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S. Josemaria Escrivá e a necessidade de uma conversão real


Hoje a Santa Igreja celebra a memória de S. Josemaria Escrivá, a quem bem poderíamos chamar de "o santo do cotidiano". Nesta ocasião, eu poderia simplesmente fazer uma transcrição de algum dos seus escritos e, na verdade, nada me impede de levar a termo esta idéia. Porém, neste post em particular, quero falar, por mim mesmo, de um aspecto fundamental da vida cristã e no qual S. Josemaria poderá apoiar-me.

Como se sabe, todos nós somos chamados à santidade, pois é vontade de Deus que todos se salvem. Para que a salvação possa se dar, são necessárias absolutamente duas coisas: uma vida que se disponha ao caminho proposto por Nosso Senhor e, em seguida, o auxílio objetivo da Graça. Uma reta compreensão deste duplo aspecto falta a muita gente, e eu gostaria aqui de tentar elucidar um pouco a questão.

De um lado, há os que lutam contra uma visão que chamam de "sacramentalista" e que sugere um tipo de cristianismo mecânico, sem envolvimento interior e no qual se supõe dever o católico somente cumprir suas obrigações cultuais, quais sejam a frequência aos Sacramentos, o pagamento do Dízimo, etc., sem que, porém, os demais aspectos da sua vida sejam envolvidos pela religião. Deste modo, um sujeito poderia justificar a sua consciência entendendo que, por ter ido à igreja ou ter feito certas orações, já não há o que se lhe deva exigir. De fato, é um erro pois, a despeito da aparência, um tal sujeito torna-se impermeável à ação divina.

Há, porém, um outro problema, talvez mais atrativo, mas também mais sutil porque, embora seja no fundo uma das tantas máscaras do orgulho humano, costuma se transvestir de humildade e de cristianismo verdadeiro. Consiste na equivocada conclusão de que o cristianismo, para se isentar das meras exterioridades, deverá ser tão somente um processo de auto-persuasão, de auto-conversão, de cultivo de bons sentimentos, de disposição para a ação humanista, social; de tentativa de modificação efetiva do mundo por meio do envolvimento político, reduzindo toda a religião a um instrumento ideológico, a um grande sindicato onde deveriam ser expostas e ensinadas as idéias mestras para a libertação dos homens, entendidos aqui na sua materialidade, o que dá certa aparência de realismo a este tipo de discurso.

No entanto, uma religião onde o homem possua, por si mesmo, as idéias e a força para a mudança necessária, não é religião, mas caminho de auto-afirmação, de auto-suficiência. Uma religião, além disto, que reduza o ser humano à sua vida terrestre, amputa-lhe o que de mais essencial ele possui e, sob a máscara de uma solicitude devotada, distrai-o de sua verdadeira felicidade e objetivo. Se Deus não é necessário para a conversão humana, não há por que se aderir a uma religião. Se a importância de Deus na vida humana se restringe ao campo motivacional, poderemos trocá-lo por Buda, Gandhi, e tantos outros personagens que, inclusive, parecem incorporar melhor do que Jesus os ideais modernos.

Não. Nada disso é catolicismo. No primeiro problema, temos uma fé caricaturada em que os sujeitos apenas encenam e anestesiam a consciência, enganando-se até o fim do mundo, onde haverão de contemplar, aturdidos, a fatuidade da própria vida. No segundo erro, temos uma fé reduzida à materialidade, e a auto-suficiência humana se disfarçando de devoção e amor ao próximo. Temos a exclusão prática de Deus e a negação da necessidade da vida da Graça, com a consequente naturalização e relativização dos preceitos religiosos e da doutrina católica. Cai-se no subjetivismo e no relativismo e o homem erige-se como norma última do bem. É o antropoteísmo.

S. Josemaria Escrivá, porém, tem outra proposta: a de uma conversão total e de unidade de vida. Primeiro, é preciso reconhecer a doença do egoísmo da qual todos sofremos enquanto labutamos nesta terra, com exceção de alguns raros santos que, ainda nesta vida, alcançam alturas vertiginosas de santidade. Quanto a nós, é preciso convencer-nos desta ruindade que todos carregamos no íntimo da alma e que tende a fazer das nossas melhores intenções e atitudes apenas uma extensão de si mesma. A consequência do pecado original foi a entronização da soberba em nós, que falseia o nosso julgamento, corrompe as nossas vontades e instrumentaliza as nossas ações. Uma vez que contemplamos tal verdade, deveremos reconhecer que, sozinhos, não temos como dar conta disso. Se fazemos mortificação por nosso próprio esforço, confiados no nosso próprio engenho, daqui a pouco estaremos, ou esmagados pela constatação absoluta da nossa fraqueza, ou perdidos na contemplação da nossa suposta e falsa grandeza. Se queremos fazer boas ações, a soberba tornará tudo quanto fizermos somente uma tentativa de adquirir aplausos e admirações. Se queremos divulgar o Evangelho, o nosso orgulho utilizará a ocasião para se auto-afirmar. E desse modo, tudo quanto fizermos será igual a nada. Já dizia S. Paulo que, sem a caridade, tudo é só barulho. A caridade é o auxílio de Deus na nossa alma para que as nossas intenções possam ser puras e para que as nossas ações sejam sobrenaturalizadas e verdadeiras.

Uma vez que reconhecemos a necessidade absoluta que temos do auxílio divino, devemos, então, entender de que modo ele nos poderá ser dado. Ora, é pelos Sacramentos da Igreja. Daí que a religião não é, de modo nenhum, dispensável. De modo nenhum! É nela que obteremos a vida da Graça e aprenderemos a verdade não somente sobre Deus, mas sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre o mundo. Sem saber de tudo isto, não poderemos efetivamente ajudar ninguém, pois partiremos de pressupostos errados.

Uma religião, ao invés, que pretendesse a mera observância exterior dos compromissos religiosos e se restringisse geograficamente ao interior dos templos, também em nada se distinguiria da dos fariseus, e sobre isto Jesus nos diz: "se a vossa justiça não for maior do que a deles, não entrareis no Reino". Em verdade, o cristianismo deve de tal modo envolver a vida humana, que toda ela se transubstancie, isto é, se transforme, desde o seu mais íntimo, em vida cristã, em vida de Cristo, ao ponto de podermos, um dia, dizer como São Paulo que é Ele Quem vive em nós. Já dizia um santo que um verdadeiro cristão é cristão não apenas quando reza, mas quando trabalha, estuda, brinca, come e até quando dorme. A cura a que devemos ser submetidos tem de ser completa, diria C.S. Lewis, pois o que Nosso Senhor espera de nós é, nada menos, que a perfeição. Ora, tal altura está muito acima das nossas capacidades naturais. No entanto, é preciso querê-la e buscá-la, uma vez que temos o auxílio divino.

S. Josemaria propõe justamente isto: tornar a vida inteira um contínuo suspiro de amor a Deus. Mesmo no evento mais corriqueiro, mais cotidiano, mais ordinário, é possível fazer transbordar o amor divino. E isto é tão somente a aplicação prática do que S. Paulo já havia dito: "n'Ele existimos, nos movemos e somos". Se tal é assim, ter momentos totalmente seculares na vida significa distrair-se da realidade. O cristianismo, ao invés, sendo a religião da verdade, quer, não alienar, mas efetivamente despertar os homens para a verdade. Daí a necessidade de se encarnar visceralmente um cristianismo total, contínuo, que englobe a vida em todos os seus aspectos, momentos e minúcias. Esta unidade, porém, somente pode ser dada quando os homens descobrirem que, de fato, sem Ele nada podem fazer, conclusão absolutamente necessária para que se motivem a reservar-Lhe um lugar central em torno do qual gravitarão. A religião, portanto, de nenhum modo será dispensável; antes, deverá ser a garantia da visão objetiva do mundo e a fornecedora da seiva que permitirá aos homens viverem de fato, e não, apenas, encenarem.

Que S. Josemaria Escrivá interceda por nós neste caminho, difícil, pedregoso, mas amoroso e feliz.
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