No dia de hoje, 30 de maio, celebramos o Mistério do Corpo de Deus, deixado à disposição dos homens para que se santifiquem e possam ter a maior intimidade com o próprio Cristo. É a festa da fonte e do ápice da Igreja, isto é, de onde ela surge e para onde ela ruma. A Eucaristia é, portanto, Deus! Nada menos que isso.
Ditas estas coisas, percebamos algumas implicações:
Primeiro, é falso dizer, com os sincretistas, que é mais aquilo que nos une aos protestantes de modo a podermos forçar um tipo de união espiritual sob o preço de dispensar as diferenças. Uma destas diferenças é justamente a Eucaristia que, como dissemos, é o ápice da Igreja e é Deus. Que espécie de coisa seria mais importante que isso? Tapinhas nas costas? Sorrisinhos? Isto não significa, é óbvio, que devamos ter os protestantes como inimigos - eu já prevejo alguém usando, como objeção, as palavras de Sto Atanásio e que, sinceramente, não se aplicam aqui -; bem ao contrário, devemos ser corteses e amigáveis. Porém, disto não se conclui que devamos relativizar as coisas. A comunhão com o Corpo de Cristo é um direito e, poderíamos dizer, um dever de todos nós, inclusos os protestantes. Daí que abrir mão da evangelização ou, se quiserem, do proselitismo, é o mesmo que dispensá-los, abandoná-los e nos contentarmos com as aparências de simpatia. Se não entendemos isso é porque nos falta a Fé.
Segundo, é muito triste constatar que Deus, como um namorado dedicado, vem do céu e se hospeda no nosso mundo, na nossa proximidade, talvez na esquina da nossa rua, e nós, como sujeitos desinteressados e dados à infidelidade, não Lhe vamos ver ao mesmo tempo em que acreditamos piamente amá-Lo sobre todas as coisas. Seria o caso de nos perguntarmos: quem nos ensinou a mentir de modo tão descarado para nós mesmos? Somos tão bons nisso que nós mesmos acreditamos.
Terceiro, já dizia alguém: tu és aquilo que tu comes. Não à toa Jesus vem a nós como um alimento, literalmente. Quando fazemos algum esporte ou desempenhamos algum trabalho que nos exija força e preparo, orientam-nos logo uma boa dieta, um cuidado com os alimentos para que possamos tirar forças daquilo que ingerimos. Ora, nenhum trabalho ou nenhuma atividade sequer se assemelham àquela na qual estamos empenhados: o seguimento de Jesus. Isto é tal que exige de nós todas as nossas forças e o devotamento de todo o nosso ser. Jesus, portanto, à semelhança do que fez com o profeta Elias, nos providencia esta pão misterioso, este alimento que, à diferença dos outros, fortalece não só o nosso corpo, mas aquilo de mais excelente em nós: a nossa alma. Comungar a Jesus é, portanto, a garantia de se ter a força necessária para esta jornada. Abandoná-Lo é suicidar-se por inanição. E nisso há uma diferença fundamental com relação ao nosso alimento ordinário: Sto Agostinho nota que, na comum ordem das coisas, quando comemos algo aquilo será assimilado pelo nosso organismo e o alimento como que se transforma ou se converte em nós. No caso da Eucaristia, acontece o contrário: somos nós que nos transformamos n'Aquele que comungamos. Se a vida cristã pode e deve ser entendida como uma imitação do Cristo, ela encontra na Eucaristia o seu ponto mais necessário.
Quarto, quando queremos simbolizar o nosso amor, dizemos que a outra pessoa mora dentro de nós. Talvez seja por isso que, numa das demonstrações mais típicas de afeto, o abraço, estreitamos o outro ao nosso corpo como que querendo pô-lo para dentro do nosso ser. "Perto estás se dentro estás", costumamos dizer. Na Eucaristia, portanto, ocorre a máxima intimidade: Deus é mesmo posto dentro de nós e faz morada da nossa alma. O fato de nós O recebermos visivelmente nos dá uma viva consciência deste processo, o que possibilita um atento consentimento nosso. Teremos o próprio Deus dentro de nós num auge de intimidade. Ele estará lá: só Ele e eu. Não é preciso esperar; n'Ele não há pressa. Ele respeita em absoluto a nossa casa, de modo que, se O deixamos sozinho, como infelizmente é muito frequente acontecer, Ele não reclama, pois a solidão tem sido, muitas vezes, a sua única companheira. E é muito possível e provável que, mesmo deixado só, Ele limpe uma coisa ou outra lá dentro, dê ordem a certas bagunças e conserte certos rasgos. É por isso verdadeira a música que diz: "Tu, mais íntimo de mim do que eu mesmo...". Deus sabe mais de nós do que nós mesmos. Ele nos observa desde dentro. E é por isso que deveríamos nos abandonar de vez aos Seus cuidados. Este abandono é potencializado na Eucaristia. Recebemo-Lo.. Pomo-lo dentro de nós e, então, Ele nos insere na vastidão do Seu próprio Ser.
Por fim, receber a Eucaristia é também um símbolo muito bonito da Sua Encarnação. De todas as criaturas, nenhuma encantou tanto a Deus como a Virgem Santíssima. Por isso, Ele quis vir à terra e encerrar-Se no seio de Maria. Se a Mãe lhe proverá os tecidos físicos pelos quais operará mais tarde em nosso mundo, era o Filho a vida da alma da Mãe. Hoje, também, quando recebemos a Eucaristia, Deus entra fisicamente - oh mistério - em nosso ser, pelo que ocorre um certo modelo de encarnação. Somos como Maria ao recebê-Lo e devemos procurar ter as mesmas disposições dela. Um dos santos diz que nenhuma preparação para a recepção da Eucaristia é tão eficaz como a que se faz por meio de Maria. Eis, então, Jesus "encarnando-Se" novamente em nós, como que pedindo para que imitemos a Sua mãe e para que lhe provamos, mais uma vez, as "carnes", isto é, as possibilidades de atuar no mundo através de nós. Jesus deve ser a vida da nossa alma, Aquele que a nutre e sustenta, dá brilho, calor e vigor de modo que, assim como Maria, nós possamos encarná-Lo em nós, nos vestirmos d'Ele, assumir visceralmente o Seu jeito, o Seu modo de ver e de viver. É assim que poderemos ser uma via da ação de Deus no mundo. Se Maria, com uma simples saudação, era capaz de comunicar o Espírito Santo, isto se devia ao seu esvaziamento pessoal que fora preenchido por Jesus. Também Paulo expressa de modo perfeito este mistério: "não sou eu quem vive; é o Cristo quem vive em mim." Eis, portanto, o que se torna possível a partir da pura e devota recepção do Santíssimo Sacramento, Mistério dos mistérios, que celebramos no dia de hoje. Agradeçamos muito a Deus por este pão do céu, dado por amor dos homens e que, à força de nos amar tanto, submete-se aos maiores desprezos, colhendo as migalhas do nosso dito amor. Que a Virgem Maria nos ensine a viver este amor como Ela: totalmente rendidos, abandonados e zelosos da glória de Deus e da conversão das almas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fique à vontade para comentar. Mas, se for criticar, atenha-se aos argumentos. Pax.