A fé verdadeira tem esta virtude de não faltar espiritualmente nas coisas em que a presença corporal não é possível; e, quer o coração crente regresse ao passado, quer se volte para o futuro, o conhecimento da verdade não sofre demoras de tempo. Portanto, temos presente aos nossos sentidos a imagem das coisas realizadas para nossa salvação; e tudo quanto comoveu então os ânimos dos discípulos também afeta nossos sentimentos. Devemos esforçar-nos, diletíssimos, com grande empenho da alma e do corpo, por manter-nos inseparavelmente concordes neste mistério; pois, se é falta gravíssima desprezar a festa pascal, mais perigoso seria realmente unir-se às assembléias religiosas, mas não participar da Paixão do Senhor, Com efeito, se o Senhor disse: Quem não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim (Mt 10,38), e o Apóstolo: Se com ele sofrermos, com ele havemos de reinar (Rm 8,17; II Tim 2,12), quem é que honra verdadeiramente a Cristo padecente, morto e ressuscitado, senão quem com ele sofre, morre e ressurge?
Sem dúvida, isto já começou, em todos os fiéis da Igreja, no mistério do batismo, em que a destruição do pecado é a vida do regenerado, e a tríplice imersão figura o estado de morte do Senhor durante três dias, de modo que, removido o aterro da sepultura, a água batismal devolve novos os mesmos corpos que a fonte recebeu velhos. Mas é necessário cumprir na prática, apesar de tudo, o que foi celebrado no sacramento e, para os nascidos do Espírito Santo, enquanto sobrar algo do corpo mortal, não há modo de vida sem carregar a cruz. Portanto, estabeleça-se o cristão onde o Cristo o levou consigo e dirija todos seus passos para o lugar onde sabe que foi salvo o gênero humano.
Com efeito, a Paixão do Senhor se estende até o fim do mundo; e assim como é a ele que, na pessoa dos santos, honramos e amamos, e, nos pobres, alimentamos e vestimos; assim, em todos quantos suportam contrariedades pela justiça, é ele que sofre; ou acaso se deve estimar que, difundida a fé pelo mundo e escasseando o número dos ímpios, acabaram todas as perseguições e todas as campanhas que se assanharam contra os santos mártires? Mas diversa é a experiência dos fiéis servidores de Deus e diversa, também, a doutrina do Apóstolo, que diz: Todos quantos querem viver piamente no Cristo Jesus serão perseguidos. (II Tim 3,12) Não podem ter paz com este mundo, se não forem amigos do mundo; e nunca há comunhão entre a iniquidade e a justiça; nenhuma concórdia da mentira com a verdade; nenhum acordo das trevas com a luz.
Portanto, diletíssimos, a Páscoa santa é celebrada condignamente nos membros santos do corpo de Cristo e nada falta aos triunfos que a Paixão do Salvador alcançou; pois, para os que, a exemplo do Apóstolo, castigam o próprio corpo e o reduzem à servidão (ICor 9,27), os mesmos adversários são esmagados pela mesma força, e agora o mundo é vencido por Cristo.
Sermão LXX de S. Leão Magno
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