S. João da Cruz
Para atingir este estado sublime de união com Deus, é indispensável à alma atravessar a noite escura da mortificação dos apetites, e da renúncia a todos os prazeres deste mundo. As afeições às criaturas são diante de Deus como profundas trevas, de tal modo que a alma, quando aí fica mergulhada, torna-se incapaz de ser iluminada e revestida da pura e singela claridade divina. A luz é incompatível com as trevas, como no-lo afirma São João ao dizer que as trevas não puderam compreender a luz. (Jo 1,5)
A razão está em que dois contrários, segundo o ensinamento da filosofia, não podem subsistir ao mesmo tempo num só sujeito. Ora, as trevas, que consistem no apego às criaturas, e a luz, que é Deus, são opostas e dessemelhantes. É o pensamento de S. Paulo escrevendo aos coríntios: “Que pode haver de comum entre a luz e as trevas?” (2Cor 6,14). Portanto, se a alma não rejeita todas as afeições às criaturas, não está apta a receber a luz da união divina.
Para dar mais evidência a esta doutrina, observemos que o afeto e o apego da alma à criatura a tornam semelhante a esta mesma criatura. Quanto maior a afeição, maior a identidade e a semelhança, porque é próprio do amor fazer o que ama semelhante ao amado. Davi, falando dos que colocavam o amor nos ídolos, disse: “sejam semelhantes a eles os que os fazem; e todos os que confiam neles” (Sl 113,8). Assim, o que ama a criatura desce ao mesmo nível que ela, e desce, de algum modo, ainda mais baixo, porque o amor não somente iguala, mas ainda submete o amante ao objeto do seu amor. Deste modo, quando a alma ama alguma coisa fora de Deus, torna-se incapaz de se transformar nele e de se unir a ele.
A baixeza da criatura é infinitamente mais afastada da soberania do Criador do que as trevas o são da luz. Todas as coisas da terra e do céu, comparadas com Deus, nada são, como disse Jeremias: “Olhei para a terra, e eis que estava vazia, e era nada; e para os céus, e não havia neles luz” (Jr 4,23). Dizendo ter visto a terra vazia, dá a entender todas as criaturas e a própria terra serem nada. Acrescentando: “contemplei o céu e não vi luz – quer significar que todos os astros do céu comparados com Deus são puras trevas. Daí se conclui que todas as criaturas nada são, e as inclinações que nos fazem pender para elas, menos que nada, pois são um entrava para a alma e a privam da mercê da transformação em Deus; assim como as trevas, igualmente, por serem a privação, são nada e menos que nada. Quem está nas trevas não compreende a luz; da mesma forma, a alma colocando sua afeição na criatura não compreenderá as coisas divinas; porque até que se purifique completamente não poderá possuir Deus neste mundo pela pura transformação do amor, nem no outro pela clara visão.
S. João da Cruz, Obras Completas, Subida do Monte Carmelo, Livro I, Cap. III, pp. 147-148
Para atingir este estado sublime de união com Deus, é indispensável à alma atravessar a noite escura da mortificação dos apetites, e da renúncia a todos os prazeres deste mundo. As afeições às criaturas são diante de Deus como profundas trevas, de tal modo que a alma, quando aí fica mergulhada, torna-se incapaz de ser iluminada e revestida da pura e singela claridade divina. A luz é incompatível com as trevas, como no-lo afirma São João ao dizer que as trevas não puderam compreender a luz. (Jo 1,5)
A razão está em que dois contrários, segundo o ensinamento da filosofia, não podem subsistir ao mesmo tempo num só sujeito. Ora, as trevas, que consistem no apego às criaturas, e a luz, que é Deus, são opostas e dessemelhantes. É o pensamento de S. Paulo escrevendo aos coríntios: “Que pode haver de comum entre a luz e as trevas?” (2Cor 6,14). Portanto, se a alma não rejeita todas as afeições às criaturas, não está apta a receber a luz da união divina.
Para dar mais evidência a esta doutrina, observemos que o afeto e o apego da alma à criatura a tornam semelhante a esta mesma criatura. Quanto maior a afeição, maior a identidade e a semelhança, porque é próprio do amor fazer o que ama semelhante ao amado. Davi, falando dos que colocavam o amor nos ídolos, disse: “sejam semelhantes a eles os que os fazem; e todos os que confiam neles” (Sl 113,8). Assim, o que ama a criatura desce ao mesmo nível que ela, e desce, de algum modo, ainda mais baixo, porque o amor não somente iguala, mas ainda submete o amante ao objeto do seu amor. Deste modo, quando a alma ama alguma coisa fora de Deus, torna-se incapaz de se transformar nele e de se unir a ele.
A baixeza da criatura é infinitamente mais afastada da soberania do Criador do que as trevas o são da luz. Todas as coisas da terra e do céu, comparadas com Deus, nada são, como disse Jeremias: “Olhei para a terra, e eis que estava vazia, e era nada; e para os céus, e não havia neles luz” (Jr 4,23). Dizendo ter visto a terra vazia, dá a entender todas as criaturas e a própria terra serem nada. Acrescentando: “contemplei o céu e não vi luz – quer significar que todos os astros do céu comparados com Deus são puras trevas. Daí se conclui que todas as criaturas nada são, e as inclinações que nos fazem pender para elas, menos que nada, pois são um entrava para a alma e a privam da mercê da transformação em Deus; assim como as trevas, igualmente, por serem a privação, são nada e menos que nada. Quem está nas trevas não compreende a luz; da mesma forma, a alma colocando sua afeição na criatura não compreenderá as coisas divinas; porque até que se purifique completamente não poderá possuir Deus neste mundo pela pura transformação do amor, nem no outro pela clara visão.
S. João da Cruz, Obras Completas, Subida do Monte Carmelo, Livro I, Cap. III, pp. 147-148
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