECER PELAS CAUSAS
A investigação das causas é com efeito a grande tarefa dos filósofos, e o conhecimento de que se ocupam não é um conhecimento simplesmente provável, como o que proporcionam os oradores nos discursos; é um conhecimento capaz de exercitar a inteligência, como o que os geômetras proporcionam pelas suas demonstrações. Mas o que se entende por conhecimento certo pelas causas? É o que se chama ciência. A Filosofia é uma ciência.

3) Conhecer por que meio, graças a que luz? Conhecer pela razão, graças ao que se denomina
A LUZ NATURAL
da inteligência humana. Eis o caráter comum a toda ciência puramente humana (em oposição à Teologia).

O critério de verdade que emprega, o que regula a Filosofia, é, pois, a evidência do objeto.

O meio ou a luz pela qual uma ciência atinge as coisas, é o que se chama em linguagem técnica o lumen sub quo desta ciência, luz sob a qual esta ciência apreende o objeto que conhece (chamado objeto quod). Cada uma das ciências possui uma luz distinta (lumen sub quo, medium seu motivum formale) que corresponde aos princípios formais pelos quais atinge seu objeto. Mas estes diversos princípios têm de comum o seguinte: todos são conhecidos pelo exercício espontâneo da nossa inteligência, tomada como meio natural de conhecer, ou melhor, pela luz natural da razão, - e não como os princípios da teologia, por uma comunicação sobrenatural feita aos homens (revelação) e pela luz da fé.

Resta-nos considerar o objeto quod da Filosofia.

4) Conhece o quê? Para responder a esta pergunta, convém lembrar aquilo de que se ocupam os diversos filósofos cujas doutrinas resumimos anteriormente. Ocupam-se de tudo, - do conhecimento e dos seus processos, do ser e do não ser, do bem e do mal, do movimento, do mundo, dos seres vivos e não vivos, do homem, e de Deus... A Filosofia, portanto, trata de todas as coisas: é uma ciência universal. Isto significará que a Filosofia absorve em si todas as ciências, que é a ciência única de que todas as outras apenas seriam partes, ou então, que ela mesma se absorve nas outras ciências, de que não seria senão a coleção ordenada ou a sistematização? Não, ela possui natureza e objeto próprios; é distinta das demais ciências. Caso contrário, nada seria, e os vários filósofos, cujas doutrinas resumimos, teriam tratado de problemas inexistentes. Para provar que a filosofia é algo de real e que os problemas de que ela se ocupa são os problemas que mais temos necessidade de estudar, basta dizer que é absolutamente impossível, para o espírito humano, deixar de se interessar por estes problemas: o espírito não pode deixar de se pôr estas questões que foram tratadas pelos filósofos e que se referem intrinsecamente aos princípios dos quais dependem as certezas de toda e qualquer ciência.

"Dizeis que é preciso filosofar?, dizia Aristóteles num dilema célebre. "Então, é preciso filosofar de fato. Dizeis que não é preciso filosofar? Então, ainda é preciso filosofar (para o demonstrar). De qualquer modo é necessário filosofar.

Entretanto como poderá a Filosofia ser uma ciência à parte, ocupando-se de todas as coisas? Precisamos entender sob que ponto de vista ela se ocupa de todas as coisas, ou ainda o que a interessa diretamente e por si mesmo em todas as coisas: ocupando-se do homem, por exemplo, procura saber acaso o número de vértebras ou as causas de suas doenças? Não, é domínio da Anatomia e da Medicina. A Filosofia trata do homem para saber, por exemplo, se ele tem uma inteligência que o distingue absolutamente dos outros animais, se tem uma alma, se é feito para gozar de Deus ou para gozar das criaturas, etc. Chegando a este ponto, não é possível formular perguntas além e mais alto. Digamos que a Filosofia vai procurar nas coisas, não o porquê mais próximo dos fenômenos que caem sob os sentidos, mas, pelo contrário, o porquê mais remoto desses fenômenos, o porquê mais elevado, aquele que a razão não pode ultrapassar. Em linguagem filosófica, isto significa que a Filosofia não se preocupa com as causas segundas ou razões próximas, mas com as causas primeiras ou os princípios supremos, ou as razões mais elevadas.

Além disso, vimos que a Filosofia conhece as coisas pela luz natural da razão. Diremos, pois, que procura as causas primeiras ou os princípios supremos que dizem respeito à ordem natural.

Ao explicarmos que a Filosofia trata de tudo, de tudo o que é, de tudo o que se pode conhecer, não falamos de modo preciso; mostramos a matéria de que se ocupa, ou seja, seu objeto material; não assinalamos em que ponto de vista ou sob quais determinações esta matéria lhe diz respeito, não nos referimos ao seu objeto formal ou seu ponto de vista formal. O objeto formal de uma ciência é a determinação por meio da qual ela atinge alguma coisa, ou ainda, aquilo que por si mesmo e antes de tudo é considerado por ela e em virtude do que considera tudo o mais; e o que a Filosofia considera formalmente nas coisas e sob cujo ponto de vista considera tudo o mais, são
AS CAUSAS PRIMEIRAS
ou princípios supremos das coisas, enquanto estas causas ou princípios se relacionam com a ordem natural.

O objeto material de uma faculdade, ciência, arte, virtude é simplesmente a coisa ou a matéria - nada mais - à qual se aplica esta faculdade, ciência, arte, virtude. Assim o objeto material da Química são os corpos não vivos; do sentido da vista, as coisas colocadas diante de nós. Contudo, isto não basta para distinguir a Química da Física, que também trata dos corpos não vivos, nem para distinguir a vista do tato. Para definir exatamente a Química, será necessário dizer que tem por objeto as mudanças profundas (mudanças substanciais) dos corpos não vivos; do mesmo modo em relação à vista, cujo objeto é a cor. Ter-se-á assim destacado o objeto formal (objectum fomale quod), isto é, aquilo que por sua própria natureza e imediatamente, ou ainda por si mesmo e diretamente, ou também necessariamente e em primeiro lugar (estas expressões se equivalem e correspondem à fórmula latina per se primo), é atingido ou considerado nas coisas por esta ciência, arte, faculdade e em virtude do que elas atingem ou consideram tudo o mais.

Assim, entre todos os conhecimentos humanos, só a Filosofia tem por objeto tudo o que é. E em tudo o que é procura as primeiras causas. Ao contrário, as demais ciências têm por objeto esta ou aquela parte daquilo que é, nelas procurando as causas segundas ou os princípios próximos. Equivale a dizer que a Filosofia é dos conhecimentos humanos o mais alto.

Significa também que a Filosofia é uma sabedoria, pois é próprio da sabedoria considerar as causas mais elevadas, sapientis est altissimas causas considerare. Em um pequeno número de princípios abrange a natureza inteira, enriquecendo a inteligência sem sobrecarregá-la.

5) Tudo o que acabamos de dizer pertence pura e simplesmente à Filosofia primeira ou Metafísica, mas pode aplicar-se a toda a Filosofia, considerada como um conjunto cuja parte capital é a Metafísica. Diremos, então, que a Filosofia, em geral, é um corpo de ciências universal, cujo ponto de vista formal, são as causas primeiras (quer sejam as causas absolutamente primeiras, os princípios absolutamente primeiros, objeto formal da Metafísica; quer sejam as causas primeiras em certa ordem, os princípios supremos em uma ordem dada, objeto formal das outras ciências filosóficas). Diremos igualmente que a Metafísica merece o nome de sabedoria pura e simplesmente (simpliciter), e que as outras partes da Filosofia o merecem sob certo ponto de vista (secundum quid).

MARITAIN, Jacques. Elementos de Filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1972.
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