"Faz o que deves", para um cristão, não é o simples imperativo do dever, da obrigação. É a Vontade do seu Senhor. O que é que Deus quer que eu faça em primeiro lugar? Quais são as tarefas prioritárias no dia de hoje, aos olhos de Deus? Isto é o que interessa, o verdadeiramente "necessário".
Pensando friamente no dever, poderíamos chegar todos os dias à noite e acalmar a consciência, dizendo-nos: "Não fiz outra coisa senão trabalhar seja na fábrica ou no escritório, no lar, na escola ou onde quer que se cumpra a obrigação cotidiana.
Em face de Deus, porém, as coisas são diferentes. O Senhor nunca vai sugerir-nos que abandonemos ou descuidemos as nossas obrigações. Mas frequentemente, se soubermos escutá-lo, dirá: hoje, o que é prioritário para ti é dar o passo decisivo para te reconciliares com o teu marido, e acabar de vez com esse mutismo causado pelo teu orgulho ferido; hoje, não deixes de procurar, lá no escritório, um momento propício para conversar com esse colega que anda cada vez mais desorientado e precisa de uma palavra amiga que o encaminhe; hoje, aproveita o intervalo do almoço, e vai consultar com um sacerdote esse problema de consciência que te atormenta, e cuja resolução já adiaste demais; hoje, começa a pôr em prática o propósito de te levantares antes, de rezar a oração da manhã com pausa e ler umas palavras do Evangelho, que sejam luz para o coração ao longo do dia...
Mas essa voz, essas "palavras" do Senhor, só podem ser ouvidas - é preciso insistir neste ponto - se soubermos recolher-nos em silêncio na presença de Deus, pensar sinceramente na nossa vida e fazer oração.
Todos os cristãos deveríamos estabelecer e manter - e defender como algo de sagrado - pelo menos dez ou quinze minutos diários dedicados à meditação e ao exame da vida na presença de Deus: de manhã, antes de iniciar as atividades; ou pouco antes de recolher-nos para descansar; ou aproveitando a possibilidade de visitar uma igreja numa hora tranquila, quando o silêncio do templo convida ao diálogo íntimo com Deus... Porque é nesses momentos que a alma, com a graça divina, se torna transparente, se liberta da terrível força centrífuga do ativismo, e consegue voltar para o seu centro, esse "centro da alma" de que falam os místicos, onde se encontra com Deus. Para quem quer escutá-lo, aí Deus sempre fala.
E a voz de Deus - como antes lembrávamos - é a que nos esclarece as prioridades e ajuda a hierarquizar pela ordem de importância, os deveres a cumprir. Assim, estamos em condições de "escolher" com "atenção esmerada e cuidadosa". Passamos a ser diligentes.
É importante, neste ponto, perceber que o fato de um dever ser prioritário não significa, via de regra, que se lhe tenha que dedicar maior quantidade de tempo. Há duas maneiras de dar prioridade a alguma obrigação, sem necessidade de prejudicar o tempo exigido pelas ocupações habituais.
Em primeiro lugar, vive-se uma tarefa como prioritária quando se dá importância primária à qualidade com que se realiza. Assim, a um homem que deve trabalhar por longas horas para sustentar a família, Deus muitas vezes lhe sugerirá: no dia de hoje, é prioritário dar ouvidos às preocupações da tua esposa, dedicar uma palavra de estímulo àquele filho. Isto não significa que Ele nos peça um tempo de que não dispomos. Pede-nos, sim, que, dentro do pouco tempo disponível, demos maior qualidade - qualidade de carinho, de intensidade de interesse, de afabilidade - ao relacionamento com os da nossa casa.
Há ainda uma segunda maneira de dar prioridade a um dever, cuja importância percebemos meditando na presença de Deus: a prioridade cronológica. Não a que consiste - repitamos de novo - em lhe dedicar longo tempo. Mas a que consiste em fazê-lo quanto antes.
Pensemos, a esse respeito, na facilidade com que empurramos para depois deveres que certamente julgamos primordiais. Temos consciência de que alguma coisa é importante e não pode ser largada; mas iludimo-nos, dizendo: "Mais tarde"; ou então: "Logo que me sobrar um pouco de tempo". Infelizmente, esse tipo de reações é frequente quando se trata de deveres ara com Deus: missa dominical, oração, etc., ou de deveres relacionados com o serviço do próximo.
Seria lamentável que reservássemos para esses deveres, que consideramos importantes - e que são ressonâncias de apelos divinos -, somente as sobras do tempo. No entanto, é isto o que fazemos com frequência: deixar o refugo do nosso tempo para as exigências do amor de Deus e do amor ao próximo. E aí não há diligência, porque não há amor. A diligência acha sempre o modo de preservar as precedências. A diligência ama o antes e detesta o depois.
Francisco Faus, A Preguiça. São Paulo: Quadrante, 1993. pp. 30-33
Francisco Faus, A Preguiça. São Paulo: Quadrante, 1993. pp. 30-33
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